A pandemia da Covid-19 alterou profundamente os métodos de trabalho nos setores público e privado. Particularmente no âmbito do Supremo Tribunal Federal é notável a quantidade de julgamentos proferidos no âmbito do plenário virtual.
Causas que antes levavam meses, quiçá anos, para serem julgadas no plenário físico, hoje são julgadas em questão de dias no ambiente virtual. Parece-nos tratar de fenômeno irreversível e que não se alterará mesmo depois da pandemia, ou seja, é necessário acompanhar cada vez com mais atenção os julgamentos oriundos do plenário virtual.
Neste sentido, vale a pena destacar o importante julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 6241/DF, de que foi relatora a Ministra Carmen Lúcia, finalizado em 06/02/2021, e que pode ter passado despercebido em função do também importante julgamento do RE nº 1.010.606 onde o STF decidiu que o direito ao esquecimento é incompatível com a Constituição Federal.
Voltando à ADI nº 6241/DF, tratou-se de ação ajuizada pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT) arguindo a inconstitucionalidade da inclusão de empresas públicas e sociedades de economia mista federais no Programa Nacional de Desestatização. No caso, o PDT defendeu que a desestatização da Casa da Moeda do Brasil, do Serpro, da DataPrev, da ABGF, da EMGEA e da Ceitec necessitava de edição de lei específica autorizativa para cada uma dessas estatais.
O argumento central do PDT foi no sentido de que o art. 37, inciso XIX, da Constituição Federal determina que a criação de empresas públicas e sociedades de economia mista depende de autorização legislativa específica e, pelo paralelismo das formas, a extinção de tais entidades também demandaria a autorização em lei específica.
A doutrina caminha exatamente nesta direção quando ensina que: “Para a extinção das entidades administrativas, pela aplicação do princípio da simetria, segue-se o procedimento inverso: (...) para as fundações públicas de direito privado, empresas públicas e sociedades de economia mista, à lei específica caberá autorizar a extinção, que será efetivada pela baixa do registro dos atos constitutivos da entidade. Com o desfazimento do registro, a pessoa jurídica extingue-se”.
Todavia, a Min. Carmen Lúcia não concordou integralmente com os argumentos do PDT. De acordo com ela “é desnecessária, em regra, lei específica para inclusão de sociedade de economia mista ou de empresa pública em programa de desestatização. Para a desestatização é suficiente a autorização genérica prevista em lei que veicule programa de desestatização. (...) No entanto, com relação às empresas estatais cuja lei instituidora tenha previsto, expressamente, a necessidade de lei específica para sua extinção ou privatização, é necessário que o administrador público observe a norma legal”. Com base em tais argumentos, a relatora conheceu em parte da ADI e, na parte conhecida, julgou-a improcedente no que foi acompanhada pela maioria dos demais ministros.
A última observação constante do voto da relatora é de fundamental importância. Explica-se: para a maioria dos ministros do STF a desestatização de empresas estatais demanda, como regra, autorização legislativa genérica não havendo necessidade de autorização legislativa específica para cada uma das estatais envolvidas no processo. Porém, se a lei específica que autorizou a instituição da estatal previu também que a sua extinção necessita de lei específica é necessário que o administrador público observe tal comando normativo não havendo que se falar, portanto, em autorização legislativa genérica.
Ficaram vencidos no julgamento os Ministros Edson Fachin e Ricardo Lewandowski para quem é sempre necessária autorização legislativa específica para extinção de empresas estatais.
Do voto do Min. Edson Fachin, colhe-se a seguinte passagem: “Com efeito, sem que um processo legislativo específico seja instaurado, os cidadãos – no fiel exercício político que se dá por meio dos seus representantes – perdem o direito de discutir, caso a caso, se o especial interesse público que antes existira deixa, efetivamente, de existir. A hipótese de paralelismo entre criação/autorização e extinção/alienação é, em verdade, a exigência de que cada ato específico seja condicionado por mecanismos legítimos de formação da vontade”.
Assim, temos que a interpretação mais adequada deste julgamento do STF é um sonoro: depende. Isto é: se a lei que autorizou a instituição da empresa estatal é silente no que diz respeito à sua extinção ou desestatização a mera autorização legislativa genérica para que tais fenômenos ocorram já é o bastante. Como o é no caso das estatais citadas na ADI nº 6241/DF.
Por outro lado, se há norma expressa na lei que autorizou a criação prevendo que a extinção também necessita de lei específica tal comando legal tem que ser observado. Conclui-se, portanto, que o STF não deu um cheque em branco ao administrador público para extinguir empresas estatais da forma como melhor lhe convier.
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