RESUMO: O presente artigo tem por objetivo tecer, sem a pretensão de esgotar o tema, breves considerações quanto as peculiaridades do direito penal e processo penal eleitoral. Para tanto, faremos uma análise crítica e um aprofundamento temático das principais questões debatidas e decididas pelos tribunais superiores, com ênfase nas decisões do Tribunal Superior Eleitoral – TSE, sem esquecer dos posicionamentos dominantes na doutrina, sempre à luz da Constituição Federal, Código Eleitoral e legislação eleitoral especial.
Palavras-chave: Constituição Federal. Código eleitoral. Direito penal eleitoral. Processo penal eleitoral.
ABSTRACT: The purpose of this article is to weave, without intending to exhaust the topic, brief considerations regarding the peculiarities of criminal law and electoral criminal proceedings. Therefore, we will carry out a critical analysis and thematic deepening of the main issues debated and decided by the superior courts, with emphasis on the decisions of the Superior Electoral Court - TSE, without forgetting the dominant positions in the doctrine, always in the light of the Federal Constitution, Electoral Code and special electoral legislation.
KEYWORDS: Federal Constitution. Electoral code. Electoral criminal law. Electoral criminal procedure.
SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO. 2 GENERALIDADES SOBRE A TEORIA GERAL DIREITO ELEITORAL. 2.1 Conceito de crime eleitoral. 2.2 Natureza jurídica dos crimes eleitorais. 2.3 Classificação dos crimes eleitorais. 2.4 Caracterização das infrações penais eleitorais. 2.4.1 Tipificação da infração penal na legislação eleitoral. 2.4.2 Dolo (genérico ou específico) de praticar a conduta. 2.4.3 Lesão ou potencial de lesão aos bens jurídicos eleitorais. 2.5 Momento de incidência das infrações penas eleitorais. 3 ASPECTOS GERAIS DOS CRIMES ELEITORAIS. 3.1 Aplicação subsidiária do Código Penal. 3.2 Padronização das penas mínimas. 3.3 Cálculo da pena mínima. 3.4 Aplicabilidade da lei n.º 9.099/1995. 3.4.1 Transação penal. 3.4.2 Suspensão condicional do processo. 3.5 Preferência entre os institutos despenalizadores. 3.6 Inaplicabilidade dos institutos despenalizadores da Lei 9.099/95 para os Crimes Eleitorais com Sistema Punitivo Diferenciado. 3.7 Peculiaridades da Pena de Multa. 3.8 Conceito de funcionário público. 4 CRIMES ELEITORAIS NÃO RECEPCIONADOS PELA CF/88. 4.1 Principais crimes eleitorais não recepcionados (revogados). 5 PRINCIPAIS CRIMES ELEITORAIS PERMANENTES NA PRÉ-CAMPANHA. 6 PRINCIPAIS CRIMES QUE SÓ INCIDEM NO PERÍODO ELEITORAL. 7 ASPECTOS GERAIS DO PROCESSO DOS CRIMES ELEITORAIS. 7.1 Aplicação do princípio da insignificância. 7.2 Aplicação do acordo de não persecução penal. 7.3 Reflexos da lei de abuso de autoridade. 7.4 Audiência de custódia. 7.5 Crimes de ação penal pública incondicionada. 7.6 Obrigatoriedade da ação penal pública. 8 INVESTIGAÇÕES CRIMINAIS ELEITORAIS. 8.1 Inquérito policial. 8.2 Inquérito policial de ofício. 8.3 Competência para instaurar o inquérito. 8.4 Investigação pelo Ministério Público. 8.5 Denúncia anônima, busca e apreensão e prisão em flagrante. 8.6 Instauração de “inquéritos guarda-chuvas” ou “fishing expedition”. 8.7 Trancamento de inquérito por excesso de prazo e crime de abuso de autoridade. 9 GENERALIDADES SOBRE O FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO. 9.1 Foro por prerrogativa de função na Justiça Eleitoral. 9.2 Inexiste foro por prerrogativa de função nas investigações criminais eleitorais. 10 RITO DA AÇÃO PENAL ELEITORAL. 10.1 Aplicação do Código de Processo Penal. 11 COMPETÊNCIA PARA O PROCESSO E JULGAMENTO DOS CRIMES ELEITORAIS. 11.1 Força da vis atrativa exercida pelo Juízo eleitoral. 11.2 Ato infracional equiparado a crime eleitoral. 11.3 A kompetenz-kompetenz da Justiça Eleitoral. 12 CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERENCIAL BIBLIOGRÁFICO.
O Código Eleitoral Brasileiro é a Lei 4.737 de 15 de julho de 1965, que foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988 com status de lei ordinária em sua generalidade e de lei complementar nas disposições que trata da competência e organização da Justiça Eleitoral, a teor do que dispõe o artigo 121 da Constituição Federal de 1988.
Embora vários de seus dispositivos tenham sido revogados por leis posteriores, a maior parte do código eleitoral continua vigente no nosso ordenamento jurídico e aplica-se aos dias de hoje.
O direito eleitoral é o ramo do direito público constituído por normas e princípios disciplinadores do alistamento, da convenção partidária, do registro de candidaturas, da propaganda política, da votação, da apuração e da diplomação dos eleitos, bem como das ações (civis e penais), medidas e demais garantias relacionadas ao exercício do sufrágio popular. (ALMEIDA, 2019, p. 45).
Dentro da imensidão de temas afetos a este ramo do direito público, este trabalho visa compilar os aspectos gerais do direito penal e do processo penal eleitoral, bem como tecer breves comentários acerca dos crimes eleitorais praticados com maior frequência durante o período eleitoral, quais crimes previstos na legislação não foram recepcionados pela Constituição Federal de 1988 e algumas peculiaridades acerca da investigação criminal, competência, processo e julgamento das ações penais eleitorais. Para tanto, teceremos breves comentários sobre cada tema, sempre balizado pelo posicionamento doutrinário dominante, com destaque da fonte jurisprudencial e do procedimento a ser seguido.
Com o objetivo de viabilizar um entendimento mais preciso a respeito de cada tópico abordado, e sem a pretensão de dissecar o assunto, procurou-se transcrever e comentar as principais passagens do texto legal respectivo. Assim, no desenvolvimento do trabalho, o leitor deparar-se-á com citações referentes aos pontos debatidos, as quais serão complementadas com transcrições doutrinárias e jurisprudenciais sobre a matéria.
No segundo capítulo deste trabalho, tratamos da teoria da geral do direito eleitoral, abordando a natureza jurídica, classificação e caracterização das infrações penais eleitorais.
No terceiro capítulo, trataremos da teoria da geral dos crimes eleitorais, com ênfase na aplicação subsidiária do código penal e da lei 9.099/95
Do quarto ao sexto capítulos, trataremos dos crimes eleitorais não recepcionados pela CF/88, principais crimes eleitorais permanentes na pré-campanha e principais crimes que só incidem no período eleitoral.
A partir do sétimo capítulo, passamos a tratar dos aspectos gerias do processo penal eleitoral, com ênfase na aplicação subsidiária do código de processo penal, aplicação do princípio da insignificância, possibilidade do acordo de não persecução penal, audiência de custódia e reflexos da nova lei de abuso de autoridade e outros temas relevantes.
No oitavo capítulo, abordaremos os principais pontos da investigação criminal eleitoral e no nono capítulo, trataremos do foro por prerrogativa de função na fase investigatória e no processo penal eleitoral.
Na parte final, décimo e décimo primeiro capítulos, discorremos sobre o rito da ação penal e a competência para o processo e julgamento dos crimes eleitorais.
2 GENERALIDADES SOBRE A TEORIA GERAL DIREITO ELEITORAL
2.1 Conceito de crime eleitoral
É possível definir crimes eleitorais como condutas que violam os bens jurídicos protegidos pela legislação eleitoral, em sentido amplo.
Tais bens são eminentemente públicos, indisponíveis e inderrogáveis pela autonomia privada, e buscam tutelar o regular funcionamento do regime democrático, a lisura e a legitimidade do processo eleitoral (em sentido amplo), o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos ativos e passivos, o resguardo do direito fundamental de sufrágio, a regularidade da campanha política, da propaganda eleitoral, da arrecadação e do dispêndio de recursos, a veracidade do voto, a representatividade, dentre outros.
Para Fávila Ribeiro (2000, p. 620), os crimes eleitorais compõem subdivisão dos crimes políticos, ao lado dos crimes militares, o que justifica existirem duas Justiças especializadas competentes para julgar e processar (a Eleitoral e a Militar).
Já Suzana Gomes (2010), definiu crime eleitoral como sendo:
“os crimes eleitorais, sob o aspecto formal, são condutas consideradas típicas pela legislação eleitoral e sob o aspecto material, ações ou omissões humanas, sancionadas penalmente, que atentem contra os bens jurídicos expressos nos direitos políticos e na legitimidade e regularidade dos pleitos eleitorais. (GOMES, 2010, p. 26/27)
Considerando as normas e princípios aplicáveis ao direito penal, podemos destacar que os crimes eleitorais devem ter previsão legal precisa, evitando-se a incriminação vaga e indeterminada do fato. A razão disso decorre da natureza da taxatividade na descrição da conduta típica para uma exata identificação do fato.
O conceito formal de crime está expresso na Lei de Introdução ao Código Penal – LICP:
Art.1º, da LICP: Considera-se crime a infração penal que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente.
Interessante notar que os crimes eleitorais não estão única e exclusivamente tipificados no Código Eleitoral (Lei 4.737 de 15 de julho de 1965), mais também na legislação penal especial eleitoral como a Lei 9.504/97, Lei 6091/74 e outras.
Já o conceito material de crime observa a predominância da
teoria finalista, acolhida no Código Penal brasileiro, para qual, a ação é sempre realizada com vistas a uma finalidade. (GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. TSE, Estudos eleitorais, 2013, P. 13)
Essa também é a posição dominante no STJ. Vejamos:
STJ: A simples existência, no Código Eleitoral, de descrição formal de conduta típica não se traduz, incontinenti, em crime eleitoral, sendo necessário, também, que se configure o conteúdo material do crime. Sob o aspecto material, deve a conduta atentar contra a liberdade de exercício dos direitos políticos, vulnerando a regularidade do processo eleitoral e a legitimidade da vontade popular. Ou seja, a par da existência do tipo penal eleitoral específico, faz-se necessária, para sua configuração, a existência de violação do bem jurídico que a norma visa tutelar, intrinsecamente ligado aos valores referentes à liberdade do exercício do voto, à regularidade do processo eleitoral e à preservação do modelo democrático. (STJ, CC 127.101-RS, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 11/2/2015, DJe 20/2/2015).
2.2 Natureza jurídica dos crimes eleitorais
Em relação a natureza jurídica, prevalece na doutrina e na jurisprudência, que os crimes eleitorais são crimes comuns, ou seja, o crime que pode ser cometido por qualquer pessoa, sendo possível a coautoria e a participação em sua execução, não se exigindo especial motivação política.
Sustentam o entendimento no fato de que, em regra, quem pratica o crime eleitoral o faz pela simples vontade de infringir a norma, não tendo, em regra, motivação político-ideológica, nem visa à radical transformação ou desarticulação política do Estado, seja do ponto de vista interno, seja do externo. Na verdade, quem pratica ilícitos eleitorais visa atacar, ainda que de forma indireta, bens e valores claramente definidos em lei, tais como a higidez do processo eleitoral, a lisura do alistamento e da formação do corpo eleitoral, princípios como a liberdade do eleitor e do voto, a veracidade da votação e do resultado das eleições e a representatividade do eleito.
Doutrina minoritária, como os autores como Fávila Ribeiro, Nelson Hungria e Suzana de Camargo Gomes, defendem ser os crimes eleitorais delitos políticos, pois a objetividade jurídica destas tipificações é a defesa da liberdade, democracia, igualdade e legitimidade do sufrágio, decorrendo do exercício legítimo de direitos fundamentais instituídos pelo poder constituinte originário.
Destaca-se abaixo o entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre a matéria:
STF: “1. Como a Constituição não define crime político, cabe ao intérprete fazê-lo diante do caso concreto e da lei vigente. 2. Só há crime político quando presentes os pressupostos do artigo 2º da Lei de Segurança Nacional (Lei nº 7.170/83), ao qual se integram os do artigo 1º: a materialidade da conduta deve lesar real ou potencialmente ou expor a perigo de lesão a soberania nacional, de forma que, ainda que a conduta esteja tipificada no artigo 12 da LSN, é preciso que se lhe agregue a motivação política. Precedentes. 3. Recurso conhecido e provido, em parte, por seis votos contra cinco, para, assentada a natureza comum do crime, anular a sentença e determinar que outra seja prolatada, observado o Código Penal. ”(RC 1468 segundo, Relator(a): Min. ILMAR GALVÃO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. MAURÍCIO CORRÊA, Tribunal Pleno, julgado em 23/03/2000, DJ 16-08-2000 PP-00088 EMENT VOL-02078-01 PP-00041).
Nessa mesma linha, é a interpretação do Tribunal Superior Eleitoral:
Recurso especial – Corrupção eleitoral – Art. 299 do CE – Atos praticados pelo candidato a vice-prefeito. Rejeição da alegação de que crime eleitoral é crime político. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do TSE formou-se no sentido de definir a locução constitucional “crimes comuns” como expressão abrangente a todas as modalidades de infrações penais, estendendo-se aos delitos eleitorais e alcançando, até mesmo, as próprias contravenções penais. Precedentes: Acórdão-TSE n° 20.312 e Reclamação-STF n° 511/PB. [...] Recurso não conhecido. (TSE – REspe nº 16048/SP – DJ de 14.4.2000, p. 96.)
A discussão sobre a natureza do delito eleitoral, se crime comum ou político, apresenta grande relevância prática, pois, há várias peculiaridades que cercam o crime político, tais como: a) se os crimes eleitorais forem considerados como políticos, eles serão de competência da justiça federal do primeiro grau de jurisdição, com recurso ordinário direto (sem apelação, portanto) para o Supremo Tribunal Federal (artigo 109, IV c/c artigo 102, II, “b’, da CF/88). Portanto, não há apelação para o Tribunal Regional Federal (TRF), tampouco recurso especial para o Superior Tribunal de Justiça (STJ), devendo a sentença de primeiro grau ser impugnada diretamente perante a Corte Suprema; b) não poderá haver a concessão de extradição de estrangeiro pela prática de crime eleitoral (artigo 5º, LII, CF/88); c) eventual condenação anterior por crime eleitoral não será apta a gerar o efeito da reincidência (artigo 64, II, do Código Penal); (GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. TSE, Estudos eleitorais, (2013, P. 12/13)
2.3 Classificação dos crimes eleitorais
Haja vista que o direito eleitoral não formulou sua própria teoria do crime, deve-se observar a teoria geral do crime do código penal (art. 287 do Código Eleitoral). Assim, a classificação do crime do CP incide no crime eleitoral, podendo ser: comissivo, omissivo, de dano, tentado, consumado, exaurido, simples, conexo, instantâneo, material, formal, comum, próprio, de mão própria, putativo, etc. Também incidem as regras atinentes a consumação, tentativa, concurso de pessoas, concurso de crimes, cálculo da pena privativa de liberdade, entre outros institutos de igual importância.
Apenas a título de exemplo, destacamos a classificação de maior relevo para seara eleitoral, a qual divide os crimes em: puro ou específico e acidental ou inespecífico.
Puro ou Específico são aqueles próprios da lei eleitoral, ou seja, o comportamento criminoso só está previsto na legislação eleitoral. Exemplo disso é o disposto no artigo 25 da Lei Complementar nº 64/90, que diz ser crime eleitoral “a arguição de inelegibilidade, ou a impugnação de registro de candidato feito por interferência do poder econômico, desvio ou abuso do poder de autoridade, deduzida de forma temerária ou de manifesta má-fé”. O mesmo se diga com relação aos crimes de “boca de urna” (tipificado no artigo 39, §5º, III da Lei nº 9.504/97) e “retenção de título de eleitor” a teor do art. 295, do Código Eleitoral e art. 91, parágrafo único da lei das eleições.
Acidental ou Inespecífico: são aqueles delitos que têm figura típica similar em outro ordenamento jurídico, ou seja, é aquele em que o comportamento incriminador existe tanto na esfera eleitoral, como na legislação criminal não-eleitoral. Tornam-se eleitorais quando praticados contra direitos e garantias postas na legislação eleitoral, agregando, portanto, um elemento diferenciador que atinge os bens jurídicos protegidos pela legislação eleitoral. Podemos citar os casos dos crimes de falsificação de documento público ou particular (artigos 297/298 do Código Penal e artigos 348/349 do Código Eleitoral).
Deve-se ressaltar, entretanto, que, a par de ofender o Estado, que se apresenta como sujeito passivo em todos os delitos eleitorais, alguns deles ofendem também bens jurídicos particulares, como se dá nos delitos contra a honra praticados durante a propaganda eleitoral, gratuita ou não.
2.4 Caracterização das infrações penais eleitorais
Considerando o princípio da legalidade e o conceito material de crime, três elementos são essências para configuração de uma infração penal eleitoral:
1 – Tipificação da infração penal na legislação eleitoral;
2 – Dolo, genérico (consistente na simples vontade de praticar a conduta proibida) ou dolo específico (quando se pratica a conduta com um especial fim de agir, caso a norma exigia expressamente); e
3 – Lesão ou potencial de lesão aos bens jurídicos eleitorais.
2.4.1 Tipificação da infração penal na legislação eleitoral
Fato típico, que decorre diretamente do princípio da legalidade, é a ação ou omissão humana que se amolda a um fato descrito abstratamente na descrição legal do delito – “nullum crimen, nulla poena sine praevia lege”, e é composto por: I) conduta; II) resultado; III) relação causal; e IV) tipicidade (formal e material).
Esse princípio é inscrito no art. 5º, XXXIX, da Lei Maior nos seguintes termos: “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”.
Nessa mesma linha, é a posição de José Jairo Gomes:
(…) “Porque restringe a liberdade, o tipo penal incriminador deve ser claro e preciso; deve ser taxativo – princípio da taxatividade. É preciso evitar o emprego de linguagem dúbia, imprecisa, confusa, bem como conceitos indeterminados, vagos e fluidos”. (GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. TSE, Estudos eleitorais, 2013, P. 12)
A criação dos tipos penais eleitorais, em observância ao princípio constitucional da reserva legal (artigo 5º, XXXIX, CF/88) só pode ocorrer mediante lei em sentido estrito, a qual deve ser anterior, escrita (veda o costume incriminador), estrita (veda a analogia em prejuízo do réu), certa (impede que a lei penal seja ambígua ou apresente descrição imprecisa ou vaga), clara (permitindo ao cidadão o real alcance do tipo penal) e necessária (vise proteger bens jurídicos relevantes, como consequência da subsidiariedade do direito penal).
A competência legislativa é privativa da União (artigo 22, I, da Constituição Federal de 1988), sendo vedada, inclusive, a sua criação por meio de medida provisória (artigo 62, §1º, I, “a” e “b”, CF/88), ou por ato regulamentar do Tribunal Superior Eleitoral (artigos 1º, parágrafo único e 23, IX, ambos do Código Eleitoral c/c artigo 105, da Lei nº 9.504/97 e artigo 61, da Lei nº 9.096/95). Nesse mesmo sentido, deve-se destacar que também não poderá ocorrer delegação legislativa ao Executivo para esse fim conforme dispõe o artigo 68, II, da CF/88).
CF/88
Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:
I – direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho;
Art. 62
§ 1º É vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria:
I – relativa a:
a) nacionalidade, cidadania, direitos políticos, partidos políticos e direito eleitoral;
Art. 68. (…)
§ 1º Não serão objeto de delegação os atos de competência exclusiva do Congresso Nacional, os de competência privativa da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal, a matéria reservada à lei complementar, nem a legislação sobre:
II – nacionalidade, cidadania, direitos individuais, políticos e eleitorais;
Código eleitoral
Art. 1º (…)
Parágrafo único. O Tribunal Superior Eleitoral expedirá Instruções para sua fiel execução.
Art. 23 – Compete, ainda, privativamente, ao Tribunal Superior:
IX – expedir as instruções que julgar convenientes à execução deste Código
Lei 9.504/97
Art. 105. Até o dia 5 de março do ano da eleição, o Tribunal Superior Eleitoral, atendendo ao caráter regulamentar e sem restringir direitos ou estabelecer sanções distintas das previstas nesta Lei, poderá expedir todas as instruções necessárias para sua fiel execução, ouvidos, previamente, em audiência pública, os delegados ou representantes dos partidos políticos.
Lei 9.9096/95
Art. 61. O Tribunal Superior Eleitoral expedirá instruções para a fiel execução desta Lei.
Os crimes eleitorais se submetem a principiologia constitucional, as regras estabelecidas pelo CP e CPP, além dos ensinamentos doutrinários e jurisprudenciais, alertando-se que as resoluções do TSE não criam crimes, apenas compilam a esparsas previsões criminais já devidamente criadas por lei em sentido estrito.
Importante lembrar que os crimes eleitorais são criados por lei ordinária, haja vista que as leis complementares somente são exigidas quando a matéria tratar da competência e organização da Justiça Eleitoral, a teor do que dispõe o artigo 121, da Constituição Federal de 1988.
2.4.2 Dolo (genérico ou específico) de praticar a conduta
Para a teoria finalista, a conduta é o comportamento humano voluntário, psiquicamente dirigido a um fim ilícito, ou seja, ato humano voluntário que busca alcançar um resultado previsto como consequência de um crime. Assim, os institutos do dolo e da culpa (elementos subjetivos) migraram da culpabilidade para o fato típico.
À luz do sistema jurídico brasileiro, conduta é o comportamento voluntário do agente, podendo ser uma ação ou omissão; dolosa ou culposa.
