RESUMO: Trata-se de artigo científico cujo objetivo é analisar o § 2º, do artigo 477, do Código Processual Penal frente aos Direitos e Garantias Fundamentais, previstos na Constituição da República Federativa do Brasil.
Palavras-chaves: §2º, do artigo 477, do Código de Processo Penal, mais de um acusado na Sessão Plenária do Tribunal do Júri, Garantias Fundamentais, Constituição Federal.
SUMÁRIO: Introdução. 1. O §2º, do artigo 477, do Código de Processo Penal. 2. A função do Processo Penal. 3. Da aplicabilidade das normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais. 4. Do Princípio da Igualdade ou da Isonomia. 5. Do Princípio da Ampla Defesa. 6. Do Princípio do Contraditório. 7. Do Princípio do Devido Processo Legal. 8. Do Princípio da Plenitude de Defesa. Conclusão. Referências
Introdução
Trata-se de um estudo realizado com o objetivo de analisar o § 2º, do artigo 477, do Código de Processo Penal, o qual prevê que caso tenha mais de um acusado na Sessão Plenária do Tribunal do Júri, o tempo de debates orais para as defesas serão acrescidos de uma hora e dividido entre os Advogados de defesa dos acusados.
Após a análise do citado dispositivo legal, faremos uma abordagem sobre função precípua do processo penal, passando a abordar a aplicabilidade dos direitos e garantias fundamentais, em seguida discorrendo acerca dos direitos e das garantias fundamentais como Isonomia, Ampla Defesa, Contraditório, Devido Processo Legal e Plenitude de Defesa frente a citada norma infraconstitucional.
Finalmente, buscaremos expor nossa conclusão acerca da problemática, discorrendo de qual a situação da norma processual frente as garantias fundamentais, demonstrando nossa posição acerca do tema.
1. O §2º, do artigo 477, do Código de Processo Penal
Preliminarmente, antes de adentrar a problemática, temos que transcrever o dispositivo em estudo o qual prevê o seguinte:
Art. 477. O tempo destinado à acusação e à defesa será de uma hora e meia para cada, e de uma hora para a réplica e outro tanto para a tréplica.
§ 1o Havendo mais de um acusador ou mais de um defensor, combinarão entre si a distribuição do tempo, que, na falta de acordo, será dividido pelo juiz presidente, de forma a não exceder o determinado neste artigo.
§ 2o Havendo mais de 1 (um) acusado, o tempo para a acusação e a defesa será acrescido de 1 (uma) hora e elevado ao dobro o da réplica e da tréplica, observado o disposto no § 1o deste artigo. [1]
Sobre o citado dispositivo legal o Doutor Denilson Feitoza aduz o seguinte:
[…]
Nos debates, o tempo destinado à acusação e à defesa será de uma hora e meia (não mais duas horas) para cada, e de uma hora para a réplica (não meia hora) e outro tanto para tréplica (art. 477, caput), ou seja, respectivamente: 1h 30min, 1h 30min, 1h e 1h.
Havendo mais de um acusado, o tempo para acusação e a defesa será acrescido de uma hora e elevado ao dobro o da réplica e da tréplica (art. 477, §2º), ou seja, respectivamente: 2h 30min, 2h 30min, 2h e 2h.
Todavia, havendo mais de um acusador ou mais de um defensor, combinarão entre si a distribuição do tempo, que, na falta de acordo, será dividido pelo juiz-presidente, de forma a não exceder o determinado acima (art. 477, §1º). [2]
Na mesma linha, os Promotores de Justiça Pedro Demercian e Jorge Maluly, afirmam o seguinte:
[…]
Terminada a inquirição das testemunhas, o Promotor produzirá a acusação, isto é, iniciará os debates (arts. 476 e 477 do CPP). As partes disporão de 1 (uma) hora e ½ (meia) para a sustentação em plenário; a acusação de 01 (uma) hora para a réplica; e a defesa, de igual período para a tréplica (art. 477, CPP).
