RESUMO: O artigo objetiva analisar de forma breve a criminologia crítica destacando as suas principais características. A criminologia é uma ciência que está diretamente relacionada ao Direito Penal, caracteriza-se por estudar os desvios das normas penais e sociais, o crime, o delinquente, a vítima e o controle social, agrupa conhecimentos a fim de contribuir com o enriquecimento da atividade científica e a compreensão da realidade atual, através da interdisciplinaridade. Ao tratar da criminologia crítica, percebeu-se que a Teoria do Etiquetamento Social dispõe que as condutas só são criminosas quando as instâncias de controle social as rotulam dessa maneira e considera o crime, o criminoso e a criminalidade como resultados desses rótulos. O processamento criminal atual é responsável pela viabilização da permanente criminalização das classes desfavorecidas socioeconomicamente e a intensa proteção das classes dominantes e detentoras de capital, o que acarreta na influencia no processo de criminalização primária e secundária. Verificou-se que ao analisar os aspectos negativos do sistema penal, a criminologia crítica contribui para refletir sobre as mazelas e preconceitos existentes e que tem influenciado negativamente em nosso sistema penal, permitindo com isto, pensar em mudanças no sistema existente.
Palavras-Chave: Criminologia. Criminologia Crítica. Sistema Penal.
ABSTRACT: The article aims to briefly analyze critical criminology by highlighting its main features. Criminology is a science that is directly related to Criminal Law, is characterized by studying the deviations from criminal and social norms, crime, the delinquent, the victim and social control, grouping knowledge in order to contribute to the enrichment of scientific activity and the understanding of current reality through interdisciplinarity. When dealing with critical criminology, it was noticed that the Theory of Social Labeling provides that behaviors are only criminal when the instances of social control label them in this way and considers crime, the criminal and crime as results of these labels. The current criminal processing is responsible for making possible the permanent criminalization of the socio-economically disadvantaged classes and the intense protection of the dominant classes and holders of capital, which has an influence on the process of primary and secondary criminalization. It was found that by analyzing the negative aspects of the criminal justice system, critical criminology contributes to reflect on the existing harms and prejudices that have negatively influenced our criminal justice system, thus allowing us to think about changes in the existing system.
Keywords: Criminology. Critical Criminology. Penal System.
Sumário: 1. Introdução. 2. Criminologia. 2.1 Funções e Finalidades da Criminologia. 2.2 O Objeto, o Método e as Metas da Criminologia. 3 A Criminologia Crítica. 3.1 A Criminalização Primária e Secundária: A Dupla Seleção do Sistema Penal. 3.2. Política Criminal Alternativa. 3.3. Vertente Abolicionista: Abolicionismo Radical Penal. 3.4. Intervenção Penal Mínima: O Direito Penal Mínimo. 4 Considerações Finais. Referências.
1. INTRODUÇÃO
A criminologia surgiu para revolucionar o pensamento acerca da sociedade e dos indivíduos. Especificamente, a criminologia crítica surge como uma ciência responsável por analisar os aspectos negativos do sistema penal
Diretamente ligada ao Direito Penal, a criminologia é uma ciência caracteriza-se por estudar os desvios das normas penais e sociais, o crime, o delinquente, a vítima e o controle social, agrupa conhecimentos a fim de contribuir com o enriquecimento da atividade científica e a compreensão da realidade atual, através da interdisciplinaridade (MOLINA; GOMES, 2006). Este conceito aproxima-se das propostas da criminologia moderna, que teoriza que o desvio nasce de conflitos socioeconômicos.
Para Dias e Andrade (1992, p.66) “criminologia é o estudo das causas do crime, sendo crime os eventos cujo âmbito é definido e delimitado por leis e normas estaduais espacial e temporalmente mutáveis”. A criminologia tem oferecido importantes contribuições para a compreensão crítica acerca do fenômeno do “crime” e do “sujeito” que nele incorre.
A Criminologia Critica revela que há conflito de interesses entre quem está representando o povo e quem é representado.
A Criminologia Crítica mostra que há uma seletividade nos presídios nacionais, com o encarceramento de um público de perfil específico. A grande maioria da população carcerária é composta por crimes de tráfico de drogas, roubo e pequenos furtos, e que ali, sujeitos que poderiam ser recuperados, acabam tornando-se raivosos e ansiosos por vingança contra um sistema desumano que lhes forneceu nada além de doenças por falta de higiene e precariedade generalizada. Isso sem contar os mal julgados e mal enquadrados, que nem em cárcere deveriam ser mantidos.
Diante do exposto, indaga-se: qual a contribuição da criminologia crítica para o sistema penal brasileiro?
O artigo tem como objetivo geral analisar de forma breve a criminologia crítica destacando as suas principais características. Os objetivos específicos, são: destacar aspectos conceituais da criminologia; abordar sobre a função, finalidade, o objeto e o método da criminologia e; apresentar os pontos relevantes da Criminologia Crítica em relação ao sistema penal brasileiro.
A abordagem justifica-se à medida que possibilitará compreender os fundamentos da Criminologia Crítica e a sua relevância para o sistema penal brasileiro.
Quanto à metodologia, utilizou-se a técnica de pesquisa bibliográfica. A revisão bibliográfica caracteriza-se por levantamento de material já elaborado. A pesquisa bibliográfica teve como fontes principais: livros, artigos, materiais publicados em meios eletrônicos e legislação pertinente.
2. CRIMINOLOGIA
Etimologicamente estudando a criminologia com base nos ensinamentos de Penteado Filho (2015), entende-se que criminologia é um termo derivado do latim, crimino, que significa crime.do grego, go logo, que significa tratado ou estudo. Dessa forma, conclui-se ser a criminologia o “estudo do crime”.
Uma definição, na concepção de Crespo (2009, p. 01), “importa, seguramente, segundo os dicionários, em demarcar com exatidão, determinar o significado, precisar o sentido do termo ou impor os limites [...]”.
Para Calhau (2009), trata-se da formulação de uma ideia, expressão sintética, opinião ou juízo que se faz de alguém ou de alguma coisa, com intuito de determinar seu significado, sentido e limites.
Definir e conceituar, na visão de Calhau (2009), são praticamente sinônimos de limitação. Nesse sentido, melhor que conceituar a Criminologia – ou as Criminologias – é apresentar suas respectivas características a fim de transpassar conhecimento e difundir informações que levem ao entendimento do tema em questão.
Crespo (2009) apresenta como características da criminologia, segundo sua prática de trabalho técnico e intelectual a problematização do crime, a interdisciplinaridade e os objetos relevantes para a compreensão da conduta criminosa.
