RUBENS ALVES DA SILVA[1]
(Orientador)
RESUMO: Uma tríplice fronteira ou tripla fronteira, é o ponto de encontro entre os limites territoriais e políticos de três países diferentes. O Brasil, possui esse padrão de convergência se repetindo dez vezes. No entanto, para os efeitos deste estudo, analisou-se a relação existente entre as fronteiras do Brasil, do Peru e da Colômbia, conhecida como Três Fronteiras ou Tríplice Fronteira Amazônica. Localizada na região do Alto Solimões, extremo oeste do Amazonas, a chamada Tríplice Fronteira Amazônica é formada pelas cidades de Tabatinga/Brasil, Santa Rosa/Peru e Letícia/Colômbia, zona fronteiriça identificada como uma das portas de entrada dos entorpecentes oriundos das zonas produtoras do Peru e Colômbia no território brasileiro. Tendo em vista este cenário, o presente estudo busca promover a análise das características do narcotráfico na chamada Tríplice Fronteira Amazônica, traçando uma breve exposição do seu processo de formação histórica, juntamente com a dinâmica da atividade cocaleira e do narcotráfico nos países circunvizinhos, além de expor o potencial de produção de cocaína, zonas de cultivo, e logística empregada pelos grupos envolvidos com o tráfico de cocaína destas localidades para o território brasileiro.
Palavras-chave: Tríplice Fronteira. Estratégias de Integração. Segurança Nacional.
ABSTRACT: A triple frontier or triple frontier is the meeting point between the territorial and political boundaries of three different countries. Brazil has this pattern of convergence repeating ten times. However, for the purposes of this study, the relationship between the borders of Brazil, Peru and Colombia, known as the Three Borders or the Triple Amazonian Border, was analyzed. Located in the Alto Solimões region, in the far west of the Amazon, the so-called Triple Amazonian Border is formed by the cities of Tabatinga / Brazil, Santa Rosa / Peru and Leticia / Colombia, a border zone identified as one of the entry ports of the narcotics coming from the producing zones. Peru and Colombia in the Brazilian territory. In view of this scenario, the present study seeks to promote the analysis of the characteristics of drug trafficking in the so-called Triple Amazonian Frontier, tracing a brief exposition of its process of historical formation, along with the dynamics of coking and drug trafficking activity in the surrounding countries, as well as expose the potential for cocaine production, growing areas, and logistics employed by groups involved in cocaine trafficking from these locations to the Brazilian territory.
Keywords: Triple Border. Integration Strategies. National Security.
INTRODUÇÃO
A Tríplice Fronteira Amazônica, integrada pelo Brasil, Colômbia e Peru, encontra-se localizada, estrategicamente, no coração da bacia amazônica, atuando como um dos principais eixos de comunicação entre os rios Amazonas e Solimões, formada pelas cidades de Tabatinga/Brasil, Santa Rosa/Peru e Letícia/Colômbia.
Desde os tempos remotos, a Tríplice Fronteira tem sido palco de acirradas disputas territoriais, primeiramente entre colonizadores portugueses e espanhóis e, posteriormente, entre as nações recém-libertadas do jugo colonial, em decorrência, principalmente, de sua privilegiada localização geográfica e pela enorme variedade de recursos naturais que essa zona fronteiriça detém, variando a cada ciclo de exploração (quinina, borracha, madeira etc.).
Atualmente, esta zona fronteiriça é identificada como uma das portas de entrada dos entorpecentes oriundos das zonas produtoras do Peru e Colômbia no território brasileiro especialmente no que diz respeito à recepção e distribuição de entorpecentes, sendo alvo frequente de disputa entre os chefões do tráfico.
Trata-se de uma zona de sensibilidade para as políticas de segurança pública brasileiras, em especial àquelas voltadas ao combate a ilícitos transnacionais, com destaque ainda maior para o enfrentamento ao narcotráfico, uma vez que Colômbia e Peru são os maiores plantadores de folha de coca e produtores mundiais de cocaína.
Tendo em vista esse cenário, é fácil inferir que as populações nativas são as que mais sofrem com esse processo, sendo, muitas das vezes, compelidas a abandonar suas terras ancestrais, além de serem submetidas às ordens vigentes das milícias dominantes. Dessa forma, o presente estudo teve por objeto, apurar os desafios e as potencialidades da cooperação internacional, no que diz respeito à segurança e à defesa na Tríplice Fronteira Brasil-Colômbia-Peru, considerados uns dos países mais relevantes da América Latina no que diz respeito à comercialização de entorpecentes, tendo em vista, ainda, a segurança dos moradores que ali habitam.
