Resumo: O ordenamento jurídico brasileiro reconhece a importância da perícia em diversos dispositivos, como no Código de Processo Penal, na Consolidação das Lei do Trabalho, na Lei Nº 12030/2009 e, mais recentemente, com a promulgação do Novo Código de Processo Civil, de 2015, onde o legislador regulamentou a profissão do perito e concedeu destaque para a prova pericial. Desde então, a prova pericial vem recebendo cada vez mais notoriedade durante a fase persecutória penal, na busca pela decisão mais justa possível, considerando-se, especialmente, os danos inexoráveis causados por uma condenação equivocada. Por se tratar de um procedimento realizado por profissionais devidamente qualificados, a perícia criminal se apresenta como um dos meios de prova mais fidedignos e confiáveis para comprovar a veracidade, ou não, de determinado acontecimento, por meio de bases científicas e técnicas auxiliando, destarte, o juiz na elucidação dos fatos, no que se refere à comprovação da autoria do crime ou da inocência do acusado. Diante do presente exposto, este estudo teve por objetivo descrever as principais contribuições da perícia criminal para o processo penal, no intuito de demonstrar sua importância elementar para a comprovação dos fatos alegados, além de discorrer acerca das qualificações e atribuições do perito. Para tanto, foi empregada a pesquisa exploratória, por meio do levantamento bibliográfico de dados pertinentes contidos na legislação vigente, na jurisprudência e na doutrina, seguindo-se a abordagem qualitativa do problema, com a análise crítica das principais informações encontradas.
Palavras-chave: Perícia Criminal. Prova Pericial. Persecução Penal.
Abstract: The Brazilian legal system recognizes the importance of expertise in several provisions, such as the Criminal Procedure Code, the Consolidation of Labor Laws, Law No. 12030/2009 and, more recently, with the promulgation of the New Civil Procedure Code, 2015, where the legislator regulated the expert's profession and highlighted the expert evidence. Since then, the expert evidence has received increasing notoriety during the criminal persecutory phase, in the search for the fairest possible decision, considering, especially, the inexorable damages caused by a wrong conviction. Because it is a procedure performed by duly qualified professionals, criminal expertise is presented as one of the most reliable and reliable means of proof to prove the veracity, or not, of a certain event, by means of scientific and technical bases thus helping the judge in the elucidation of the facts, with regard to the proof of the authorship of the crime or the innocence of the accused. In view of the foregoing, this study aimed to describe the main contributions of criminal expertise to the criminal process, in order to demonstrate its elementary importance in proving the alleged facts, in addition to discussing the qualifications and duties of the expert. For that, exploratory research was used, by means of bibliographic survey of pertinent data contained in the current legislation, in the jurisprudence and in the doctrine, following the qualitative approach of the problem, with the critical analysis of the main information found.
Keywords: Criminal Expertise. Expert Proof. Importance. Criminal Prosecution.
Sumário: Introdução - 2 A perícia criminal no Brasil: a importância da prova pericial para a persecução penal - 2.1 Conceitos de prova e meios de prova - 2.2 Da prova processual penal - 2.2.1 Meios de prova e o processo penal - 2.3 Prova pericial: conceitos e definições - 2.4 A prova pericial no Processo Penal - 2.4.1 A perícia oficial de natureza criminal no ordenamento jurídico brasileiro - 2.4.2 Das qualificações e atribuições do perito criminal - Considerações Finais – Referências bibliográficas.
1 Introdução
A edição do Novo Código de Processo Civil, de 2015, trouxe uma série de inovações relacionadas à prova pericial e à profissão do perito, refletindo em todo o ordenamento jurídico brasileiro, inclusive, na esfera processual penal. Ao reconhecer a importância da prova pericial e determinar as designações do perito criminal, o referido dispositivo impactou, diretamente, em outras ramificações do Direito, incluindo-se o Processo Penal, que, enquanto instrumento de aplicação do direito material, admite interpretação extensiva e aplicação analógica de regras do Processo Civil, conforme previsto no artigo terceiro do Código de Processo Penal.