Ao falar sobre a problematização do crime, o supracitado autor considera o crime um fato humano-biopsicossocial e o vincula, como fato social, às condições sociopolíticas vigentes, defendendo a ideia de que o crime é um fato complexo que possui natureza humana e é juridicamente criminalizado.
Quanto à interdisciplinaridade, Calhau (2009) reconhece a necessidade dos conhecimentos científicos nos diversos ramos do saber para o estudo social criminoso.
Em relação aos objetos, Crespo (2009) dedica-se ao estudo dos objetos relevantes para a compreensão da conduta criminosa, por meio da análise do fato praticado, do sujeito criminoso, do ordenamento jurídico vigente, das condições socioeconômicas da sociedade, das políticas governamentais implementadas e das condições do sistema penitenciário, por exemplo.
Essa correlação entre a problematização do crime o incluindo como fato social, juntamente com a Interdisciplinaridade reunindo todos os conhecimentos científicos das diversas áreas que envolvem o assunto em questão e, por fim, os objetos que levem ao entendimento dessa conduta criminosa, é fundamental para entender o contexto do crime e buscar subsídios que visem não só essa compreensão em si, mas a elaboração de possíveis ações preventivas.
Crespo (2009) entende que a criminologia considera o crime um acontecimento resultado das relações humanas, não se limitando ao mero enquadramento legal, mas estendendo sua constituição a vários elementos reais, que não são reconhecidos processualmente na atualidade por mera conveniência dogmática. O crime é uma construção social.
Para Penteado Filho (2015, p. 21), “a criminologia não estuda apenas o crime, mas também as circunstâncias sociais, a vítima, o criminoso, o protagonismo delitivo, etc.”.
Crespo (2009) afirma que, cientificamente, a criminologia propagou-se por Cesare Lombroso, um professor, médico, antropólogo, político e psiquiatra que fundou a Antropologia Criminal através do estudo do delinquente nato e do crime, sob o ponto de vista naturalista.
2.1 Funções e Finalidades da Criminologia
Molina e Gomes (2006, p. 365), entendem que essa função é a de “avaliar a resposta social e lesão ao delito, ponderando a qualidade da intervenção que os diversos sistemas existentes contemplam seus pressupostos, fundamentos e efeitos”.
Molina e Gomes (2006), ao tratarem sobre a moderna criminologia, destacam que as principais características dessa fragmentação da criminologia são:
a) o caráter problemático do crime, sua face humana e dolorosa;
b) a ampliação do plano habitual, englobando como objeto do estudo da Criminologia a vítima e o controle social;
c) a acentuação quanto a orientação de prevenir o saber criminológico, ante a compulsão de outros modelos tradicionais;
d) a comutação do termo “tratamento” por “intervenção”, deixando de lado o caráter individualista e passando a transmitir uma compreensão mais próxima à realidade criminal através da pluridimensionalidade;
e) o destaque da inserção da análise e avaliação dos modelos de resposta ao delito como objetos da criminologia;
f) o fato de não abdicar da investigação do delito no que se refere ao ordenamento jurídico como referência última.
Nesse sentido, Calhau (2009) se manifesta a favor da adição a essas características da comutação da expressão “combate ao crime” por “controle da criminalidade”, a fim de substituir o caráter exclusivo da primeira expressão pelo neutro e adequado ao pensamento criminológico moderno da segunda.
Conhecer a criminologia e os elementos que esta ciência engloba, para Calhau (2009), é de suma e plena importância na questão da oportunidade de compreender efetivamente os institutos objetos do seu estudo de forma mais próxima à realidade do meio em que se insere, proporcionando acesso a informações referentes à eficácia da aplicação das leis penais.
Habermann (2010) alude que a Criminologia tem finalidade científica, se opondo às estruturas sociais que determinam a criminalidade. Conduz a Política Criminal em direção à prevenção, à intervenção dos criminosos e à Política Social visando proteger atos não considerados crimes, mas merecedores de sanções.
Para Penteado Filho (2015, p. 26), os fins básicos “são informar a sociedade e os poderes constituídos acerca do crime, do criminoso, da vítima e dos mecanismos de controle social”. O autor ainda frisa a importância da diferenciação de finalidade e função.
Estudada a finalidade nos parágrafos anteriores, destaca-se que a principal função da criminologia é a reunião dos conhecimentos científicos seguros e estáveis adquiridos através de técnicas rigorosas e confiáveis de investigação, utilizando as análises empíricas obtidas acerca do crime, do criminoso, da vítima e do controle social, permitindo assim, compreender cientificamente o problema criminal, a fim de prevenir a interferência do indivíduo desviado (PENTEADO FILHO, 2015).
Para ilustrar a situação acima descrita, Penteado Filho (2015) utiliza a expressão: “diagnóstico qualificado e conjuntural” ao abordar o que a criminologia tem como função proferir. Destaca-se que a criminologia não é uma ciência exata capaz de adquirir verdades absolutas, e que, utilizando os dados empíricos cautelosamente, o risco de empregar a intuição ou subjetivismos, é afastado.
2.2 O Objeto, o Método e as Metas da Criminologia
Quanto ao objeto da criminologia, Habermann (2010) afirma que existem duas correntes distintas. Uma delas defende que a Criminologia nem pode ser considerada como ciência, pois seu objeto de estudo é o mesmo do Direito Penal, o crime. Já a segunda corrente parte do princípio que o objeto da Criminologia é amplo, pois não se restringe apenas ao estudo do crime, mas engloba também o estudo do delinquente, da vítima e do controle social, por exemplo.
Penteado Filho (2015, p. 22) esclarece “Embora tanto o direito penal quanto a criminologia se ocupem de estudar o crime, ambos dedicam enfoques diferentes para o fenômeno criminal”. Destarte, mencionado ainda afirma que o direito penal, enquanto ciência normativa vê o crime como uma conduta transviada merecedora das sanções adequadas e o conceitua como uma conduta, ação ou omissão, típica, antijurídica e culpável, de acordo com a corrente causalista.
A criminologia, na visão de Penteado Filho (2015), tem o crime como uma problemática social, comunitária, constituída pela incidência massiva na população, não sendo possível a tipificação do crime como um fato isolado; a incidência aflitiva do fato praticado, em que o crime deve causar dor à vítima e à sociedade; a persistência espaço temporal do fato delituoso, existindo a necessidade da ocorrência do delito acontecer de forma reiterada por um relevante período de tempo dentro do mesmo território e o consenso inequívoco acerca de sua etiologia e técnicas de intervenção eficazes, nesse caso, existe a dependência da análise minuciosa dos elementos das condutas e seu impacto na sociedade para concluir sobre a criminalização da mesma.