[…]
Havendo mais de um réu, o tempo para as partes será acrescido em uma hora e dobrado na réplica e tréplica (art. 477, § 2º, CPP). [3]
Como se verifica, as doutrinas pesquisadas não se pronunciam quanto a constitucionalidade do § 2º, do artigo 477, do Código de Processo Penal, os autores se limitam tão somente a expor o tema e dar uma explicação acerca da matéria, não abordando o citado dispositivo frente aos direitos e garantias fundamentais, que é o objeto deste trabalho.
Diante do citado dispositivo legal, e do entendimento dos doutrinadores, passemos a discorrer neste tópico somente do seu conceito literal.
Assim, conforme preceitua a citada norma processual, em seu caput, há tão somente a previsão de que nos debates orais na sessão plenária do tribunal do júri, o tempo destinado para a acusação e para a defesa é de uma hora e meia para cada, ou seja, a acusação fará jus a uma hora e meia para sustentar suas teses e a defesa também fará jus ao mesmo tempo para sustentar as teses defensivas. Quanto a réplica e a tréplica, o dispositivo diz que ambas será de uma hora.
Quanto ao § 1º, o dispositivo afirma que caso tenha mais de um acusador ou mais de um defensor, o tempo dos debates orais, serão divididos entre eles, e caso não haja acordo será dividido pelo Juiz-Presidente do Tribunal do Júri, e ainda diz que o tempo total dos debates orais da acusação e da defesa mesmo que haja mais de um acusador ou defensor, não excederá o determinado pelo caput do artigo, ou seja, uma hora e meia nos debates e mais uma hora para a réplica e outro tanto para a tréplica.
O § 2º prevê que caso haja mais de um acusado, o tempo para os debates orais da acusação e da defesa, serão acrescidos de uma hora, ou seja, uma hora e meia mais uma hora sendo o total de duas horas e meia, já no caso da réplica e da tréplica será elevado ao dobro, passando a ser de duas horas, e deverá ainda ser observado o que dispõe o § 1º, sendo que este tempo deverá ser dividido entre as partes do polo ativo e as partes do polo passivo, caso haja mais de um, e caso não haja um acordo entre eles o Juiz-Presidente irá dividir o tempo.
Acerca do citado dispositivo legal, a jurisprudência pátria não tem muitas decisões acerca do assunto, sendo assim, a única em que achamos após as devidas buscas foi o Acórdão proferido pela Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Acre no Habeas Corpus n. 148 AC 2009.000148-7, que diz o seguinte:
Argumenta-se que a decisão de primeiro grau, que indeferiu idêntico pedido, traduz ilegalidade, uma vez que carente de fundamentação, bem como porque, em síntese, obstaculiza o exercício da plenitude de defesa.
No entanto, os elementos de informação trazidos aos autos apontam em sentido contrário.
A decisão questionada está acostada às fls. 17/22, de onde se infere que, não obstante tenha negado a separação do julgamento do réu/paciente, determinou a separação dos processos de números 001.07.011947-4, 001.07.011946-6 e 001.03.006605-1 dos autos de número 001.99.010284-0, com fundamento no prejuízo que a reunião trouxe para celeridade processual, haja vista a pluralidade de delitos e réus.
Outrossim, está evidente a impossibilidade de se albergar o pedido do impetrante, pois conforme texto expresso de lei, sendo dois ou mais os acusados, somente haverá separação de julgamentos quando, em virtude das recusas, não se obtiver o número mínimo de jurados para compor o Conselho de Sentença (art. 469, § 1º, do CPP, de acordo com a redação dada pela lei 11.689/08).
Com efeito, dentre as reformas sofridas pelo Código de Processo Penal, a do júri tem como nota principal a busca da celeridade processual que se materializa, sobretudo, através da simplificação do procedimento e da quesitação.
Nesse sentido, a separação dos julgamentos doravante tornou mais difícil, seja em virtude da possibilidade de ocorrer o julgamento sem a presença física do acusado, seja porque a separação decorrente das recusas de jurados somente ocorrerá se não se obtiver o número mínimo de jurados (sete) para composição do Conselho de Sentença.
E nem se diga que tais alterações padecem de inconstitucionalidade, pois, conforme muito bem sublinhado pelo procurador de justiça atuante no feito, o projeto que resultou na lei 11.689/08 tramitou no Congresso Nacional, tendo passado pelo controle preventivo de constitucionalidade e, até agora, não foi objeto de argüição de inconstitucionalidade, perante o STF.