Além do mais, não obstante às inovações trazidas pelo Novo CPC, a perícia criminal também, também tem sua importância reconhecida em outros diplomas pregressos, como no Código de Processo Penal, de 1941, na Consolidação das Leis do Trabalho, de 1947 e em outros dispositivos infraconstitucionais, como nas leis Nº 9.099/1995 e Nº 12.030/2009.
Nesse sentido, a Lei Nº 11690, de 2008, reformou alguns aspectos do CPP, estabelecendo a federalização e unificação de toda a legislação processual, de modo a conceder à perícia oficial, tratamento equivalente às provas por ele produzidas, no que se refere às infrações criminais vestigiais, impondo, assim, a realização do exame de corpo de delito, quando cabível, e vetando sua substituição pela confissão do acusado.
Em seguida, a Lei Nº 12.030, promulgada em 2009, trouxe uma das principais conquistas para a perícia criminal no âmbito do direito interno, ao instituir normas gerais para as perícias oficiais de natureza criminal, regulamentando-a, além de conferir-lhe, ainda, caráter de fundamental importância à função pericial.
Dessa forma, a perícia criminal recebe contornos de maior importância no processo penal, sendo, na modalidade de exame de corpo de delito, considerada como indispensável nas infrações que deixam vestígios, realizado por perito oficial, portador de diploma de curso superior, visando conferir a natureza idônea e científica à prova.
Diante desse cenário, o presente estudo teve por escopo analisar a validade e a importância da prova pericial âmbito do direito processual penal brasileiro, mediante a apresentação dos conceitos e definições contidos na legislação vigente, assim como nos posicionamentos jurisprudenciais e doutrinários, tendo em vista a preservação dos direitos e garantias fundamentais do acusado.
2 A perícia criminal no Brasil: a importância da prova pericial para a persecução penal
2.1 Conceitos de prova e meios de prova
A prova, em sua origem, consiste na confirmação de determinado acontecimento por meio de verificação ou demonstração, conforme as palavras de Guilherme Nucci:
O termo prova origina-se do latim – probatio –, que significa ensaio, verificação, inspeção, exame, argumento, razão, aprovação ou confirmação. Dele deriva o verbo provar – probare –, significando ensaiar, verificar, examinar, reconhecer por experiência, aprovar, estar satisfeito com algo, persuadir alguém a alguma coisa ou demonstrar"(NUCCI; 2017, p. 338)
Presumivelmente, quando empregada no âmbito jurídico, a prova adquire contornos de evidência comprobatória da existência de determinado fato, graças ao seu caráter técnico-científico, que permite a elucidação mais próxima possível do ocorrido, se tornando de substancial importância para o desenrolar do processo.
Consoante às palavras do supracitado autor, Nelson Nery Júnior traz que a prova consiste nos “Meios processuais ou materiais considerados idôneos pelo ordenamento jurídico para demonstrar a verdade, ou não, da existência e verificação de um fato jurídico”. (NERY JÚNIOR, 2010, p. 631)
Na mesma linha de pensamento, Cássio Scarpinella Bueno traz que:
A definição de prova estaria relacionada a tudo que puder influenciar, de alguma maneira, na formação da convicção do magistrado para decidir de uma forma ou de outra, acolhendo, no todo ou em parte, ou rejeitando o pedido do autor. (SCARPINELLA BUENO, 2010, p. 261).
Verifica-se, assim, que, no âmbito jurídico, a prova incide na demonstração da verdade formal dos fatos discutidos, através do emprego de procedimentos específicos, ou seja, através de meios legítimos, conforme as palavras Fernando Capez: “o objetivo na atividade probatória consiste no convencimento do destinatário das provas, ou seja, o juiz, de modo a contribuir para que este possa formar a sua convicção sobre o caso”. (CAPEZ, 2017, p. 247)
No que se refere à legislação vigente, o Código de Processo Civil, de 2015, traz as seguintes disposições, acerca da prova:
Art. 371. O juiz apreciará a prova constante dos autos, independentemente do sujeito que a tiver promovido, e indicará na decisão as razões da formação de seu convencimento.
Art. 372. O juiz poderá admitir a utilização de prova produzida em outro processo, atribuindo-lhe o valor que considerar adequado, observado o contraditório.