O objeto de estudo da criminologia, segundo Calhau (2009), passou por diversas modificações durante sua história. Na época de Beccaria, estudava apenas o crime, enquanto na Escola Positiva passou a verificar o delinquente. Após a década de 1950, incluiu o estudo das vítimas e dos mecanismos de controle social, o que fez com que o objeto da criminologia adquirisse uma feição pluridimensional e interacionista.
Nos dias de hoje, Penteado Filho (2015) afirma que esse objeto está dividido em quatro vertentes, sendo essas:
a) O delito, através da análise da conduta antissocial, suas causas originárias, o efeito do tratamento ao qual o delinquente é submetido em busca da não reincidência, bem como as falhas de sua prevenção;
b) O delinquente, que a Escola Clássica considerava o pecador, aquele que escolheu o caminho do mal. A Escola Positiva reconhecia que o indivíduo era um ser atávico que patologicamente carregava as características criminosas. A Escola Correcionalista afirmava ser um indivíduo inferior, incapaz e dependente do Estado, que tomava as atitudes cabíveis. O Marxismo defendia que o indivíduo era o ser inocente, vítima do sistema econômico.
c) A vítima, onde se destaca o acontecimento de três grandes instantes da vítima no que concerne aos estudos penais: a idade do ouro, que vai dos primórdios da civilização até o fim da Alta Idade Média, que embasa o estudo da vítima na estrutura do delito, principalmente no tocante aos problemas morais, psicológicos, jurídicos, etc., nos casos de crimes com violência ou grave ameaça; a neutralização do poder da vítima e a revalorização de sua importância.
d) O controle social, um conjunto de procedimentos e sanções sociais que visam submeter os indivíduos às normas do convívio social.
Com um objeto amplo, segundo Heberman (2010), as investigações da criminologia não se limitam, podendo construir elucidações referentes à ideologia básica da justiça que reflete no desenvolvimento social, aplicando e executando punições, pretendendo contribuir com o combate à criminalidade, os fatores criminais e sua política através do estudo científico para a redução do índice de criminalidade.
Calhau (2009) dispõe que a Criminologia utiliza como método de trabalho o método empírico, buscando, através da análise e da observação, conhecer o processo utilizando a indução para, posteriormente, estabelecer suas regras.
Habermann (2010) explica que em busca de explicações referentes à conduta criminosa e a criminalidade, a criminologia utiliza o método indutivo, experimental, naturalístico e científico, e, para certificar-se sobre esses fatos, utiliza a interdisciplinaridade, conforme já abordado anteriormente, ligando as diversas áreas do saber através do estudo da derivação do crime e do criminoso, não se prendendo a nenhuma ciência específica, mas utilizando as peculiaridades de cada uma dessas áreas, objetivando salientar o elo entre si.
Sobre o assunto em questão, Penteado Filho (2015, p. 25) afirma:
A criminologia se utiliza dos métodos biológico e sociológico. Como ciência empírica e experimental que é, a criminologia utiliza-se da metodologia experimental, naturalística e indutiva para estudar o delinquente, não sendo suficiente, no entanto, para delimitar as causas da criminalidade. Por consequência disso, busca auxílio dos métodos estatísticos, históricos e sociológicos, além do biológico.
Com relação às metas da criminologia, Habermann (2010) ensina serem três metas: a primeira visando esclarecer o abalo moral causado pela pena sobre quem a cumpre e os efeitos gerados diante de seu atual cumprimento, elucidando e desmascarando o impacto real com a finalidade de destruí-lo com o intuito de que a liberdade seja lembrada, mesmo perante os atos inevitáveis do poder.
O condenado, levando em consideração essa primeira meta ensinada pela autora supracitada, não deve ser considerado um eterno incapaz, deve-se trabalhar para sua inserção na sociedade novamente após o cumprimento das sanções impostas pelo poder judiciário. Cabe aqui a importância de se aplicar devida sanção disciplinar ao criminoso, no intuito de que esse compreenda o crime cometido e ao mesmo tempo, o que irá “perder” com essa pena. Esclarecer a importância da liberdade e que essa está atrelada ao fiel comprimento das normas legais sociais vigentes.
A segunda meta explicada por Habermann (2010) busca, através de programas para essa reinserção do indivíduo criminoso à sociedade, meios de avaliação para que ele seja inserido de forma plena, objetivando que este indivíduo volte a interagir normalmente com a coletividade e os fatores que o cercam, sendo reintegrado ao ambiente familiar e corporativo, sem quaisquer traumas. Uma vez que entendido por parte do delinquente, que o ato criminoso realizado gera punições e as mesmas são devidamente cumpridas, a recuperação desse indivíduo se torna importante para que o mesmo volte a ser inserido na sociedade de uma forma completa. Nesse momento família e sociedade precisam ter essa conscientização a fim de não marginalizar esse elemento levando-o a cometer novos delitos e sim realmente reintegrá-lo plenamente.
Já a terceira meta estudada por Habermann (2010) tem como finalidade mostrar para a sociedade a sua contribuição para o acontecimento do crime, uma vez que o indivíduo delinquente vive na sociedade, a sociedade deve auxiliar esse indivíduo na sua reintegração de forma humana e digna.
Complementando a questão da reintegração do indivíduo delinquente à sociedade, essa precisa apoiar esse indivíduo tratando-o sem preconceito em especial na volta desse ao mercado de trabalho que é fundamental pra sua dignificação, tornando-o economicamente ativo, reduzindo possibilidades de um retorno à criminalidade.
Feitas estas considerações, passa-se agora a realizar breve exposição sobre a criminologia crítica.
3 A CRIMINOLOGIA CRÍTICA
A Criminologia Crítica apareceu da fragmentação ocorrida na criminologia, essencialmente inspirada pela teoria do etiquetamento. Foi desenvolvida a partir da Teoria Crítica, influenciada pela escola criminológica de Berkeley, Estados Unidos. O grupo de Berkeley questionou as medidas políticas tomadas na época, com a formação de técnicos e profissionais “treinados para a luta contra o crime”. O grupo confrontou os reais interesses do Estado, uma vez que, primordialmente deveriam oferecer serviços básicos, como saúde e educação, antes de se preocupar com a repressão. Quase que simultaneamente, a Teoria Crítica também surge na Inglaterra, formada por estudiosos que entendiam que a solução para a redução da criminalidade deveria primeiramente acontecer com o fim da “exploração econômica e da opressão das classes políticas”. Resumindo, a teoria crítica apresenta-se como uma criminologia inspirada no marxismo (CALHAU, 2009, p. 85-86). Essa teoria defende que o capitalismo é a base da criminalidade, porque o sistema capitalista promove o egoísmo e, consequentemente, leva as pessoas a delinquir.