2 A TRÍPLICE FRONTEIRA AMAZÔNICA: CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A região conhecida como Fronteira Tríplice Amazônica, ou Trapézio Amazônico, é formada pela confluência dos territórios brasileiro, colombiano e peruano, constituindo uma das principais portas de entrada de cocaína no território brasileiro e, sendo alvo constante de discussões governamentais voltadas para o desenvolvimento de planos de segurança e políticas públicas para a região.
As maiores cidades constituintes do Trapézio Amazônico são as chamadas cidades-gêmeas de Tabatinga (Brasil) e Letícia (Colômbia), maiores cidades do Trapézio Amazônico. Ambas são originárias de processos de colonização militar, que buscavam afirmar a soberania nacional e estabelecer os limites territoriais de Brasil-Peru-Colômbia.
Tabatinga originou-se a partir de um povoado estabelecido nos arredores do Forte de São Sebastião de Xavier, instalado em 1776 na confluência dos rios Javari e Solimões, com o objetivo de fiscalizar o tráfego de embarcações na fronteira. Apesar da destruição do forte, cujas ruínas desapareceram no início do século XX, o povoado se desenvolveu, fazendo inicialmente parte do município de São Paulo de Olivença (1891), Benjamin Constant (1938), até obter a autonomia municipal em 1983.
Já Letícia, teve sua origem quase um século após, com o povoamento nos arredores do Posto Militar de San Antonio, instalado em 1867 pelos peruanos. Passou a compor o território colombiano em 1927, após a assinatura do tratado Salomón-Lozano em 1922, que fixava limites territoriais entre Peru e Colômbia. No entanto, em 1932, um grupo de peruanos se revoltou e invadiu Letícia, reivindicando que o território pertencia ao Peru e dando início a um conflito armado entre os dois países. Apenas dois anos depois, em 1934, negociações de paz estabelecidas no Protocolo do Rio de Janeiro, reafirmaram o estabelecido do tratado de 1922, considerando Letícia como integrante do território colombiano.
Durante a segunda metade do século XIX e início do século XX, a economia da região baseou-se no extrativismo de produtos de origem florestal, especialmente do látex extraído das árvores de caucho ali existentes, com maciça exploração da mão-de-obra escrava indígena. Este ciclo durou até meados de 1920, quando a exemplo das demais zonas produtoras de borracha da Amazônia, entrou em decadência em virtude da concorrência do látex produzido nas colônias inglesas localizadas na Ásia.
Mais adiante, na década de 70, iniciou-se o processo de escalada do cultivo de produção de cocaína, com vistas a demanda do mercado norte-americano, movimentando todo uma economia derivada do tráfico de drogas, que logo passou a ter uma importância vital na região.
2.1 DO NARCOTRÁFICO NA TRÍPLICE FRONTEIRA
O narcotráfico constitui uma das modalidades criminosas que mais movimenta dinheiro, no mundo, sendo uma das maiores fontes de renda do crime organizado, apresentando uma infraestrutura semelhante às de grandes empresas multinacionais, respeitando-se uma hierarquia do crime, com funções bem definidas.
Em relatório publicado pelo Escritório das Nações Unidas sobe Drogas e Crime, em 2009, o comércio de cocaína gera uma receita bruta estimada em 84 bilhões de dólares, com a maior parte sendo gerada na América do Norte (35 bilhões de dólares) e na Europa Ocidental e Central (26 bilhões).
Ademais, os custos de produção da cocaína foram estimados em 1 bilhão de dólares anuais, que se destinam principalmente aos produtores das regiões andinas. O mercado de cocaína teve sua expansão iniciada na década de 70 do século XX, de forma a atender à crescente demanda por esta droga, especialmente nos Estados Unidos.