Para caracterização de um crime eleitoral, além da tipificação legal, sempre é exigido o dolo (genérico ou específico) do agente. Assim, a regra é que os crimes eleitorais sempre são dolosos, extraindo-se tal constatação do fato que inexiste qualquer menção à possibilidade da prática de uma infração penal eleitoral na modalidade culposa, o que faz com que, por força do disposto no artigo 287 do código eleitoral, aplique-se o artigo 18, parágrafo único do Código Penal.
Código Eleitoral
Art. 287. Aplicam-se aos fatos incriminados nesta lei as regras gerais do Código Penal.
Código penal
Art. 18 - Diz-se o crime:
(…)
Parágrafo único - Salvo os casos expressos em lei, ninguém pode ser punido por fato previsto como crime, senão quando o pratica dolosamente.
Com fundamento no princípio do “in dubio pro societate”, em determinadas fases do processo penal, como no oferecimento e recebimento da denúncia, inverte-se a lógica e a dúvida não favorece o réu, mas sim a sociedade. Assim, havendo indícios mínimos da prática do crime, a denúncia oferecida deve ser recebida e, demonstrando-se, ao longo da instrução, que a conduta foi praticada a título de culpa ou que há fundada dúvida sobre o dolo, o fato será atípico.
Nesse sentido ensina o professor Igor Pinheiro (2020, p. 66/67):
(…) Nesse tocante, cumpre registrar que o dolo exigido pela quase totalidade dos crimes eleitorais é o chamado “dolo genérico”, consistente na simples vontade de praticar a conduta proibida, prescindindo-se de qualquer demonstração específica da finalidade eleitoral ou partidária da conduta para a configuração do tipo.” (PINHEIRO, Igor Pereira. Crimes Eleitorais e Conexos. Leme/SP: JH Mizuno, 2 edição, 2020, p.66/67).
Quando o tipo penal exige finalidade eleitoral (elemento subjetivo específico), a investigação e a denúncia devem apontar e descrever os elementos mínimos indiciários ou de prova, exigidos pelo tipo penal para configuração do crime, atendendo ao requisito da justa causa, sob pena de rejeição da denúncia na forma do art. 41 e 395 do CPP.
CPP
Art. 41. A denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas.
(...)
Art. 395. A denúncia ou queixa será rejeitada quando:
I - for manifestamente inepta;
II - faltar pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal; ou
III - faltar justa causa para o exercício da ação pena.
Mesmo havendo dúvidas acerca da presença do dolo específico, não deve o juiz acolher eventual pedido de absolvição sumária com fundamento no art. 397 do CPP, pois nessa fase processual predomina o princípio “in dubio pro societate”.
Essa também é a posição do Tribunal Superior Eleitoral:
(…) É descabida a absolvição sumária por suposta ausência de dolo específico da conduta (artigo 397, do CPP), que é tema a ser comprovado ou não ao longo da instrução probatória. Nesse sentido, destaco recente julgado Tribunal Superior Eleitoral (TSE), cuja ementa destacou que “havendo dúvidas acerca da configuração das hipóteses do art. 397 do CPP, incumbe ao juiz negar o pedido de absolvição sumária e dar prosseguimento ao processo, pois predomina, nessa fase processual, o princípio in dubio pro societate” e que “a configuração da tipicidade subjetiva é matéria complexa que depende de instrução probatória, sob o crivo do contraditório. A jurisprudência entende indevida a absolvição sumária sob a alegação de ausência de dolo, pois essa comprovação é típica do desenvolvimento processual, sendo suficiente para o recebimento da denúncia, nos termos da lei, a existência de indícios suficientes de autoria e materialidade.” (Recurso Especial Eleitoral no 4931, Acórdão, Relator(a) Min. EDSON FCHIN, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Data 25/10/2019).
Além de apontar e descrever os elementos mínimos indiciários ou de prova da autoria e materialidade, deve o Ministério Público Eleitoral, ao oferecer a denúncia, descrever as circunstâncias fáticas que apontam para a existência do dolo específico, consistente no especial fim de agir, exigido pelo tipo penal para configuração do crime, sob pena de nulidade ou rejeição da denúncia, como já decidiu o Tribunal Regional Eleitoral do Paraná (TRE/PR):
(…) 1. O transporte irregular de eleitores é delito que exige, a teor da doutrina e jurisprudência pátrias, ademais da ocorrência dos fatos, a existência de especial fim de agir, consistente no aliciamento da vontade do eleitor transportado. 2. Não cumpre os requisitos do artigo 41 do Código de Processo Penal a denúncia que deixa de descrever o dolo específico necessário à configuração do tipo, por não estarem descritos o “fato criminoso, com todas as suas circunstâncias”. 3. A ausência de descrição do elemento subjetivo específico, necessário a configuração do tipo penal, causa a nulidade da denúncia, impondo o trancamento da ação penal. 4. Ordem de habeas corpus concedida para o fim de se determinar o trancamento da ação penal.(HABEAS CORPUS n 0600071-07.2017.6.16.0000, ACÓRDÃO n 53569 de 30/10/2017, Relator(aqwe) NI- COLAU KONKEL JÚNIOR, Publicação: DJ - Diário de justiça, Data 24/11/2017).
Essa também é a posição do TSE:
(…) A jurisprudência do TSE exige a demonstração do fim específico de “aliciamento da vontade do eleitor”, motivo pelo qual o TSE exige a comprovação de elementos que corroborem o aliciamento eleitoral, (...) de modo que o simples fato de dar carona a uma pessoa conhecida ou amiga no período proibido não tipifica automaticamente essa conduta criminosa exatamente por falta do elemento subjetivo específico, muito embora, a depender das circunstâncias do caso concreto, possa caracterizar o crime de “boca de urna” (artigo 39, §5, da LE).” (Recurso Especial Eleitoral no 305, Acórdão, Relator(a) Min. Henrique Neves Da Silva, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 201, Data 22/10/2015, Página 25/26).
Como visto acima, para caracterização da infração penal eleitoral, em regra apenas é exigido o dolo genérico, consistente na simples vontade de praticar a conduta e infringir o tipo penal incriminador. No entanto, alguns tipos penais exigem a demonstração de um elemento subjetivo específico (finalidade eleitoral).
O professor Igor Pinheiro (2020, p. 68), de forma objetiva, lista algumas exceções a regra do dolo genérico previsto no Código Eleitoral:
I - crimes contra a honra previstos no código Eleitoral (artigos 324 à 326) - A descrição das condutas criminosas requer expressamente a demonstração de que as mesmas foram praticadas “visando fins de propaganda”;
II - o crime de denunciação caluniosa (artigo 326-A, do código eleitoral) - É preciso que o fato típico de “dar causa” a instauração de investigações ou ações judiciais seja “para fins eleitorais”, como reclama a redação legal);
III - o crime de corrupção eleitoral (artigo 299, do código eleitoral) - No caso, a jurisprudência do TSE exige o “dolo específico do candidato consistente na finalidade de obter ou dar voto ou prometer abstenção mediante entrega ou promessa de benesse ou vantagem a eleitor.” (Recurso Especial Eleitoral nº 47570, Acórdão, Relator(a) Min. Herman Benjamin, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Data 13/12/2018);
IV - o crime de distribuição de mercadorias e prêmios ou a realização de sorteio para propaganda ou aliciamento de eleitores (artigo 334, do código eleitoral) - O tipo do artigo 334, do Código Eleitoral exige que as condutas proibidas sejam voltadas especificamente para a realização de propaganda (extemporânea ou não) ou o aliciamento de eleitores, que não se confunde com o pedido de voto ou abstenção, que é o dolo específico do artigo 299, do Código Eleitoral);
V - alguns dos crimes contra a fé́ pública eleitoral (artigos 348, 349, 350, 352, 353 e 354, do código eleitoral) - Os tipos exigem de forma explícita que os comportamentos típicos sejam praticados “para fins eleitorais”);
VI - a utilização de serviços e bens públicos a favor de partido ou organização de caráter político (artigos 346/377, do código eleitoral e artigo 11, V, da Lei n°6.091/74) - Nesses delitos, a finalidade eleitoral precisa ser demonstrada, sob pena de restarem configurado outros crimes (como o peculato – artigo 312, do CP ou artigo 1°, do Decreto-Lei n°201/67)), bem como o transporte de eleitores (artigo 11, III, da Lei n°7.960/89);
VII - crimes de coação eleitoral (artigo 300 e 301 do código eleitoral) - Nesses delitos, a conduta precisa ser voltada para o fim da vítima “votar ou não votar em determinado candidato ou partido.”).” (PINHEIRO, Igor Pereira. Crimes Eleitorais e Conexos. Leme/SP:JH Mizuno, 2 edição, 2020, p.68).
2.4.3 Lesão ou potencial de lesão aos bens jurídicos eleitorais
Conforme defendido pela teoria funcionalista, o fim do direito penal é a defesa da sociedade pela proteção de bens jurídicos fundamentais.
Atualmente, se destaca a concepção constitucional do bem jurídico. Consoante asseveram Delmanto et al. (2010, p. 106-107).
[...] a exigência de que exista um bem jurídico ofendido ou ameaçado por uma conduta contrária ao Direito, e reprovável, para que o Direito Penal possua legitimidade, é fundamental em um Estado democrático de direito à medida que impõe limites ao Direito Penal.
A lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico tutelado é concretizada pelo resultado, que traduz-se na consequência decorrente da realização do fato, podendo provocar uma alteração na realidade (resultado naturalístico) ou acarretar somente o resultado normativo (infração da norma), observando-se, assim, o princípio da lesividade e a tipicidade material.
Devemos observar que mesmo presente a tipicidade formal (conduta praticada se encaixa na descrição legal do tipo), o fato pode carecer de tipicidade material (lesão ou ameaça de perigo de um bem jurídico penalmente tutelado). No entanto, mesmo o fato sendo materialmente atípico na seara eleitoral, tal fato pode caracterizar crime comum, a exemplo de infrações de trânsito em carreatas, perturbação do sossego alheios na lei dos crimes ambientais, contravenções penais, entre outros.
Essa também é a posição do STJ:
(…) “Compete à Justiça Federal e não à Justiça Eleitoral, processar e julgar o crime caracterizado pela destruição de título eleitoral de terceiro, quando não houver qualquer vinculação com pleitos eleitorais e o intuito for, tão somente, impedir a identificação pessoal. A simples existência, no Código Eleitoral, de descrição formal de conduta típica não se traduz, incontinenti, em crime eleitoral, sendo necessário, também, que se configure o conteúdo material do crime. (…) Dessa forma, a despeito da existência da descrição típica formal no Código Eleitoral (art. 339: ”Destruir, suprimir ou ocultar urna contendo votos, ou documentos relativos à eleição", não há como minimizar o conteúdo dos crimes eleitorais sob o aspecto material.” (STJ, CC 127.101-RS, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 11/2/2015, DJe 20/2/2015).
Por fim, crime eleitoral é apenas uma especificação do crime em geral, com a particularidade de objetivar a proteção de bens e valores político-eleitorais caros à vida coletiva. Dentre eles destacam-se a regularidade do processo eleitoral (em sentido amplo) e a legitimidade da vontade popular, o livre exercício da cidadania e dos direitos políticos ativos e passivos; o resguardo do direito fundamental de sufrágio; a regularidade da campanha política, da propaganda eleitoral, da arrecadação e do dispêndio de recursos; a veracidade do voto, a representatividade e preservação do modelo democrático.
2.5 Momento de incidência das infrações penas eleitorais
Questão interessante e que pode gerar muita confusão é quanto ao momento de incidência das infrações penais eleitorais.
Para Vera Maria Nunes Michels (2006), crimes eleitorais são: “As condutas tipificadas em razão do processo eleitoral e, portanto, puníveis em decorrência de serem praticadas por ocasião do período em que se preparam e realizam as eleições e ainda porque visam um fim eleitoral”.(MICHELS, Vera Maria Nunes. Direito eleitoral. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006)
Portanto, podemos entender que os crimes eleitorais são, em regra, aqueles praticados pelos envolvidos no processo eleitoral (candidatos ou eleitores) durante o período de uma eleição ou que tenham algum fim eleitoral.
Apesar de não haver unanimidade, prevalece que o período eleitoral inicia-se após o dia 15 de agosto do ano da eleição, data final para requerer o registro de candidaturas, iniciando-se o período onde é permitida a propaganda eleitoral.
Lei 9.504/95
Art. 11. Os partidos e coligações solicitarão à Justiça Eleitoral o registro de seus candidatos até as dezenove horas do dia 15 de agosto do ano em que se realizarem as eleições. (Redação dada pela Lei nº 13.165, de 2015)
Art. 36. A propaganda eleitoral somente é permitida após o dia 15 de agosto do ano da eleição.
A mesma lei 9.504/97 elenca a partir do art. 73 várias condutas que são vedadas aos agentes públicos. Algumas delas são capazes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos no pleito eleitoral. Já o momento de incidência deve ser objeto de muito atenção pois, podem incidem durante todo o ano, apenas durante o 1º semestre ou apenas durante 03 meses que antecedem a eleição e, ainda, até a data da posse.
Ensina o professor Igor Pinheiro (2020, p. 46):
(…) A verdade é que não há uma regra geral para o início de incidência de todos os crimes eleitorais, pois cada redação típica traz particularidades que devem ser observadas pelo intérprete para saber quando a mesma poderá ser praticada. Isso sem descuidar da premissa básica (já assentada no item anterior) no sentido de que não basta a subsunção objetiva do fato à norma (tipicidade formal), sendo necessária a lesão ou potencialidade de lesão ao bem jurídico tutelado pela norma em questão.” (...) Assim, existe uma variedade temporal difusa para o cometimento dos crimes eleitorais, pois há tipos que só podem ser cometidos no dia da eleição (caso dos artigos 302 e 313, do Código Eleitoral, ou do artigo 39, §5°, da Lei n°9.504/97), outros que estão vinculados com a propaganda (artigos 323, 331, 332 e 335, do Código Eleitoral), ou com atividades partidárias (artigo 337, do Código Eleitoral), com o não oferecimento de denúncia pelo Ministério Público no prazo legal (artigo 342, do Código Eleitoral), com o financiamento eleitoral (artigo 354-A, do Código Eleitoral), ou que só podem ser cometidos a partir de determinado período antes do dia da eleição, como são os incisos I (cinquenta dias antes do pleito), III (da véspera ao dia posterior a eleição) e V (noventa dias antes do dia da votação), todos da Lei n° 6.091/74, bem com do artigo 298, do Código Eleitoral, cuja incidência começa quinze dias antes das eleições e vai até as quarenta e oito horas após o seu fim, dentre outros casos. Por fim, temos crimes eleitorais de natureza permanente, que podem ser praticados a qualquer momento do ano eleitoral, ou até mesmo antes dele.” (PINHEIRO, Igor Pereira. Crimes Eleitorais e Conexos. Leme/SP:JH Mizuno, 2 edição, 2020, p.46).
Diversos diplomas legais preveem figuras típicas penais eleitorais. As principais disposições acerca do tema estão dispostas na Lei nº 4.737/1965 (Código Eleitoral), Lei nº 6.091/1974 (Transporte de Eleitores), Lei nº 6.996/1982 (Processamento Eletrônico de Dados nos Serviços Eleitorais), Lei nº 7.021/1982 (Escrutínio), LC nº 64/1990 (Inelegibilidades) e Lei nº 9.504/1997 (Lei das Eleições).
Gomes (2006, p. 76) dividi os crimes eleitorais em 8 grupos, a saber:
(… ) os crimes eleitorais concernentes à formação do corpo eleitoral; os crimes relativos à formação e funcionamento dos partidos políticos; os crimes em matéria de inelegibilidade; os crimes eleitorais concernentes à propaganda eleitoral; os crimes relativos à votação; os crimes eleitorais pertinentes à garantia do resultado legítimo das eleições; os crimes concernentes à organização e funcionamento dos serviços eleitorais e os crimes contra a fé pública eleitoral. GOMES, Suzana de Camargo. Crimes eleitorais. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2006.
Observe-se que essa divisão ensinada por Suzana Gomes, assim como qualquer outra classificação, tem apenas o propósito de facilitar a organização didático metodológica, auxiliando na visualização dos diversos delitos eleitorais, agrupando cada figura típica de acordo com suas características e atributos comuns, em especial quanto ao bem jurídico que visa tutelar.
O código eleitoral dedica título próprio para as disposições penais eleitorais (Título IV, artigos 283 a 364). Neste descreve a maioria dos crimes eleitorais. No entanto, é importante observar como os mais de 90 tipos penais eleitorais encontram-se divididos pelos diversos diplomas legais, a saber:
1 – Lei nº 4737/65: Como já dito na introdução deste trabalho, o código eleitoral possui natureza de lei mista, tendo status de lei ordinária em sua generalidade e de lei complementar nas disposições que trata da competência e organização da Justiça Eleitoral, a (art. 121 da CF/88).
Estão assim distribuídos:
a) – Art.45, §9º e §11
b) – Art. 47, §4º
c) – Art. 68, §2º
d) - Art. 71, §3º
e) - Art. 114, parágrafo único
f) - Art. 120, §5º
g) - Art.129, parágrafo único
h) - Art.135, §5º
i) - Art.174, §3º
j) – Artigos 289 a 354-A, num total de 60 tipos previstos (incluindo o novo artigo 326-A). Destes, alguns não foram recepcionados e outros dispositivos foram revogados, sem esquecer daqueles que possuem conteúdo explicativo, a exemplo do art. 283 que traz o conceito de funcionário público, ou de natureza processual como o art. 287 que manda aplicar as regras gerais do código penal.
2 – Lei nº 6091/74 – Lei do Transporte de Eleitores;
Cinco (05) no total, estando assim distribuídos: Art. 11, incisos I à V
3 – Lei nº 6996/82 – Lei do Processamento Eletrônico de Dados nos Serviços Eleitorais;
Apenas 01 crime previsto no Art. 5º
4 – Lei nº 7021/82 – Lei do Escrutínio;
Apenas 01 crime previsto no Art.15
5 – Lei Complementar nº64/90 - Lei das Inelegibilidades;
Dois crimes (02) previstos nos Art. 20 e art. 25
6 – Lei nº 9504/97 - Lei das Eleições.
Quatorze delitos (14), assim distribuídos:
a) – Art.33, §4°
b) - Art.34, §2° e §3º
c) - Art.39, §5°
d) – Art. 40
e) - Art.57-H, §1° e §2°
f) – Art.58, §7º
g) - Art.68, §2°
h) – Art.72
i) – Art.87, §4°
j) – Art.91
k) – Art. 94, §2º
l) – Art. 100-A, §5°
Conforme ensina o O professor Igor Pinheiro (220, p. 48), dos mais de noventa tipos penais eleitorais 54 tipos penais se sujeitam à transação penal (art. 76 da lei 9.099/95); 27 delitos eleitorais se sujeitam ao acordo de não-persecução penal (art. 28-A do CPP), sendo 18 em concorrência com o sursis processual e 09 exclusivos para o acordo; 19 crimes eleitorais comportam suspensão condicional do processo (art. 89 da lei 9.099/95); Apenas 2 tipos penais têm a pena de cassação do registro ou do mandato (artigo 334, do CE e o artigo 11, V, da Lei 6091/74), o que denota um regime processual penal insuficiente para efetiva prevenção e repressão aos abusos eleitorais.
Um ponto que merece reforma por parte do legislador ordinário é quanto a grande quantidade de leis penais especiais eleitorais e desproporção das penas nelas previstas.
Muitos dos tipos penais sequer trazem penas mínimas, sendo necessário valer-se da regra do art. 284 do código eleitoral, que prevê como reprimenda mínima, insignificantes quinze dias para a pena de detenção e de um ano para a de reclusão. Um bom exemplo dessa desproporção é o caso do crime de corrupção eleitoral (art. 299, CE) que possui pena menos grave (01 a 04 anos) do que o crime de denunciação caluniosa do art. 326-A (02 a 08 anos).
A grande maioria tipos penais eleitorais busca proteger a lisura e a legitimidade das eleições, o que, certamente, não pode prescindir de proteção penal. No entanto, muitas das figuras típicas carecem da taxatividade, apresentando redação ambígua, imprecisa ou vaga demais, não descrevendo com a clareza necessária as condutas violadoras das disposições legais que regem o processo eleitoral, dependendo, assim, uma indesejável subjetividade por parte do Ministério Público Eleitoral e dos órgãos da Justiça.
Além disso, boa parte dos tipos penais eleitorais, são, em verdade, infrações administrativas ao processo eleitoral e não ilícito criminal, desafiando a subsidiariedade do direito penal, que só deveria ser utilizado quando medidas extrapenais não fossem suficientes.
Como exemplo podemos citar os art. 296, 306 e 338 do Código Eleitoral:
Art. 296. Promover desordem que prejudique os trabalhos eleitorais;
Pena - Detenção até dois meses e pagamento de 60 a 90 dias-multa.
Art. 306. Não observar a ordem em que os eleitores devem ser chamados a votar:
Pena - pagamento de 15 a 30 dias-multa.
Art. 338. Não assegurar o funcionário postal a prioridade prevista no Art. 239:
Pena - Pagamento de 30 a 60 dias-multa.
Por fim, no tocante a tipificação de comportamentos na seara eleitoral e a desproporção das penas, faz-se necessário que o legislador observe o princípio da intervenção mínima, revogando tipos penais que não demandam atuação do direito penal, bem como proceda a readequação das penas para níveis aceitáveis, sob pena de proteção deficiente dos bens jurídicos que se visa tutelar.
Ainda sobre os aspectos gerais dos crimes eleitorais, temos que todos eles são dolosos, não havendo que se falar em culpa ou preterdolo em suas figuras. A vítima direta de todas as condutas é a sociedade, atingida em seu direito difuso a eleições limpas e legítimas, razão pela qual, todos os crimes eleitorais são de ação penal pública incondicionada. A pessoa diretamente ofendida, por exemplo, no crime do artigo 301, será vítima secundária do delito: “Art. 301. Usar de violência ou grave ameaça para coagir alguém a votar, ou não votar, em determinado candidato ou partido, ainda que os fins visados não sejam conseguidos”.