Para Calhau (2009), por se apresentar como uma teoria marxista, ela criticava a criminalidade baseando-se no modelo econômico do capitalismo. Faz-se necessário lembrar que em países com o sistema comunista a criminalidade não deixou de existir. A China, sob o regime comunista, utiliza a pena de morte ao extremo com a finalidade de conter a criminalidade.
De qualquer forma, foi a partir do momento que o enfoque macrossociológico se deslocou do comportamento desviante para os mecanismos de controle social, principalmente, analisando o processo de criminalização. A Criminologia Crítica deixa de ser uma teoria da criminalidade para passar a ser uma teoria crítica e sociológica do sistema penal. Ao se refletir sobre a própria criminologia, a Criminologia Crítica se pôs como “uma criminologia da criminologia”, tendo em vista a nova definição que deu ao objeto e ao papel da investigação criminológica (DIAS; ANDRADE, 1992, p.59).
Assim, a Criminologia Crítica veio para criticar a função legitimadora e conservadora que a criminologia entregava ao Estado, por não contestar ou sequer questionar os processos de criação de leis penais ou os processos de discriminação e seleção, ao reservar o endurecimento da lei às classes oprimidas (MOLINA; GOMES, 2006).
De acordo com Molina e Gomes (2006), os criminólogos adeptos da criminologia crítica se distanciam dos padrões e das técnicas metodológicas das ciências sociais. Renegam as investigações que são puramente empíricas e preferem utilizar um método histórico-analítico para observar o processo de um ponto de vista macrossociológico e microssociológico do fenômeno criminal. A observação do desenvolvimento histórico das instituições, como a polícia e a justiça penal, é um dos enfoques mais importantes da criminologia crítica. Por isso que os instrumentos metódicos e estatísticos ficam em segundo plano, dando-se ênfase as investigações analíticas, descritivas e situacionais.
Entretanto, as formulações mais radicais acabam por esconder que faltam dados empíricos para as teorias, pois possuem uma carga especulativa e com pretensões generalizadas carecendo de fundamento. Que o conflito social pode vir a gerar crime ou que explique determinados comportamentos delinquentes é indiscutível, porém não se pode dizer que todo e qualquer crime tenha origem no conflito de classes, sendo que muitas das teses de tão filosóficas se tornam utópicas (MOLINA; GOMES, 2006).
Algumas teses chegam ao extremo de defender que não é o delinquente que pode ou deve ser ressocializado, e sim a sociedade que através de uma revolução deveria ser transformada (DIAS; ANDRADE, 1992).
Conforme Carvalho (2012), Importante salientar que o êxito da ciência não pode ser usado como argumento para tratar de maneira padronizada problemas ainda não resolvidos.
Nos dias de hoje, a criminologia crítica se ocupa fundamentalmente de analisar os sistemas penais vigentes, tendo sua atenção voltada para o processo de criminalização. Onde a mesma desigualdade proveniente da sociedade capitalista é visível na aplicação do Direito e da lei penal (CALHAU, 2006). Penteado Filho (2015, p. 75) lembra “que as condutas delitivas dos menos favorecidos são as efetivamente perseguidas, ao contrário do que acontece com a criminalidade dos poderosos”.
Dessa forma, a criminologia crítica entende que não há neutralidade no mundo real, por ser possível observar todo o processo de estigmatização da população marginalizada, com a classe trabalhadora sendo o principal alvo do sistema punitivo, onde se cria um temor da criminalização e do sistema prisional a fim de manter a ordem social e a estabilidade da produção (PENTEADO FILHO, 2015). Neste sentido Antônio García-Pablos Molina e Luiz Flávio Gomes explicam que:
O mandamento abstrato da norma se desvia substancialmente quando passa pelo crivo de certos filtros altamente seletivos e discriminatórios que atuam guiados pelo critério do status social do infrator. Precisamente por isso as classes sociais mais oprimidas atraem – as taxas mais elevadas de criminalidade, e não porque professem uns valores criminais per se – nem porque cometem mais crimes -, senão porque o controle social se orienta prioritariamente para elas, contra elas (MOLINA; GOMES, 2006, p. 120).
O sistema é intrinsecamente criminoso, tendo em vista os crimes de racismo, a corrupção, o belicismo, e os chamados crimes do colarinho branco. Entretanto, só constitui o verdadeiro problema da sociedade capitalista o crime cometido pelas classes desprotegidas, os quais serão efetivamente penalizados (DIAS; ANDRADE, 1992).
Segundo Penteado Filho (2015, p. 75), as principais características da Criminologia Crítica são: a) “Concepção conflitual da sociedade e do direito (o direito penal se ocupa de proteger os interesses do grupo social dominante) ”; b) “Reclama compreensão e até apreço pelo criminoso”; c) “Critica severamente a criminologia tradicional”; d) “O capitalismo é a base da criminalidade”; e) “Propõe reformas estruturais na sociedade para redução das desigualdades e consequentemente da criminalidade”.
A criminologia crítica trouxe novos pensamentos que serviram para confrontar o sistema e o direito penal que mantém ideias arcaicas em funcionamento, simplesmente para que possam sustentar uma sociedade capitalista controladora. Surge para desmascarar a falsa ideia de um direito penal como sendo universal.
Para a criminologia crítica, existem dois sistemas penais: o formal e o informal. O primeiro ocorre quando o controle social se dá por meio de normas legais, e o segundo por meio de mecanismos como educação, trabalho, medicina, escola, dentre outros que atuam na preservação e regulação das relações sociais (BIANCHINI; GOMES, 2013). Os mecanismos informais devem ser mantidos em primeiro plano e, caso não sejam exitosos, aí sim, deve-se levar em conta o controle social formal.
No Brasil, conforme Assaiante e Assis (2009), desde a época colonial, ocorre essa divisão entre exploradores e explorados. As liberdades individuais dos cidadãos não cabem a todos, pois é uma regra que não age de forma igualitária. A divisão da sociedade, segundo a lógica maniqueísta, se dá entre os indivíduos “bons” e “maus”, fazendo estudiosos questionarem se as aplicações do sistema penal são autênticas e justas, visto serem provenientes das autoridades do mesmo sistema.
Segundo Lopes (2002), as vertentes críticas entendem que o conflito social é regido pelo poder político-econômico, absoluto e inatingível por parcelas marginalizadas da sociedade. O crime é proveniente do confronto de classes sociais, na qual uma exerce o poder sobre a outra.