No período subsequente, surgem as grandes organizações criminosas envolvidas na produção e distribuição de cocaína para aquele país, como os cartéis de Cali e Medellín. Assim, verifica-se a ampliação do cultivo de coca em diversas áreas dos territórios de Peru, Colômbia e Bolívia, estabelecendo um monopólio da produção da matéria-prima da cocaína que persiste até os dias atuais
De acordo com o Levantamento Nacional de Álcool e Drogas, realizado pelo Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Políticas Públicas do Álcool e Outras Drogas (Inpad), divulgado em 2013, revelou que o Brasil é o segundo maior consumidor de cocaína, ficando atrás, apenas, dos Estados Unidos, além de figurar como o maior consumidor de crack do mundo, explicados pela proximidade do território brasileiro, aos três países que mais concentram o cultivo de coca, matéria-prima para a produção de cocaína, Bolívia, Peru e Colômbia.
De acordo com Machado (2002), os moldes de organização territorial do processo produtivo de cocaína podem ser separados em duas fases distintas. A primeira delas, que perdurou até o início dos anos 90, foi marcada pelo predomínio do Peru e Bolívia nos cultivos e produção da pasta de coca, enquanto que a Colômbia se firmava como a maior produtora e exportadora de cocaína, estabelecendo-se, assim, uma divisão transnacional do processo produtivo.
Durante este período, o papel do território brasileiro como rota de exportação de cocaína ainda não possuía grande relevância, uma vez que esta era escoada aos Estados Unidos predominantemente pela costa do Oceano Pacífico, passando pelo Mar do Caribe.
Impulsionada pela movimentação financeira do narcotráfico, a cidade de Letícia experimenta um desenvolvimento econômico sem precedentes, derivando na expansão do mercado imobiliário, com a construção de hotéis, residências e lojas comerciais, bem como o aumento da circulação de bens de luxo, como automóveis, lanchas e motos. Além das moedas nacionais de Peru, Colômbia e Brasil, o dólar era amplamente utilizado nas transações comerciais, e surgiram inúmera casas de câmbio, tanto em Letícia com em Tabatinga.
Tabatinga, por sua vez, também, experimentou ganhos com a economia do narcotráfico, em uma época onde a moeda brasileira encontrava-se desvalorizada perante as moedas vizinhas, tornando os preços do comércio local mais atrativos.
A potência econômica de Letícia persistiu até meados da década de 1990, quando o aumento da repressão ao narcotráfico na Colômbia resultou na captura ou morte dos principais narcotraficantes do país e o desmantelamento dos grandes cartéis de drogas, a exemplo do Cartel de Letícia, que teve seu líder Evaristo Porras, preso e seus bens confiscados, deixando Letícia em uma grave crise financeira, com declínio da atividade comercial até então estimulada pelo tráfico de drogas.
No final dos anos 80 e início dos anos 90, o território colombiano passou a cultivar, também, grandes áreas de cultivo de coca, passando a concentrar todas as etapas da produção do entorpecente. O mesmo ocorreu, em sentido inverso, com Bolívia e Peru, onde se verifica o aumento da produção de cocaína. Desse modo, o caráter transnacional do processo produtivo é substituído por um método de organização que concentra todas as etapas da produção nos limites territoriais de cada país.
Neste novo período, deu-se, ainda, o surgimento de novos mercados consumidores de cocaína, até então concentrados nos Estados Unidos, como a Europa e África. Ante este novo cenário aumenta, também, a importância de rotas exportadoras que passam pelo território brasileiro, iniciadas nas regiões de fronteira dos estados do Amazonas, Acre, Rondônia, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, até atingir os portos da costa brasileira e dali os mercados finais via Oceano Atlântico.
Dessa forma, instituiu-se uma consideração modificação na utilização das vias hidrográficas da região no processo de tráfico de entorpecentes. Se antes estas eram utilizadas majoritariamente para o transporte da pasta de coca produzida no Peru e Bolívia para os laboratórios de refino colombianos, que passaram a ser utilizadas para o escoamento da pasta base e cloridrato de cocaína para o mercado externo.
Nas últimas décadas, portanto, vem se observando uma mudança do perfil do tráfico de cocaína no Brasil, que vem deixando de ser um país caracterizado como rota de trânsito, passando a ser, concomitantemente, um importante mercado consumidor.
O Brasil abriga, aproximadamente, metade da população da América do Sul; é um país que é vulnerável tanto ao tráfico, devido à sua geografia (o que o torna uma área de preparação conveniente para cocaína traficada para a Europa), como ao consumo de cocaína, devido à sua grande população urbana. Uma pesquisa mais recente, entre estudantes de ensino superior nas capitais brasileiras, estimou a prevalência de uso de cocaína em pó (de todas as idades) a 3 % em 2009 (UNODC, 2014, p. 143).