(BRASIL, 2015)
Verifica-se, assim, que finalidade da prova incide na formação da certeza e convicção acerca da ocorrência do objeto (o fato) sob o qual se funda o direito, tendo como destinatário, o juiz, porquanto responsável pelo julgamento e aplicação do direito ao caso concreto.
Nesta senda, no litígio em juízo, tanto autor como réu, apoiam suas pretensões na apresentação de provas para demonstrar a veracidade dos fatos alegados e proporcionar o convencimento do Juiz, tendo em vista que é a partir da análise e presunção de verdade destes fatos que o Juiz poderá aplicar o direito ao caso concreto e solucionar a lide.
2.2 Da prova processual penal
Aury Lopes Júnior afirma que:
O processo penal, inserido na complexidade do ritual judiciário, busca fazer uma reconstrução (aproximativa) de um fato passado. Através – essencialmente – das provas, o processo pretende criar condições para que o juiz exerça sua atividade recognitiva, a partir da qual se produzirá o convencimento externado na sentença (LOPES JÚNIOR, 2016, p. 356).
A apresentação das provas durante a persecução penal, portanto, tem por objetivo auxiliar o juiz na formação de seu entendimento, na busca pela verdade processual, construída em um processo legítimo com igualdade das partes, contraditório, ampla defesa e perante um juiz imparcial.
Consecutivamente, no processo penal, a prova incide em todo elemento pelo qual se procura mostrar a existência e a veracidade de um fato, tendo como principal finalidade, influenciar no convencimento do julgador acerca da materialidade do crime cometido, podendo contribuir tanto para isentar o réu da autoria do delito lhe atribuído quanto para corroborar a acusação a ele imputada.
A prova, geralmente, é produzida na fase judicial, pois permite a manifestação da outra parte, respeitando assim o princípio do contraditório e da ampla defesa, direito de ser julgado de acordo com as provas produzidas, em contraditório e diante de um juiz competente, com todas as garantias, nos termos da Constituição Federal de 1988.
Nesse contexto, em equilíbrio ao jus puniendi do Estado, a Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, incisos LIV, LV e LXXVIII, garante os direitos fundamentais do acusado, conciliando, assim, a instrumentalidade do processo, ampliada na perspectiva dos direitos fundamentais. (BRASIL, 1988)
O devido processo legal, portanto, consiste em assegurar à pessoa o direito de não ser privada de sua liberdade e de seus bens, sem a garantia de um processo desenvolvido na forma que estabelece a lei, conforme leciona Fernando Capez:
No âmbito processual garante ao acusado a plenitude de defesa, compreendendo o direito de ser ouvido, de ser informado pessoalmente de todos os atos processuais, de ter acesso à defesa técnica, de ter a oportunidade de se manifestar sempre depois da acusação e em todas as oportunidades, à publicidade e motivação das decisões, ressalvadas as exceções legais, de ser julgado perante o juízo competente, ao duplo grau de jurisdição, à revisão criminal e à imutabilidade das decisões favoráveis transitadas em julgado. (CAPEZ, 2017, p. 81)
Isto significa que, durante um processo criminal, o acusado tem que ter todas as garantias possíveis e previstas em lei observadas, considerando, ainda, o princípio da presunção de inocência, conforme dispõe o art. 5º, LVII da Constituição, onde se lê que: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” (BRASIL, 1988, p. 04).
Em regra, o juiz não poderá condenar alguém cuja culpabilidade não tenho sido completamente provada, respeitando o princípio do in dubio pro reo. Destarte, no intuito de preservar as garantias do acusado, sem desconhecer o fato que o processo penal tem como escopo regular a forma como o Estado poderá aplicar de forma prática a punição pela prática, uma das exigências inerentes ao processo penal, contidas no Código de Processo Penal, de 1941, refere-se à apresentação das provas, contida nos seus artigos 155 e 156, conforme disposto abaixo:
Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas. (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008)
(...)
Art. 156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício:
I – ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida;
II – determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante.
(BRASIL, 1941, p.45).