O direcionamento das leis para as classes menos privilegias pelas classes dominantes constituem a criminalização primária, e a estrutura responsável por sua aplicação, que envolve também a execução das penas e das medidas de segurança, é considerada como criminalização secundária, ambas confrontadas pela criminologia crítica (LOPES, 2002).
Essa divisão social, não é recente. A desigualdade social e a discriminação racial no Brasil nascem com a colonização e inacreditavelmente atingem os tempos atuais, ao passo que a falência do sistema penal faz com que tais reflexos prossigam com cada vez mais severidade. Acerca do controle social, responsável por munir a separação de classe (ANDRADE, 2003).
Portanto, segundo Andrade (2003), são selecionados como delinquente, os indivíduos marginalizados, principalmente porque o direito penal está normatizado para resguardar os interesses das classes superiores. O delito é definido no âmbito do controle social, pesando desigualmente sobre as classes sociais menos favorecidas.
Com a teoria do etiquetamento, a criminologia lança um novo olhar sobre a atuação dos sistemas de justiça, revelando o maquinário que faz o sistema penal funcionar. O falso discurso e a falsa intervenção jurídico-penal foram expostos, e o crime passou a ser entendido como um comportamento definido pelos grupos de poder e suas visões morais sobre a conduta. Sobre a estigmatização e os estereotipados, comenta Zaffaroni (1991, p.130):
O sistema penal atua sempre seletivamente e seleciona de acordo com estereótipos fabricados pelos meios de comunicação de massa. Estes estereótipos permitem a catalogação dos criminosos que combinam com a imagem que corresponde à descrição fabricada, deixando de fora outros tipos de delinquentes (delinquência de colarinho branco, dourada, de trânsito etc.). Nas prisões encontramos os estereotipados.
Para Araújo (2010), as penas aplicadas em nosso sistema atual, de forma alguma combatem a criminalidade, apenas facilita seu alastramento.
O Levantamento de Informações Penitenciárias- INFOPEN, cujo dados foram levantados em Junho de 2016 (BRASIL, 2017), apresenta que 65% da população carcerária brasileira é de cor negra e 35% da cor branca. Também apresenta que 51% dos presos possuem o ensino fundamental incompleto e 14% o ensino fundamental completo. É uma população carcerária onde as pessoas em sua maioria não chegaram ao ensino médio.
A maioria dos encarcerados são solteiros (60%), 28% mantém união estável e 9% casados. Entre os homens as principais causas da prisão são: roubo (26%), tráfico (26%) e furto (12%). Já entre as mulheres 62% estão presas por tráfico, 11% por roubo e 9% por furto (BRASIL, 2017). A partir destes dados ver-se a caracterização das pessoas apenadas, a maioria negra.
O sistema progressivo de cumprimento penas, adotado por nosso país, tornou-se impossível de ser praticado em sua forma plena, pois tanto a União, quanto os Estados Federados, descumprem suas obrigações ao fecharem os olhos para a nítida necessidade de construção de novos estabelecimentos prisionais adequados.
Os investimentos no sistema penitenciários são mínimos, senão nulos, mas ainda assim, a nova sistemática de execução continua sendo um grande avanço, ao menos em teoria. A precariedade do sistema penitenciário brasileiro se deve a diversos fatores, quais sejam, o abandono, a já citada falta de investimento e o descaso do poder público (MACHADO; SOUSA; SOUZA, 2013).
Este sistema falho é fruto de uma aparelhagem penitenciária ineficaz. De acordo com Machado; Sousa e Souza (2013), a maioria dos presos no Brasil não trabalha, e o tempo disponível que possuem sem obrigações, os torna verdadeiros acadêmicos das escolas do crime, que é em que se transformaram as penitenciárias nacionais.
O preso desocupado é nocivo ao passo que torna-se inútil e sua permanência em presídios tem um custo três vezes maior que de um aluno em escola pública do ensino fundamental. É de conhecimento geral, que um ambiente insalubre atrai os mais diversos tipos de doenças e no atual cenário do sistema penal brasileiro, somado isso a falta de conhecimento por parte dos internos, mortes ocorrem sem que sequer tenham tido assistência médica (MACHADO; SOUSA; SOUZA, 2013).
Segundo Teles (2006), no ano de 1997, uma comissão composta por juristas e outros renomados nomes do Direito Brasileiro, foi encarregada de elaborar um anteprojeto de Código Penal, que seria de conhecimento público a fim de receber sugestões. O anteprojeto foi publicado e recebeu sugestões e críticas inclusive encaminhadas pela ordem dos Advogados do Brasil - OAB. Uma comissão revisora examinou as sugestões e o anteprojeto foi encaminhado ao Congresso Nacional. O projeto tinha por objetivo, modernizar a parte especial do Código Penal e suas propostas tratavam de um direito penal de intervenção mínima e mais democrático. Infelizmente não foi examinado pelo poder Legislativo.
3.1 A Criminalização Primária e Secundária: A Dupla Seleção do Sistema Penal
Nolli (2010) pontua que a operacionalidade do sistema penal não ocorre de forma igualitária. Muito pelo contrário, tal sistema mascara as desigualdades informais através da igualdade formal, tentando nos fazer acreditar em um direito universal inexistente e, tal fato, manifesta-se pela chance maior que têm os indivíduos menos favorecidos em serem definidos e controlados como desviantes. Esse processo ocorre em decorrência de uma dupla seleção.
São duas as etapas do processo seletivo de criminalização: a criminalização primária e a criminalização secundária. A criminalização primária, "é o ato e o efeito de sancionar uma lei penal material que incrimina ou permite a punição de certas pessoas" (ZAFFARONI,2007, p. 43).
É através da criminalização primária que se inicia o processo de criminalização e seleção de condutas, pois, o legislador definirá, através das normas, quais condutas são desviantes. Serão as interpretações do próprio legislador que definirá o comportamento normal e desviante, pois “não é um comportamento que, por si mesmo, desencadeia uma reação [...], mas somente a sua interpretação, a qual torna este comportamento uma ação provida de significado” (BARATTA, 2011, p. 95).
Tem início este processo, com a seleção dos bens e valores a serem tutelados pelo direito penal, bem como os comportamentos ofensivos a esses bens. Os bens tutelados representam os interesses fundamentais das classes dominantes, bastando - para comprovar essa afirmação - analisar como lei descreve de forma clara e objetiva os vários tipos penais referentes aos crimes cometidos pelas classes menos favorecidas, como os furtos e roubos, por exemplo, e comparar com a descrição imprecisa dos crimes direcionados às classes mais favorecidas, como os crimes do colarinho branco. Acerca dessa diferença entre as descrições dos tipos penais, é o que Baratta (2011, p. 165) - como dito anteriormente - se refere quando diz “uma rede muito fina” em relação às classes subalternas e em contrapartida, “uma rede muito larga” em relação às classes de poder.