Com isso, o tráfico de cocaína mantém-se ativo na região do Trapézio Amazônico, atuando como um dos dinamizadores econômicos da região, onde sua repressão representa um desafio constante para o Estado Brasileiro.
3 DA SEGURANÇA NAS FRONTEIRAS
A Constituição Federal, em seu artigo 142, estabelece que as Forças Armadas se destinam à defesa da Pátria, à garantia dos Poderes Constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem (Brasil, 1988), caracterizando, claramente, a destinação constitucional dessas forças em garantir a defesa nacional e a segurança da sociedade brasileira.
Além disso, de acordo como o previsto no artigo 144, §1º, inciso III, do mesmo dispositivo, a responsabilidade legal de promover a segurança das fronteiras, é da Polícia Federal, nos seguintes termos:
Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:
§ 1º A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se a:
I - Apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei;
II - Prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o contrabando e o descaminho, sem prejuízo da ação fazendária e de outros órgãos públicos nas respectivas áreas de competência;
III - exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras;
IV - Exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União. (BRASIL, 1988)
Assim, verifica-se que a Carta Política de 1988 deixou bem estabelecidas as competências para a manutenção da segurança nas zonas de fronteira das quais o Brasil faz parte.
No entanto, as estratégias adotadas pelo Poder Público Brasileiro, no intuito de controlar os fluxos ao longo de toda extensão continental das fronteiras brasileiras, as estratégias para o monitoramento das mesmas, têm apresentado severas falhas, uma vez que, os recursos empregados nessas iniciativas são insuficientes, principalmente, em virtude das condições geográficas adversas que dificultam o monitoramento e estimulam a atuação de grupos criminosos.
Em 2008, como forma de suprimir esta deficiência de monitoramento, foi estabelecido a criação de um sistema de sensoriamento e de apoio à decisão ao emprego operacional por iniciativa do Comando do Exército, após ter sido aprovado pela Estratégia Nacional de Defesa de 2008.
O Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras, ou SISFRON, surgiu então para implementar um conjunto integrado de recursos tecnológicos – como sistemas de vigilância e monitoramento, tecnologia da informação, guerra eletrônica e inteligência – dentro de um prazo de dez anos. Além de ampliar a capacidade de monitoramento, o sistema visa contribuir para o incremento de integração regional, entre órgãos do governo e, também, com os países vizinhos.
Outra iniciativa importante para o patrulhamento nas fronteiras brasileiras é a Operação Ágata que é coordenada pelo Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas (EMCFA). Desde 2011, este projeto tem como objetivo fortalecer a segurança de aproximadamente 17 mil quilômetros de fronteiras terrestres do Brasil, além de envolver a participação de 12 ministérios e 20 agências governamentais para fazerem parte do monitoramento de toda esta extensão fronteiriça.
Na Colômbia, a estratégia de redução de oferta de drogas ilícitas, na qual a redução das áreas de cultivo se insere, é realizada por meio de diversas ações que incluem: erradicação manual, erradicação por meio de aspersão aérea de herbicidas e substituição voluntária de cultivos através de programas de desenvolvimento alternativo. Com isso, verifica-se que de 2011 para 2012, houve uma redução de 25% nos cultivos de coca no país (UNODC, 2014).
No Peru, os esforços do governo carreados pela Comissão Nacional para Desenvolvimento e Vida sem drogas (DEVIDA) conseguiram pelo segundo ano consecutivo reduzir os cultivos de coca, que somaram 49.800ha em dezembro de 2013, ou seja, 17,5% a menos que o ano anterior (60.400ha) ou 22,7% a menos que o registrado em 2011 (64.400ha). Esta redução se deve tanto por ações de erradicação de cultivos ilícitos, bem como ações de desenvolvimento econômico que levam ao abandono dos cultivos cocaleiros. Exemplo disto é a disputa por mão de obra, ocasionada pela demanda gerada por obras públicas de governos locais e regionais ou ainda por companhias ligadas à exploração do Gás de Camisea, na região Central do Peru (UNODC, 2014).