De outro norte, não se avista como o julgamento conjunto do paciente e demais acusados possa prejudicar o exercício de sua ampla defesa.
Ora, é cediço que tanto a acusação quanto a defesa possuem o mesmo tempo para desempenhar seu ofício, em plenário de julgamento (uma hora e meia, segundo art. 477, caput , do CPP). No caso de ser mais de um réu, acrescer-se-á uma hora (art. 477, § 2º, do CPP), totalizando duas horas e meia para a acusação e duas horas e meia para a defesa. Havendo defensores diferentes a divisão do tempo far-se-á por acordo e, em caso de não entendimento, por decisão do juiz (art. 477, § 1º, do CPP).
Assim, considerando que serão 04 (quatro) réus a serem julgados, no intervalo de duas horas e meia a acusação deverá expor as suas razões, obviamente, em relação aos 04 (quatro) acusados, da mesma forma que a defesa disporá de duas horas e meia para fazer a sua sustentação, referentemente aos 04 (quatro) acusados.
Portanto, a meu sentir, respeita-se o contraditório e paridade de armas entre as partes, mantendo-se o equilíbrio na equação acusação/defesa. [4] (grifo nosso)
De acordo com o citado julgado, parece-me que a defesa alegou inconstitucionalidade do dispositivo legal por infringir o princípio da plenitude de defesa o que foi afastado pelo tribunal, alegando que a lei antes de ser sancionada passou pelo controle de constitucionalidade preventivo, porém o Magistrado esqueceu de que há a possibilidade da lei já em vigor passar pelo controle de constitucionalidade repressivo, quando sancionada esta lei também poderá ser novamente analisada frente a Carta Magna, através do controle de constitucionalidade repressivo.
Quanto a paridade entre as armas de acusação e de defesa, no sentido de que ambos terão o mesmo tempo, há um equívoco, considerando que a acusação, geralmente o Parquet, acusa os réus de agirem em co-autoria ou participação, sendo imputado o mesmo contexto fático aos co-autores ou partícipes, já as teses defensivas, quando temos vários defensores de réus diferentes, cada um sustentará sua tese defensiva, que muitas vezes serão diferentes das teses dos demais defensores, e quando há esta limitação do tempo, não há como falar em paridade de armas, uma vez que a acusação dispôs de um amplo tempo para uma tese de acusação, enquanto as defesas dos diferentes réus cada um teve seu tempo reduzido para na maioria das vezes apresentarem teses diversas, concluindo, a acusação geralmente terá duas horas e meia para sustentar uma tese de acusação, enquanto os defensores terão duas horas e meia para sustentar mais de uma tese defensiva. Nesse rumo, no caso em debate, não há paridade entre as armas das partes, ou seja, houve equívoco no entendimento acima mencionado.
Apesar, de não haver enfrentamento a respeito da constitucionalidade do § 2º, do artigo 477, do Código de Processo Penal, nem por parte da jurisprudência e nem da doutrina, passamos a análise da questão.
2. A função do Processo Penal
Para tratarmos da função do processo penal, vale citar o que o que o Mestre Eduardo Luiz, em sua obra acerca do processo penal, fala sobre a função do processo penal:
Toda e qualquer ingerência estatal na esfera privada do indivíduo há que submeter aos limites impostos pela legalidade e legitimidade. Eis, portanto, a tarefa do processo penal no sentido de viabilizar a preservação dos direitos e garantias fundamentais constitucionalmente tutelados. […] [5] (grifo nosso)
Tratando ainda da função do processo penal, o promotor de justiça Paulo Rangel, em sua obra acerca do processo penal afirma o seguinte:
[…]
O processo, como unidade, tem como finalidade principal assegurar ao acusado os direitos previstos na Constituição da República, visando ao acertamento do caso penal, apresentando-se como instrumento técnico, público, político e ético, do exercício da jurisdição (Tucci, Rogerio Lauria. Teoria do Direito Processual Penal: Jurisdição, Ação e Processo Penal – Estudo Sistemático. São Paulo: RT, 2002, p. 41).