Ribeiro (2010) exemplifica o favorecimento que dá os tipos penais as classes dominantes, com o crime de redução análoga ao trabalho escravo, previsto no art. 149 do Código Penal Brasileiro. O autor informa ainda, estatísticas que apontam que entre 1995 e 2008, 32.045 trabalhadores foram encontrados reduzidos a condição análoga de escravos, porém, até 2003, somente um criminoso havia sido condenado por tal crime. Claramente, o fato descrito, ocorre pela obscuridade dos tipos penais.
Mais uma vez, a lei penal se mostra, de forma maquiada, como universal. Conforme Nolli (2010), diferentemente da criminalização primária, que age de forma abstrata, pois não sabe ao certo quem irá ofender as normas legais a criminalização secundária, que é também seletiva, age em relação as condutas punitivas sobre pessoas concretas. Tem-se então uma nova etapa de seletividade, pois irá determinar quem serão as pessoas criminalizadas e as vítimas potenciais.
Assim, as pessoas que possuem menor poder econômico serão afetadas pela criminalização secundária, por não possuírem defesas sólidas frente ao poder punitivo, e assim, serão vulneráveis em relação ao processo de criminalização secundário.
3.2. Política Criminal Alternativa
Para os estudiosos da criminologia crítica, dentre eles Ribeiro (2010), política criminal alternativa é uma política que vai além da resolução de questões penais pertinentes a função punitiva do Estado, pois tenta resolver problemas estruturais e sociais decorrentes das relações de produção e distribuição. Só é possível implantá-la através de análises críticas de todo o mecanismo que envolve uma sociedade capitalista, bem como, através do acolhimento dos interesses das classes subordinadas do poder.
Com relação ao tema, Baratta (2011, p. 201), afirma a necessidade de distinguir programaticamente a política penal da política criminal, descrevendo a segunda como política de transformação social e institucional e dizendo ser esta – a política criminal – a escolha correta para uma política alternativa. Após afirmar que “entre todos os instrumentos de política criminal o direito penal é, em uma última análise, o mais inadequado”.
Para o autor acima mencionado, a classe dominante quer continuar no controle da estrutura social, que ocorre pelo poder que possui de determinar quais condutas são desviantes e quem as comete. Já as classes subordinadas, lutam para que as desigualdades sejam reduzidas e querem modificar a atuação da política criminal atual, que, através de mecanismos e processos de criminalização, tornam praticamente imunes os cometedores de condutas muitos mais danosas à sociedade, praticados por indivíduos pertencentes a classe dominante.
Baratta (2011), relata quatro indicações estratégicas para elaboração e desenvolvimento de uma política criminal das classes subalternas, que são: a) analisar o desvio, a criminalidade e os comportamentos socialmente negativos levando em consideração a existência de uma estrutura social verticalizada e assim compreender o fenômeno criminal a partir de uma interpretação separada das condutas das classes subalternas e das classes dominantes; b) aplicar a tutela penal sobre bens jurídicos essenciais para a vida dos indivíduos e da comunidade; c) analisar as funções do cárcere e compreender o fracasso dessa instituição para o controle da criminalidade e reinserção social do delinquente e sua importância no processo de marginalização social desses indivíduos e d) por fim, deve-se analisar a função da opinião pública na sustentação e legitimação do direito penal posto.
Assim, pode-se entender que política criminal alternativa é uma luta pela igualdade, e almeja a transformação das relações de poder através de uma política de gestão social. Uma sociedade igualitária “é aquela que deixa o máximo de liberdade à expressão do diverso [...], na qual os homens não são disciplinados como portadores de papéis, mas respeitados como portadores de capacidades e necessidades” (BARATTA, 2011, p. 208).
Serão abordadas a seguir duas vertentes críticas que, adotando diferentes metas, buscam a solução dos problemas da criminalidade. São elas: O Abolicionismo e o Direito Penal Mínimo.
3.3. Vertente Abolicionista: Abolicionismo Radical Penal
O abolicionismo radical penal, surge, com base na sociologia criminal, ou, como resultado da crítica sociológica ao sistema penal, a fim de que tal sistema seja substituído por outras esferas solucionadoras de conflitos.
Não é proposta por esta vertente, apenas a extinção (abolição) da pena ou do direito penal, mas sim, a abolição total de todo mecanismo de justiça penal. Abolicionistas entendem que o sistema penal, por não funcionar de forma igualitária, é um mal, incapaz de solucionar as desigualdades sociais. Nada resolve satisfatoriamente, mas sim, fabrica criminosos e os infecta com fúria, até torna-los impossibilitados de se reabilitar e por fim, se ressocializar. É uma política que visa o afastamento da função penal da posse do Estado, e, tenta trazer tal responsabilidade, para a sociedade.
Zaffaroni (1991, p. 98), descreve as variantes do abolicionismo, como sendo quatro, que visam o mesmo objetivo, porém, cada qual com suas particularidades. Tais variantes são: “a marxista de Thomas Mathiesen, a fenomenológica de Louk Hulsman, e a fenomenológico-historicista de Nils Christie”. Será exposta, de forma resumida, a ideia central de cada uma dessas variantes, seguindo a ordem presente na obra de Zaffaroni “Em Busca das Penas Perdida”.
A primeira variante descrita por Zaffaroni (1991), é a de Hulsman. Tal autor sugere ser o sistema penal um problema em sim mesmo, pois a prática de suas propostas para solucionarem problemas é ineficaz, e assim, torna-se inútil. Portanto, o autor afirma que as estruturas tradicionais de defesa social do sistema penal, como cárcere, devem ser superadas e, para os casos mais graves, basta a utilização de vias administrativas e outros mecanismos privados voltados para solução de conflitos. Propõe ainda que sejam eliminadas palavras utilizadas relacionadas ao ambiente criminal, como a palavra crime e criminalidade, para reestruturar o crime em problemas sociais.