O governo brasileiro, por sua vez, editou o Decreto n.º 8.793, de 29 de junho de 2016, fixando a Política Nacional de Inteligência (Brasil, 2016a). Neste documento, estão listadas as ameaças que representam potencial capacidade de pôr em perigo a integridade da sociedade e do Estado e a segurança nacional do Brasil. Como critério para a seleção das ameaças, foram consideradas as elencadas pela Organização das Nações Unidas, o que foi feito com os demais Estados. Além disso, foram adicionadas as ameaças deduzidas da PND e END e constantes na Política Nacional de Inteligência (Brasil, 2016a), instituída pelo Decreto n.º 8.793, de 29 de junho de 2016, para compor esse rol de ameaças.
Como resultado, o Estado brasileiro possui 14 ameaças que atendem aos critérios estabelecidos, quais sejam: Terrorismo, Armas de Destruição em Massa (ADM), espionagem, criminalidade organizada, falhanço dos Estados, sabotagem, interferência externa, ações contrárias à soberania nacional, pandemias, ataques cibernéticos, corrupção, ações contrárias ao Estado Democrático de Direito, Crimes transfronteiriços e crimes ambientais.
No tocante ao terrorismo, o país tipificou essa modalidade de ameaça por meio da Lei n.º 13.260, que o disciplinou perante a legislação brasileira (Brasil, 2016d). Nas fronteiras brasileiras, em particular, observam-se os ilícitos transnacionais em duas vertentes: dos crimes contra a pessoa, envolvendo o tráfico de drogas, armas e munições, e o tráfico de pessoas; e o dos crimes financeiros, como a lavagem de dinheiro e a corrupção (Cossul e Jaeger, 2016, p.141)
As características geográficas adversas das regiões lindeiras, a escassez de recursos, a estrutura deficitária dos órgãos responsáveis pela atuação na faixa de fronteira, o pequeno número de postos de fiscalização, o reduzido efetivo de agentes federais e a corrupção são alguns dos fatores que contribuem para aumentar a fragilidade do controle por parte do Estado (Santana, 2012, p. 4).
3.1 ACORDOS BILATERAIS E COOPERAÇÃO NA TRÍPLICE FRONTEIRA
Os Estados utilizam mecanismos internacionais para a definição das fronteiras, como os tratados de limites, mas também utilizam atos internacionais para fortalecer a cooperação e a integração entre eles como Acordos de cooperação, Acordos Básicos de Cooperação Científica e Técnica (ABCCT) e seus ajustes complementares, Acordos-quadro, Memorandos de entendimento ou declarações conjuntas dos presidentes. São todos mecanismos do direito internacional que servem de marco para processos de cooperação.
Cabe ressaltar que, entre o Brasil e Peru, existem vários acordos em matéria fronteiriça, mas muitos deles no departamento Madre de Dios e não em Loreto e a região da Tríplice Fronteira, pelo qual na tabela foram tomados os acordos gerais em matéria fronteiriça ou aqueles relacionados com a área em estudo, excluindo projetos específicos em outras áreas da faixa de fronteira Brasil-Peru.
Os acordos de cooperação e seus ajustes evidenciam a existência de vários projetos conjuntos em diferentes áreas especialmente produtivas, de gestão ambiental e de recursos e de mobilidade e trânsito fronteiriço, que procuram um desenvolvimento local a partir da coordenação entre ambos os países e instituições locais, regionais e nacionais. O transporte fluvial e as atividades em torno aos rios amazônicos tomam boa parte dos acordos entre Brasil e Peru.
Mesmo excluindo vários acordos pelo fato de se tratar de outras áreas fronteiriças mais afastadas da Tríplice Fronteira, como aqueles relativos à Tríplice Fronteira Brasil, Bolívia, Peru, pode se ver um importante número de atos internacionais em matéria fronteiriça para a Amazônia entre Brasil e Peru, sendo indispensável, além da comunicação entre os Ministérios de Relações Exteriores, o assunto das visitas presidenciais, pois muitos dos acordos foram assinados nas 63 visitas de Lula ao Peru em 2009 e de García ao Brasil no mesmo ano e também a Manaus em 2010.
