Em sessão virtual encerrada no dia 05/06/2020 o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou o Recurso Extraordinário nº 729.107/DF – referente ao Tema 792 – com repercussão geral. O caso sob análise tratou da averiguação da inaplicabilidade do novo teto de Requisição de Pequeno Valor (RPV) para execuções judiciais em curso contra a Fazenda Pública.
Segundo assentaram os Ministros da Corte, por unanimidade de votos:
EXECUÇÃO – FAZENDA – LEI – APLICAÇÃO NO TEMPO. Lei disciplinadora da submissão de crédito ao sistema de execução via precatório possui natureza material e processual, sendo inaplicável a situação jurídica constituída em data que a anteceda.
(RE 729107, Relator (a): MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 08/06/2020, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO, DJe-228, DIVULG 14-09-2020, PUBLIC 15-09-2020) (grifou-se)
Em que pese esta decisão, o Distrito Federal por meio da sua Procuradoria Geral, manejou Embargos de Declaração, ainda pendentes de julgamento pelo Supremo, no sentido de que ocorra uma modulação dos efeitos de tal decisão, consoante trechos colhidos de sua peça recursal:
5. Por fim, o Distrito Federal traz à Mesa a questão da modulação dos efeitos do v. acórdão embargado, tema possível de ser aventado em sede de embargos de declaração – cf., v.g., RE 594.435-SP-EDcl, Rel. p/ac Min. Alexandre de Moraes, DJe de 23-9-2019.
6. Com efeito, o caso concreto encerra situação de excepcionalidade que justifica sejam estabelecidos efeitos apenas prospectivos do julgado. Senão, vejamos.
7. Lembrando, trata-se na origem de execução de ordem mandamental coletiva concedida pelo TJDFT para assegurar ao SINDIRETA - Sindicato dos Servidores Públicos Civis da Administração Direta, Autarquias, Fundações e Tribunal de Contas do Distrito Federal, na condição de substituto processual de cerca de 6.000 (seis mil) filiados, o recebimento em pecúnia de valores de benefício alimentação suprimidos entre janeiro/96 e abril/2002, respeitada a prescrição quinquenal.
8. O trânsito em julgado da sentença coletiva ocorreu em junho/2004, quando ainda vigorava no Distrito Federal teto de RPV de 40 salários mínimos, reduzida para 10 salários-mínimos pela Lei local 3.624/2005.
9. A esta altura, tendo em vista a renúncia, por parte dos credores, dos valores que superam o teto da RPV e o recebimento do precatório, por muitos, em função da prioridade da idade ou doença grave, persistem aguardando pagamento cerca de metade dos beneficiários da ordem mandamental coletiva, algo em torno de 3.000 servidores.
10. Isto representa, considerado o teto de 40 salários-mínimos das RPVs, nada menos de R$ 108.000.000,00 (cento e oito milhões) para pagamento em 60 (sessenta) dias só no caso dos autos, sem falar nas inúmeras execuções que se encontram sobrestadas, aguardando precisamente o julgamento do Tema 792-RG.
11. Este valor é totalmente impossível de ser dispendido pelo erário nos dias atuais, em que o Estado se encontra absolutamente impactado pelos nefastos efeitos e vultosas despesas decorrentes da pandemia da COVID-19, comprometendo a sua capacidade de pagamento não só neste ano de 2020, mas também, e por força dos desdobramentos da crise, no orçamento do ano de 2021.
12. Sendo absolutamente irrecusável essa realidade, se mostra cabível que no caso concreto se possam modular os efeitos do v. acórdão embargado, de modo que o marco temporal que vem de ser definido passe a ser adotado, pelo menos no que diz respeito às execuções de sentenças coletivas, a partir da data da prolação do resultado do julgamento, qual seja 8 de junho de 2020.
13. Isto porque, consideradas as circunstâncias destacadas, o que haverá de inviabilizar a satisfação da condenação é o impacto do montante que decorre de sentenças coletivas – como é o caso dos autos –, a ser alternativamente resolvido com a diluição do pagamento em calendário mensal que excepcionalmente elasteça para 24 (vinte e quatro) meses o prazo para a satisfação integral do título exequendo, também a partir do dia 8 de junho de 2020.
14. Para registro, aqui não há falar que a jurisprudência da Corte já se assentara no sentido da tese que vem de ser adotada, na medida em que o eg. Plenário dessa Suprema Corte só se debruçou diretamente sobre o tema ao julgar a ADI 5.100-SC, Rel. Min. Luiz Fux, DJe de 14-5-2020, invocada no v. acórdão embargado.[1] (grifou-se)
O recurso acima teve o seu julgamento iniciado em 12/02/2021 com previsão de conclusão em 23/02/2021, onde o Ministro Relator já pontuou, acertadamente, que:
É impróprio o pedido de modulação dos efeitos do acórdão. A providência surge extravagante. Tem-se instituto voltado a atender situações excepcionalíssimas. Descabe cogitar – sobretudo em processos de natureza subjetiva – de atribuição de eficácia prospectiva a decisão do Tribunal, dando-se o dito pelo não dito para salvar-se situação concreta conflitante com a Lei Maior.