Apesar de todos os crimes eleitorais são de ação penal pública incondicionada (art. 355 do CE), não exigir, ao menos, autorização destas vitima secundárias cria embaraços. Por exemplo, nos crimes contra a honra.
Transplantados do Código Penal para o Código Eleitoral (artigos 324, 325 e 326), o Promotor Eleitoral tornar-se-á o juízo da subjetividade alheia, que pode ou não ter se sentido ofendida com uma imputação.
Os crimes eleitorais são crimes comuns, praticáveis por qualquer pessoa, não exigindo a condição de pré-candidato ou candidato do sujeito ativo.
Ao contrário do que se poderia supor, os crimes eleitorais não são crimes políticos (que atentam contra a ordem democrática). Fossem crimes políticos, competência para julgá-los seria da Justiça Federal, com recurso ordinário para o Supremo Tribunal Federal (Constituição Federal, art. 102, II, “b”).
Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:
IV – os crimes políticos (...)
Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:
(...)
II - julgar, em recurso ordinário:
(...)
b) o crime político;
Distinguem-se os crimes eleitorais em duas classes principais: os próprios, previstos na legislação eleitoral, e os impróprios, previstos na legislação penal comum, mas aptos a afetar interesses da União Federal em matéria relacionada às eleições. A compra de votos, por exemplo, é crime eleitoral próprio, pois está prevista no artigo 299 do Código Eleitoral. Um ato de corrupção passiva, envolvendo um funcionário da Justiça Eleitoral, será um crime eleitoral impróprio, pois não está previsto em leis eleitorais, mas no Código Penal, art. 317.
Esta distinção implica alterações na competência jurisdicional para o processo e julgamento destes crimes: os primeiros vão à Justiça Eleitoral e os segundos à Justiça Federal.
Um exemplo prático é o crime de falso testemunho praticado na apuração do crime de corrupção eleitoral (art. 299, CE). Nessa hipótese a competência para o crime de falso testemunho será da Justiça Federal em razão do interesse na administração da justiça da união, sem prejuízo da competência da Justiça Eleitoral para processar e julgar o crime do art. 299.
(…) A prática do delito de falso testemunho, cometido por ocasião de depoimento perante o Ministério Público Eleitoral, enseja a competência da Justiça Federal, em razão do evidente interesse da União na administração da Justiça Eleitoral. Precedentes. 2. Na eventualidade de ficar caracterizado o crime do art. 299 do Código Eleitoral, este deverá ser processado e julgado na Justiça Eleitoral, sem interferir no andamento do processo relacionado ao crime de falso testemunho, porquanto a competência da Justiça Federal está expressamente fixada na Constituição Federal, não se aplicando, dessa forma, o critério da especialidade, previsto nos arts. 78, IV, do CPP e 35, II, do Código Eleitoral, circunstância que impede a reunião dos processos na Justiça especializada. Precedentes. 3. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo Federal da 3ª Vara Criminal da Seção Judiciária do Rio Grande do Sul, o suscitado. (STJ, CC 126729/RS, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 24/04/2013, DJe 30/04/2013).
Outro bom exemplo seria o crime de desacato contra Juiz eleitoral, promotor eleitoral ou servidor da Justiça eleitoral. Haja vista que a legislação eleitoral não tipifica o crime de desacato, o fato será tipificado pelo art. 331 do Código penal, sendo de competência da Justiça Federal de 1º grau, salvo se praticado no contexto de um crime eleitoral. Nesse caso, o desacato é atraído pela conexão para a Justiça eleitoral, conforme dispõe o art. 35, II do Código eleitoral e art. 78, IV do CPP.
Vale frisar que esse é o atual entendimento do STF e conforme o disposto no art. 81 do CPP, ainda que tenha havido absolvição quanto ao crime eleitoral, esta Justiça Especializada continua competente para os demais crimes conexos porventura atraídos (TSE, Recurso Especial Eleitoral nº 174724, Acórdão, Relator(a) Min. João Otávio De Noronha, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 234, Data 12/12/2014, Página 51).
PENAL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. CRIME COMUM PRATICADO CONTRA JUIZ ELEITORAL. INTERESSE DA UNIÃO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. 1. A competência criminal da Justiça Eleitoral se restringe ao processo e julgamento dos crimes tipicamente eleitorais. 2. O crime praticado contra Juiz Eleitoral, ou seja, contra órgão jurisdicional de cunho federal, evidencia o interesse da União em preservar a própria administração. 3. Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo Federal do Juizado Especial Cível e Criminal da Seção Judiciária do Estado de Rondônia, ora suscitado. (CC 45552/RO, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 08/11/2006, DJ 27/11/2006, p. 246).
A maioria dos crimes eleitorais tem pena privativa de liberdade acanhada. Apenas os tipos listados a seguir tem pena superior a quatro anos, permitindo prisão preventiva e aplicação dos dispositivos da Lei das Organizações Criminosas (Lei nº 12.850/2013): art. 298, 291, 302, 307, 308, 315, 316, 317, 339, 348, 349, 350, 352, 354-A do Código eleitoral, art. 72 da Lei 9.507/97 e art. 11 da Lei 6.091/74.
Há grande número de delitos com penas brandas de detenção: art. 293, 296, 297, 300, 305, 310, 311, 312, 314, 318, 318, 321, 323, 324, 325, 331, 332, 334, 335, 341, 342, 343, 344, 346, 346, 347, Lei 9.507/97, §4º do art. 33, §2º do art. 34, §5º do 39 e art. 40.
Para todos estes crimes eleitorais, cuja pena não supera dois anos de privação de liberdade, é possível aplicar, exclusivamente, a multa ou prestação de serviços, caso não seja possível aplicar os institutos despenalizadores da Lei 9.099/95.
A lei não prevê um juizado especial eleitoral. Assim, as medidas despenalizadoras e desencarceradoras da referida lei (como a transação penal e a suspensão condicional do processo) podem ser aplicadas pelo próprio juízo eleitoral.
3.1 Aplicação subsidiária do Código Penal
À vista da teoria do crime, pode-se dizer que o crime eleitoral é apenas uma especificação do crime em geral, com a particularidade de objetivar a proteção de bens e valores político-eleitorais.
Nesse sentido é a lição de José Jairo Gomes (2008, p.10), ao afirmar que:
(…) Conquanto o Direito Eleitoral tenha vários tipos criminais, não conta com uma teoria própria de crime, tampouco detém um arcabouço de regras gerais e princípios que permita dar concretude a tais tipos. Por isso, o próprio Código Eleitoral prescreve em seu art. 287: “Aplicam-se aos fatos incriminados nesta lei as regras gerais do Código Penal”.
E, mais adiante, arremata:
(…) Na verdade, o Direito Penal doa ao Eleitoral toda a teoria do crime, além dos institutos versados na Parte Geral do Código Penal, tais como lugar e tempo do delito, consumação e tentativa, pena e sua aplicação, concurso de pessoas, concurso de crimes, concurso de normas penais, sursis e extinção da pretensão punitiva estatal. GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 2. ed. Belo Horizonte, MG: Del Rey, 2008, p.10
Código Eleitoral
Art. 287. Aplicam-se aos fatos incriminados nesta lei as regras gerais do Código Penal.
Art. 364. No processo e julgamento dos crimes eleitorais e dos comuns que lhes forem conexos, assim como nos recursos e na execução, que lhes digam respeito, aplicar-se-á, como lei subsidiária ou supletiva, o Código de Processo Penal.
Código Penal
Art. 12 - As regras gerais deste Código aplicam-se aos fatos incriminados por lei especial, se esta não dispuser de modo diverso.
Fora alguns poucos artigos relativos à aplicação da lei penal eleitoral, o código eleitoral determina a aplicação das regras gerais do código penal e do código de processo penal, tais como às normas sobre relação de causalidade, consumação e tentativa, dolo e culpa, concurso formal e efetivo de crimes, fixação da pena e regimes de cumprimento, causas extintivas da punibilidade, e quanto ao processo e julgamento dos crimes eleitorais e conexos, seus respectivos recursos e execução das penas.
Trata-se, segundo professor Igor Pereira Pinheiro (2020, p. 44) de um “verdadeiro regime jurídico híbrido, com disposições específicas no código eleitoral, muitas delas ultrapassadas ou não recepcionadas, aliada a aplicação subsidiária do CP e CPP”.
3.2 Padronização das penas mínimas
O código eleitoral se vale de peculiar técnica legislativa para a definição da pena mínima dos delitos. Assim, haja vista que, via de regra o código eleitoral é omisso na fixação do seu quantum, não podemos esquecer de lembrar da previsão do art. 284, o qual dispõe que: “Sempre que este código não indicar o grau mínimo, entende-se que será ele de quinze dias para a pena de detenção e de um ano para a de reclusão”.
A regra de definição de penas mínimas é de suma importância, na medida em que, a partir dela é possível aplicar aos delitos eleitorais, na fase extraprocessual os institutos da transação penal (pena máxima não superior a 02 anos – art. 76 da Lei 9.099/95) e o acordo de não persecução penal (artigo 28-A, do Código de Processo Penal – pena mínima inferior a 04 anos) e, na fase processual (judicial) aplica-se a suspensão condicional do processo (artigo 89, da Lei 9099/95 – pena mínima igual ou inferior a 01 ano).
Tratando-se de caso em que o réu seja absolvido parcialmente de acusação envolvendo concurso de crimes que lhe impediu o gozo inicial do benefício por conta do somatório das penas mínimas (inteligência da Súmula 723 do STF), é possível que se lhe ofereça a suspensão do processo.
Havendo causa de aumento de pena, o investigado tem o direito de ter computado a menor fração sobre o “quantum” da pena mínima. Se, porém, estivermos diante de uma causa de diminuição, a parcela a ser computada da pena mínima será a maior possível da prevista na lei.
Deve-se levar em consideração as causas de aumento ou de diminuição da pena que existam para o tipo, à luz do que dispõe a Súmula n°723 do STF, in verbis: “não se admite a suspensão condicional do processo por crime continuado, se a soma da pena mínima da infração mais grave com o aumento mínimo de um sexto for superior a um ano”.
Frise-se que ao juiz é vedado conceder quaisquer desses institutos de ofício, devendo, em caso de discordância, remeter os autos ao Procurador Regional Eleitoral, na forma do art. 28 do CPP.
Essa é a interpretação cabível à luz da Súmula nº 696 do Supremo Tribunal Federal (STF):
Súmula 696 – reunidos os pressupostos legais permissivos da suspensão condicional do processo, mas se recusando o promotor de justiça a propô-la, o juiz, dissentindo, remeterá a questão ao procurador-geral, aplicando-se por analogia o art. 28 do código de processo penal.
No caso de concurso de crimes, a observância do disposto na Súmula n° 243 do STJ é de rigor, segundo a qual:
Súmula 243 - o benefício da suspensão do processo não é aplicável em relação às infrações penais cometidas em concurso material, concurso formal ou continuidade delitiva, quando a pena mínima cominada, seja pelo somatório, seja pela incidência da majorante, ultrapassar o limite de um (01) ano.
Da mesma forma que da técnica de fixação das penas mínimas, o código eleitoral, no art. 285, também utiliza técnica assemelhada para aplicação das atenuantes e agravantes: “Quando a lei determina a agravação ou atenuação da pena sem mencionar o quantum, deve o juiz fixá-lo entre um quinto e um terço, guardados os limites da pena cominada ao crime”.
Na verdade, apesar da literalidade do dispositivo, trata-se de causas de aumento/diminuição, que incidem na 3ª fase da dosimetria da pena, à luz do sistema trifásico do art. 69, CP, que prevê expressamente uma fração alterando as penas mínima e máxima do tipo.
A parte final do art. 285 do Código Eleitoral foi revogada, já que hoje o entendimento que prevalece é o de possível fixar a pena abaixo do mínimo legal na 3ª fase de dosimetria.
Por uma construção doutrinária (art. 53, CP e Súm. 231 – STJ) a circunstância atenuante não pode conduzir a pena abaixo do mínimo legal em abstrato. No mesmo sentido, circunstância agravante não pode conduzir a um aumento acima do máximo legal em abstrato.
Se a circunstância é agravante e, ao mesmo tempo, causa de aumento de pena, a solução é sempre valorar na fase posterior (3ª fase), sob pena de bis in idem.
Súmula 231 do STJ: A incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal.
Código Penal
Art. 59 - O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime:
(…)
II - a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos;
(…)
Art. 53 - As penas privativas de liberdade têm seus limites estabelecidos na sanção correspondente a cada tipo legal de crime.
Importante frisar quais são as três fases da dosimetria: 1ª: pena base (circunstâncias judiciais do art. 59 do CP); 2ª: atenuantes e agravantes; e 3ª: causas de diminuição e aumento de pena e fazer a diferenciação entre qualificadora, majorante e agravante:
I – Qualificadoras – sua análise será na 1ª fase da dosimetria da pena (pena base) altera as penas mínima e máxima do tipo, além de trazer novas elementares para o tipo, caracterizado por ser um tipo derivado autônomo ou independente do “caput”.
II – Já as agravantes, são aquelas circunstâncias que devem ser levadas em consideração na 2ª fase da dosimetria da pena, após a fixação da pena base e da consideração das atenuantes, ficando a cargo do juiz o seu reconhecimento e a fixação dos valores.
Interessante constatar que algumas qualificadoras e majorantes se confundem com algumas agravantes. Nesse caso, havendo previsão tanto no tipo penal (como qualificadora ou majorante) quanto nas agravantes, aquelas preponderarão sobre estas.
Isso, inclusive, é o que se depreende do texto “quando não constituem ou qualificam o crime”, constante na parte final do artigo 61 do CP: “São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime”
III – Majorantes – por sua vez, são causa de aumento de pena, que incidem na 3ª fase da dosimetria da pena, aplicando-se uma fração expressamente estabelecida no tipo penal, sem trazer novas elementares para o tipo.
Ao contrário do que visto na parte voltada para as qualificadoras, as majorantes não estabelecem novos elementos no tipo penal, apenas trazem algumas circunstâncias que implicam no aumento da pena.
Não há “contradição entre as normas previstas no art. 71 do Código Penal e no art. 285 do Código Eleitoral, haja vista que o primeiro dispõe sobre aumento de pena em razão de crime continuado, sendo aplicável no âmbito desta Justiça Especializada.” (TSE, Recurso Especial Eleitoral nº 35350, Acórdão, Relator(a) Min. José Antônio Dias Toffoli, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 198, Data 11/10/2012).
3.4 Aplicabilidade da lei n.º 9.099/1995
A Lei 9.099/95 estabelece que todos os crimes que possuem pena máxima prevista de até 2 anos constituem infração de menor potencial ofensivo, pois dotados de menor lesividade social, trazendo algumas medidas, como a transação penal e a suspensão condicional do processo que visam afastar o cárcere dos sujeitos que praticam infrações mais leves.
Segundo entendimento do Tribunal Superior Eleitoral, tanto a transação penal quanto a suspensão condicional do processo têm aplicabilidade aos crimes eleitorais, exceto quanto aos delitos que cominem penas que ultrapassem a perda da liberdade e multa, como a cassação do registro da candidatura.
Todos esses institutos despenalizadores têm como requisitos, dentre outros, as penas mínimas cominadas no art. 284 do Código Eleitoral: “Sempre que este código não indicar o grau mínimo, entende-se que será ele de quinze dias para a pena de detenção e de um ano para a de reclusão”.
Questão interessante versa sobre se o Ministério Público está ou não obrigado a propor ao réu tais institutos. A jurisprudência dos tribunais superiores é no sentido que, por tratar-se de acordo desejado por ambas as partes e, portanto, personalíssimo, não há como forçar o MP a propor tais medidas se entender que não são adequadas ou cabíveis no caso, não havendo, assim, direito subjetivo do réu a tais institutos.
(…) Aplicam-se aos delitos eleitorais, como regra geral, o instituto da suspensão condicional do processo (artigo 89, da Lei nº9099/95). Observe-se, contudo, que esse benefício processual do acusado (que pode por ele ser recusado) deve ser proposto pelo Ministério Público quando do oferecimento da denúncia criminal – e reclamada a sua omissão no primeiro momento em que a defesa possa se manifestar (na audiência designada após o recebimento da inicial acusatória), sob pena de preclusão.” (STJ, AgRg no HC 328.563/SC, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 14/02/2017, DJe 23/02/2017).
(...)A jurisprudência deste Tribunal e do Supremo Tribunal Federal é firme no sentido de que, por se tratar de nulidade relativa, a ausência de proposição de suspensão condicional do processo pelo Ministério Público Eleitoral torna a matéria preclusa, se não suscitada pela defesa no momento oportuno. (TSE, Recurso Especial Eleitoral nº 4095, Acórdão, Relator(a) Min. Luciana Christina Guimarães Lóssio, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 201, Data 22/10/2015, Página 31/32).
A transação penal tem previsão legal nos artigos 61 e 76 da Lei n.º 9.099/1995, sendo cabível para os crimes cuja pena máxima cominada não exceda a 02 anos: “Art. 61. Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa.”
Embora a lei refira-se, em alguns dispositivos, ao instituto como pena, na verdade, trata-se de benefício. Na transação penal, não se discute a autoria do delito, cabendo ao titular da ação penal, que é o Ministério Público, a oferta do benefício ao suposto agente, se preenchidos os requisitos, antes de oferecida a denúncia.
Importante rememorar que o aceite da proposta pelo beneficiário e a homologação da transação penal pelo juiz eleitoral não implicam em reincidência, pois não se trata de processo judicial. Assim, não se discute a autoria ou a culpabilidade do autor do fato.
O registro da transação penal é realizado tão somente para impedir que seja concedido outro benefício à mesma pessoa no intervalo de 05 anos. Daí o porquê de, nas certidões expedidas pelo Sistema ELO do TSE, não constar qualquer observação quanto ao registro de transação penal para o eleitor.
Não poderá ser concedido o benefício da transação penal para os crimes que, embora se enquadrem no requisito de pena máxima não superior a dois anos, contam com um sistema punitivo especial, como aqueles a cuja pena privativa de liberdade cumula-se a cassação do registro, se o responsável for candidato. (CE, Art. 334; RESP TSE nº 25.137/PR).
3.4.2 Suspensão condicional do processo
A Suspensão condicional do processo tem previsão legal artigo 89 da Lei n.º 9.099/1995, sendo cabível para os crimes cuja pena mínima cominada seja igual ou inferior a 01 ano.
A suspensão condicional do processo não se confunde com o conceito de infração penal de menor potencial ofensivo (pois este se baseia na pena máxima cominada ao crime em tese), tampouco com o instituto da transação penal (onde ainda não há oferecimento e recebimento da denúncia).
Trata-se igualmente de um benefício, em que o acusado não assume culpa, muito menos pretende discutir a respeito dela. Ocorre que, nesta hipótese, o acusado é denunciado pelo Ministério Público Eleitoral que, na mesma oportunidade, propõe a suspensão condicional do processo, desde que presentes os requisitos do art. 89 da mencionada Lei.
Concedido judicialmente o benefício da suspensão condicional do processo, o acusado fica sujeito a um determinado período de tempo (período de prova), fixado pela autoridade judiciária entre 02 e 04 anos, sob as condições propostas pelo Ministério Público, podendo o juiz especificar outras, desde que adequadas ao fato e à situação pessoal do agente.
Ultrapassado o período de prova (suspensão) fixado pela autoridade, e sendo cumpridas todas as condições impostas, a autoridade judiciária declarará extinta a punibilidade, e o processo será, ao final, arquivado.
Poderá ocorrer a revogação do benefício caso o acusado não cumpra as condições determinadas, situação em que o prazo prescricional voltará a correr, retomando a ação o seu rito regular previsto na legislação ordinária.
A revogação da suspensão condicional do processo deverá ser obrigatória, nos casos em que o acusado vier a ser processado por outro crime durante o período de prova, não reparar o dano causado, sem motivo justificado, ou ser recapitulado o enquadramento da acusação para crime com pena mínimo superior a 01 ano.
A revogação facultativa se dará quando acusado vier a ser processado, no curso do prazo, por contravenção, ou descumprir qualquer outra condição imposta.
O Supremo Tribunal Federal sedimentou entendimento segundo o qual:
“(...) Esta Suprema Corte já “firmou entendimento no sentido de que o benefício da suspensão condicional do processo pode ser revogado após o período de prova, desde que os fatos que ensejaram a revogação tenham ocorrido antes do término deste período.” (STF – HC 84.654/SP, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ de 1º.12.2006).
“(...) a suspensão condicional do processo pode ser revogada, mesmo após o seu termo final, se comprovado que o motivo da sua revogação ocorreu durante o período do benefício.” (STF – HC 90833, Rel.ª Min.ª Cármen Lúcia, Primeira Turma, julgado em 10/04/2007, DJe 013 divulg 10.05.2007).
3.5 Preferência entre os institutos despenalizadores
Questão interessante e muito debatida na doutrina é se existe uma ordem de preferência entre os institutos da transação penal, ANPP e suspensão condicional do processo.
Tal debate tem sua origem após a introdução no Código de Processo Penal, do art. 28-A, com redação dada pela Lei n.º 13.964/2019 (pacote anticrime).
Art. 28-A. Não sendo caso de arquivamento e tendo o investigado confessado formal e circunstancialmente a prática de infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a 4 (quatro) anos, o Ministério Público poderá propor acordo de não persecução penal, desde que necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime, mediante as seguintes condições ajustadas cumulativa e alternativamente:
(…)
§ 2º O disposto no caput deste artigo não se aplica nas seguintes hipóteses:
I – se for cabível transação penal de competência dos Juizados Especiais Criminais, nos termos da lei;
(...)