Um dos acordos mais importantes é o Régime Especial Fronteiriço, assinado em 2008 e que finalmente foi aprovado pela Lei 1463 de 2011 da Colômbia. Precisamente, um dos maiores problemas tem sido que as cidades tem um régime aduaneiro diferente e o comércio fronteiriço apresenta dificuldades no passo de alguns produtos. Em este caso, existe uma integração entre os países para resolver um problema local comum que será levado ao âmbito nacional para sua aprovação.
Pode-se notar, portanto, que tanto Colômbia quanto Peru, detêm, com o Brasil um Acordo sobre Localidades Fronteiriças Vinculadas que facilita a mobilidade dos cidadãos de fronteira. Por outra parte, entre a Colômbia e o Peru existem tratados em diversas áreas durante o período estudado, mas nenhum deles está relacionado com a fronteira diretamente.
Os últimos tratados entre ambos os países especificamente sobre o tema correspondem ao ano 2003 com um acordo sobre transporte aéreo transfronteiriço e uma troca de notas para modificar a CVICP. Em dezembro de 2007 foi assinado um Memorando de entendimento para aprofundar a integração entre os ministérios de comércio de ambos os países, sendo um tratado geral para o comércio bilateral, mas que pode beneficiar à integração deles especialmente na área de turismo.
Para contextualizar, as relações entre Colômbia e Peru foram distantes por muito tempo. Como relatam Fabián Novak y Sandra Namihas (2011), depois da guerra em 1932 e uma série de conflitos diplomáticos durante a segunda parte do século XX existiu uma indiferença e baixo interesse entre ambos os países. Desestimava-se a condição comum de países andinos, amazônicos e com saída ao Oceano Pacífico. Mesmo essa relação distante ter mudado muito nos últimos anos, em matéria fronteiriça não existe um avanço significativo na medida em que não houveram tratados referentes diretamente ao tema fronteiriço entre Colômbia e Peru.
O principal avanço tem sido dado no marco da CVICP e da ZIF. Em geral, para a Tríplice Fronteira e os três países, é importante o avanço em matéria de integração e transporte fluvial. Mesmo não pertencendo ao período aqui estudado, tem-se como antecedente em 2004 o Memorando de entendimento entre o Ministério de Defesa Nacional da República da Colômbia, o Ministério de Defesa e o Ministério de Justiça da República Federativa do Brasil, e o Ministério de Defesa da República do Peru para combater as atividades ilícitas nos rios fronteiriços e/o comuns. Em 2008, em reunião dos três presidentes na cidade de Leticia, os presidentes assinaram um Memorando de Entendimento para Combater as Atividades Ilícitas nos Rios Fronteiriços e/o Comuns, a efeitos de contar com um mecanismo que melhore a coordenação, a cooperação e a eficiência das operações fluviais e de controle.
3.2 COOPERAÇÃO TRILATERAL: BRASIL, BOLÍVIA E PERU
O tráfico de drogas é um fenômeno que geralmente apresenta uma dimensão internacional. A cooperação internacional nesta temática, portanto, torna-se imprescindível para o combate efetivo das organizações criminosas.
O Brasil firmou tratados de cooperação sobre entorpecentes com quase todos os países da América do Sul, com exclusão da Guiana, que possui um acordo não vigente, e do Equador que possui um acordo em tramitação desde 1990. A relevância dos tratados firmados é de constituir uma base legal para troca de informações e inteligência policial entre as instituições de segurança dos países sul-americanos, assim como simboliza a aproximação entre as Forças Armadas, respeitando o princípio da soberania nacional (DIAS, 2015).
A cooperação entre Brasil e Bolívia em questão de combate ao tráfico de substâncias ilícitas se baseiam no Convênio de Assistência Recíproca para a Repressão do Tráfico Ilícito de Drogas que Produzem Dependência, firmado em 1977 e no Acordo de Cooperação para Impedir o Uso Ilegal de Precursores e Substâncias Químicas Essenciais para o Processamento de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas, firmado em 1999. O primeiro documento prevê operações conjuntas em zonas de fronteira para identificar cultivo ilegal e erradicar as plantações. Já o segundo documento reforça a assistência mútua entre os governos para troca de informações no intuito de controlar e fiscalizar as operações comerciais, aduaneiras e de distribuição de substâncias químicas ilegais.