Zaffaroni (1991, p. 99), refere-se a Mathiesen, como sendo “o estrategista do abolicionismo”. Sua tática baseia-se em um simples estudo esquemático do marxismo. Para este autor, o sistema penal está intimamente conectado com o sistema capitalista, e, por isso, defende tanto a abolição, como qualquer outro processo repressivo social. Diz Zaffaroni (1991, p.100), que “para Mathiesen, o poder sempre procura estabelecer o que está ‘dentro’ e o que está ‘fora’, de forma a envolver e bloquear o que está ‘fora’ para colocá-lo ‘dentro’, através do uso de táticas de ‘retrocesso parciais’”. Basicamente, o Estado domina e controla através de sua própria política, e cria, através de uma sedutora tática, posições de aceitação ou recusa, que é o que está “dentro” e o que está “fora”.
Outra variante é a de Nils Christie, que Zaffaroni (1991, p.101), entende se aproximar de Hulsman, mas, fundamenta seus argumentos sobre a experiência e análise histórica de formação da sociedade. Expõe ser difícil a reparação dos danos causados por uma sociedade de estrutura verticalizada de poder. Christie é crítica ferrenha de Durkheim, e afirmava que o mesmo era extremamente preconceituoso, exemplificando, que para ele “ver um índio, é vê-los todos”. Discorda também quando Durkheim afirma que “a modernização faz a sociedade progredir, com a passagem da solidariedade mecânica para a orgânica e a consequente diminuição do componente punitivo”.
Pode-se dizer então, que as alegações das vertentes abolicionistas vão legitimar as teorias de caráter restaurativo, pois, trazem de forma clara, novas propostas relacionadas ao crime e a sua possível abolição. Cairiam então, as punições violentas, tão criticadas pelos criminólogos, além de que, seria incentivada, a participação de todos os sujeitos na resolução de conflitos.
3.4. Intervenção Penal Mínima: O Direito Penal Mínimo
Com o desenvolvimento do abolicionismo penal radical, algumas críticas a essa variante começaram a surgir, e, pode-se inspirar na obra de Zaffaroni (1991) para elencá-las.
Segundo o autor, uma das respostas mais interessantes ao abolicionismo, é a proposta de Ferrajoli, que destaca os perigos que poderia gerar o abolicionismo. Os perigos a que se refere, segundo Zaffaroni (1991, p. 103) se dão em duas categorias, quais sejam: “o perigo bellum omnium”, com suas reações vindicativas descontroladas, e o perigo de um disciplinarismo social que impeça o delito de maneira puramente física, à custa da liberdade de todos”.
O direito penal mínimo tem como fio-condutor os Direitos Humanos, pois visa uma verdadeira contração do sistema penal ao reconhecer tal sistema como reprodutor de seletividade e desigualdade social. O objetivo do direito penal mínimo – que faz parte da política criminal alternativa – é, além de reduzir o direito penal, humanizar o sistema como um todo (BARATTA, 2011).
Para essa variante, o abolicionismo não funcionaria no atual sistema sem que antes ocorresse uma mudança na estrutura social. A intervenção mínima é outra alternativa que surge contra a deslegitimação do sistema penal. Tem-se em ambas vertentes, o reconhecimento da seletividade do sistema penal, e o favorecimento da impunidade dos que pertencem aos grupos de poder. Pode-se dizer, que, a maior diferença se dá pelo fato do direito penal mínimo não buscar a abolição do sistema penal, mas sua intervenção mínima em soluções de conflito (ZAFFARONI, 1991; BARATTA, 2011).
Essa teoria entende que - com a intervenção mínima - o direito penal passa a ser um instrumento alternativo, e deve ser aplicado, apenas quando outros meios forem esgotados.
Sabe-se que nosso sistema penal - por sua incapacidade ressocializadora e tantos outros fatores negativos – ao permitir a entrada de pequenos infratores nos presídios, acaba por fazer brotar nesses indivíduos, tendências criminosas, pois tais infratores assumem, involuntariamente, o estereótipo social de delinquente. A política criminal alternativa do direito penal mínimo quer justamente evitar que isso ocorra, ou seja, quer evitar que pequenos infratores sejam estigmatizados.
O que se busca através do minimalismo, é a proteção de quem não detém o poder, ou seja, os mais fracos, a fim de que não se cometa injustiças. A limitação do direito penal e a contração do sistema penal são propostas da intervenção mínima (direito penal mínimo).
Para os defensores dessa corrente, a tutela dos direitos humanos fundamentais é prioridade da ideia de intervenção penal mínima, e tal proposta, seria possível, através da limitação do poder punitivo, a fim de proteger todo e qualquer cidadão, nas esferas pública e privada, de qualquer tipo de violência. Pode-se entender o direito penal mínimo como mecanismo de defesa dos direitos humanos, contra a presença de um direito e de um Estado deficientes em relação ao atual sistema penal (FABRI, 2013). Várias são as estratégias para tornar possível a minimalização do direito penal, sendo os exemplos mais comuns, a descriminalização e a despenalização das condutas socialmente selecionadas.
Os Direitos Humanos fundamentais são normas constitucionais e não podem ser negados, porém, são incompatíveis com nosso sistema penal deslegitimado, que os viola descaradamente (ZAFFARONI, 1991), através, principalmente, da seletividade. A aplicação do direito penal mínimo, tornaria possível a recuperação das garantias fundamentais dos Direito Humanos. Para entender essa lógica, basta pensar em como, através do cárcere, qualquer vínculo que o condenado tinha com a dignidade humana e cidadania, é excluído, deletado de sua memória, tornando-o muito mais propenso a cometer novos delitos.
As propostas de descriminalização e despenalização de condutas, e de descarcerização, são apontadas em trabalho de Cirino (2005), que descreve ser possível alcançar um direito mais igualitário. O autor afirma ser urgente a despovoação do sistema carcerário, e apresenta ideias – como a redução do tempo de cumprimento de pena em todas as modalidades de livramento condicional – que contribuiriam para que isso, de fato, ocorresse.
Por fim, em concordância com as palavras de Cirino (2005), pode-se afirmar, que as propostas da Criminologia Crítica estão entre as mais avançadas em relação à necessária reformulação de todo sistema jurídico-penal, e devem servir de base para imediata redução do genocídio social produzido pelo sistema penal. Sendo assim, é imprescindível a divulgação de tais propostas a fim de firmar uma real democracia que fortaleça políticas públicas de moradia, saúde, emprego e escolarização.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A criminologia, trata-se de uma ciência que está diretamente relacionada ao Direito Penal, e caracteriza-se por estudar os desvios das normas penais e sociais, o crime, o delinquente, a vítima e o controle social, agrupando conhecimentos ordenados e disponíveis para contribuir com o enriquecimento da atividade científica e da compreensão da realidade atual, através da interdisciplinaridade, meio eficaz e ideal de estudo que une os conhecimentos simultaneamente a fim de somarem suas experiências possibilitando a obtenção de resultados seguros, considerando o comportamento dos diversos tipos de delinquentes.