§ 11. O descumprimento do acordo de não persecução penal pelo investigado também poderá ser utilizado pelo Ministério Público como justificativa para o eventual não oferecimento de suspensão condicional do processo.
Conforme previsão expressa contida no art. 28-A, §2º, I do CPP, sendo a pena máxima até 02 anos na forma do art. 76 da lei 9.9099/95, a transação penal sempre prevalecerá, pois ela é mais benéfica ao réu na medida em que impede o oferecimento da denúncia, permitindo uma punição célere do infrator, como uma resposta a sociedade, atendendo a prevenção geral da pena.
A controvérsia reside se há ou não preferência no caso de a pena mínima ser igual ou inferior a 01 ano. Sobre esse ponto, apesar de o ANPP ser um tema recentemente introduzido pela Lei n.º 13.964/2019 – chamada de pacote anticrime, já existem 02 correntes:
Uma primeira corrente sustenta que, “se couber suspensão condicional do processo (art. 89, Lei n°9.099/95), caberá ao membro do Ministério Público analisar o caso concreto e propor o que for mais adequado.” (ARAÚJO, Fábio Roque e COSTA, Klaus Negri. Processo Penal Didático. Salvador: Editora JusPodivm, 3a edição, 2020, p.166).
Já uma segunda corrente defende que “há uma regra de preferência legal sistêmica entre os acordos, sendo a transação penal a primeira opção a ser dada ao investigado, vindo na sequência o acordo de não persecução penal e, por fim, a suspensão condicional do processo”. (ARAS, Vladimir et al, in LEI ANTICRIME COMENTADA, Ed. JH Mizuno, 2020, p.189/190).
3.6 Inaplicabilidade dos institutos despenalizadores da Lei 9.099/95 para os Crimes Eleitorais com Sistema Punitivo Diferenciado
Segundo entendimento do Tribunal Superior Eleitoral, tanto a transação penal quanto a suspensão condicional do processo têm aplicabilidade aos crimes eleitorais, exceto quanto aos delitos que cominem penas que ultrapassem a perda da liberdade e multa, como a cassação do registro da candidatura.
(…) “Não poderá ser concedido o benefício da transação penal para os crimes que, embora se enquadrem no requisito de pena máxima não superior a dois anos, contam com um sistema punitivo especial, como aqueles a cuja pena privativa de liberdade cumula-se a cassação do registro, se o responsável for candidato”. (CE, Art. 334; RESP TSE nº 25.137/PR).
No caso de descumprimento das condições estabelecidas em transação penal, é admitida a propositura de ação penal (Repercussão Geral nº 238).
Existem determinados tipos penais eleitorais que possuem sistema punitivo diferenciado, no qual são aplicadas, cumulativamente com as penas privativas de liberdade, restritivas de direitos e multa, ou de maneira exclusiva, sanções específicas de cassação de registro do candidato (artigo 334, do CE), cancelamento do diploma (artigo 11, V, da Lei nº6091/74) e suspensão do funcionamento de diretórios partidários (artigo 336, do CE).
PROCESSO PENAL ELEITORAL - LEIS nºs 9.099/95 e 10.259/2001 - APLICABILIDADE. As Leis nºs 9.099/95 e 10.259/2001, no que versam o processo relativo a infrações penais de menor potencial ofensivo, são, de início, aplicáveis ao processo penal eleitoral. A exceção corre à conta de tipos penais que extravasem, sob o ângulo da apenação, a perda da liberdade e a imposição de multa para alcançarem, relativamente a candidatos, a cassação do registro, conforme é exemplo o crime do artigo 334 do Código Eleitoral. (Recurso Especial Eleitoral nº 25137, Acórdão de , Relator(a) Min. Marco Aurélio Mendes De Farias Mello, Publicação: DJ - Diário de justiça, Volume I, Data 16/09/2005, Página 173.
3.7 Peculiaridades da Pena de Multa
O regramento da pena de multa tem previsão legal no artigo 286 do Código eleitoral, seguindo, no que a legislação eleitoral for omissa, as disposições do Código Penal (artigos 49 a 52) e da Lei de Execução Penal.
Alguns crimes eleitorais, fugindo a regra geral, trazem no preceito secundário, tão somente, a multa como sanção (art. 292, 303, 304, 306, 313, 338 e 345 do Código eleitoral).
Código Eleitoral
Art. 286. A pena de multa consiste no pagamento ao Tesouro Nacional, de uma soma de dinheiro, que é fixada em dias-multa. Seu montante é, no mínimo, 1 (um) dia-multa e, no máximo, 300 (trezentos) dias-multa.
§ 1º O montante do dia-multa é fixado segundo o prudente arbítrio do juiz, devendo este ter em conta as condições pessoais e econômicas do condenado, mas não pode ser inferior ao salário-mínimo diário da região, nem superior ao valor de um salário-mínimo mensal.
§ 2º A multa pode ser aumentada até o triplo, embora não possa exceder o máximo genérico caput, se o juiz considerar que, em virtude da situação econômica do condenado, é ineficaz a cominada, ainda que no máximo, ao crime de que se trate.
Apesar de expressa previsão no art. 286, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) possui o entendimento de que as multas penais eleitorais não devem ser destinadas ao Tesouro Nacional, mas, sim, ao Fundo Penitenciário Nacional (FUNPEN), conforme determina o artigo 2º, inciso V, da Lei Complementar nº 79/94. (Processo Administrativo nº 99643, Acórdão, Relator(a) Min. Fátima Nancy Andrighi, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 238, Data 19/12/2011, Página 100)
A expressão “da região”, contida no §1º do art. 286, utilizada para se calcular o valor do dia-multa, contida no §1º deve ser entendida como não recepcionada à luz do artigo 7º, IV da Constituição Federal: “IV - salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado.
Conforme §2º do art. 286, é possível que o valor da multa seja aumentado até o triplo, desde que respeitado o limite dos 300 (trezentos) dias-multa do ”caput”, diante da ineficiência da aplicação, em virtude da vantajosa situação econômica do condenado.
Parte da doutrina sustenta ser possível, diante de fato ou prova incontestável com ônus exclusivo para o interessado, que o juiz reduza ou isente o réu miserável da pena de multa, em observância ao princípio da dignidade da pessoa humana.
Este também é o entendimento do STF. Vejamos:
Embora a inviabilidade dessa conversão da pena de multa, de relevo acentuar que o Supremo Tribunal Federal entendeu ser “constitucional o art. 33, § 4º, do Código Penal, que condiciona a progressão de regime, no caso de crime contra a Administração Pública, à reparação do dano ou à devolução do produto do ilícito” (Ag. Reg. na Progressão de Regime na Execução Penal nº 22-DF, STF, Plenário, maioria, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 17.12.2014, publicado no DJ em 18.3.2015), reafirmando que esta situação somente é excepcionada “pela comprovação da absoluta impossibilidade econômica do apenado em pagar a multa, ainda que parceladamente” (Ag. Reg. na Progressão de Regime na Execução Penal nº 20-DF, STF, Plenário, maioria, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 15.4.2015, publicado no DJ em 20.5.2015).
Deve-se destacar, ainda, que, no caso dos crimes que estipulam a pena de multa em UFIR (caso do artigo 33, §4º, da Lei nº 9.504/97), não se aplica o sistema bifásico do artigo 286, mas o sistema trifásico (ou Nelson Hungria), disposto no artigo 59 do código penal, o qual somado ao art. 60 do mesmo diploma legal, impõe ao magistrado a ponderação da situação econômica e pessoal do acusado, além das circunstâncias judicias e das agravantes/atenuantes e causas de aumento ou diminuição de pena: “Art. 60 – Na fixação da pena de multa o juiz deve atender, principalmente, à situação econômica do réu”.
O prazo para pagamento da pena de multa é de 10 (dez) dias e pode ser requerido o parcelamento, conforme art. artigo 50, do Código Penal e art. 164 da LEP.
Código Penal
Art. 50 - A multa deve ser paga dentro de 10 (dez) dias depois de transitada em julgado a sentença. A requerimento do condenado e conforme as circunstâncias, o juiz pode permitir que o pagamento se realize em parcelas mensais.
LEP
Art. 164. Extraída certidão da sentença condenatória com trânsito em julgado, que valerá como título executivo judicial, o Ministério Público requererá, em autos apartados, a citação do condenado para, no prazo de 10 (dez) dias, pagar o valor da multa ou nomear bens à penhora.
Entre as novidades legais e jurisprudênciais sobre a pena de multa, destaca-se as alterações promovidas pela Lei n. 13.964, de 24.12.2019 (vigência a partir de 23.1.2020), que deu nova redação ao art. 51 do Código Penal, dispondo expressamente que, “transitada em julgado a sentença condenatória, a multa será executada perante o juiz da execução penal e será considerada dívida de valor, aplicáveis as normas relativas à dívida ativa da Fazenda Pública, inclusive no que concerne às causas interruptivas e suspensivas da prescrição.
Portanto, desde 23.1.2020, o precedente do STF na ADI nº 3.150 que reconhecia a atribuição concorrente da Fazenda Pública cobrar o valor da multa perante o Juízo de Execuções Fiscais perdeu sua aplicabilidade nessa parte.
Assim, dado seu caráter penal e a obrigatoriedade de execução perante o Juízo Criminal, o único legitimado para tanto será o Ministério Público.
No entanto, é preciso consignar que o Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgar a ADI n° 3150/ DF, fixou a legitimidade inicial exclusiva do Ministério Público para executar a pena de multa perante o juízo criminal, sendo que, passados 90 (noventa) dias sem que o Parquet o faça, confere-se legitimidade subsidiária para a Fazenda Pública Federal (no caso do crime eleitoral) ajuizar a respectiva ação de execução fiscal perante a Justiça Federal.
Após tal precedente restou prejudicada a Súmula do 521do STJ: “A legitimidade para a execução fiscal de multa pendente de pagamento imposta em sentença condenatória é exclusiva da Procuradoria da Fazenda Pública”.
Importante chamar atenção para modulação dos efeitos feita pelo Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgar a ADI n° 3150/ DF, que tange as execuções findas ou iniciadas até a data do trânsito em julgado da presente ação direta de inconstitucionalidade:
(…) Diante do exposto, por razões de segurança jurídica e de excepcional interesse social, devem ser modulados temporalmente os efeitos da decisão, de modo a estabelecer a competência concorrente da Procuradoria da Fazenda Pública quanto às execuções findas ou iniciadas até a data do trânsito em julgado da presente ação direta de inconstitucionalidade.” (ADI 3150 ED, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 20/04/2020, PROCES- SO ELETRÔNICO DJe-124 DIVULG 19-05-2020 PUBLIC 20-05-2020).
Tanto é assim que, o STJ em recente decisão assentou que:
[…] II – O Plenário do Excelso Pretório, em sede de controle concentrado de constitucionalidade, via dotada de eficácia erga omnes e efeito vinculante em relação aos demais órgão do Poder Judiciário nacional, reconheceu ser atribuição prioritária do Ministério Público, Federal ou Estadual, promover a execução da pena de multa, o que fará conforme o procedimento descrito nos artigos 164 e seguintes da Lei n. 7.210/1984, perante o Juízo das Execuções Penais.
III – No caso vertente, colhe-se da decisão de primeiro grau, transcrita no acórdão guerreado (fls. 51-57), que à época em que requerida a declaração do indulto da sanção pecuniária perante o juízo das execuções penais, ainda não havia sido encaminhada informações quanto ao débito à Procuradoria da Fazenda Nacional para inscrição em dívida ativa.
IV – Ainda que assim não fosse, proveito algum decorreria da declaração de incompetência do juízo das execuções penais, eis que, conforme a atual redação do artigo 51 do Código Penal, recentemente alterada pela Lei n. 13.964/2019, cabe ao juízo das execuções penais, SEM RESSALVAS, a competência para execução da pena de multa. É de conhecimento geral que as alterações nas regras processuais relativas à competência material têm aplicação imediata, independentemente das que vigiam à época do cometimento do crime. […] (Agravo Regimental no Recurso Especial nº 1.869.371-PR, STJ, 5ª Turma, julgado em 17.11.2020, publicado no DJ em 24.11.2020)
Sobre a causa suspensiva da prescrição constante no artigo 40, da Lei de Execução Fiscal (quando não forem encontrados bens para penhora), a mesma não se dá “ad eternum”, tendo em vista que a Súmula 314/STJ estabelece que “em execução fiscal, não localizados bens penhoráveis, suspende-se o processo por um ano, findo o qual se inicia o prazo da prescrição quinquenal intercorrente.”
Ainda sobre a pena de multa na seara eleitoral, o artigo 90, §2°, da Lei n° 9.504/97 prevê que nos casos de reincidência as penas pecuniárias aplicam-se em dobro: “Nos casos de reincidência, as penas pecuniárias previstas nesta Lei aplicam-se em dobro”.
A reincidência do art. 90, §2º da Lei n.º 9.504/95 é específica para os delitos previstos na referida lei, devendo o sujeito que já foi irrecorrivelmente condenado por qualquer um dos delitos relacionados, vir novamente a cometer um deles, observando o art. 64, I, do CP.
Art. 64 – Para efeito de reincidência:
I – não prevalece a condenação anterior, se entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior tiver decorrido período de tempo superior a 5 (cinco) anos, computado o período de prova da suspensão ou do livramento condicional, se não ocorrer revogação.
Por fim, temos a previsão do não cabimento do habeas corpus quando a pena de multa for a única cominada, haja vista que o remédio constitucional destina-se a evitar ou fazer cessar a violência ou a coação à liberdade de locomoção decorrente de ilegalidade ou abuso de poder: “Súmula 693/STF: Não cabe habeas corpus contra decisão condenatória a pena de multa, ou relativo a processo em curso por infração penal a que a pena pecuniária seja a única cominada”.
3.8 Conceito de funcionário público
O Código Eleitoral traz no art. 283 uma definição de funcionário público para fins eleitorais, que pouco discrepa daquela do artigo 327 do Código Penal:
Art. 283. Para os efeitos penais são considerados membros e funcionários da Justiça Eleitoral:
I – os magistrados que, mesmo não exercendo funções eleitorais, estejam presidindo juntas apuradoras ou se encontrem no exercício de outra função por designação de Tribunal Eleitoral;
II – os cidadãos que temporariamente integram órgãos da Justiça Eleitoral;
III – os cidadãos que hajam sido nomeados para as mesas receptoras ou juntas apuradoras; IV – os funcionários requisitados pela Justiça Eleitoral.
§ 1º Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, além dos indicados no presente artigo, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública.
§ 2º Equipara-se a funcionário público quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal ou em sociedade de economia mista.
O artigo 336 trai uma espécie de responsabilidade penal da pessoa jurídica, prevista bem antes da CF/88.
Art. 336. Na sentença que julgar ação penal pela infração de qualquer dos artigos. 322 (revogado), 323 (divulgação de fatos inverídicos), 324 (calúnia), 325 (difamação), 326 (injúria),328 (revogado), 329 (revogado), 331 (inutilização de propaganda lícita), 332 (impedir o exercício de propaganda), 333 (revogado), 334 (utilizar organização comercial para propaganda ou aliciamento de eleitores) e 335 (fazer propaganda em língua estrangeira), deve o juiz verificar, de acordo com o seu livre convencimento, se diretório local do partido, por qualquer dos seus membros, concorreu para a prática de delito, ou dela se beneficiou conscientemente.
Parágrafo único. Nesse caso, imporá o juiz ao diretório responsável pena de suspensão de sua atividade eleitoral por prazo de 6 a 12 meses, agravada até o dobro nas reincidências.
Não temos notícia de que esta sanção aos diretórios locais dos partidos tenha sido, jamais, aplicada.
4 CRIMES ELEITORAIS NÃO RECEPCIONADOS PELA CF/88
A recepção constitucional é um fenômeno que ocorre quando uma nova Constituição aceita a validade de normas infraconstitucionais preexistentes, as quais passam a ser analisadas sob o olhar do novo texto constitucional, que passa a ser o novo elemento filtrante de validade das normas, tendo em conta que a Constituição anterior sofre total revogação. Assim, caso haja descompasso com a nova ordem constitucional, as normas preexistentes estarão sujeitas ao chamado juízo de não recepção ou revogação da norma pré-constitucional.
Diante disso, todas as normas que são anteriores à nova Constituição, mas que com esta guardam compatibilidade no seu conteúdo (material), continuarão em vigor. Este é o fenômeno da recepção.
Imperioso destacar que não se pode falar em vício de forma, já que, como bem lembra Gilmar Mendes (2015, p. 109), “A forma é regida pela lei da época do ato (tempus regit actum), sendo, pois, irrelevante para a recepção”. (MENDES, Gilmar Ferreira, Curso de Direito Constitucional, 10ª ed. Ed. Saraiva, São Paulo, 2015).
Com os efeitos da revogação, a norma passa a deixar de ter observância obrigatória, de forma que sua imperatividade será extinta, tendo em vista que não foi convalidada pelo novo texto constitucional.
O STF firmou o entendimento majoritário de que leis anteriores e incompatíveis com a Carta Maior serão revogadas, não se tratando de inconstitucionalidade superveniente. Nesta direção, é possível citar o julgamento recente da nossa Corte Excelsa:
Ação Direta de Inconstitucionalidade. AMB. Lei nº 12.398/98- Paraná. Decreto estadual nº 721/99. Edição da EC nº 41/03. Substancial alteração do parâmetro de controle. Não ocorrência de prejuízo. Superação da jurisprudência da Corte acerca da matéria. Contribuição dos inativos. Inconstitucionalidade sob a EC nº 20/98. Precedentes. 1. Em nosso ordenamento jurídico, não se admite a figura da inconstitucionalidade superveniente. Mais relevante do que a atualidade do parâmetro de controle é a constatação de que a inconstitucionalidade persiste e é atual, ainda que se refira a dispositivos da Constituição Federal que não se encontram mais em vigor. Caso contrário, ficaria sensivelmente enfraquecida a própria regra que proíbe a convalidação.7. Ação direta de inconstitucionalidade julgada parcialmente procedente. (grifo nosso) (ADI 2158, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 15/09/2010, DJe-247 DIVULG 15-12-2010 PUBLIC 16- 12-2010 EMENT VOL-02452-01 PP-00010 RTJ VOL-00219- PP00143 RT v. 100, n. 906, 2011, p. 410-426 RSJADV abr., 2011, p. 40-49)
Conforme ensina Gilmar Mendes (2015, p. 110), dependendo da tese adotada as consequências jurídicas e práticas são diversas: Acolhido o argumento da inconstitucionalidade superveniente, o Supremo Tribunal Federal somente poderia apreciar a validade da norma através da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), a qual demandaria quórum especial para sua declaração. No entanto, tratando-se de revogação, os tribunais não necessitariam de quórum especial para afastar a incidência da norma do caso concreto, conforme o disposto artigo 97 da Constituição Federal: “Somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público”.
4.1 Principais crimes eleitorais não recepcionados (revogados)
Observando-se o fenômeno da recepção e da supremacia da nova ordem constitucional em 1988, é vedado ao legislador ordinário, especificamente no caso do código eleitoral, construir tipo penal ou suprimir garantias constitucionais, restringindo a liberdade de manifestação política, liberdade de locomoção, o direito de reunião, entre outros, a não ser para proteger outro direito do mesmo status constitucional, objetivando dirimir a colisão entre direitos.
Conforme prevalece na doutrina e jurisprudência pátria, a criminalização de condutas somente é legítima quando os outros ramos do direito se tornarem ineficazes para a proteção dos bens jurídicos tutelados (subsidiariedade do direito penal). Diante dessa falência no sistema de controle social é quando o Direito Penal deverá agir, sendo este a última ratio.
Neste sentido, para Santiago Mir Puig (apud MASSON, 2014, p. 104).
(…) “Ele conduz a uma fundamentação utilitarista do Direito Penal no tendente à maior prevenção possível, senão ao mínimo de prevenção imprescindível. Entra em jogo assim o princípio da subsidiariedade, segundo o qual o Direito Penal há de ser a última ratio, o último recurso a utilizar à falta de outros menos lesivos”. (MASSON, Cleber. Direito penal esquematizado – Parte geral – 8.ª ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2014).
Apesar da controvérsia doutrinária e da ausência, em alguns casos, de manifestação expressa do Supremo Tribunal Federal, prevalece que a Constituição Federal de 1988 não recepcionou vários tipos penais previstos no Código Eleitoral.
Conforme ensina José Jairo Gomes (2013, p. 21), o rol de tipos incompatíveis com a Constituição de 1988 é integrado pelos seguintes artigos do Código Eleitoral: 292, 293, 296, 297, 298, 303, 304, 306, 310, 335, 337, 338, 342, 343, 345.
Para o professor Igor Pinheiro Pereira (2020, p.94/361), integram o rol: art. 68, §2º; 71,§3º; art. 303; art. 306; art. 310; art. 335; art. 337; art. 343 e art. 345
O TSE considerou não recebido pela Constituição Federal de 1988 o crime do artigo 337 do Código Eleitoral (REspe 36173):
Art. 337. Participar, o estrangeiro ou brasileiro que não estiver no gozo dos seus direitos políticos, de atividades partidárias, inclusive comícios e atos de propaganda em recintos fechados ou abertos:
Pena – detenção até seis meses e pagamento de 90 a 120 dias-multa.
Parágrafo único. Na mesma pena incorrerá o responsável pelas emissoras de rádio ou televisão que autorizar transmissões de que participem os mencionados neste artigo, bem como o diretor de jornal que lhes divulgar os pronunciamentos.