[...]
Além de não envolvido caso de alteração de jurisprudência do Supremo, o relevo social do tema foi devidamente sopesado, chegando o Plenário a conclusão diversa da buscada pelo ente público, privilegiando a segurança jurídica. (grifou-se)
Vale ressaltar que esse posicionamento pretendido pela Procuradoria Geral do Distrito Federal (PGDF), notadamente com base no precedente da ADI nº 5.100/SC já mencionada, não encontra amparo no próprio Código de Processo Civil (CPC), a saber:
Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão:
(...)
§ 3º Na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica.
§ 4º A modificação de enunciado de súmula, de jurisprudência pacificada ou de tese adotada em julgamento de casos repetitivos observará a necessidade de fundamentação adequada e específica, considerando os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia. (grifou-se)
Ora, a própria decisão paradigma citada pela PGDF foi clara ao dispor que o entendimento do STF acerca da matéria não sofreu alteração, mas somente foi corroborado no julgamento do Recurso Extraordinário nº 729.107/DF – referente ao Tema 792 – a conferir:
Ementa: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. DIREITO CONSTITUCIONAL. ARTIGOS 1º E 2º DA LEI 15.945/2013 DO ESTADO DE SANTA CATARINA. REDUÇÃO DO TETO DAS OBRIGAÇÕES DE PEQUENO VALOR PARA 10 (DEZ) SALÁRIOS MÍNIMOS. A VIGÊNCIA DO REGIME ESPECIAL DE PAGAMENTO DE PRECATÓRIOS PREVISTO NO ARTIGO 97 DO ADCT NÃO SUSPENDEU A COMPETÊNCIA DOS ENTES FEDERADOS PARA ALTERAR O TETO DAS REQUISIÇÕES DE PEQUENO VALOR. POSSIBILIDADE DE FIXAÇÃO DE VALOR INFERIOR AO DO ARTIGO 87 DO ADCT PARA AS OBRIGAÇÕES DE PEQUENO VALOR, SEGUNDO A CAPACIDADE ECONÔMICA DOS ENTES FEDERADOS. JUÍZO POLÍTICO. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE IRRAZOABILIDADE. APLICAÇÃO DA REDUÇÃO DO TETO DAS REQUISIÇÕES DE PEQUENO VALOR ÀS CONDENAÇÕES JUDICIAIS JÁ TRANSITADAS EM JULGADO. IMPOSSIBILIDADE. OFENSA À SEGURANÇA JURÍDICA. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE CONHECIDA E JULGADO PARCIALMENTE PROCEDENTE O PEDIDO. 1. As Requisições de Pequeno Valor - RPV consubstanciam exceção à regra de pagamento de débitos judiciais pela Fazenda Pública na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, permitindo a satisfação dos créditos de forma imediata. 2. Os entes federados são competentes para estabelecer, por meio de leis próprias e segundo a sua capacidade econômica, o valor máximo das respectivas obrigações de pequeno valor, não podendo tal valor ser inferior àquele do maior benefício do regime geral de previdência social (artigo 100, §§ 3º e 4º, da Constituição Federal, na redação da Emenda Constitucional 62/2009). 3. O § 12 do artigo 97 do ADCT é regra transitória que não implicou vedação à modificação dos valores fixados para o limite das obrigações de pequeno valor, mas, tão-somente, evitou que eventual omissão dos entes federados em estabelecer limites próprios prejudicasse a implementação do regime especial de pagamento de precatórios. 4. As unidades federadas podem fixar os limites das respectivas requisições de pequeno valor em patamares inferiores aos previstos no artigo 87 do ADCT, desde que o façam em consonância com sua capacidade econômica. Precedente: ADI 2.868, Redator do acórdão Min. Joaquim Barbosa, Plenário, DJ de 12/11/2004. 5. A aferição da capacidade econômica do ente federado, para fins de delimitação do teto para o pagamento de seus débitos por meio de requisição de pequeno valor, não se esgota na verificação do quantum da receita do Estado, mercê de esta quantia não refletir, por si só, os graus de endividamento e de litigiosidade do ente federado. Precedente: ADI 4.332, Rel. Min. Alexandre de Moraes, Plenário, DJe de 8/5/2018. 6. In casu, o artigo 1º da Lei 15.945/2013 do Estado de Santa Catarina reduziu o teto das obrigações de pequeno valor do Estado para 10 (dez) salários mínimos, com a justificativa de que, nos exercícios de 2011 e 2012, foi despendido, com o pagamento de requisições de pequeno valor no patamar anterior de 40 (quarenta) salários mínimos, o equivalente aos gastos com os precatórios, em prejuízo à previsibilidade orçamentária do Estado. 7. A ausência de demonstração concreta da desproporcionalidade na fixação do teto das requisições de pequeno valor do Estado de Santa Catarina impõe a deferência do Poder Judiciário ao juízo político-administrativo externado pela legislação impugnada, eis que o teto estipulado não constitui, inequívoca e manifestamente, valor irrisório. 