Sendo a criminologia crítica uma ciência que analisa os pontos negativos do sistema penal, verificou-se que o processamento criminal atual viabiliza a permanente criminalização das classes sociais desfavorecidas e a intensa proteção das classes dominantes e detentores de capital. Essa realidade influência o processo de criminalização em suas etapas: na primária, através da elaboração dos tipos penais por meio de mecanismos legislativos capazes de ampliar a responsabilidade dos indivíduos menos favorecidos e mitigá-la em relação aos mais favorecidos; na secundária, quanto às punições, uma vez que as aplicadas às classes dominantes são muito mais brandas em relação às camadas já marginalizadas.
Essa elevada e evidente seletividade do sistema jurídico-penal que adota condutas que são fundamentais para a criação de estigmas e etiquetas sociais, que diferenciam o indivíduo e o excluem da sociedade, prejudica a finalidade substancial do direito como instrumento de controle social que visa à igualdade por meio da inclusão social.
A criminologia crítica contribui para sinalizar estas mazelas e propiciar reflexão na realidade penal brasileira que necessita de urgente mudança.
REFERÊNCIAS
ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Sistema penal máximo x cidadania mínima: códigos da violência na era da globalização. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2003.
ARAÚJO, Fernanda Carolina de. A teoria criminológica do labelling approach e as medidas socioeducativas. Dissertação (Mestrado). São Paulo: USP, 2010.
ASSAIANTE, Marcus Alexandre Marinho; ASSIS, Isabella Bogéa de. O sistema penal subterrâneo sob a ótica da criminologia crítica: o suplício dos excluídos nos cárceres brasileiros. 2009. Disponível em: < http://jus.com.br/artigos/12677/o-sistema-penalsubterraneo-sob-a-otica-da-criminologia-critica >. Acesso em: 07 dez. 2019.
BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal: introdução à sociologia do direito penal. 6. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2011.
BIANCHINI, Alice; GOMES, Luiz Flávio. Controle social e direito penal. 2013. Disponível em: < http://professoraalice.jusbrasil.com.br/artigos/121814345/controle-social-edireito- penal >. Acesso em: 7 dez. 2019.
BRASIL. Ministério da Justiça. Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias - Atualização - Junho de 2016. Brasília: Departamento Penitenciário Nacional, 2017. Disponível em <http://www.justica.gov.br/news/ha-726-712-pessoas-presas-no-brasil/relatorio_2016_junho.pdf>, Acesso em: 7 dez. 2019..
CALHAU, Lélio Braga. Resumo de criminologia. 5. ed. Niterói. Impetus, 2009
CARVALHO, Salo de. Antimanual de criminologia. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
CIRINO, Juarez Santos dos. A Criminologia crítica e a reforma da legislação penal. Trabalho apresentado na XIX Conferência Nacional dos Advogados, 2005, Florianópolis. Disponível em: < http://icpc.org.br/wp-content/uploads/2013/01/criminologia_critica_reforma _legis_penal.pdf >. Acesso em 9 dez. 2019.
CRESPO, Aderlan. Curso de criminologia: as relações políticas e jurídicas sobre o crime. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009.
DIAS, Jorge de Figueiredo e ANDRADE, Manuel da Costa. Criminologia: o homem delinquente e a sociedade criminógena. Coimbra: Editora Coimbra, 1992.
FABRI, Arianne Bastos Garcia. A política criminal: uma análise sobre a evolução da ideologia penal. Jornal Eletrônico. Faculdades integradas Vianna Júnior. Ano V, Edição I, mai. 2013,
HABERMANN, Josiane Conceição Albertini. A ciência criminologia. Rio de Janeiro: Revista de Direito. Vol. 13, Nº 17, 2010, p. 19-29.
LOPES, Luciano Santos. A criminologia crítica: uma tentativa de intervenção (re)legitimadora no sistema penal. 2002. Disponível em: < https://aplicacao.mpmg.mp.br/xmlui/bitstream/handle/123456789/332/criminologia%20critica_Lopes.pdf?sequence=1 >, Acesso em: 7 dez. 2019.
MACHADO, Ana Elise Bernal; SOUSA, Ana Paula dos Reis; SOUZA, Mariani Cristina de. Sistema Penitenciário Brasileiro: origem, atualidade e exemplos funcionais. Revista do Curso de Direito da Faculdade de Humanidades e Direito, v. 10, n. 10, 2013.
MOLINA, Antonio García-Pablos de; GOMES, Luiz Flávio. Criminologia: introduções e seus fundamentos teóricos, introdução às bases criminológicas da lei 9.099/95 – Lei dos Juizados especiais criminais. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.
NOLLI, Elinton Cassiano. Os processos de criminalização: uma abordagem crítica da atuação seletiva do sistema penal. Itajaí: Univali, 2010.
PENTEADO FILHO, Nestor Sampaio. Manual esquemático de criminologia. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2015.
RIBEIRO, Homero Bezerra. A necessidade de superação do paradigma criminológico tradicional: a criminologia crítica como alternativa à ideologia da “Lei e Ordem”. CONPEDI. Fortaleza, 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010. Disponível em: < http://www.publicadireito.com.br/conpedi/manaus/arquivos/anais/fortaleza/3268.pdf>. Acesso em: 9 dez. 2019.
TELES, Ney Moura. Direito penal parte geral. São Paulo, Atlas, 2006.
ZAFFARONI, Eugenio Raúl. O inimigo no direito penal. Trad. Sérgio Lamarão. Rio de Janeiro: Revan, 2007.
ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Em busca das penas perdidas. Trad. Vânia Romano Pedrosa e Amir Lopes da Conceição. Rio de Janeiro: Revan, 1991.
Formado em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí, Pós-graduado em Direito Contratual pela Universidade Cândido Mendes. Atualmente exerço o cargo de Analista Judiciário do Tribunal Regional Eleitoral do Amazonas (aprovado em 1º lugar); aprovado nos concursos de Delegado de Polícia do Ceará; Delegado de Polícia do PR; Delegado de Polícia do Amazonas e Juiz do Acre.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CASTRO, MARCELO DOS ANJOS DE. A criminologia crítica Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 dez 2019, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/54016/a-criminologia-crtica. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: LEONARDO DE SOUZA MARTINS
Por: Willian Douglas de Faria
Por: BRUNA RAPOSO JORGE
Por: IGOR DANIEL BORDINI MARTINENA
Por: PAULO BARBOSA DE ALBUQUERQUE MARANHÃO
Precisa estar logado para fazer comentários.