O processo penal, enquanto instrumento de efetivação das garantias constitucionais, é uma segurança do cidadão de que, uma vez acusado da prática de um crime, serão assegurados a ele todos os mecanismos de proteção contra atos arbitrários por parte do Estado, pois seu status de não-culpabilidade se mantém intacto, enquanto não houver sentença penal condenatória transitada em julgado. Logo, diferente do que se possa pensar, a instauração de um processo criminal é a certeza que o indivíduo tem de que seus direitos serão respeitados. Imaginem o indivíduo ser acusado de cometer um crime hoje, e hoje mesmo o Estado puni-lo? Seria o caos no seio da sociedade.
A jurisdicionalização da pena é uma verdadeira garantia da pessoa tida como infratora da norma penal, pois, inadmitida sua imposição imediata, substitui-se “o império da violência privada pelo regime do direito” (Tucci, Rogerio Lauri. Ob. cit., p. 42). [6]
Diante das citações doutrinárias acerca da função do processo penal, não resta dúvidas de que é a de garantir aos cidadãos os direitos e garantias fundamentais previstos no Título II – DOS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS, da Constituição.
Assim, quando temos a garantia de que seremos processados e julgados através do devido processo penal, tal garantia busca coibir possíveis arbitrariedades que porventura o julgador possa cometer, além de estabelecer as regras prévias de julgamento.
Ante o ora demonstrado o processo penal tem a função de garantir aos estrangeiros e aos cidadãos brasileiros que não serão condenados, senão após o devido processo penal observado as garantias e os direitos fundamentais os quais vedam qualquer possibilidade de arbitrariedade do julgador.
3. Da aplicabilidade das normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais
A respeito da aplicabilidade dos direitos e garantias fundamentais, alocadas no caput e nos vários incisos do artigo 5º da Carta Magna, o § 1º, do citado dispositivo constitucional, dispõe o seguinte: “§ 1º - As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.” [7]
Neste contexto, não resta dúvidas de que em regra, a aplicabilidade dos direitos e garantias fundamentais é imediata, exceto quando o direito ou a garantia fundamental necessita de lei para ter aplicabilidade o que não é o caso das garantias fundamentais que serão estudadas adiante que tem a aplicação imediata.
4. Do Princípio da Isonomia
Previsto no caput do artigo 5º, da Constituição Federal, que diz o seguinte: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, […]” [8] Consoante tal disposição constitucional, constata-se que é um direito, uma garantia fundamental aos brasileiros e estrangeiros, de serem iguais perante a lei, sendo que as normas infraconstitucionais não poderão prever distinções/discrimine entre os cidadão.
Sobre o princípio da igualdade o Mestre José Afonso da Silva afirma que: “É que a igualdade constitui o signo fundamental da democracia. Não admite os privilégios e distinções que um regime simplesmente liberal consagra. […]” [9].
Ainda tratando do princípio da igualdade Cármen Lúcia Antunes Rocha afirma que:
“Igualdade constitucional é mais que uma expressão de Direito; é um modo justo de se viver em sociedade. Por isso é princípio posto como pilar de sustentação e estrela de direção interpretativa das normas jurídicas que compõe o sistema jurídico fundamental”. [10]
No mesmo sentido Ada Pellegrini Grinover afirma: “A igualdade perante o juiz decorre, pois, da igualdade perante a lei, como garantia constitucional indissoluvelmente ligada à democracia.” [11]
Sobre a discriminação, o Professor José Afonso da Silva ainda nos ensina o seguinte:
São inconstitucionais as discriminações não autorizadas pela Constituição. O ato discricionário é inconstitucional.
Há duas formas de cometer essa inconstitucionalidade. Uma consiste em outorgar benefício legítimo a pessoas ou grupos, discriminando-os favoravelmente em detrimento de outras pessoas ou grupos em igual situação. Neste caso, não se estendeu às pessoas ou grupos discriminados o mesmo tratamento dado aos outros. O ato é inconstitucional, sem dúvida, porque feriu o princípio da isonomia.