8. A redução do teto das obrigações de pequeno valor, por ser regra processual, aplica-se aos processos em curso, mas não pode atingir as condenações judiciais já transitadas em julgado, por força do disposto no artigo 5º, XXXVI, da Constituição Federal, que resguarda o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. Precedentes: RE 632.550-AgR, Rel. Min. Dias Toffoli, Primeira Turma, DJe de 14/5/2012; RE 280.236-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, Segunda Turma, DJ de 2/2/2007; RE 293.231, Rel. Min. Maurício Corrêa, Segunda Turma, DJ de 1º/6/2001; RE 292.160, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Primeira Turma, DJ de 4/5/2001; RE 299.566-AgR, Rel. Min. Carlos Velloso, Segunda Turma, DJ de 1º/3/2002; RE 646.313-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, Segunda Turma, DJe de 10/12/2014; RE 601.215-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, Segunda Turma, DJe de 21/2/2013; RE 601.914-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, Segunda Turma, DJe de 25/2/2013. 9. O artigo 2º da Lei 15.945/2013 do Estado de Santa Catarina, consectariamente, é parcialmente inconstitucional, por permitir a aplicação da redução do teto das obrigações de pequeno valor às condenações judiciais já transitadas em julgado, em ofensa ao postulado da segurança jurídica. 10. Ação direta conhecida e julgado parcialmente procedente o pedido, para declarar a inconstitucionalidade parcial, sem redução de texto, do artigo 2º da Lei 15.945/2013 do Estado de Santa Catarina, de forma a excluir do âmbito de aplicação da Lei as condenações judiciais já transitadas em julgado ao tempo de sua publicação. (ADI 5100, Relator (a): LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 27/04/2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-119, DIVULG 13-05-2020, PUBLIC 14-05-2020) (grifou-se)
Frente ao exposto, espera-se que este comportamento da Fazenda Pública Distrital em juízo seja rechaçado no julgamento dos Embargos de Declaração pelo STF, haja vista que não deve ocorrer, com a devida vênia, uma banalização do relevante instituto da modulação dos efeitos das decisões judiciais.
Aliás, não existe uma relação de causa e efeito entre a repercussão geral e a modulação, a pressupor que toda repercussão geral implicará em modulação. A repercussão geral pode se dar, como na hipótese em questão, como meio de reafirmação da tese firmada no STF. Não significa, em hipótese alguma, que haverá sempre uma necessidade de modulação, até porque esta é uma exceção e pressupõe a ruptura radical de pensamento do Supremo e o preenchimento claro dos requisitos constitucionais e legais alhures mencionados, que no caso inexistiu.
Em arremate, os precedentes ocupam um especial valor no sistema normativo processual[2], sendo descabido que a mera derrota da Fazenda Pública implique em necessidade de modulação, notadamente quando as suas teses judiciais foram claramente inadmissíveis e amplamente rejeitadas nos Tribunais.
Por fim, já era de conhecimento da Fazenda Pública Distrital que o STF mantinha este posicionamento reafirmado na repercussão geral, de modo que não existe sustentação de uma modulação numa frágil alegação de fatos posteriores como a COVID19, sob pena de se criar um cenário preocupante de desvirtuamento do princípio da segurança jurídica e um estímulo à falta de planejamento orçamentário para o pagamento de precatórios e RPV’s.
[1] Supremo Tribunal Federal (STF). Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf?seqobjetoincidente=4350039>. Acesso em: 12 fev. 2021.
[2] ZANETI JR., HERMES. O valor dos precedentes: teoria dos precedentes normativos formalmente vinculantes. 3 ed. Salvador: JusPODIVM, 2017.
Procurador do Estado de Alagoas. Advogado. Consultor Jurídico. Ex-Conselheiro do Conselho Estadual de Segurança Pública de Alagoas. Ex-Membro de Comissões e Cursos de Formação de Concursos Públicos em Alagoas. Ex-Membro do Grupo Estadual de Fomento, Formulação, Articulação e Monitoramento de Políticas Públicas em Alagoas. Ex-Técnico Judiciário do Tribunal Regional Federal da 5ª Região. Ex-Estagiário da Justiça Federal em Alagoas. Ex-Estagiário da Procuradoria Regional do Trabalho em Alagoas. Graduado em Direito pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CALHEIROS, Elder Soares da Silva. A inaplicabilidade do novo teto de requisição de pequeno valor (RPV) para execuções judiciais em curso contra a fazenda pública: uma necessidade de modulação pelo STF? Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 18 fev 2021, 04:58. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/56183/a-inaplicabilidade-do-novo-teto-de-requisio-de-pequeno-valor-rpv-para-execues-judiciais-em-curso-contra-a-fazenda-pblica-uma-necessidade-de-modulao-pelo-stf. Acesso em: 22 nov 2024.
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