Desde 2003, Brasil e Peru mantêm uma Aliança Estratégica, além de manter um programa de cooperação técnica mais extensa que abrange as áreas de saúde, recursos hídricos, agricultura, desenvolvimento social, trabalho, entre outros. Um dos principais temas dessa Aliança é a integração fronteiriça. Considerado um tema fundamental, visto que a fronteira entre o Brasil e Peru é sua segunda mais extensa, atrás apenas da fronteira com a Bolívia. Assim, em 2009, foi assinado um acordo bilateral, criando a Comissão Vice Ministerial de Integração Fronteiriça Brasil - Peru (CVIF), ao qual abarca o controle fronteiriço integrado, de transportes, saúde na fronteira, cooperação ambiental fronteiriça e temas indígenas.
Outro importante tema é o combate aos ilícitos transnacionais, principalmente em relação ao narcotráfico, visto que o Brasil e Peru compartilham desafios comuns nas áreas fronteiriças. Deste modo, há a criação da Comissão Mista sobre drogas, que detém uma constante colaboração entre as autoridades dos países para a aplicação da lei na região fronteiriça (MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES, 2018).
Diante de interesses comuns, em 2017, houve um encontro entre as autoridades brasileiras e peruanas em Tabatinga (AM). Neste encontro, os assuntos discutidos foram a cooperação de inteligência e em situações de desastres naturais, o desenvolvimento de ações conjuntas de combate ao tráfico de armas e drogas, além de haver uma visita ao SISFRON, ao Sistema de Vigilância da Amazônia e à indústria de defesa brasileira. Ademais, o ex-ministro
da defesa, Raul Jungmann, a ação na fronteira é estratégica (MINISTÉRIO DA DEFESA, 2017b).
“Aqui é o nascedouro do crime organizado, com tráfico de drogas e de armas. E é aqui que, conjuntamente, nós iniciamos a golpeá-lo, buscando integração com as polícias, com comandos operacionais conjuntos, com a troca de imagens e tudo aquilo que nos permite identificar e atacar essas organizações criminosas e, evidentemente, o contrabando de armas, de pessoas e de drogas”, afirmou o ex-ministro Jungmann (MINISTÉRIO DA DEFESA, 2017b).
Assim, os representantes brasileiros apresentaram o projeto-piloto do SISFRON (Sistema Integrado de Monitoramento das Fronteiras), que está em desenvolvimento na fronteira com o Paraguai, a fim de aumentar a capacidade de vigilância e de tomada de decisões na região.
Também foi apresentada a Operação Ágata, que une órgãos brasileiros para o monitoramento da faixa de fronteira de todo o território nacional, ressaltando que houve o envolvimento de 11 mil agentes e apreendeu cerca de R$ 27 milhões em ilícitos. Por fim, foi apresentado a Operação Ostium, a qual estabeleceu rotas de entrada e saída de tráfego aéreo nas fronteiras do país desde março de 2017, reduzindo em 75% o número de voos desconhecidos e interceptando 153. Essas ações realizadas nas fronteiras possuem o objetivo de combater crimes, como o tráfico de drogas, de armas e de pessoas, os quais, segundo o ex-ministro, estão relacionados à criminalidade no Brasil, como no Rio de Janeiro, já que é o destino de armas e drogas que atravessam ilegalmente a fronteira (PORTAL AMAZÔNIA, 2017).
“Tenham a certeza que essa fronteira entre Brasil e o Peru, a partir de agora, estará muito mais fortalecida, melhor fiscalizada, obviamente dando uma contribuição para reduzir a capacidade operacional do crime no Brasil, contando com a colaboração dos responsáveis pela defesa, da polícia e da inteligência peruana e brasileira”, disse o exministro (MINISTÉRIO DA DEFESA, 2017b).
No intuito de aumentar as cooperações, houve o AMAZONLOG que é um Exercício de Logística Multinacional Interagências, na tríplice fronteira entre Brasil, Colômbia e Peru, conduzido pelo Comando Logístico do Exército Brasileiro (COLOG) e inspirado no Exercício Logístico Capable Logistician - 2015, realizado por países da Organização do Atlântico Norte (OTAN), na Hungria.
Neste exercício, foi montada uma Base Logística Internacional composta por Unidades Logísticas Multinacionais Integradas (ULMIs) na Floresta Amazônica, a fim de serem treinadas para o apoio à civis e efetivos militares empregados em regiões remotas e desassistidas, como, tipicamente, ocorre em Operações de Paz e de Ajuda Humanitária. Em toda a região, foram desenvolvidas ações conjuntas, multinacionais e interagências por tropas e agências brasileiras, colombianas, norte-americanas e peruanas (MINISTÉRIO DA DEFESA, 2017c).