Preceitua, assim, o CPP, em seu art. 155, que o juiz formará sua convicção pelas provas produzidas em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão, unicamente, nos elementos da investigação, isso porque as provas produzidas nessa fase, não possibilitam o contraditório da outra parte, de modo que poderão ser utilizadas as provas cautelares, as que não são repetíveis e as antecipadas.
Desse modo, o processo penal, pautado pela proteção de direitos e garantias fundamentais, é concebido como condição de legitimidade da justiça criminal, pressupondo um cognitivismo processual na determinação do fato criminoso, que demanda a confirmação das hipóteses acusatórias, em virtude de seu caráter assertivo, e sua comprovação empírica, em virtude de procedimentos que permitem tanto a verificação como a refutação.
2.2.1 Meios de prova e o processo penal
O meio de prova é tudo aquilo que pode ser usado, direta ou indiretamente, para demonstrar o que se alega no processo, ou seja, são os instrumentos utilizados para produzir a prova e levá-la ao conhecimento do magistrado, no intuito de auxiliá-lo a formar seu entendimento sobre o caso, conforme as palavras de Gustavo Luiz de Souza Bezerra:
Meios de prova são os instrumentos ou atividades por intermédio das quais os elementos de prova são introduzidos e fixados no processo, ou seja, veículos de ingresso dos elementos de prova nos autos do processo - como por exemplo, um depoimento de uma testemunha, ou a admissão de um documento nos autos do processo. (BEZERRA, 2019, p. 17)
Assim, tem-se que, na medida em que não presenciou o fato que é submetido a sua apreciação, é por meio das provas que o juiz poderá reconstruir o momento histórico em questão, para decidir se a infração, de fato, ocorreu e se sua autoria pode ser atribuída ao réu em questão. Só depois de resolvida, no espírito do julgador, essa dimensão fática do processo (decisão da quaestio facti) é que ele poderá aplicar o direito (ou seja, solucionar a quaestio juris) (CAPEZ, 2017, p. 247).
Segundo Magalhães, meios de prova são os instrumentos ou atividades por intermédio dos quais os dados probatórios são introduzidos e fixados no processo, conforme exposto a seguir:
Os meios de prova são, em síntese, os canais de informação de que se serve o juiz. (...) Os meios de prova referem-se a uma atividade endoprocessual que se desenvolve perante o juiz, com conhecimento e participação das partes, visando a introdução e a fixação de dados probatórios no processo. Os meios de pesquisa ou investigação dizem respeito a certos procedimentos (em geral, extraprocessuais) regulados pela lei, com o objetivo de conseguir provas materiais, e que podem ser realizados por outros funcionários (policiais, por exemplo). (GOMES FILHO, 2005, p. 308)
O meio de prova é, desta forma, a categoria que disciplina a obtenção dos elementos de prova, com a finalidade de serem introduzidas no processo, que remontem à formação do fato criminoso, isto é, à sucessão de acontecimentos, demonstrada dentro uma linha cronológica.
É importante ressaltar que não se pode confundir meio com sujeito ou com objeto de prova. Nas palavras de Bonfim:
A testemunha, por exemplo, é sujeito, e não meio de prova. Seu depoimento é que constitui meio de prova. O local averiguado é objeto de prova, enquanto sua inspeção é caracterizada como meio de prova. Meio é tudo que sirva para alcançar uma finalidade, seja o instrumento utilizado, seja o caminho percorrido. (BONFIM, 2012, p. 360)
Sendo assim, a testemunha, seja ela presencial ou indireta, não pode ser considerada como meio de prova, haja vista não se tratar de um instrumento empregado nem tampouco o caminho percorrido para se alcançar determinado desígnio.
No Código de Processo Penal brasileiro são mencionados os seguintes meios de prova: a perícia (arts. 158-184, CPP), o exame de corpo de delito (arts. 167-173), o interrogatório (arts. 185-196, CPP), a confissão (arts. 197-200, CPP), as declarações do ofendido (art. 201, CPP), as testemunhas (arts. 202-225, CPP), o reconhecimento de pessoas e coisas (arts. 226-228), a acareação (arts. 229-230, CPP), os documentos (arts. 231-238, CPP), os indícios (art. 239, CPP), a busca e apreensão (arts. 240 a 250, CPP).
