Respeitosamente as políticas de segurança pública nas mais diversas unidades federativas do Brasil têm trazido um paradoxo incontestável, consistente nas Polícias Judiciárias, sendo cada vez mais “polícias militarizadas” e as Polícias Militares sendo cada vez mais “polícias investigativas”, quadro este que estaria ao arrepio da Constituição Federal e de todo ordenamento pátrio.
Essa constatação empírica vai desde viaturas caracterizadas disponibilizadas às Polícias Judiciárias pelo Estado, quando na verdade deveriam ser viaturas descaracterizadas pela própria essência em si da atividade investigativa; e perpassa por integrantes (policiais) uniformizados, diariamente, para o exercício da função (anulando o fator surpresa, discrição, sigilosidade entre outros) e até formaturas em que aparecem policiais civis como se estivessem em verdadeiro curso de formação militar com “gritos de guerra” e “posturas típicas” do militarismo – deixando bem claro que não se tem absolutamente nada contra o militarismo, mas devemos nos ater à essência e razão de ser das coisas.
Ao passo que temos assistido de outro lado, as Polícias Militares na contramão disto, atuando como verdadeiras “polícias judiciárias” com policiais despidos de fardas, carros descaracterizados, exercendo atividades eminentemente investigativas que escapam da órbita do Direito Penal e Processual Militar em si (crimes perpetrados por cidadãos comuns), com verdadeiro desvio de função e da atribuição constitucional. Obviamente, não ignoramos àquelas infrações penais militares que permitem à adoção de atos de polícia judiciária em cena no inquérito policial militar, na esfera militar, mormente pelo rol ampliado através Lei nº 13.491/2017.
Não se pode apenas por mera questão política, compelir institucionalmente como diretriz de governo que, viaturas de Polícias Judiciárias sejam caracterizadas pelo simples fato de demonstrar investimento governamental neste segmento, quando na essência acaba se retirando uma força considerável da discrição, silêncio e invisibilidade da atuação das Polícias Judiciárias em levantamentos, investigações e diligências.
Não pode permitir também que, haja desvio de função e atribuições constitucionais, em nome e tão somente de uma conveniência, utilitarismo e ‘eficientismo’ falacioso.
Temos regras constitucionais em plena vigência ou esqueçamos de tudo isto para caminharmos para um verdadeiro “vale tudo jurídico constitucional” que cada um faz o que entender ao seu alvedrio perante o Estado Democrático de Direito.
Esta situação anacrônica cria uma disfunção sistêmica e traz sérias implicações de cunho prático, ou seja, o sistema formatado para operacionalizar em harmonia com a Lei Maior com repartição das atribuições claramente de cada uma das instituições, acaba por sofrer os efeitos colaterais da criminalidade em todas as suas vertentes, pois as Polícias Judiciárias vocacionadas a investigarem têm seu campo de investigação restringido por falta de efetivo de pessoas, viaturas adequadas, etc com prejuízo substancial as atividades e as Polícias Militares ao seu turno, deixam de realizar o serviço policial vocacionado ao policiamento ostensivo e preventivo, não evitando a prática dos delitos como se espera no desenho constitucional.
Isso compromete os resultados buscados pelo pacto social contido na Constituição Federal e outros regramentos jurídicos de regência e toda higidez de um sistema construído, visando uma harmonia, ainda que apenas no mundo ideal e jurídico.
Surge uma inevitável provocação: Tudo isso, seria fruto de uma conspiração para açodar a implantação de uma política do ciclo completo de polícia ou de uma polícia única em nosso país ou seria mera coincidência fática da crise de identidade entre as forças de segurança e que perpassam para outros setores?
De qualquer forma, quer se aponte as respostas para um lado ou outro lado, não seria uma imposição à oportunidade para resgatarmos e ressignificarmos a necessidade de voltarmos a nossa essência e respeitarmos a Constituição Federal em vigor?
Sabemos da importância das Polícias Judiciárias, assim como da importância das Polícias Militares, mas não podemos ignorar que essa problemática de crise institucional de atribuições constitucionais invertidas deva ser enfrentada com seriedade e coragem, cada um respeitando as divisas de atribuições dos outros para se buscar um equilíbrio e acima de tudo, conferir uma verdadeira segurança pública.
Das considerações finais
Enfim, o paradoxo de crise de identidade de atribuições entre as Polícias Judiciárias e das Polícias Militares permite o crime se agigantar e tornam as atividades policiais menos eficazes, do que se idealiza com o respeito do desenho constitucional.
Afinal, a quem interessa uma Polícia Judiciária e uma Polícia Militar enfraquecida com crise de identidade de suas atribuições?
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