3.3 PERU: INICIATIVAS NACIONAIS DE SEGURANÇA E DEFESA DAS FRONTEIRAS
Outra importante cooperação entre os países é entre as polícias do Brasil e do Peru. Com mais essa integração, haveria um resultado positivo no combate aos crimes ilícitos nas fronteiras. Desta forma, é imperativo que os países mantenham encontros e eventos em conjunto, como o AMAZONLOG. Com isso, haverá o fortalecimento das relações bilaterais que estenderá as cooperações, favorecendo a segurança entre ambos.
Diante da problemática de crimes ilícitos, o Brasil tem desempenhado liderança regional, a fim de proteger as suas extensas fronteiras, por meio de celebração de diversos acordos nesta temática. Com isso, em 2012, Brasil se reuniu com Bolívia e Peru no intuito de estabelecer mecanismos em conjunto de inteligência, monitoramento de fronteiras e formação policial compartilhada para o combate do tráfico de drogas e lavagem de dinheiro. A partir desta reunião, em 2013, foi assinado um acordo de cooperação entre as partes para maior controle da fronteira e combate aos crimes organizados transnacionais. Além disso, houve a criação do Grupo de Trabalho Trilateral, para aumentar o intercâmbio de informações de inteligência e controle do espaço aéreo, terrestre e marítimo (DIAS, 2015).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As fronteiras apresentam dinâmicas espontâneas ou cotidianas de integração, compartilham uma história, problemas e recursos comuns e evidenciam a necessidade do diálogo entre estados vizinhos para estabelecer processos de cooperação por meio de acordos internacionais e a criação de mecanismos conjuntos que respondam às necessidades dessas regiões e suas populações. Essa integração é dada em um nível local, regional, nacional e internacional, sendo os fluxos de interação entre esses níveis complementários e evidentes em uma fronteira.
A fronteira, como conceito e também como realidade, pode ser entendida como um fator de separação a partir do entendimento de fronteira fechada como fonte de conflito, ou como um fator de integração determinado pela necessidade de cooperação com o vizinho para o desenvolvimento regional e a solução de problemas comuns.
No caso da fronteira amazônica, pode-se concluir que existem ainda concepções de fronteira negativas, segundo as quais a região amazônica apresenta múltiplos conflitos e ameaças que precisam de presença militar efetiva para defende-la. Existe uma predominância, por uma parte, de abordar os problemas da Amazônia desde a segurança e, por outra, da ação individual dos estados para a resolução de problemáticas de natureza comum.
Nesse contexto, o narcotráfico na região do Trapézio Amazônico caracteriza-se como uma atividade com grande impacto econômico naquela região, apresentando diferentes fases ao longo das últimas décadas do século XX. Este estudo procurou apresentar o processo de evolução histórica desta atividade criminosa na região, identificar quais zonas produtoras de coca que possuem influência no território brasileiro.
Assim sendo, foi possível observar que a produção de cocaína no território colombiano não possui grande relevância para o mercado brasileiro. Por outro lado, o território peruano, em especial o Departamento de Loreto, tem a atividade cocaleira diretamente ligada à produção de entorpecentes que adentram ao território brasileiro na região estudada.
A delimitação desta zona de influência, bem como a mensuração de seu impacto econômico, pode servir como instrumento balizador para os projetos voltados para o enfrentamento ao narcotráfico naquela região, a fim de que sejam traçadas políticas que tenham por base a real dimensão que esta atividade criminosa possui na Tríplice Fronteira Amazônica.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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[1] Mestre em Direito pela Faculdade de Direito do Sul de Minas, FDSM, Brasil.
Acadêmico do Curso Superior de Direito do Centro Universitário Luterano de Manaus – CEULM/ULBRA.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Flávio Eugênio da. O território da tríplice fronteira amazônica (Brasil, Colômbia e Peru): estratégias de integração no âmbito da segurança nacional Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 26 dez 2019, 04:36. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/54040/o-territrio-da-trplice-fronteira-amaznica-brasil-colmbia-e-peru-estratgias-de-integrao-no-mbito-da-segurana-nacional. Acesso em: 23 nov 2024.
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