No entanto, vale ressaltar que, dentre os meios de prova legalmente previstos, a prova pericial recebe destaque especial, nas causas em que a matéria envolvida exigir conhecimentos técnicos ou científicos próprios de determinadas áreas do saber ou, ainda, nos casos determinados por lei.
Posto isto, resta cediço que a perícia criminal surge como uma importante ferramenta para a resolução de crimes e na elaboração de provas, para uma real constatação do ocorrido e esclarecimento dos fatos, sendo definida como uma prova técnica uma vez que objetiva comprovar a ocorrência de um fato, a partir de conhecimentos específicos.
2.3 Prova pericial: conceitos e definições
Conforme o autor Paulo Ênio Garcia da Costa Filho (2012, p. 31), o termo ‘perícia’ deriva do latim peritia, que significa experiência, saber, habilidade, podendo ser descrita como:
Diligência que possui a finalidade de estabelecer a veracidade ou a falsidade de situações, fatos ou acontecimentos, de interesse da justiça, por meio de provas. É a análise de toda matéria colhida como vestígio de uma infração, ou seja, o exame do corpo de delito. (COSTA FILHO, 2012, p, 231)
Na mesma direção, o doutrinador Luiz Fernando Manzano, define perícia da definida da seguinte forma:
Perícia é um meio de prova técnica ou científica, que tem por objetivo a obtenção de certo conhecimento relevante para o acertamento do fato (elemento de prova), a partir de um procedimento técnico realizado sobre a pessoa ou coisa (fonte de prova). A conclusão do técnico ou profissional (conclusão probatória) é expressa num laudo (elemento de prova), que tem por finalidade (finalidade da prova) influir na formação da persuasão racional do juiz, em seu processo cognitivo de valoração (valoração da prova). A perícia sujeita-se às fases de admissão e assunção, que compõem o chamado procedimento probatório. (MANZANO, 2011, p. 08)
Por fim, vale destacar a contribuição do jurista Fernando Capez, acerca do conceito de perícia:
O termo ‘perícia’, originário do latim peritia (habilidade especial), é um meio de prova que consiste em um exame elaborado por pessoa, em regra profissional, dotada de formação e conhecimentos técnicos específicos, acerca de fatos necessários ao deslinde da causa. Trata-se de um juízo de valoração científica, artística, contábil avaliatório ou técnico, exercido por especialista, com o propósito de prestar auxílio ao magistrado em questões fora de sua área de conhecimento profissional”. (CAPEZ, 2017, p. 316)
Evidencia-se, assim, que a prova pericial é o produto da atividade humana, devendo ser realizada por peritos nomeados, que darão origem ao laudo pericial, o qual será valorado pelo juiz como meio de prova, durante o processo, devendo estar cientificamente fundamentado e conter os métodos utilizados para os resultados encontrados.
2.4 A prova pericial no Processo Penal
A mestre e perita Norma Sueli Bonaccorso cita que:
A prova pericial é importante arma para a reconstrução dos fatos no processo, ganhando contornos de maior importância no processo penal, sendo, na modalidade de exame de corpo de delito, considerada como indispensável nas infrações que deixam vestígios, uma vez que, com a evolução histórica da disciplina Criminalística e da tecnologia e da ciência, é possível recolher provas irrefutáveis, frente à fragilidade da prova testemunhal, por exemplo (BONACCORSO, 2009, p. 1).
A prova pericial, portanto, tem o papel de garantir a maior veracidade dos fatos de forma científica e isenta, tendo em vista a sua materialidade, utilizando-se de técnicas da metodologia científica e modernos recursos tecnológicos, capaz de evidenciar de maneira legítima a ocorrência dos fatos penalmente relevantes e de promover, com segurança, a devida aplicação da lei penal.