[…]
A outra forma de inconstitucionalidade revela-se em se impor obrigação, dever, ônus, sanção ou qualquer sacrifício a pessoas ou grupos de pessoas, discriminando-as em face de outros na mesma situação que, assim, permaneceram em condições mais favoráveis. O ato é inconstitucional por fazer discriminação não autorizada entre pessoas em situação de igualdade. […] [12]
Sobre o princípio da igualdade o Professor José Tarcízio afirma: “A isonomia significa também o direito ás mesmas oportunidades, de acordo com as condições pessoais. Não haverá discriminação entre pessoas iguais e o Estado deve favorecer para que o patamar desejável seja obtido pelo maior número de pessoas. ” [13]
Já o doutrinador Alexandre de Moraes, afirma que em regra, os direitos e garantias fundamentais são de eficácia imediata[14], e sobre o princípio da isonomia ainda preleciona o seguinte:
[…] todos os cidadãos têm o direito de tratamento idêntico pela lei, em consonância com os critérios albergados pelo ordenamento jurídico.[15] Dessa forma, o que se veda são as diferenciações arbitrárias, as discriminações absurdas, […]
O princípio da igualdade consagrado pela constituição opera em dois planos distintos. De uma parte, frente ao legislador ou ao próprio executivo, na edição, respectivamente, de leis, atos normativos e medidas provisórias, impedindo que possam criar tratamentos abusivamente diferenciados a pessoas que encontram-se em situações idênticas. Em outro plano, na obrigatoriedade ao intérprete, basicamente, a autoridade pública, de aplicar a lei e atos normativos de maneira igualitária, sem estabelecimento de diferenciações em razão de sexo, religião convicções filosóficas ou políticas, raça, classe social.
A desigualdade na lei se produz quando a norma distingue de forma não razoável ou arbitrária um tratamento específico a pessoas diversas. Para que as diferenciações normativas possam ser consideradas não discriminatórias, torna-se indispensável que exista uma justificativa objetiva e razoável, de acordo com critérios e juízos valorativos genericamente aceitos, cuja exigência deve aplicar-se em relação à finalidade e efeitos da medida considerada, devendo estar presente por isso uma razoável relação de proporcionalidade entre os meios empregados e a finalidade perseguida, sempre em conformidade com os direitos e garantias constitucionalmente protegidos.
Assim, os tratamentos normativos diferenciados são compatíveis com a Constituição Federal quando verificada a existência de uma finalidade razoavelmente proporcional ao fim visado. [16]
Importante, igualmente, apontar a tríplice finalidade limitadora do princípio da igualdade – limitação, ao intérprete/autoridade pública e ao particular. [17] O legislador, no exercício de sua função constitucional de edição normativa, não poderá afastar-se do princípio da igualdade, sob pena de flagrante inconstitucional. Assim, normas que criem diferenciações abusivas, arbitrárias, sem qualquer finalidade lícita, serão incompatíveis com a Constituição Federal.
O intérprete/autoridade pública não poderá aplicar as leis e atos normativos aos casos concretos de forma a criar ou aumentar desigualdades arbitrárias. Ressalte-se que, em especial o Poder Judiciário, no exercício de sua função jurisdicional de dizer o direito ao caso concreto, deverá utilizar os mecanismos constitucionais no sentido de dar uma interpretação única e igualitária às normas jurídicas. […] [18]
Assim, diante do já citado fica evidente que nos termos da Constituição a regra é a isonomia, não podendo a lei infraconstitucional tratar de maneira desigual os iguais, exceto como nos ensina o filósofo Aristóteles que afirma que os iguais devem ser tratados de forma igual e os desiguais de forma desigual na medida de suas desigualdades.
5. Do Princípio da Ampla Defesa
Situado no inciso LV, do artigo 5º, da Constituição, o princípio da ampla defesa garante aos litigantes em processo judicial ou administrativo e aos acusados em geral a ampla defesa, ou seja, o Estado é obrigado a garantir aos litigantes em geral os meios necessários a sua defesa.