TSE
(…) O art. 337 do Código Eleitoral, que descreve como crime a participação em atividades político-partidárias, inclusive comícios e atos de propaganda, daquele que estiver com os direitos políticos suspensos não guarda sintonia com os arts. 5º, IV, VI e VIII, e 220 da Carta da República, que garantem ao indivíduo a livre expressão do pensamento e a liberdade de consciência, ainda que o exercício de tais garantias sofra limitações em razão de outras, também resguardadas pela Constituição Federal. (TSE - REsp Eleitoral 7735688-67.2009.6.09.0039 - Pleno - j. 14.10.2014 - v.u. - Rel. Dias Toffoli - DJe 05.10.2015 - Área do Direito: Constitucional; Penal; Eleitoral)
Prevalece na doutrina que os crimes abaixo listados também não foram recepcionados, seja por restringirem ou suprimir garantias constitucionais não se adequando a nova ordem, caracterizarem meras infrações administrativas ou por não descreverem de forma suficiente a conduta empregando verbos vagos e subjetivos ferindo a taxatividade.
Art. 68, §2°. O despacho de pedido de inscrição, transferência, ou segunda via, proferido após esgotado o prazo legal, sujeita o juiz eleitoral às penas do art. 291.
Confunde infração administrativa com ilícito criminal. Observa-se também que o prazo foi alterado pelo disposto no artigo 91, da Lei nº 9.504/97, in verbis: “Nenhum requerimento de inscrição eleitoral ou de transferência será recebido dentro dos cento e cinquenta dias anteriores à data da eleição”.
O professor Igor Pinheiro (2020, p.194)
(…) “Ademais, é de se destacar que o artigo 68 restou inaplicável na prática, seja pela revogação tácita parcial em face do art.91 da Lei n° 9.504/97, seja pela incompatibilidade com o sistema informatizado de alistamento eleitoral, no qual, tão logo fechado o cadastro eleitoral e processados os pedidos de inscrição, obtém-se imediatamente o número de inscritos.” (PINHEIRO, Igor Pereira. Crimes Eleitorais e Conexos. Leme/SP: JH Mizuno: 2ª edição, 2020, p.194).
Art. 71, §3°. Os oficiais de registro civil, sob as penas do art. 293, enviarão, até o dia 15 (quinze) de cada mês, ao juiz eleitoral da zona em que oficiarem, comunicação dos óbitos de cidadãos alistáveis, ocorridos no mês anterior, para cancelamento das inscrições.
O professor Igor Pinheiro (2020, p.195)
(…) “A despeito da inquestionável importância da comunicação dos óbitos à Justiça Eleitoral para fins de prevenir eventuais fraudes, tão corriqueiras à época das eleições manuais e de papel, não me parece que esse artigo seja compatível com a vigente ordem constitucional, na medida em que uma intervenção cível-administrativa gradual (multa, exibição judicial ou busca e apreensão) é mais do que suficiente, por si só, para assegurar o mesmo objetivo da presente tipificação penal.” (PINHEIRO, Igor Pereira. Crimes Eleitorais e Conexos. Leme/SP: JH Mizuno: 2ª edição, 2020, p.195).
Art. 292. Negar ou retardar a autoridade judiciária, sem fundamento legal, a inscrição requerida.
Confunde infração administrativa com ilícito criminal. Cria subjetividade inadmissível, censurando a interpretação judicial. É caso de recurso, não de denúncia.
Art. 293. Perturbar ou impedir de qualquer forma o alistamento.
O tipo desatende a exigência de descrição legal da conduta. Fere os princípios da taxatividade, proporcionalidade e da subsidiariedade do direito penal. O que é “perturbar”?
Art. 296. Promover desordem que prejudique os trabalhos eleitorais.
Desatende a exigência de descrição legal da conduta. Fere os princípios da taxatividade, proporcionalidade e da subsidiariedade do direito penal. O que é “desordem”?
Art. 297. Impedir ou embaraçar o exercício do sufrágio.
Desatende a exigência de descrição legal da conduta. Fere os princípios da taxatividade, proporcionalidade e da subsidiariedade do direito penal. O que é “embaraçar”?
Art. 298. Prender ou deter eleitor membro de mesa receptora, fiscal, delegado de partido ou candidato, com violação do disposto no art. 236:
O artigo 236 traz uma das chamadas garantas eleitorais. Impede a prisão, exceto em flagrante, de eleitores – cinco dias antes e dois depois das eleições, de candidatos – quinze dias antes das eleições e de mesários e fiscais de partido ao longo de seus trabalhos nas eleições.
Em 1965, período marcado pelos abusos inerentes à ditadura militar, sem cautelas, sem controle judicial. Nos dias atuais, já não é assim. A Constituição garante que ninguém será preso sem ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária, fora o caso do flagrante e das transgressões propriamente militares.
O dispositivo deixou de ser garanta eleitoral para veicular um privilégio inaceitável, exceto quando assegura a continuidade da função de mesários e fiscais de partidos, no dia do pleito.
O professor Igor Pinheiro (2020, p.160/162) resume a controvérsia e faz duras críticas. Vejamos:
(…) “É o que sucede no presente caso, pois não há razão constitucionalmente justificante para que pessoas que estejam praticando delitos de toda a ordem com vistas a subverter a legitimidade do processo eleitoral, merecendo destaque aqui para os corruptores eleitorais, operadores de “caixa 2” e àqueles que usam a máquina pública para seus propósitos eleitoreiros escusos, fiquem imunes ao decreto prisional, quando este se mostrar concretamente necessário e devidamente fundamentado pela autoridade judiciária competente. Pensar diferente é, a um só tempo, permitir a proteção deficiente da lisura eleitoral (em uma clara violação ao princípio da proporcionalidade, especificamente na diretriz da proibição do excesso), bem como estimular a impunidade e a corrupção, o que vai de encontro com a diretriz constitucional brasileira.
Aliás, ousaríamos mais: na verdade, em casos desse jaez (prática de atos de corrupção eleitoral em larga escala e de maneira continuada), o único meio apto a garantir efetivamente a lisura do pleito é a prisão cautelar dos corruptores, posto que sua conduta delitiva, se não obstada o quanto antes, poderá trazer o resultado ilícito que se procura evitar na Constituição: uma eleição marcada pelo abuso de poder! À medida que se aproxima o pleito, ao contrário do que propugnam as normas ora sob análise, há um exponencial aumento do periculum libertatis dos corruptores, sendo necessária a sua retirada do meio social. É importante consignar que já existem diversos precedentes jurisprudenciais do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).” (PINHEIRO, Igor Pereira. Crimes Eleitorais e Conexos. Leme/SP: JH Mizuno: 2ª edição, 2020, p.160/162)
Art. 303. Majorar os preços de utilidades e serviços necessários à realização de eleições, tais como transporte e alimentação de eleitores, impressão, publicidade e divulgação de matéria eleitoral:
Ofende a ordem econômica (artigo 170, IV) e a livre iniciativa (artigo 1º, V) haja vista que são fundamentos do Estado Brasileiro, previstos expressamente na Constituição de 1988.
Na lição do professor Igor Pinheiro (2020, p.269):
(…) “O Brasil adota expressamente o modelo capitalista e esse tipo penal é com ele incompatível e com as diretrizes constitucionais, motivo pelo qual reputo-o como não recepcionado. Não obstante isso, é de se destacar que o aumento de preços indiscriminado e desarrazoado realizado em conluio com candidato de maior capacidade financeira, para inviabilizar a realização de publicidade e propaganda dos opositores daquele, pode configurar abuso de poder econômico, a ser apurada na via cível por meio da ação de investigação judicial eleitoral (AIJE – artigo 22, da Lei Complementar nº64/90). (PINHEIRO, Igor Pereira. Crimes Eleitorais e Conexos. Leme/SP: JH Mizuno: 2ª edição, 2020, p.269)
Art. 304. Ocultar, sonegar, açambarcar ou recusar no dia da eleição o fornecimento, normalmente a todos, de utilidades, alimentação e meios de transporte, ou conceder exclusividade dos mesmos a determinado partido ou candidato:
Ofende a ordem econômica, fundamentos do Estado Brasileiro, insculpido no artigo 170, IV da Constituição de 1988.
Art. 306. Não observar a ordem em que os eleitores devem ser chamados a votar:
Trata-se de mera Infração administrativa, sem qualquer relevância penal, conforme ensina o professor Igor Pinheiro (2020, p.273/274):
A leitura do tipo penal em referência é uma clara amostra do espírito autoritário do Código Eleitoral Brasileiro, na medida em que se criminalizou o ato de “furar fila”, algo antiético, imoral, porém, sem qualquer relevância criminal, salvo se tal fato gerar prejuízo para a possibilidade de alguém votar (o que estaria contido no comando do artigo 297, do Código Eleitoral).
À toda evidência, trata-se de disposição incompatível com a atual ordem constitucional, na medida em que a ofensa a ordenação dos eleitores é mera irregularidade administrativa, que pode ser resolvida pelo poder de polícia do juiz eleitoral ou do Presidente da mesa receptora de votos. (...)
Portanto, à luz do exposto, o tipo penal do artigo 306, do Código Eleitoral não possui mais vigência, uma vez que não foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988 por violar os Princípios do Estado de Direito e da Intervenção Mínima. (PINHEIRO, Igor Pereira. Crimes Eleitorais e Conexos. Leme/SP: JH Mizuno: 2ª edição, 2020, p.273/274).
Art. 310. Praticar, ou permitir o membro da mesa receptora que seja praticada qualquer irregularidade que determine a anulação de votação, salvo no caso do art. 311.
Ofende a exigência de definição legal da conduta proibida. Fere os princípios da taxatividade, proporcionalidade e da subsidiariedade do direito penal. O que é “qualquer irregularidade”?
Ensina o professor Igor Pinheiro (2020, p.280/281):
(…) “É bem verdade que os artigos 220, 221 e 222 especificam condutas que tornam nula ou anulável a votação, mas o tipo não se refere somente a elas, mas a tal “qualquer irregularidade”, havendo, pois, ofensa ao princípio da taxatividade.
Nesse mesmo sentido pontifica Luiz Carlos Gonçalves, que aponta “como inconstitucional esse art.301, por ofensa à reserva de lei penal que exige da lei a descrição da conduta criminosa”, bem como que “não se pode descrever crimes como se faz com irregularidades administrativas”.
Portanto, à luz do exposto, o tipo penal do artigo 310, do Código Eleitoral não possui mais vigência, uma vez que não foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988. (PINHEIRO, Igor Pereira. Crimes Eleitorais e Conexos. Leme/SP: JH Mizuno: 2ª edição, 2020, p.280/281)
Art. 335. Fazer propaganda, qualquer que seja a sua forma, em língua estrangeira:
O crime do artigo 335 integra o rol daqueles que não foram recebidos pela Constituição de 1988, por sua marcada xenofobia. Além de ferir a lógica de um direito penal mínimo, fragmentário, subsidiário, capaz de intervir apenas e tão-somente naquelas situações em que outros ramos do direito não foram aptos a propiciar a pacificação social.
Na lição do professor Igor Pinheiro (2020, p.327/328):
(…) “De acordo com o artigo 242, do atual Código Eleitoral, a propaganda, qualquer que seja a sua modalidade, só poderá ser realizada em língua portuguesa, que é a oficial da República Federativa do Brasil (vide artigo 13, da Constituição Federal).
Essa restrição é uma tradição do sistema político brasileiro, com origem no artigo 131 do Código Eleitoral de 1950 (Lei nº1.164, de 24 de julho de 1950) e que “tem a finalidade de, preservando a soberania nacional, reprimir a intromissão indevida de alienígenas no processo eleitoral e impedir que possa haver exploração demagógica de comunidades étnicas”7.
Pois bem, ocorre que, a despeito da obrigatoriedade do uso da língua portuguesa nos atos político-partidários, entendemos, igualmente à quase unanimidade da doutrina eleitoral, que o preceito incriminador previsto no caput do artigo 335, do Código Eleitoral vigente não foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988, por violar o princípio da intervenção mínima ou subsidiariedade do direito penal.
(…)
Por tudo o que foi exposto, tem-se que o tipo penal do artigo 335 do Código Eleitoral não possui mais vigência, uma vez que não foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988, ou subsidiariamente, por ter sido revogado tacitamente pela lei das eleições. (PINHEIRO, Igor Pereira. Crimes Eleitorais e Conexos. Leme/SP: JH Mizuno: 2ª edição, 2020, p.327/328).
Art. 337. Participar, o estrangeiro ou brasileiro que não estiver no gozo dos seus direitos políticos, de atividades partidárias, inclusive comícios e atos de propaganda em recintos fechados ou abertos.
Na lição do professor Igor Pinheiro (2020, p.330/334):
(…) “Pois bem, em um ambiente de liberdade como o atual, que garante expressamente como direitos fundamentais a possibilidade de livre expressão, livre circulação em território nacional e livre iniciativa de reunião para fins pacíficos (vide artigo 5º, IV, IX e XVI, da CF/88), não há como reputar válida norma que pretende proibir que cidadãos brasileiros participem de atos político-partidários, como ir a um comício, a uma convenção partidária, ou qualquer ato de propaganda, porque estão com os direitos políticos suspensos. A Constituição Federal, ao tratar desse último tópico (artigo 15) não fez qualquer ressalva nesse sentido, sendo vedado ao legislador fazê-lo, sob pena de inconstitucionalidade. (PINHEIRO, Igor Pereira. Crimes Eleitorais e Conexos. Leme/SP: JH Mizuno: 2ª edição, 2020, p.330/334)
Esse também é o entendimento do TSE. Vejamos:
(…) A privação da liberdade de qualquer pessoa, no atual Estado de Direito, só pode ocorrer nas seguintes hipóteses: a) após decreto condenatório penal decorrente de processo judicial democrático (com garantia da ampla defesa e do contraditório) e, em pelo menos, duas instâncias diferentes; b) mediante ordem judicial cautelar devidamente fundamentada e que demonstre concretamente a necessidade da segregação; c) quando ocorrer estado de flagrância.
Qualquer prisão ou restrição à liberdade decorrente de situação não contemplada nessas hipóteses é puro arbítrio rechaçado pela atual ordem constitucional. Exatamente por isso, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) já declarou como não recepcionada essa disposição penal (Recurso Especial Eleitoral nº 36173, Acórdão, Relator(a) Min. José Antônio Dias Toffoli, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Data 30/09/2015).
Art. 338. Não assegurar o funcionário postal a prioridade prevista no art. 239.
Infração administrativa, sem qualquer relevância penal. Fere a lógica de um direito penal mínimo, fragmentário, subsidiário, capaz de intervir apenas e tão-somente naquelas situações em que outros ramos do direito não foram aptos a propiciar a pacificação social.
Art. 342. Não apresentar o órgão do Ministério Público, no prazo legal, denúncia ou deixar de promover a execução de sentença condenatória.
Infração administrativa, demanda corregedoria ou, se o caso permitir, ação penal privada subsidiária. Não é compatível com o perfil constitucional do Ministério Público.
Art. 343. Não cumprir o juiz o disposto no § 3º do art. 357.
Tal dispositivo é Incompatível com o perfil constitucional da magistratura, conforme lição do professor Igor Pinheiro (2020, p.354):
(…) “Na lógica policialesca e inquisitiva do Código Eleitoral de 1965, cabia ao magistrado, dentre outras coisas, comunicar à instância adequada a conduta do membro do Ministério Público que não oferecesse a denúncia criminal no prazo legal, sob pena de praticar o crime do artigo 343.
Os tempos mudaram e, diante da adoção do sistema acusatório no Brasil a partir da Constituição Federal de 1988, esse dispositivo não possui mais compatibilidade com o Texto Supremo, devendo-se ter o mesmo como não recepcionado.” (PINHEIRO, Igor Pereira. Crimes Eleitorais e Conexos. Leme/SP: JH Mizuno: 2ª edição, 2020, p.354).
Art. 345. Não cumprir a autoridade judiciária, ou qualquer funcionário dos órgãos da Justiça Eleitoral, nos prazos legais, os deveres impostos por este código, se a infração não estiver sujeita a outra penalidade.
Infração administrativa e descrição aberta demais, não possível em crimes dolosos.
Ensina o professor Igor Pinheiro (2020, p.360/361):
(…) “Em âmbito doutrinário, não há dúvidas sobre a não recepção do tipo estabelecido no artigo 345 do Código Eleitoral com base em 03 (três) fundamentos distintos:
1 – Violação ao princípio da taxatividade penal, uma vez que a conduta tida como criminosa é por demais genérica e permite a punição penal à luz do descumprimento de qualquer dos deveres impostos pelo Código Eleitoral;
2 – Desrespeito ao princípio da proporcionalidade, na vertente proteção deficiente12, já que a punição é a mesma para todos os descumprimentos dos deveres impostos pelo Código, o que representa proteção deficiente e desproporcionalidade, pois, certamente, alguns são mais graves do que outros e, por isso, não é constitucional tutelar todos de maneira idêntica;
3 – Lesão ao princípio da subsidiariedade penal, pois coloca o Direito Penal como a primeira opção punitiva para os casos em que não houver norma sancionando um descumprimento de dever imposto pelo Código, ainda que ele seja de pequena gravidade ou uma mera irregularidade. Nesse sentido, nunca é demais lembrar lição já pontificada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), no sentido de que “a tutela penal, como última ratio do sistema jurídico, deve ser acionada para condutas que busquem fraudar o núcleo essencial das normas que estruturam o direito eleitoral”13, o que, certamente, não é o caso!
Assim sendo, essa disposição penal representa clara violação ao Estado Democrático de Direito, que, conforme já pontuou o Supremo Tribunal Federal (STF), “passa, necessariamente, por uma busca constante de um direito penal mínimo, fragmentário, subsidiário, capaz de intervir apenas e tão-somente naquelas situações em que outros ramos do direito não foram aptos a propiciar a pacificação social.”
Assim, “o fato típico, primeiro elemento estruturador do crime, não se aperfeiçoa com uma tipicidade meramente formal, consubstanciada na perfeita correspondência entre o fato e a norma, sendo imprescindível a constatação de que ocorrera lesão significativa ao bem jurídico penalmente protegido. É possível a aplicação do Princípio da Insignificância, desfigurando a tipicidade material, desde que constatados a mínima ofensividade da conduta do agente, a inexistência de periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a relativa inexpressividade da lesão jurídica.14”
É importante salientar que já existem precedentes jurisprudenciais nesse sentido. (PINHEIRO, Igor Pereira. Crimes Eleitorais e Conexos. Leme/ SP: JH Mizuno: 2ª edição, 2020, p.360/361).
5 PRINCIPAIS CRIMES ELEITORAIS PERMANENTES NA PRÉ-CAMPANHA
Crime eleitoral permanente é aquele em que o sujeito pratica apenas uma conduta, que se prolonga no tempo por vontade do agente. Não se confundi com o crime continuado, no qual há diversas condutas que, separadas, constituem crimes autônomos, mas que são reunidas por uma ficção jurídica dentro dos parâmetros do art. 71 do Código Penal. Também não podemos confundir com o crime instantâneo de efeitos permanentes, que se consuma em dado instante, mas seus efeitos se prolongam no tempo.
Já a pré-campanha, tecnicamente, é o período que vai de 15 dias antes do início do período de registro de candidatura (período das convenções partidárias) até a data que se inicia a propaganda eleitoral (após o último dia para se requerer o registro da candidatura). No entanto, predomina entendimento que a pré-campanha é manifestação de ideias, projetos, opiniões, mediante textos, vídeos, entrevistas, desde que não haja pedido de voto, nem indicação de número de candidatura, nem utilização de recursos de propaganda eleitoral, podendo ocorrer durante todo o ano eleitoral.
Está é a previsão do art. 36-A da Lei n.º 9.504/97, “in verbis”:
Lei n.º 9.504/97
Art. 36-A. Não configuram propaganda eleitoral antecipada, desde que não envolvam pedido explícito de voto, a menção à pretensa candidatura, a exaltação das qualidades pessoais dos pré-candidatos e os seguintes atos, que poderão ter cobertura dos meios de comunicação social, inclusive via internet.
Dentre os crimes que incidem durante todo ano, independente de ser ou não período eleitoral, destacam-se:
Art. 299. Dar, oferecer, prometer, solicitar ou receber, para si ou para outrem, dinheiro, dádiva, ou qualquer outra vantagem, para obter ou dar voto e para conseguir ou prometer abstenção, ainda que a oferta não seja aceita:
Dentre as principais características desse crime podemos citar: a) não exige prévio pedido de registro de candidatura, podendo ser praticado desde o 1º dia do ano; b) o cumprimento da promessa ou do recebimento da vantagem é mero exaurimento; c) finalidade é obter ou dar voto e conseguir ou prometer abstenção; d) praticado contra eleitores determinados ou determináveis. Ofertas genéricas feitas à coletividade não caracterizam o crime do art. 299; e) para o TSE, a promessa em troca de voto de correligionário não configura o crime. Tal entendimento carece de reforma, pois o tipo não faz distinção; f) para o TSE, se a intenção do vale carreata não tiver objetivo de angariar voto, mas sim fazer com que o eleitor impulsione sua propaganda na carreata, não haverá o crime do art. 299, podendo configurar o crime do art. 334: “Utilizar organização comercial de vendas, distribuição de mercadorias, prêmios e sorteios para propaganda ou aliciamento de eleitores”.
Importante não confundir o crime do art. 299 do Código eleitoral com o ilícito civil do art. 41-A da Lei n.º 9.504/97, o qual exige prévio pedido de registro não sendo possível sua prática por pré-candidato.
Art. 41-A. Ressalvado o disposto no art. 26 e seus incisos, constitui captação de sufrágio, vedada por esta Lei, o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa de mil a cinqüenta mil Ufir, e cassação do registro ou do diploma, observado o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990.
O art. 300, trata de verdadeira hipótese de coação praticada por servidor, direta (sobre outro servidor/eleitor subordinado – geralmente comissionados e temporários) ou indireta (sobre seus parentes), para votar ou não votar em determinado candidato ou partido.
Art. 300. Valer-se o servidor público da sua autoridade para coagir alguém a votar ou não votar em determinado candidato ou partido.
Parágrafo único. Se o agente é membro ou funcionário da Justiça Eleitoral e comete o crime prevalecendo-se do cargo a pena é agravada.