Nesse contexto, o corpo de delito, modalidade de exame pericial, emerge como o acervo dos elementos objetivos do crime, refletindo a própria materialização do fato delituoso, recebendo, por isso, do legislador processual, particular atenção, conforme redação do art. 158, ao torná-lo obrigatório para toda a infração penal que venha a deixar vestígios, incumbindo sua realização, nos termos do art. 159, a peritos oficiais, portadores de diploma de curso superior.
O artigo 158 do Código de Processo Penal, leciona sobre a necessidade do exame de corpo de delito “quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado”, vetando, expressamente, sua substituição.
A obrigatoriedade do exame reflete o reconhecimento, pelo legislador, da primazia dos critérios objetivos, próprios da ciência e da tecnologia, de maneira que mais fiel e confiável tornar-se-á a prova penal quanto maior o recurso técnico-científico aplicado na sua produção.
Em termos de fidedignidade, Aury Lopes Jr. classifica o exame de corpo de delito como uma das mais importante das perícias, uma vez que permite a coleta de vestígios nos crimes materiais:
É, exatamente o exame de corpo de delito, ou seja, o exame técnico da coisa ou pessoa que constitui a própria materialidade do crime (portanto, somente necessário nos crimes que deixam vestígios, ou seja, os crimes materiais). O corpo de delito é composto pelos vestígios materiais deixados pelo crime (LOPES JR, 2016, p. 617).
Para o autor, se a constatação da materialidade do delito é medida que se impõe para verificação da tipicidade do fato penalmente relevante, constitui o corpo de delito o pressuposto lógico-material da prova da existência do crime ou a convicção da sua ocorrência; portanto, a prova de todos os elementos do crime contidos na respectiva definição legal do delito. E será a partir do exame dos fatos, corroborado pela análise do conjunto probatório, e de sua adequação ao direito objetivo, que o julgador extrairá a solução da controvérsia penal.
2.4.1 A perícia oficial de natureza criminal no ordenamento jurídico brasileiro
A Perícia Oficial de Natureza Criminal, no Brasil, é assegurada pela Lei Nº 12.030/2009, in verbis:
Lei Nº 12.030, de 17 de setembro de 2009.
Dispõe sobre as perícias oficiais e dá outras providências
Art. 1º Esta Lei estabelece normas gerais para as perícias oficiais de natureza criminal.
Art. 2º No exercício da atividade de perícia oficial de natureza criminal, é assegurado autonomia técnica, científica e funcional, exigido concurso público, com formação acadêmica específica, para o provimento do cargo de perito oficial.
(...)
(BRASIL 2009, p. 01)
A referida lei regulamenta a profissão do perito na área criminal, conferindo-lhe uma maior independência funcional, no intuito de garantir maior autonomia ao profissional e, consequentemente, a idoneidade da prova, visto que não há subordinação funcional ou técnica deste perito para com a autoridade requisitante. À semelhança dos magistrados, o Perito age tão somente quando provocado.
Infere-se, por conseguinte, que os principais objetivos do emprego da criminalística como ciência, no âmbito do Processo Penal são os seguintes: dar a materialidade do fato típico, constatando a ocorrência do ilícito penal; verificar os meios e os modos como foi praticado um delito, visando fornecer a dinâmica do fenômeno; indicar a autoria do delito, quando possível; elaborar a prova técnica, através da identificação de indícios materiais.
Os peritos criminais de local de crime realizam a análise da cena de crime, identificando, registrando, coletando, interpretando e armazenando vestígios, são responsáveis por estabelecer a dinâmica e a autoria dos delitos e realizar a materialização da prova que será utilizada durante o processo penal.
De acordo com o referido diploma legal, são peritos de natureza criminal os peritos criminais, peritos médico-legistas e peritos odontolegistas com formação superior específica detalhada em regulamento, de acordo com a necessidade de cada órgão e por área de atuação profissional (art. 5º), podendo trabalhar em perícias de natureza externa e/ou de natureza interna, quando nos Institutos de Criminalística.
2.4.2 Das qualificações e atribuições do perito criminal
A nível estadual, o perito criminal integra os quadros da Polícia Civil, que é responsável pela seleção e por uma formação técnico-pericial realizada em uma Academia de Polícia, e a nível federal, o perito criminal federal, tem seu acesso, formação e gestão das vagas concedidos pela Polícia Federal.