O Professor Alexandre de Moraes a respeito da garantia fundamental da ampla defesa afirma o seguinte:
Por ampla defesa entende-se o asseguramento que é dado ao réu de condições que lhe possibilitem trazer para o processo todos os elementos tendentes a esclarecer a verdade ou mesmo de omitir-se ou calar-se, se entender necessário… [19]
Diante desse contexto fático, a ampla defesa é a garantia que o Estado assegura aos litigantes de utilizarem todos os meios legais para efetivar sua defesa, ou seja, a todos é garantido o direito ao exercício da autodefesa e o direito a defesa técnica por profissional habilitado.
6. Do Princípio do Contraditório
Alocado no mesmo dispositivo constitucional que o princípio da ampla defesa, o princípio do contraditório é a possibilidade que é dada aos litigantes em geral de conhecer, rebater, de expor suas versões sobre a acusação e as alegações em geral. Para que seja garantido o princípio do contraditório, é necessário que seja observado o conhecimento, a participação e a possibilidade de influir na decisão do julgador.
O doutrinador Alexandre de Moraes a respeito do contraditório entende que o contraditório:
…é a própria exteriorização da ampla defesa, impondo a condução dialética do processo (par conditio), pois a todo ato produzido pela acusação caberá igual direito da defesa de opor-se-lhe ou de dar-lhe a versão que melhor lhe apresente, ou, ainda, de fornecer uma interpretação jurídica diversa daquela feita pelo autor. [20]
Assim, a ampla defesa e o contraditório se complementam, sendo os pilares do Estado de Direito, uma vez que enquanto por ampla defesa entende-se que é assegurado aos litigantes dos meios necessários à sua defesa, o contraditório é a garantia que é dada aos polos do litígio de opor-se, de dar sua versão dos fatos, ou até mesmo de alegar a melhor interpretação jurídica do caso segundo seu entendimento.
7. Do Princípio do Devido Processo Legal
Preliminarmente, é necessário frisar que para falar em devido processo legal, obrigatoriamente deverá ser observado as garantias da ampla defesa e do contraditório.
Por devido processo legal entende-se que a consecução, o desenvolver processual, deverá observar tanto os direitos e garantias fundamentais, como também o seu rito próprio estabelecido na legislação infraconstitucional, ou seja, o processo deverá ser legal, correto, possibilitar as partes tanto o direito defesa, quanto a possibilidade de contraditar, de dar sua versão acerca dos fatos, não admitindo qualquer arbitrariedade por parte do condutor do procedimento, muito pelo contrário, sendo obrigado nos termos do inciso IX, do artigo 93, da Carta Política, motivar todas as suas decisões.
Neste cotejo, o devido processo legal nada mais é do que o respeito, a obediência tanto por parte do julgador quanto das partes das normas que regulam o processo.
8. Do Princípio da Plenitude de Defesa
Previsto na alínea “a”, do inciso XXXVIII, do artigo 5º, da Constituição, o Princípio da Plenitude de defesa é aplicado no tribunal do júri, que é o rito processual especial utilizado nos crimes dolosos contra a vida e conexos.
Diante das peculiaridades de que tal procedimento, por exemplo, o corpo de jurados que é formado por cidadãos comuns, entendeu por bem o constituinte originário garantir aos acusados no tribunal do júri uma defesa mais abrangente, total, absoluta, completa, sendo assim, a plenitude de defesa é uma garantia constitucional aos acusados no sentido de possibilitar toda e qualquer modalidade de defesa, tanto o Magistrado na primeira fase como o Juiz Presidente na segunda do Tribunal do Júri, tem o dever de garantir ao réu todos os meios hábeis de defesa.