A coação deve ser verossímil, possível de ser executada e praticada sem violência ou grave ameaça, pois se tais elementos estiverem presentes, pode caracterizar o crime do art. 301: “Art. 301. Usar de violência ou grave ameaça para coagir alguém a votar, ou não votar, em determinado candidato ou partido, ainda que os fins visados não sejam conseguidos”.
Questão interessante e muito corriqueira nas campanhas eleitorais são os chamados para que o servidor participe de comícios ou carretas, coloque determinada foto com propaganda de candidato no status do facebook, whatsapp, instagran (ou outras redes sociais), vista roupas de determinadas cores, etc., Tais situações podem configurar o crime de constrangimento ilegal do art. 146 do Código penal: “Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe haver reduzido, por qualquer outro meio, a capacidade de resistência, a não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela não manda”.
De forma diversa do art. 300, o art. 301 exige que a coação se dê com violência ou grave ameaça para votar ou não votar, podendo ser praticado por qualquer pessoa, a qualquer momento do ano.
Importante consignar que o crime restará caracterizado mesmo que o coator não atinja o fim desejado: “Art. 301. Usar de violência ou grave ameaça para coagir alguém a votar, ou não votar, em determinado candidato ou partido, ainda que os fins visados não sejam conseguidos”.
Já o art. 326-A (denunciação caluniosa eleitoral), introduzido pela Lei n.º 13.834/2019, visa punir a má-fé aquele que denigri a imagem do adversário político, mesmo sabendo-o inocente (não admitindo dolo eventual ou culpa) com o fim de minar suas pretensões políticas eleitorais ou partidárias.
O crime consuma-se no momento da instauração da investigação por crime ou ato infracional. Caso a imputação seja de prática de contravenção, a pena será diminuída de metade.
Art. 326-A. Dar causa à instauração de investigação policial, de processo judicial, de investigação administrativa, de inquérito civil ou ação de improbidade administrativa, atribuindo a alguém a prática de crime ou ato infracional de que o sabe inocente, com finalidade eleitoral.
O art. 334, pune o aliciamento de eleitores, visando fins de propaganda ou promoção pessoal, através de prêmios e sorteios de brindes (máscara, álcool em gel, cesta básica, etc.), muitas vezes com mensagens subliminares com alusão ao nome do pré-candidato ou com “hashtag” com o número o logo do partido, que faça alusão a eleições vindouras.
Interessante notar que, trata-se de um dos poucos crimes que prevê pena de cassação do registro de candidatura, caso o autor do delito seja o candidato.
Art. 334. Utilizar organização comercial de vendas, distribuição de mercadorias, prêmios e sorteios para propaganda ou aliciamento de eleitores:
Pena - detenção de seis meses a um ano e cassação do registro se o responsável for candidato.
6 PRINCIPAIS CRIMES QUE SÓ INCIDEM NO PERÍODO ELEITORAL
De início temos que conceituar o que significa período eleitoral, sendo este o intervalo compreendido entre o primeiro dia após a data final para o pedido de registro de candidatura (início da propaganda eleitoral) até a diplomação dos eleitos: “Lei n.º 9.504/97 - Art. 36. A propaganda eleitoral somente é permitida após o dia 15 de agosto do ano da eleição”.
O art. 11, V da lei 6091/1974 (lei do transporte de eleitores), pune com pena de cassação do registro ou diploma o uso, por pré-candidato, candidato ou para beneficiar partido, de qualquer veículo ou embarcação oficial nos 90 dias que antecedem o pleito.
Art. 11. Constitui crime eleitoral:
(...)
V - utilizar em campanha eleitoral, no decurso dos 90 (noventa) dias que antecedem o pleito, veículos e embarcações pertencentes à União, Estados, Territórios, Municípios e respectivas autarquias e sociedades de economia mista:
Pena - cancelamento do registro do candidato ou de seu diploma, se já houver sido proclamado eleito.
O art. 3º da mesma lei, pune o gestor que deixar de encaminhar à Justiça Eleitoral, nos 50 dias antes da eleição, veículos e embarcações de propriedade do ente público. O tipo penal exige dolo, sendo que o mero esquecimento ou desconhecimento da obrigação legal imposta não caracteriza o crime.
Art. 3º Até cinquenta dias antes da data do pleito, os responsáveis por todas as repartições, órgãos e unidades do serviço público federal, estadual e municipal oficiarão à Justiça Eleitoral, informando o número, a espécie e lotação dos veículos e embarcações de sua propriedade, e justificando, se for o caso, a ocorrência da exceção prevista no parágrafo 1º do art. 1º desta Lei.
Prevalece que o art. 11, II da lei 6091/1974 (lei do transporte de eleitores), o qual remete ao art. 2º, não foi recepcionado, pois a CF/88 no seu art. 5º, XXV não prevê tal hipótese para requisição de bens de particulares. Além disso, o art. 44 da Lei 9.096/95 prevê hipóteses taxativas para despesas com recursos do fundo partidário e, o pagamento de despesas com requisição de veículos particulares para transporte de eleitores não é uma delas, previsão que restou tacitamente revogada.
Lei n.º 6091/1974
Art. 11. Constitui crime eleitoral:
(…)
II - desatender à requisição de que trata o art. 2º:
(...)
Art. 2º. Se a utilização de veículos pertencentes às entidades previstas no art. 1º não for suficiente para atender ao disposto nesta Lei, a Justiça Eleitoral requisitará veículos e embarcações a particulares, de preferência os de aluguel.
Parágrafo único. Os serviços requisitados serão pagos, até trinta dias depois do pleito, a preços que correspondam aos critérios da localidade. A despesa correrá por conta do Fundo Partidário.
Lei 9.096/95
art. 44. Os recursos oriundos do Fundo Partidário serão aplicados:
(…)
CF/88
Art. 5º (…)
XXV - no caso de iminente perigo público, a autoridade competente poderá usar de propriedade particular, assegurada ao proprietário indenização ulterior, se houver dano;
O art. 331 do Código Eleitoral pune Inutilizar, alterar ou perturbar meio de propaganda devidamente empregado, ou seja, aquele empregado no 1º dia após a data final para pedido de registro de candidatura.
Se a propaganda for irregular ou antecipada, poderá caracterizar o crime de exercício arbitrário das próprias razões, previsto no art. 345 do CP.
Se a conduta for praticada após o resultado das eleições, carecerá de tipicidade material, por ausência de lesividade ao bem jurídico.
O art. 332 do Código Eleitoral, pune impedir o exercício da propaganda lícita, empregada no período eleitoral. Para alguns, o tipo fere a taxatividade na medida em que não define o que seja “impedir”.
Já o art. 302 do Código Eleitoral, pune promover concentração de eleitores no dia da eleição, com o fim de impedir, embaraçar ou fraudar o exercício do voto: “Promover, no dia da eleição, com o fim de impedir, embaraçar ou fraudar o exercício do voto a concentração de eleitores, sob qualquer forma, inclusive o fornecimento gratuito de alimento e transporte coletivo”.
Se o fim perseguido pelo agente for o de concentração de eleitores para comício ou carreata no dia da eleição, incidirá no tipo do art. 39, §5º da Lei 9.504/97.
Lei 9.504/97
Art. 39. (…)
§ 5º Constituem crimes, no dia da eleição, puníveis com detenção, de seis meses a um ano, com a alternativa de prestação de serviços à comunidade pelo mesmo período, e multa no valor de cinco mil a quinze mil UFIR:
I - o uso de alto-falantes e amplificadores de som ou a promoção de comício ou carreata;
Por fim, prevalece que o crime de furar fila, tipificado no art. 306 do Código Eleitoral não foi recepcionado, por violar o princípio da intervenção mínima do direito penal, tratando-se de mera infração administrativa que pode ser resolvida pelo poder de polícia do juiz eleitoral ou do Presidente da mesa receptora de votos: “Art. 306. Não observar a ordem em que os eleitores devem ser chamados a votar”.
7 ASPECTOS GERAIS DO PROCESSO DOS CRIMES ELEITORAIS
Do mesmo modo como ocorre com as regras gerais do código penal, aplica-se, ao processo penal eleitoral, o código de processo penal, desde que não exista norma própria no Código Eleitoral: “Art. 364. No processo e julgamento dos crimes eleitorais e dos comuns que lhes forem conexos, assim como nos recursos e na execução, que lhes digam respeito, aplicar-se-á, como lei subsidiária ou supletiva, o Código de Processo Penal”.
Há, entretanto, uma série de normas específicas do processo penal eleitoral, que costumam trazer dores de cabeça a quem com elas não está familiarizado, seja na vida forense, seja nos concursos públicos.
Uma dessas normas é a Res. TSE nº 23.396/2013, que dispõe sobre a apuração de crimes eleitorais, a qual prevê em seu art. 13, a aplicação de regras gerais do Código Penal e do Código de Processo Penal, a seguir:
Art.13. A ação penal eleitoral observará os procedimentos previstos no Código Eleitoral, com a aplicação obrigatória dos artigos 395, 396, 396-A, 397 e 400 do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei nº 11.971, de 2008. Após esta fase, aplicar-se-ão os artigos 359 e seguintes do Código Eleitoral.
Esta também é a posição do Supremo Tribunal Federal:
(…) o Supremo Tribunal Federal firmou entendimento no sentido de reconhecer a imediata aplicação ao processo penal eleitoral das novas regras dispostas no artigo 400 do Código de Processo Penal, por força da Lei n.º11.719/2008. (STF – HC n.º6909/MT, DJe de 12.2.2014, Rel, Min Dias Toffoli). No mesmo sentido: STF - AgR-AP n.º528/DF, Pleno, DJe de 8.6.2011, Rel. Min. Ricardo Lewandowski.
7.1 Aplicação do princípio da insignificância
São aplicáveis aos crimes eleitorais todos aqueles princípios expressos ou implícitos na Constituição Federal, com alguma variação, tal qual ocorre com a insignificância ou bagatela.
O princípio da insignificância, por excluir a tipicidade material, somente tem incidência quando não se vislumbrar lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico tutelado.
Via de regra a jurisprudência do TSE não admite a aplicação do princípio da insignificância nos crimes eleitorais, especialmente em relação aqueles que envolvem o uso da máquina pública ou uso de cargo público para sua prática.
Reforçando essa linha de pensamento, destaca-se a súmula nº 599 do Superior Tribunal de Justiça (aprovado em 27/11/2017), segundo a qual “o princípio da insignificância é inaplicável aos crimes contra a administração pública”. Tal entendimento deve incidir, pela coincidência de fundamento, sobre vários delitos eleitorais que estão relacionados com a proibição do uso de cargos ou bens públicos em prol de projetos político-partidários.
TSE 1: ELEIÇÕES 2010. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. CRIME ELEITORAL. ART. 39, § 5º, INCISO III, DA LEI Nº 9.504/1997. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE.
1. A divulgação de propaganda criminosa dentro da cabine de votação e ao lado da urna eletrônica não pode ser considerada insignificante, pois viola a liberdade de escolha do eleitor no momento sigiloso de confirmação do voto.
2. Inaplicável o princípio da insignificância ao crime previsto no art. 39, § 5º, inciso III, da Lei nº 9.504/1997, porque o bem jurídico tutelado é a liberdade de exercício do voto. Precedentes.
3. Recurso especial eleitoral provido para restaurar a condenação imposta em sentença. (Recurso Especial Eleitoral nº 6672, Acórdão, Relator(a) Min. Gilmar Ferreira Mendes, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Volume, Tomo 54, Data 20/03/2017, Página 96).
7.2 Aplicação do acordo de não persecução penal
O acordo de Não Persecução Penal – ANPP, aplica-se a todas as infrações, independentemente do bem jurídico tutelado, sendo, portanto, cabível nos delitos contra Administração Pública e nos crimes eleitorais.
Conforme prevê o art. 364 do Código Eleitoral, sem sombra de dúvidas, o ANPP, introduzido no art. 28-A do CPP, pela Lei n.º 13.964/23019 (pacote anticrime) é aplicável na seara eleitoral, mas com alguns temperamentos.
Art. 28-A. Não sendo caso de arquivamento e tendo o investigado confessado formal e circunstancialmente a prática de infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a 4 (quatro) anos, o Ministério Público poderá propor acordo de não persecução penal, desde que necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime, mediante as seguintes condições ajustadas cumulativa e alternativamente.
Sua aplicação somente seria possível com a observância da cláusula de prevenção geral para a repressão do crime, conforme expressa previsão no citado artigo, sob pena de ofensa ao princípio da proteção deficiente.
Nos crimes eleitorais, em regra, as penas previstas são inferiores a 04 anos, permitindo em tese o ANPP. No entanto, mesmo que preenchidas as condições do art. 28-A do CPP, o acordo, puro e simples, pode não se mostra suficiente para evitar a ofensa a legitimidade e lisura das eleições e liberdade do voto, não atendendo a reprovação e prevenção geral.
Assim, o Professor Igor Pereira Pinheiro, ensina que uma possível solução para se garantir a observância a reprovação e prevenção seria a renúncia ao registro de candidatura a ser proposta pelo MPE na forma do art. 28-A, V, do CPP, pois certamente seria proporcional e compatível para proteção do bem jurídico tutelado.
Também temos que lembrara que alguns crimes eleitorais possuem sistema punitivo diferenciado, no qual são aplicadas, cumulativamente com as penas privativas de liberdade, restritivas de direitos e multa, ou de maneira exclusiva, sanções específicas de cassação de registro do candidato (artigo 334, do CE), cancelamento do diploma (artigo 11, V, da Lei nº6091/74) e suspensão do funcionamento de diretórios partidários (artigo 336, do CE). Assim, para estes tipos de crimes não seria possível aplicar o ANPP, pois este não se mostra suficiente para reprovação e prevenção do crime.
Ademais, para viabilizar o ANPP, imprescindível é que o investigado não incida em nenhuma das situações do §2º do art. 28-A do CPP, “in verbis”:
§ 2º O disposto no caput deste artigo não se aplica nas seguintes hipóteses:
I - se for cabível transação penal de competência dos Juizados Especiais Criminais, nos termos da lei;
II - se o investigado for reincidente ou se houver elementos probatórios que indiquem conduta criminal habitual, reiterada ou profissional, exceto se insignificantes as infrações penais pretéritas;
III - ter sido o agente beneficiado nos 5 (cinco) anos anteriores ao cometimento da infração, em acordo de não persecução penal, transação penal ou suspensão condicional do processo; e
IV - nos crimes praticados no âmbito de violência doméstica ou familiar, ou praticados contra a mulher por razões da condição de sexo feminino, em favor do agressor.
O acordo é realizado no curso da instrução ou da ação penal, em audiência marcada para tal fim ou mediante petição a ser juntada aos autos, contendo de modo claro as suas condições. Assim, em caso de descumprimento, o Ministério Público deve requerer a continuidade das investigações ou da ação penal até seus ulteriores termos.
A norma do art. 28-A do CPP tem conteúdo misto ou híbrido e, portanto, deve retroagir, conforme art. 5º, XL da CF/88. A controvérsia gira em torno de saber em qual momento ou até qual fase do processo penal essa retroatividade deve incidir.
Uma primeira corrente sustenta que o acordo somente pode ser celebrado até o recebimento da denúncia, pois se o acordo é denominado de “de não persecução” ele somente poderia ser celebrado até o início da persecução, cujo marco seria o recebimento da denúncia.
Uma segunda corrente argumenta que o acordo de não persecução penal (ANPP) deve ser celebrado até a sentença.
Uma terceira posição entende que o ANPP pode ser celebrado a qualquer momento antes do trânsito em julgado.
No STJ, a 5ª Turma acolhe a primeira posição. Entende que o ANPP alcança processos em curso, mas somente até o recebimento da denúncia. Já a 6ª Turma, por sua vez, compreende que o ANPP atinge processos em curso até o trânsito em julgado da condenação.
Assim decidiu recentemente a 6ª Turma do STJ acerca do tema:
(…) “É reconsiderada a decisão inicial porque o cumprimento integral do acordo de não persecução penal gera a extinção da punibilidade (art. 28-A, § 13, do CPP), de modo que como norma de natureza jurídica mista e mais benéfica ao réu, deve retroagir em seu benefício em processos não transitados em julgado (art. 5º, XL, da CF).” (AgRg no HC 575.395/RN, Rel. Min. Nefi Cordeiro, Sexta Turma, julgado em 08/09/2020, DJe 14/09/2020).
Renato Brasileiro de Lima (2020, p.225) adota a 1ª corrente ao ensinar que “o acordo poderá ser celebrado inclusive para fatos ocorridos em momento anterior, desde que a peça acusatória ainda não tenha sido recebida pelo magistrado.” (LIMA, Renato Brasileiro de. Pacote Anticrime. Salvador: Juspodivm, 2020, p. 225)
Na mesma linha do ANPP, é entendimento majoritário que também é vedado o Acordo de Não Persecução Cível – ANPC nas ações eleitorais que envolvam corrupção eleitoral, captação ilícita de sufrágio, doação, captação ou gastos ilícitos de recursos em campanha, nas quais se pleiteie aplicação de cassação de registro ou do diploma, o que acarretaria, no caso de trânsito em julgado ou procedência em 2º grau, inelegibilidade do art. 1º, I, “j” da LC 64/90.
O ANPC também não seria cabível para ações cíveis onde se requer expressamente a declaração de inelegibilidade enquanto sanção personalíssima, dado que o art. 14,§9º da CF/88 é claro ao prever que apenas Lei Complementar pode prever causas de inelegibilidade. Assim, À luz do princípio da simetria, aquilo que é criado por LC, só pode ser extinto ou modificado, também por LC, e como o ANPC foi criado por Lei Ordinária, esta não poderia afastar as previsões de uma LC, sob pena de inconstitucionalidade.
7.3 Reflexos da lei de abuso de autoridade
A nova lei de abuso de autoridade, lei n.º 13.869 de 5 de setembro de 2019, revogou expressamente a antiga lei n.º 4898/65, passando a definir os crimes de abuso de autoridade, cometidos por agente público, servidor ou não, que, no exercício de suas funções ou a pretexto de exercê-las, abuse do poder que lhe tenha sido atribuído.
Apesar das diversas críticas recebidas durante sua tramitação, em especial por trazer tipos penais abertos, com pouca taxatividade, violando a legalidade e transformando meras nulidades materiais e processuais em crimes, além de ter sido aprovada em um período de grande instabilidade política e institucional, de forma açodada e quase sem nenhum debate mais profundo sobre o tema, a nova lei de abuso de autoridade, em sua maior parte, protege aqueles que tem sua atuação pautada na legalidade.
A revogada lei n.º 4898/65, era passível de muitas críticas, entre as quais, as baixas penas previstas, que em sua maioria eram insuficiente para reprovação e prevenção geral do crime.
Entre as várias disposições da nova lei de abuso de autoridade, destacam-se os §1º e §2º do art. 1º, ao prever que para caracterização do crime faz-se imprescindível a comprovação do dolo específico (ato deliberado, comprovado e consciente do abuso das prerrogativas estatais, sob pena de atipicidade da conduta), além de excluir o crime de hermenêutica quando a conduta advier da interpretação de lei ou da avaliação de fatos e provas, diferenciando, assim, o abuso de autoridade dos erros inerentes a atividade humana.
LEI 13.869/2019
Art. 1.º (...)
§1º As condutas descritas nesta Lei constituem crime de abuso de autoridade quando praticadas pelo agente com a finalidade específica de prejudicar outrem ou beneficiar a si mesmo ou a terceiro, ou, ainda, por mero capricho ou satisfação pessoal.
§2º. A divergência na interpretação de lei ou na avaliação de fatos e provas não configura abuso de autoridade (exclui o crime de hermenêutica).
No regime da lei anterior, esse dolo específico não era exigido, de modo que bastava qualquer atentado aos bens jurídicos para a consumação do crime: “Revogada Lei 4.898/1965 – Art. 3º. Constitui abuso de autoridade qualquer atentado”.
Importante frisar que o ônus da prova do dolo específico (finalidade específica de prejudicar outrem ou beneficiar a si mesmo ou a terceiro, ou, ainda, por mero capricho ou satisfação pessoal) é de quem imputa o abuso, sendo vedada, por ausência de previsão legal, qualquer presunção, devendo estar presentes elementos mínimos do elemento subjetivo, haja vista que a responsabilidade penal de juízes e promotores é subjetiva.
Não se comprovando, de plano, o dolo específico (ato deliberado d abuso das prerrogativas estatais), eventual representação sem justa causa dirigida ao Ministério Público, para fins de apuração do suposto abuso de autoridade pode configurar o crime de denunciação caluniosa (artigo 338, do Código Penal ou art. 326 do Código Eleitoral), comunicação falsa de crime (artigo 340, do Código Penal), ameaça com a finalidade de intimidação (art. 147, do Código Penal) ou coação no curso do processo (art. 344, do Código Penal), além de danos morais.
Importante a lição do professor Igor Pinheiro (2020, p.52) ao trazer um alerta a juízes, promotores e delegados:
“É preciso cuidado para que aqueles que tanto defendem a presunção de inocência de forma tão intensa não usem a sua profissão para tentar intimidar e minar a livre convicção dos magistrados e membros do Ministério Público, o que poderia também ser considerado crime de calúnia (artigo 138, do Código Penal) ou ameaça (artigo 147, do Código Penal), cuja imunidade profissional não abarca. O dolo específico faz parte da tipicidade, nunca é demais lembrar, motivo pelo qual a justa causa para a instauração de investigação voltada a apurar crime de abuso de autoridade deve ser exigida previamente de maneira rígida, sob pena de se legitimar tentativas criminosas de constrangimentos a autoridades.” (PINHEIRO, Igor Pereira Pinheiro. Nova Lei do Abuso de Autoridade Comentada: Leme/SP, JH Mizuno, 2020, p.52).