No âmbito estadual, no que concerne às qualificações determinadas, são observadas as especificações contidas no art. 158, do CPP, enquanto na esfera federal, são observados os requisitos previstos no art. 2º da Lei Nº 12.030, de 17 de setembro de 2009, que, de modo geral, incidem na exigência de curso superior em área específica.
Sendo assim, o perito criminal é um servidor público, concursado, de nível superior, especialista nas mais diversas áreas do conhecimento, que tem a responsabilidade de interpretar as evidências de um crime, sempre amparado pelos limites impostos pela ciência, trazendo à luz a verdade dos fatos.
Verifica-se, desta forma, a importância da preparação e conhecimento do referido profissional na área de atuação, para transparecer ao juiz expertise na conclusão do laudo, no exercício de suas atribuições. A isenção e a imparcialidade são preceitos fundamentais da investigação pericial, por isso, aos peritos criminais são impostos os mesmos critérios de suspeição dos juízes, destinatários fins de seu trabalho.
Suas atribuições consistem em realizar exames periciais em locais de infração penal, realizar exames em instrumentos utilizados, ou presumivelmente utilizados, na prática de infrações penais, proceder pesquisas de interesse do serviço, coletar dados e informações necessários à complementação dos exames periciais, bem como executar outras tarefas que lhe forem atribuídas.
Vale destacar que os peritos criminais desenvolvem suas atribuições motivados por requisições provenientes de autoridades competentes, no interesse de procedimentos pré-processuais (inquéritos policiais) e processuais (processos judiciais) de natureza criminal, cabendo-lhes as mesmas suspeições dos juízes.
Considerações Finais
No mundo criminal, existe uma diversidade infinita de infrações possíveis, havendo aquelas que crimes que não deixam vestígios, como a calúnia, a difamação, a injúria, o desacato, assim como as que deixam vestígios materiais, como os crimes de homicídio, lesões corporais, falsificação ou estupro, quando a materialidade do crime será comprovada por meio dos vestígios materiais por ela deixados, mediante a realização de exame pericial.
Com efeito, a perícia criminal consiste no emprego de diversas técnicas para o recolhimento de vestígios materiais encontrados na cena do crime ou na vítima, por meio do exame de corpo de delito, reunindo um conjunto de elementos materiais ou vestígios indicativos da prática de um crime, ou, ainda, na ausência destes, contribuir para a absolvição do réu.
A criminalística fornece, portanto, informações de interesse para as autoridades que têm a função de administrar a justiça. Ao especificar a mecânica do crime estudando vários fatores, muitas vezes é possível descobrir quem é o responsável. O perito criminal busca reconstituir os fatos das evidências objetivas pelo culpado, seja na vítima ou na cena do crime, estudando o crime de forma a não distorcer os fatos, zelando pela integridade e sempre perseguindo a evidência, com o fim de promover a justiça e como um meio de obter os argumentos decisórios para a prolação da sentença.
Com o advento de novos conhecimentos e desenvolvimento das áreas técnicas, como física, química, biologia, matemática, toxicologia, tomou-se necessidade real a criação de uma nova disciplina para a pesquisa, análise, interpretação dos vestígios materiais encontrados em locais de crime, tornando-se, fonte imperiosa de apoio à polícia e à justiça.
Aduz-se, por conseguinte que a perícia criminal exerce um papel cada vez maior dentro do processo penal, ajudando a elucidar vários casos contemporâneos e antigos crimes, aparentemente, não resolvidos. Com o passar do tempo e a evolução da ciência, a prova pericial encontra ainda maior força e credibilidade em razão dos recursos tecnológicos de alta definição disponíveis, hodiernamente.
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Artigo publicado em 25/08/202 e republicado em 01/11/2024
Graduado do Curso Superior de Direito do Centro Universitário Luterano de Manaus – CEULM/ULBRA
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: JESUS, Paulo Amarildo de. O papel da prova pericial para a persecução penal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 01 nov 2024, 04:57. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/57136/o-papel-da-prova-pericial-para-a-persecuo-penal. Acesso em: 04 dez 2024.
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