Conclusão
Conforme mencionado o § 2º, do artigo 477, do Código de Processo Penal, preceitua que caso na sessão plenária do tribunal do júri, haja mais de um acusado, nos debates orais tanto a defesa quanto a acusação terão o seu tempo de sustentação adicionado de uma hora. No caso de haver mais de um acusado, as defesas dos acusados terão o mesmo tempo da acusação dividido entre eles. Nesse rumo, tal preceito afronta tanto a ampla defesa, o contraditório, a plenitude de defesa e o devido processo legal, pois não haverá no caso a paridade de armas entre as partes, pois, o tempo destinado para a acusação e para defesa deverá ser o mesmo tempo considerando individualmente, independentemente da quantidade de pessoas que houver na acusação ou na defesa. Ilustrando a inconstitucionalidade do presente dispositivo legal tomemos como exemplo a hipótese de que na acusação termos somente o Ministério Público que via de regra sustenta suas teses em uma ordem que abrange todos os acusados agindo em co-autoria ou participação, ou seja, independe o número de acusados, suas teses serão desenvolvidas abarcando as condutas de todos os acusados. Nesse contexto, a acusação fará jus a duas horas e meia para os debates orais e mais duas horas para a réplica, enquanto a defesa se imaginarmos que tenhamos cinco acusados e que cada um deles constitua um defensor, cada defesor irá desenvolver suas próprias teses defensivas, nos debates orais as duas horas e trinta minutos irão ser divididas entre elas o qual cada uma terá 30 minutos para os debates orais, já na tréplica serão apenas vinte e quatro minutos. No caso, diante do demonstrado fica patente que não há paridade de armas entre as partes, uma vez que a acusação terá menos teses a serem desenvolvidas, além de possuir o direito ao tempo bem superior ao das defesas considerados individualmente.
A aplicação do citado § 1º do artigo 477, do Código de Processo Penal, ilustrativamente, ficaria da seguinte forma:
Tempo da Acusação |
Quantidade de Acusados |
Tempo da Defesa individual de cada acusado |
||
Debates |
Réplica |
Debates |
Tréplica |
|
1h 30min |
1h |
1 |
1h 30min |
1h |
2h 30min |
2h |
2 |
1h 15min |
1h |
2h 30min |
2h |
3 |
50min |
40min |
2h 30min |
2h |
4 |
37min 50seg |
30min |
2h 30min |
2h |
5 |
30min |
24min |
2h 30min |
2h |
6 |
25min |
20min |
2h 30min |
2h |
7 |
21min 42seg |
17min 14seg |
2h 30min |
2h |
8 |
18min 75seg |
15 min |
O processo penal é instrumento fundamental no Estado de Direito, pois é através dele que se observa, garante aos litigantes em geral seus direitos e garantias constitucionais, o Estado busca fazer o que é justo, sem desrespeitar os direitos e garantias individuais prevista no Título II, Capítulo I, da Constituição, mais precisamente no artigo 5º e seus incisos e parágrafos, sendo assim, não há que se falar em condenação justa com desrespeito ao devido processo legal.
No que concerne a aplicabilidade dos direitos e garantias fundamentais, o §1º do artigo 5º, da Carta Magna, prevê a aplicação imediata dos direitos e garantias, não se faz necessário regulamentação ou qualquer outro instrumento para efetivar a sua aplicação, tendo aplicabilidade em qualquer caso desde logo e diretamente, ou seja, conforme demonstrado o mencionado dispositivo do Código Processual Penal deverá ser imediatamente afastado, uma vez que afronta vários direitos e garantias fundamentais.
Quanto ao princípio da igualdade ou isonomia, o § 2º, artigo 477, do Código de Processo Penal afronta tal princípio que diz que todos são iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza. No caso, quando se permite que nos julgamentos no tribunal do júri o acusado que for processado individualmente terá o tempo integral de debates para efetuar sua defesa. Por outro lado, quando houver mais de um acusado o tempo de defesa será acrescido de uma hora e dividido entre as partes, há um tratamento desigual entre situações semelhantes, pois tanto poderá ocorrer o caso de haver um único acusado, como por questões processuais poderá também ocorrer o desmembramento do feito, hipótese em que acusados que atuaram em co-autoria ou participação terão possibilidades diversas de defesa, uma vez que o acusado que responde sozinho ao processo penal terá maiores garantias de defesa, enquanto os acusados que respondem em conjunto no mesmo feito penal terão suas defesas prejudicadas, pois o tempo previsto para a defesa será diminuído, sendo assim, a própria legislação induz o defensor a tentar a qualquer custo o desmembramento do feito, com a finalidade de garantir a eficiente e justa defesa do acusado, contando com o tempo integral nos debates orais e na tréplica.