Conforme previsão expressa na nova lei, todos os tipos penais nela previstos são de ação penal pública incondicionada, sendo plenamente possível a ação penal pública subsidiária, intentada por qualquer cidadão, em todos os crimes eleitorais (art. 5º LIX da CF/88 e art. 3º, §1º da Lei 13.869/2019). assim, carece de reforma antigo entendimento do STF no sentido de exigir vítima determinada para seu cabimento, sendo necessário evoluir o entendimento para permitir maior participação popular no combate a corrupção
TSE: “2. Na medida em que a própria Carta Magna não estabeleceu nenhuma restrição quanto à aplicação da ação penal privada subsidiaria, nos processos relativos aos delitos previstos na legislação especial, deve ser ela admitida nas ações em que se apuram crimes eleitorais. 3. A queixa-crime em ação penal privada subsidiaria somente pode ser aceita caso o representante do Ministério Público não tenha oferecido denúncia, requerido diligências ou solicitado o arquivamento de inquérito policial, no prazo legal.” (TSE, RECURSO ESPECIAL ELEITORAL no 21295, Acórdão no 21295 de 14/08/2003, Relator(a) Min. FERNANDO NEVES DA SILVA, Publicação: DJ - Diário de Justiça, Volume 1, Data 17/10/2003, Página 131 RJTSE - Revista de Jurisprudência do TSE, Volume 14, Tomo 4, Página 227).
O art. 39 da nova Lei de abuso de autoridade, traz previsão expressa de aplicação ao processo e ao julgamento dos delitos nela previstos, no que couber, das disposições do Código de Processo Penal e da Lei no 9.099/95: “Aplicam-se ao processo e ao julgamento dos delitos previstos nesta Lei, no que couber, as disposições do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal), e da Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995”.
Por tratarem-se de crimes funcionais, o rito a ser seguido é o do art. 513 e seguintes do CPP, com defesa preliminar e observada a Súmula 330 do STJ: “É desnecessária a resposta preliminar de que trata o artigo 514 do Código de Processo Penal, na ação penal instruída por inquérito policial”.
Já a competência, via de regra, é a do lugar da consumação (art. 70 do CPP): “A competência será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração, ou, no caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução”.
A qualidade da vítima, via de regra, não delimita a competência, mas deve ser lembrado o teor das Súmulas n° 140 e 147, do Superior Tribuna de Justiça (STJ):
Súmula nº 140, do STJ: Compete à Justiça Comum Estadual processar e julgar crime em que o indígena figure como autor ou vítima.”
Súmula nº 147, do STJ: compete à Justiça Federal processar e julgar os crimes praticados contra funcionário público federal, quando relacionados com o exercício da função.
Os efeitos da condenação pelo crime de abuso de autoridade estão listados no art. 4º e parágrafo único da nova lei (lei 13.869/2019):
Art. 4º. São efeitos da condenação:
I - tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime, devendo o juiz, a requerimento do ofendido, fixar na sentença o valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos por ele sofridos;
II - a inabilitação para o exercício de cargo, mandato ou função pública, pelo período de 1 (um) a 5 (cinco) anos;
III - a perda do cargo, do mandato ou da função pública.
Parágrafo único. Os efeitos previstos nos incisos II e III do caput deste artigo são condicionados à ocorrência de reincidência em crime de abuso de autoridade e não são automáticos, devendo ser declarados motivadamente na sentença.
Na seara eleitoral, temos como exemplos de aplicação da lei de abuso de autoridade, os art. 236 e 298 do Código Eleitoral, os quais são considerados pela doutrina majoritária como não recepcionados, por infringência ao art. 14, §9º da CF/88, veiculando um privilégio inaceitável, vulnerando a lisura e legitimidade do processo eleitoral.
LEI 13.869/2019
Art. 9º. Decretar medida de privação da liberdade em manifesta desconformidade com as hipóteses legais:
Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
Código Eleitoral:
art. 298. Prender ou deter eleitor, membro de mesa receptora, fiscal, delegado de partido ou candidato, com violação do disposto no Art. 236:
Pena - Reclusão até quatro anos.
art. 236. Nenhuma autoridade poderá, desde 5 (cinco) dias antes e até 48 (quarenta e oito) horas depois do encerramento da eleição, prender ou deter qualquer eleitor, salvo em flagrante delito ou em virtude de sentença criminal condenatória por crime inafiançável, ou, ainda, por desrespeito a salvo-conduto.
§1º. Os membros das mesas receptoras e os fiscais de partido, durante o exercício de suas funções, não poderão ser detidos ou presos, salvo o caso de flagrante delito; da mesma garantia gozarão os candidatos desde 15 (quinze) dias antes da eleição.
O professor Igor Pinheiro (2020, p.) bem resume o que se entende por esse manifesta desconformidade ou ilegalidade:
(…) “Tal como ocorre no artigo 9°, a expressão “meio manifestamente ilícito”, por ser extremamente genérica não permite que se conheça a priori quais condutas exatamente se quer proibir. Então, mais uma vez, a única salvação para a não declaração de inconstitucionalidade dessa modalidade criminosa é apontar o descumprimento literal de disposição legal, de súmula vinculante ou de teses fixadas em repercussão geral ou em recursos repetitivos como as únicas situações que permitem o correto enquadramento legal desse crime de abuso de autoridade, se comprovado o dolo específico, já que o descumprimento objetivo (desinteressado) desses parâmetros pode ser um erro/atecnia no julgamento, passível de ser corrigido pela via recursal própria.”
(...)
Entendemos que só pode ser considerado “meio manifestamente ilícito” para fins do art. 25 aquele que constitui crime autônomo, a exemplo de tortura ou sequestro. Fora de tais casos aberrantes, o tipo penal não permite que se enquadrem outras ilicitudes como manifestas, por absoluta falta de parâmetros para tanto.” (NUNES CAVALCANTE, André Clark; PINHEIRO, Igor Pereira Pinheiro. Nova Lei do Abuso de Autoridade Comentada: Leme/SP, JH Mizuno, 2020).
O art. 27 da nova Lei de abuso de autoridade, dispõe que instaurar ou requisitar instauração de procedimento investigatório sem qualquer indício da prática de infração penal ou administrativa, pode acarretar em crime de abuso de autoridade:
Lei 13.869/2019
Art. 27. Requisitar instauração ou instaurar procedimento investigatório de infração penal ou administrativa, em desfavor de alguém, à falta de qualquer indício da prática de crime, de ilícito funcional ou de infração administrativa:
Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.
Parágrafo único. Não há crime quando se tratar de sindicância ou investigação preliminar sumária, devidamente justificada.
A lei 13.964, de 2019, incorporou ao Código de Processo Penal a previsão da realização da audiência de custódia.
Antes da haver previsão legal, a audiência de custódia tinha fundamento na medida cautelar na ADPF 347, julgada pelo Plenário do STF, sob relatoria do ministro Marco Aurélio, julgada à luz da Convenção Americana de Direitos Humanos e disciplinada pela Resolução 213/2015 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ):
(…) “AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA – OBSERVÂNCIA OBRIGATÓRIA. Estão obrigados juízes e tribunais, observados os artigos 9.3 do Pacto dos Direitos Civis e Políticos e 7.5 da Convenção Interamericana de Direitos Humanos, a realizarem, em até noventa dias, audiências de custódia, viabilizando o comparecimento do preso perante a autoridade judiciária no prazo máximo de 24 horas, contadas do momento da prisão.”
A lei n.º 13.964/2019 (pacote anticrime) conferiu nova redação ao artigo 287 do CPP, inserindo a previsão da realização da audiência de custódia:
Art. 287. Se a infração for inafiançável, a falta de exibição do mandado não obstará a prisão, e o preso, em tal caso, será imediatamente apresentado ao juiz que tiver expedido o mandado, para a realização de audiência de custódia.
Também sofreu alteração o artigo 310, do Código de Processo de Penal, nos termos abaixo apresentados:
Art. 310. Após receber o auto de prisão em flagrante, no prazo máximo de até 24 (vinte e quatro) horas após a realização da prisão, o juiz deverá promover audiência de custódia com a presença do acusado, seu advogado constituído ou membro da Defensoria Pública e o membro do Ministério Público, e, nessa audiência, o juiz deverá, fundamentadamente.
7.5 Crimes de ação penal pública incondicionada
Todos os crimes eleitorais são de ação penal pública incondicionada, conforme art. 355 do Código Eleitoral. No entanto, deve ser admitida a ação penal subsidiária da pública, conforme art. 5º, LIX da CF/88.
Código eleitoral
Art. 355. As infrações penais definidas neste Código são de ação pública.
CF/88
LIX – será admitida ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for intentada no prazo legal.
7.6 Obrigatoriedade da ação penal pública
O Código Eleitoral trouxe um intrincado sistema para fazer valer o princípio da obrigatoriedade da promoção da ação penal, chegando a criminalizar a conduta do Promotor desidioso (art. §3º do art. 357 e art. 342) e do juiz leniente (art. 343). Estes dispositivos, porém, foram revogados pela Lei Complementar 75/93 (art. 62, IV), que trata do Ministério Público da União.
Interessante frisar que não se aplica ao ambiente do processo penal eleitoral o conhecido artigo 28 do Código de Processo Penal. Assim, a 2º Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal é que deverá ser acionada caso o órgão do Judiciário Eleitoral discorde do arquivamento de inquérito policial ou peças de informação.
8 INVESTIGAÇÕES CRIMINAIS ELEITORAIS
Nas investigações criminais eleitorais, em especial no inquérito policial, aplicam-se as regras gerais do Código Penal e do Código de Processo Penal, desde que não exista norma própria no Código Eleitoral.
O processo penal eleitoral prevê uma série de normas específicas, destacando-se algumas poucas disposições do Código Eleitoral e a Res. TSE nº 23.396/2013, que dispõe sobre a apuração de crimes eleitorais, a qual prevê em seu art. 13, a aplicação de regras gerais do Código Penal e do Código de Processo Penal, a seguir:
Art.13. A ação penal eleitoral observará os procedimentos previstos no Código Eleitoral, com a aplicação obrigatória dos artigos 395, 396, 396-A, 397 e 400 do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei nº 11.971, de 2008. Após esta fase, aplicar-se-ão os artigos 359 e seguintes do Código Eleitoral.
Vários são os instrumentos oficiais de investigação possíveis de ser utilizados pelo Estado para apurar um fato criminoso eleitoral, destacando-se: a) o inquérito policial eleitoral; b) procedimento investigatório criminal eleitoral pelo Ministério Público; c) investigações extraordinárias, tais como relatórios de inteligência, comissões parlamentares de inquérito (CPI) e inspeções/auditorias dos órgãos de controle e fiscalização); d) investigações não oficiais realizadas por particulares.
O inquérito policial tem natureza de procedimento administrativo, preparatório e inquisitorial, no qual são mitigadas as garantias do contraditório ou ampla defesa, não sendo requisito para sua validade a participação da defesa técnica, especialmente quanto o acusado, após ser informado do direito ao silêncio e do direito a um advogado, expressamente deles declinar (art. 6º, VI do Código de Processo Penal e art. 5.º, LXIII da CF/88). Ressalte-se que, eventuais vícios ocorridos durante o inquérito não têm o condão de macular o processo dele decorrente.
Os prazos para conclusão do inquérito policial, apesar de disciplinados na Resolução TSE n.º 23.396, segue a mesma regra do art. 10 do CPP, devendo terminar no prazo de 10 dias, se o indiciado tiver sido preso em flagrante, ou estiver preso preventivamente ou no prazo de 30 dias, quando estiver solto, mediante fiança ou sem ela.
Já o prazo para denúncia, segue diversa da do CPP, devendo ser oferecida em 10 dias não importando se o indiciado está preso ou solto:
Código eleitoral
Art. 357. Verificada a infração penal, o Ministério Público oferecerá a denúncia dentro do prazo de 10 (dez) dias.
CPP
Art. 46. O prazo para oferecimento da denúncia, estando o réu preso, será de 5 dias, contado da data em que o órgão do Ministério Público receber os autos do inquérito policial, e de 15 dias, se o réu estiver solto ou afiançado. No último caso, se houver devolução do inquérito à autoridade policial (art.16), contar-se-á o prazo da data em que o órgão do Ministério Público receber novamente os autos.
Dentre as várias características do inquérito policial, destaca-se o dever de sigilo das investigações, previsto no art. 20 do CPP, o qual tem por finalidade coletar, de forma segura, o maior número de elementos de informação sem prévio aviso do investigado ou seu defensor, que pode, no caso de divulgação prematura de uma determinada ação investigatória, atuar para apagar vestígios, combinar versões, evadir-se do distrito da culpa, coagir testemunhas, ou cessar a atividade criminosa temporariamente.
A divulgação prematura das investigações, salvo por questões de estratégia processual ou quando o interesse publico assim o exigir, pode prejudicar a sua efetividade e macular de forma irreparável a honra de suspeitos que, muitas das vezes não possuem nenhuma relação com o fato criminoso, não sendo sequer são denunciados e, quando são, veem a ser absolvidos ao final: “CPP - Art. 20. A autoridade assegurará no inquérito o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade”.
O professor Igor Pinheiro (2020, p.36/361) alerta que, muitas vezes, a divulgação antecipada das investigações podem ter objetivos alheios à persecução criminal.
(…) “O que não se tolera é que se faça do inquérito palco midiático ou de acertos privilegiados com emissoras de televisão, rádio e blogueiros tão-somente para divulgação da investigação ou a promoção pessoal de autoridades, que, não raro usam tal expediente como palco pré-eleitoral e, portanto, sem qualquer finalidade pública que justifique comportamentos desse jaez”. (PINHEIRO, Igor Pereira. Crimes Eleitorais e Conexos. Leme/ SP: JH Mizuno: 2ª edição, 2020, p.360/361)
A revelação ilegal de fato que deva permanecer em sigilo ou a atribuição de culpa ao investigado que é objeto das investigações antes de formalizada a acusação, podem caracterizar crime.
Código Penal
Art. 325. Revelar fato de que tem ciência em razão do cargo e que deva permanecer em segredo, ou facilitar-lhe a revelação:
Pena - detenção, de seis meses a dois anos, ou multa, se o fato não constitui crime mais grave.
Lei 13869/2019 (abuso de autoridade)
Art. 38. Antecipar o responsável pelas investigações, por meio de comunicação, inclusive rede social, atribuição de culpa, antes de concluídas as apurações e formalizada a acusação:
Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.
O sigilo das investigações não pode ser oposto ao Juiz e ao membro do Ministério Público. Já o acesso do investigado e seu defensor, assim como qualquer outro direito, não ostenta caráter absoluto, não se aplicando para diligências em curso cujo sigilo seja necessário para o seu êxito. Portanto, o Delegado de polícia, em regra, não pode negar o acesso aos autos da investigação, salvo quanto a procedimentos ainda não documentadas e juntadas aos autos, conforme hipótese disciplinada na Súmula Vinculante n° 14, “in vervis”:
Súmula Vinculante n° 14: É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa.
A Nova Lei do Abuso de Autoridade trouxe previsão de crime relacionado com a obstrução dolosa do direito de defesa no inquérito policial, a saber:
Lei 13869/2019
Art. 32. Negar ao interessado, seu defensor ou advogado acesso aos autos de investigação preliminar, ao termo circunstanciado, ao inquérito ou a qualquer outro procedimento investigatório de infração penal, civil ou administrativa, assim como impedir a obtenção de cópias, ressalvado o acesso a peças relativas a diligências em curso, ou que indiquem a realização de diligências futuras, cujo sigilo seja imprescindível:
Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.
8.2 Inquérito policial de ofício
Outra norma curiosa e específica do procedimento investigatório penal eleitoral é a que impede a instauração de inquérito de ofício pela autoridade policial, salvo em caso de flagrante delito. A previsão está contida no art. 8º da Resolução TSE 23.396/13, in verbis: “O inquérito policial eleitoral somente será instaurado mediante requisição do Ministério Público Eleitoral ou determinação da Justiça Eleitoral, salvo a hipótese de prisão em flagrante”. (Redação dada pela Resolução nº 23.424/2014)
O Supremo Tribunal Federal, em cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5104, promovida pela Procuradoria-Geral da República, derrubou equivocado entendimento do Tribunal Superior Eleitoral, com base na redação originária do art. 8º da Resolução TSE 23.396/13, de que nem mesmo o Ministério Público Eleitoral poderia requisitar inquérito policial, mas só o juiz eleitoral. Assim, reconheceu o STF, o poder de requisição ministerial tem assento na Constituição Federal:
CF/88
Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:
(...)
VIII – requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais.
Código Eleitoral
Art. 356. Todo cidadão que tiver conhecimento de infração penal deste código deverá comunicá-la ao juiz eleitoral da zona onde a mesma se verificou.
§1º Quando a comunicação for verbal, mandará a autoridade judicial reduzi-la a termo, assinado pelo apresentante e por duas testemunhas, e a remeterá ao órgão do Ministério Público local, que procederá na forma deste código.
§2º Se o Ministério Público julgar necessários maiores esclarecimentos e documentos complementares ou outros elementos de convicção, deverá requisitá-los diretamente de quaisquer autoridades ou funcionários que possam fornecê-los.
O pedido da ADI 5.104 tentava compatibilizar o código eleitoral com a regra geral o código de processo penal, a fim de permitir a autoridade policial pudesse instaurar inquéritos policiais, não apenas para casos de prisão em flagrante. Também pretendia fazer valer o princípio acusatório, negando ao juízo eleitoral a possibilidade de requisição de inquérito de ofício. A ação ainda não foi definitivamente julgada. Assim, por enquanto, as disposições Resolução TSE 23.396/13 permanecem vigentes, não podendo o delegado instaurar inquérito de ofício fora do flagrante, podendo o juiz requisitar sua instauração.
O professor Igor Pinheiro (2020, p.361), alerta para a inconstitucionalidade do art. 8º da Resolução TSE 23.396/13, “in verbis”:
(...) “esse dispositivo – ainda que com nova redação - é manifestamente inconstitucional, pois, além de legislar sobre direito processual penal (competência legislativa privativa da União – vide artigo 22, da Constituição Federal de 1988), impede uma livre e independente atuação do órgão investigativo por excelência, violando o sistema acusatório escolhido pela Constituição Federal de 1988 e ratificado mais recentemente pela Lei Anticrime, sem prejuízo da inconvencionalidade por violação ao princípio da tutela mínima anticorrupção (artigo 65, n°2, da Convenção de Mérida).” (PINHEIRO, Igor Pereira. Crimes Eleitorais e Conexos. Leme/ SP: JH Mizuno: 2ª edição, 2020, p.361).
Felizmente, o próprio Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em sua composição mais atual, vem rechaçando essa norma e mantendo a validade dos inquéritos que são instaurados de ofício, haja vista que nestes não se pratica nenhum ato de caráter decisório ou protegido pela cláusula da reserva de jurisdição, inexistindo nulidade. “in verbis”:
(…) Em 19.9.2018, por ensejo do julgamento do REspe nº 129-35.2015, Rel. Min. Luís Roberto Barroso (DJe 26.11.2018), este Tribunal Superior adotou a compreensão de que: (i) a instauração do inquérito policial sem a supervisão do tribunal regional, em razão da prerrogativa de foro do investigado, não acarreta, por si só, nulidade; (ii) vícios do procedimento investigatório não infirmam o subsequente processo criminal, no qual se desenvolve atividade instrutória própria; e (III) é inconstitucional a exigência de prévia autorização judicial para a instauração de investigação criminal. Inexistência de jurisprudência consolidada que recomende seja adotado o entendimento apenas para o futuro7. À luz do citado HC nº 0600008-60/SE, diverge-se da afirmação da existência de jurisprudência pacificada deste Tribunal Superior que recomende seja adotado o entendimento apenas para o futuro. Conclusão Agravo regimental provido para restabelecer o acórdão regional que recebeu a denúncia.” (Recurso Especial Eleitoral nº 13388, Acórdão, Relator(a) Min. Tarcisio Vieira De Carvalho Neto, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Data 17/05/2019).
O Código de Processo Penal prevê a regra geral do sistema no seu o artigo 5°, §3, dispondo que “qualquer pessoa do povo que tiver conhecimento da existência de infração penal em que caiba ação pública poderá, verbalmente ou por escrito, comunicá-la à autoridade policial (polícia judiciária), e esta, verificada a procedência das informações, mandará instaurar inquérito”, de ofício, em cumprimento de seu dever constitucional, sem necessidade de requerimento ou provocação de qualquer órgão externo.
(…) “Por constituírem limitações ao poder de investigação conferido pela Constituição Federal à Polícia Judiciária e ao Ministério Público, as hipóteses em que a atividade investigatória é condicionada à prévia autorização judicial exigem previsão legal expressa” - REsp n. 1.697.146/MA, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 9/10/2018, DJe 17/10/2018. No mesmo diapasão: RHC n. 93.723/PE, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 7/8/2018, DJe 15/8/2018 e RHC n. 73.829/CE, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 23/05/2017, DJe 31/05/2017. (RHC 79.910/MA, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 26/03/2019, DJe 22/04/2019).
8.3 Competência para instaurar o inquérito
A ordem política, a democracia, a igualdade e legitimidade do sufrágio e a lisura do processo eleitoral, são bens jurídicos que interessam a união. Assim, a competência para apurar infrações penais eleitorais é da Polícia Federal como polícia judiciária eleitoral (art. 109, IV e art. 114, §1º, I, ambos da CF/88).
CF/88
art. 114 (...)
§ 1º A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se a:" (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
I - apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei;
A colaboração da polícia civil estadual é imprescindível naquelas localidades em que não haja sede da polícia federal, a qual, até o presente momento, somente tem repartições nas capitais e algumas grandes cidades.
A normatização desta colaboração da polícia civil estadual é dada pela Resolução TSE n.º 23.396/2013:
Art.1º O Departamento de Polícia Federal ficará à disposição da Justiça Eleitoral sempre que houver eleições, gerais ou parciais, em qualquer parte do Território Nacional (Decreto-Lei nº 1.064/68).