No pertinente a ampla defesa, quando se refere a redução do tempo de defesa por ter mais de um acusado, a defesa que a Constituição garante ser ampla será restringida, pois haverá grandes restrições a defesa e ao próprio contraditório, uma vez que a acusação que terá o tempo integral para o debate de uma ou algumas teses, enquanto as várias defesas terão o tempo reduzido para a defesa de várias teses comprometendo o contraditório, pois a arma da acusação é superior ao da defesa. Nesse rumo, será inviável para as defesas contraditarem os termos da acusação, uma vez que o tempo da defesa, considerado individualmente, é inferior ao tempo da acusação.
Especificamente no Tribunal do Júri, a Constituição garante aos acusados em geral não só a ampla defesa, mas também a plenitude de defesa que segundo alguns autores é uma defesa mais ampla, entendo ser uma garantia maior do que a ampla defesa por se tratar de um julgamento atípico em que os julgadores são pessoas comuns do povo e não juristas, sendo assim, entendemos que o legislador constituinte através da plenitude de defesa quis garantir todos os meios hábeis de defesa aos acusados processados sob o rito do tribunal do júri. Neste diapasão, quando se fala em limitar, ou diminuir o tempo dos debates orais da defesa, o legislador está restringindo a plenitude de defesa, está na verdade limitando a defesa dos acusados.
Quanto ao devido processo legal, é outra garantia constitucional em que o citado dispositivo infraconstitucional afronta, pois por devido processo legal entende-se que os direitos e garantias constitucionais deverão ser observados e respeitados, e quando se fala em desrespeito aos princípios constitucionais da isonomia, ampla defesa, contraditório e plenitude de defesa, consequentemente haverá flagrante inobservância, desrespeito ao devido processo legal.
Diante do exposto, verifica-se que o § 2º, do artigo 477, do Código de Processo Penal, é inconstitucional, uma vez que afronta os direitos e garantias constitucionais da isonomia, ampla defesa, contraditório, plenitude de defesa e devido processo legal.
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[1] BRASIL. Código de Processo Penal. Artigo 477. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689.htm Acessado em 30 nov2019.
[2] FEITOZA, Denilson. Reforma Processual Penal: Leis 11.689/2008, 11.690/2008 e 11.719/2008: uma abordagem sistêmica. Niterói: Impetus, 2008. p. 149
[3] DEMERCIAN, Pedro Henrique; MALULY, Jorge Assaf. Curso de Processo Penal. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 495.
[4] BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Acre. Habeas Corpus n. 2009. 000148-7, da relatoria do Desembargador Arquilau de Castro Melo. Disponível em: https://esaj.tjac.jus.br/cjsg/getArquivo.do?cdAcordao=8885&cdForo=0 Acessado em: 30 nov2019.
[5] CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Interceptação Telefônica. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 01.
[6] RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 16. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 475.
[7] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, § 1º, do artigo 5º. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm Acessado em 30 nov2019.
[8] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, caput, do artigo 5º. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm Acessado em 30 nov2019.
[9] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 32. ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 211.
[10] Apud: SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 32. ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 214.
[11] Apud: SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 32. ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 218.
[12] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 32. ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 227/229.
[13] MELO, José Tarcízio de Almeida. Direito Constitucional do Brasil. Belo Horizonte: Del Rey, 2008. p. 316.
[14] MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 23. ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 32.
[15] Apud: MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 23. ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 36.
[16] Apud: MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 23. ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 37.
[17] Apud: MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 23. ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 37.
[18] MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 23. ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 37.
[19] Idem. P. 106.
[20] Ibidem.
Advogado inscrito na OAB/DF. Advogado Associado ao escritório de Advocacia: Arnaldo Lima & Barbosa e Moreira (Escritório do Ministro aposentado do STJ Arnaldo Esteves Lima). Especialista pelo UniCEUB em Prática Processual nos Tribunais
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PEREIRA, Diogo Esteves. Da inconstitucionalidade do § 2º, do artigo 477, do Código de Processo Penal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 11 dez 2019, 04:19. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/53955/da-inconstitucionalidade-do-2-do-artigo-477-do-cdigo-de-processo-penal. Acesso em: 21 nov 2024.
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