Art. 2° A Polícia Federal exercerá, com prioridade sobre suas atribuições regulares, a função de polícia judiciária em matéria eleitoral, limitada às instruções e requisições dos Tribunais e Juízes Eleitorais.
Parágrafo único. Quando no local da infração não existem órgãos da Polícia Federal, a Polícia do respectivo Estado terá atuação supletiva.
Assim, onde não houver sede da polícia federal, a polícia civil terá atuação supletiva plena, de modo que poderá instaurar inquérito policial, requerer diligências investigativas (buscas e apreensões, prisões, interceptações telefônicas etc), indiciar suspeitos e concluir a investigação por conta própria sem qualquer necessidade de manifestação ou supervisão da Polícia Federal.
TSE: INQUÉRITO - CRIME ELEITORAL. Não havendo, no domicílio do réu, unidade da Polícia Federal, o inquérito corre na Polícia Civil. (Recurso em Habeas Corpus nº 19088, Acórdão, Relator(a) Min. Marco Aurélio Mendes De Farias Mello, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 207, Data 28/10/2011, Página 77).
Observe-se que a atuação supletiva da Polícia civil, ao instaurar um inquérito policial visando a elucidar a prática de um crime eleitoral, não impede a atuação da polícia federal no mesmo sentido, podendo esta, inclusive, solicitar (observado o artigo 2°, §4° da Lei n° 12.830/13) a redistribuição do procedimento investigatório para uma de suas unidades, uma vez que o Delegado de Polícia Civil está atuando mediante delegação federal.
A Lei n° 12.830/13 dispõe sobre a investigação criminal conduzida pelo delegado de polícia, estabelecendo em seu artigo 2°, §4°, garantias investigatórias aos titulares nos limites de sua circunscrição, conferindo maior autonomia das autoridades policiais na condução de investigações, evitando, assim, redistribuições casuísticas, que configuram ato de improbidade administrativa e, a depender dos motivos concretos da mudança, crime contra a Administração Pública. in verbis:
Art. 2º. (...)
§4º. O inquérito policial ou outro procedimento previsto em lei em curso somente poderá ser avocado ou redistribuído por superior hierárquico, mediante despacho fundamentado, por motivo de interesse público ou nas hipóteses de inobservância dos procedimentos previstos em regulamento da corporação que prejudique a eficácia da investigação.
As redistribuições viciadas acarretam a nulidade de todas as provas colhidas, pois não há como se pretender legitimar algo praticado em contexto de inegável ilegalidade.
De forma diversa, não haverá nulidade no caso em que o inquérito foi conduzido por erro ou ignorância da autoridade policial sem atribuição para o caso, prestigiando-se a boa-fé e a finalidade pública.
Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) possui precedente relevante:
(…) “3. Neste caso, muito embora alegue que a presidência das investigações foi feita por pessoa sem atribuição para tanto, a defesa não demonstra de que modo esse fato teria trazido prejuízo ao ora paciente, o que impede o reconhecimento da nulidade, a teor do princípio pas de nullité sans grief (art. 563 do Código de Processo Penal).” (HC 527.927/AM, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 26/11/2019, DJe 05/12/2019).
8.4 Investigação pelo Ministério Público
Apesar de a CF/88 não afirmar, expressamente, que o MP tem poder para investigar crimes, o STF, adotando a teoria dos poderes implícitos, reconhece que o MP pode promover, por autoridade própria, investigações de natureza penal, assentando a tese no julgamento do RE 593.727/MG, com repercussão geral reconhecida, o Plenário desta Corte.
Portanto, o Ministério Público dispõe de competência para promover, por autoridade própria, e por prazo razoável, investigações de natureza penal, desde que respeitados os direitos e garantias que assistem a qualquer indiciado ou a qualquer pessoa sob investigação do Estado, observadas, sempre, por seus agentes, as hipóteses de reserva constitucional de jurisdição e, também, as prerrogativas profissionais dos Advogados, sem prejuízo da possibilidade do permanente controle jurisdicional dos atos praticados.
Outro ponto já pacificado pelos tribunais superiores é no sentido de que, a participação de membro do Ministério Público na fase investigatória não acarreta, por si só, seu impedimento ou sua suspeição para o oferecimento da denúncia (CF/1988, art. 129, I e VI), mormente por ser ele o “dominus litis” e sua atuação estar voltada exatamente à formação de sua convicção: “Súmula 234 do STJ. A participação de membro do Ministério Público na fase investigatória criminal não acarreta o seu impedimento ou suspeição para o oferecimento da denúncia”.
A Resolução nº 181 do CNMP prevê a possibilidade de investigações realizadas pelo Ministério Público, na esteira de decisão permissiva do Supremo Tribunal Federal, a qual, deve ser aplicada ao Ministério Público Eleitoral.
8.5 Denúncia anônima, busca e apreensão e prisão em flagrante
A denúncia anônima é instrumento legítimo para servir de ponto de partida para as diligências policiais no sentido de averiguar a veracidade dos fatos e, caso estes sejam corroboradas por outros elementos de provas, será legítimo o início da investigação e do processo porventura iniciado.
Esta interpretação está em consonância com o art. 5º, §3º do Código de Processo Penal e com o art. 5º, IV da CF/88 que têm como objetivo evitar eventuais abusos por parte dos órgãos do Estado.
O que não parece tolerável, e esta é também a orientação jurisprudencial consolidada, é instaurar inquérito diretamente a partir da denúncia anônima, sem a realização das devidas investigações preliminares.
Instaurar procedimento investigatório com base em denúncia anônima não é crime de abuso de autoridade por si só, embora seja ato ilegal:
(…) “As autoridades públicas não podem iniciar qualquer medida de persecução administrativo-disciplinar (ou mesmo de natureza penal) cujo único suporte informativo apoie-se em peças apócrifas ou em escritos anônimos. É por essa razão que escritos anônimos não autorizam, desde que isoladamente considerados, a imediata instauração de ”persecutio criminis” ou de procedimentos de caráter administrativo-disciplinar. – Nada impede, contudo, que o Poder Público, provocado por delação anônima, adote medidas informais destinadas a apurar, previamente, em averiguação sumária, “com prudência e discrição”, a possível ocorrência de eventual situação de ilicitude disciplinar e/ou penal, desde que o faça com o objetivo de conferir a verossimilhança dos fatos nela denunciados, (...). Reveste-se de legitimidade jurídica a recusa do órgão estatal em não receber peças apócrifas para efeito de instauração de procedimento de índole de caráter penal, quando ausentes as condições mínimas de sua admissibilidade.” (RE 1193343 AgR, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 29/11/2019, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-275 DIVULG 11-12-2019 PUBLIC 12-12-2019)
Outro ponto interessante trata da possibilidade da instauração de procedimentos investigatórios criminais com base em notícias da imprensa ou elementos de redes sociais:
“(...) É possível que a investigação criminal seja perscrutada pautando-se pelas atividades diuturnas da autoridade policial, verbi gratia, o conhecimento da prática de determinada conduta delitiva a partir de veículo midiático, no caso, a imprensa. É o que se convencionou a denominar, em doutrina, de notitia criminis de cognição imediata (ou espontânea), terminologia obtida a partir da exegese do art. 5º, inciso I, do CPP, do qual se extrai que “nos crimes de ação pública o inquérito policial será iniciado de ofício”. In casu, uma reportagem jornalística pode ter o condão de provocar a autoridade encarregada da investigação, a qual, no desempenho das funções inerentes a seu cargo, tendo notícia de crime de ação penal pública incondicionada, deve agir inclusive ex officio.” (STJ, RHC 98.056/CE, Rel. Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 04/06/2019, DJe 21/06/2019).
Quanto a busca e apreensão domiciliar, temos que a Constituição dispensa o mandado judicial para ingresso forçado em residência em caso de flagrante delito de crime permanente, já que a situação de flagrância se protrai no tempo.
CF/88
Art. 5º (...)
XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial;
2. Inviolabilidade de domicílio – art. 5º, XI, da CF. Busca e apreensão domiciliar sem mandado judicial em caso de crime permanente. Possibilidade. (...) 4. Controle judicial a posteriori. Necessidade de preservação da inviolabilidade domiciliar. Muito embora o flagrante delito legitime o ingresso forçado em casa sem determinação judicial, a medida deve ser controlada judicialmente. A inexistência de controle judicial, ainda que posterior à execução da medida, esvaziaria o núcleo fundamental da garantia contra a inviolabilidade da casa (art. 5, XI, da CF) e deixaria de proteger contra ingerências arbitrárias no domicílio (Pacto de São José da Costa Rica, artigo 11, 2, e Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, artigo 17, 1).
Já quanto a prisão ao flagrante delito temos que, não será a constatação de situação de flagrância, posterior ao ingresso, que justificará a medida. Para o Supremo, os agentes estatais devem demonstrar que havia elementos mínimos prévios à entada forçada aptos a caracterizar a justa causa, sob pena de caracterizar ação arbitrária e ilegal
(…) Fixada a interpretação de que a entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori, que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade dos atos praticados. 7. Caso concreto. Existência de fundadas razões para suspeitar de flagrante de tráfico de drogas. Negativa de provimento ao recurso. (STF, RE 603616, Relator(a): GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 05/11/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-093 DIVULG 09-05-2016 PUBLIC 10-05-2016).
8.6 Instauração de “inquéritos guarda-chuvas” ou “fishing expedition”
Infelizmente, figura comum no âmbito das investigações criminais são chamados inquéritos guarda-chuvas ou “fishing expedition”. Estes nada mais são que Inquéritos que não tem por objeto a apuração de fato certo e determinado. Nestes atos, a autoridade policial lança mão do procedimento investigatório, esperando, por sorte, descobrir elementos de prova ou direcionando as diligências contra alguém ou um grupo específico, mesmo sem possuir qualquer indício. Tal conduta é passível de caracterizar o crime do art. 27 da lei de abuso de autoridade, caso demonstrada a elementar da satisfação pessoal exigida pelo artigo 1° do mesmo diploma legal: “Art. 27. Requisitar instauração ou instaurar procedimento investigatório de infração penal ou administrativa, em desfavor de alguém, à falta de qualquer indício da prática de crime, de ilícito funcional ou de infração administrativa”.
Nas palavras de Ghizoni Silva, Melo e Silva e Morais da Rosa, define-se pesca probatória ou “fishing expedition:
(…) “como a apropriação de meios legais para, sem objetivo traçado, pescar qualquer espécie de evidência, tendo ou não relação com o caso concreto. Trata-se de uma investigação especulativa indiscriminada, sem objetivo certo ou declarado, que, de forma ampla e genérica, lança suas redes com a esperança de pescar qualquer prova, para subsidiar uma futura acusação ou para tentar justificar uma ação já iniciada.” (ARAUJO, Fábio Roque e COSTA, Klaus Negri. Processo Penal Didático. São Paulo: JusPodivm, 2 ed., 2020, p.175).
Para o professor Igor Pinheiro (2020, p.362) “não se aplica aqui a consagrada tese jurisprudencial de que as irregularidades cometidas no bojo de um inquérito não contaminam a ação penal, pois estamos diante de um vício de origem que macula a própria finalidade do ato administrativo, cuja consequência é a sua nulidade ex tunc (vide artigo 2°, da Lei n°4.717/65), salvo se houver outros elementos de prova coletados, que sejam independentes. Até porque não se trata de irregularidade, mas de crime”. (PINHEIRO, Igor Pereira. Crimes Eleitorais e Conexos, 2020, p.362).
8.7 Trancamento de inquérito por excesso de prazo e crime de abuso de autoridade
A EC 45/2004 introduziu norma que assegura a razoável duração do processo judicial e administrativo (art. 5º. LXXVIII). Conforme a doutrina, esta norma deve ser projetada também para o momento da investigação.
O artigo 9º, da Resolução nº 23.396/13 determina que se cumpram os prazos de conclusão previstos do art. 10 Código de Processo Penal: “Se o indiciado tiver sido preso em flagrante ou preventivamente, o inquérito policial eleitoral será concluído em até 10 dias, contado o prazo a partir do dia em que se executar a ordem de prisão”.
Para o professor Igor Pinheiro (2020, p.363) “ocorre que, na prática, o que se verifica é uma quase eternização das investigações, muitas delas sem qualquer perspectiva de êxito. Assim, é preciso que as autoridades responsáveis tenham a coragem necessária para arquivar os procedimentos sem perspectiva de bom termo ou se eles não estiverem com diligências para serem cumpridas, não valendo para tanto os reiterados pedidos de prorrogação de prazo sucessivos em que não se verifica qualquer atividade investigativa concreta. (PINHEIRO, Igor Pereira. Crimes Eleitorais e Conexos, 2020, p.363).
Não se pode esquecer que a existência de um inquérito policial contra uma pessoa pode gerar grave prejuízo à sua imagem se nada tiver sido apurado e ela queira concorrer em uma eleição. Nesse sentido, o STJ já decidiu:
(…) “É assente nesta Corte Superior que o inquérito policial tem prazo impróprio, por isso o elastério do lapso para a sua conclusão pode ser justificado pelas circunstâncias de o investigado gozar de liberdade e pela complexidade do levantamento dos dados necessários para lastrear a denúncia. Atribui-se ao Estado a responsabilidade pela garantia da razoável duração do processo e pelos mecanismos que promovam a celeridade de sua tramitação, quer no âmbito judicial, quer no administrativo. Em razão disso, não é possível aceitar que o procedimento investigatório dure além do razoável, notadamente quando as suas diligências não resultem em obtenção de elementos capazes de justificar sua continuidade em detrimento dos direitos da personalidade, contrastados com o abalo moral, econômico e financeiro que o inquérito policial causa aos investigados.” (STJ, RHC 58.138/PE, DJe 04/02/2016).
Havendo o flagrante excesso de prazo para conclusão das investigações, é cabível a impetração de habeas corpus visando que esta seja concluída em prazo razoável e, não o sendo, que ocorra o seu trancamento/arquivamento.
Esse é o entendimento do Tribunal Superior Eleitoral (TSE):
(…) “O limite da razoável duração do inquérito policial é o período de tempo necessário à obtenção dos elementos que formarão a convicção do titular do monopólio da ação penal pública acerca de sua viabilidade. Em outras palavras, a duração do inquérito será razoável e justificada enquanto houver diligências a serem realizadas pela autoridade policial que sirvam ao propósito de oferecer fundamentos à formação da opinio delicti do Ministério Público.2. (...) passados mais de três anos da instauração do inquérito sem que o Ministério Público tenha concluído pela viabilidade ou não da ação penal, impõe-se a fixação de prazo para sua conclusão em atenção ao princípio da razoável duração do processo de investigação, a fim de que o paciente não seja submetido a um procedimento eterno. 3. Recurso em habeas corpus a que se dá parcial provimento para conceder prazo de um ano para a conclusão do inquérito policial. (Recurso em Habeas Corpus nº 6453, Acórdão de 03/09/2014, Relator(a) Min. LUCIANA CHRISTINA GUIMARÃES LÓSSIO, DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 183, Data 30/09/2014).
A nova lei de abuso de autoridade tipifica a conduta de estender injustificadamente a investigação:
Art. 31. Estender injustificadamente a investigação, procrastinando-a em prejuízo do investigado ou fiscalizado:
Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.
Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem, inexistindo prazo para execução ou conclusão de procedimento, o estende de forma imotivada, procrastinando-o em prejuízo do investigado ou do fiscalizado.
9 GENERALIDADES SOBRE O FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO
O foro por prerrogativa de função incide em determinadas situações em razão de norma prevista pela Constituição, segundo a qual as pessoas ocupantes de alguns cargos ou funções, somente serão processadas e julgadas criminalmente por determinados Tribunais (TJ, TRF, STJ, STF).
As disposições sobre foro por prerrogativa de função, em regra, estão previstas na Constituição Federal (art. 102, I, “b” e “c”; art. 105, I, “a”, art. 53, § 1º e outros):
Excepcionalmente, o art. 125, caput e § 1º, da CF/88 autoriza que as Constituições Estaduais prevejam que determinadas autoridades tenham foro nos Tribunais de Justiça.
Vale ressaltar, no entanto, que a previsão da Constituição Estadual somente será válida se respeitar o princípio da simetria com a Constituição Federal. Isso significa, que a autoridade estadual que “receber” o foro por prerrogativa na Constituição Estadual deve ser equivalente a uma autoridade federal que tenha foro por prerrogativa de função na Constituição Federal.
Um exemplo comum e que respeita o princípio da simetria é a hipótese de a Constituição Estadual prever que o Vice-Governador será julgado pelo TJ. Isso porque a autoridade “equivalente” em âmbito federal (Vice-Presidente da República) possui foro por prerrogativa de função no STF (art. 102, I, “b”, da CF/88).
De forma diversa, a Constituição Estadual não pode prever foro por prerrogativa de função para os Delegados de Polícia considerando que não há previsão semelhante para os Delegados Federais na Constituição Federal (STF ADI 2587).
Durante o julgamento da ação penal 937, o Min. Luís Roberto Barroso, propôs que o plenário do STF analisasse duas questões que envolvem foro por prerrogativa de função.
A primeira questão de ordem propunha mudar a interpretação que até hoje era dada ao art. 102, I, “b” e “c”, da CF/88 e passar a entender que o foro por prerrogativa de função do STF deve se aplicar apenas a crimes cometidos durante o exercício do cargo e desde que relacionados com a função desempenhada.
Ficou assim, a tese fixada pelo STF nesta primeira questão de ordem: (…) “As normas da Constituição de 1988 que estabelecem as hipóteses de foro por prerrogativa de função devem ser interpretadas restritivamente, aplicando-se apenas aos crimes que tenham sido praticados durante o exercício do cargo e em razão dele”. (STF. Plenário. AP 937 QO/RJ, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 03/05/2018)
Assim, por exemplo, se o crime foi praticado antes de o indivíduo ser diplomado como Deputado Federal, não se justifica a competência do STF, devendo ele ser julgado pela 1ª instância mesmo ocupando o cargo de parlamentar federal.
Além disso, mesmo que o crime tenha sido cometido após a investidura no mandato, se o delito não apresentar relação direta com as funções exercidas, também não haverá foro privilegiado.
A segunda questão de ordem tinha por objetivo definir o momento processual a partir do qual, mesmo que o réu perca o foro privilegiado no STF, ainda assim ele continuará sendo julgado pelo Supremo. Ou seja, visava firmar o momento da fixação definitiva de competência do STF.
Assim, o STF estabeleceu o fim da instrução, mas precisamente com a publicação da intimação para apresentar alegações finais, como marco temporal a partir do qual a competência para processar e julgar ações penais – seja do STF ou de qualquer outro órgão jurisdicional – não será mais afetada em razão de o agente deixar o cargo que ocupava, qualquer que seja o motivo.
Tese fixada pelo STF quanto à segunda questão de ordem:
(…) “Após o final da instrução processual, com a publicação do despacho de intimação para apresentação de alegações finais, a competência para processar e julgar ações penais não será mais afetada em razão de o agente público vir a ocupar outro cargo ou deixar o cargo que ocupava, qualquer que seja o motivo”.
STF. Plenário. AP 937 QO/RJ, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 03/05/2018.
Embora a decisão do STF da AP 937 não tenha tratado de outros agentes públicos, como Governadores, Prefeitos, Deputados Estaduais e Vereadores, o STJ e os Tribunais de Justiça, em regra, devem seguir as premissas adotadas pelo STF e limitar o foro de tais agentes.
Segundo o STF, não deve ser tolerado, para fins de modificação do foro privilegiado, o ato de renúncia às vésperas do julgamento. Na visão da Suprema Corte, a competência criminal e a própria efetividade da jurisdição não podem ficar à mercê da vontade de qualquer agente, de modo que “após o final da instrução processual, com a publicação do despacho de intimação para apresentação de alegações finais, a competência para processar e julgar ações penais não será mais afetada em razão de o agente público vir a ocupar cargo ou deixar o cargo que ocupava, qualquer que seja o motivo”.
A sucessão de mandatos diferentes acarreta a perda do foro privilegiado. Assim, se o ato pelo qual o réu está sendo processado não é contemporâneo ao atual mandato, o processo e as investigações prévias devem correr no 1° grau de jurisdição, mesmo que volte a ocupar igual cargo, mas com hiato temporal antes do novo mandato
O STJ e o TSE também têm a mesma interpretação:
“Como o foro por prerrogativa de função exige contemporaneidade e pertinência temática entre os fatos em apuração e o exercício da função pública, o término de um determinado mandato acarreta, por si só, a cessação do foro por prerrogativa de função em relação ao ato praticado nesse intervalo.” (QO na APn 874/DF, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, CORTE ESPECIAL, julgado em 15/05/2019, DJe 03/06/2019).
A instauração e a tramitação de inquérito policial sem a supervisão do Tribunal Regional não acarretam, por si só, nulidade por violação à prerrogativa de foro. Na hipótese, não foram realizados atos vinculados à reserva de jurisdição. Eventuais vícios do procedimento investigatório não infirmam o subsequente processo criminal, no qual se desenvolve atividade instrutória própria. Precedentes.” (Habeas Corpus nº 060008739, Acórdão, Relator(a) Min. Luís Roberto Barroso, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 154, Data 12/08/2019).
9.1 Foro por prerrogativa de função na Justiça Eleitoral
Várias são as hipóteses de incidência do foro por prerrogativa de função na seara eleitoral. Abaixo tentaremos aclarar algumas das principais hipótese de incidência.
Competência do Tribunal de Justiça e do Tribunal Regional Federal, excepcionada pelo Tribunal Regional Eleitoral para o julgamento das infrações eleitorais praticada por Prefeito, conforme entendimento consolidado na Súmula 702 do Supremo Tribunal Federal.
Assim, caso o Prefeito pratique um crime eleitoral, será processado e julgado pelo respectivo Tribunal Regional Eleitoral e não pelo TJ, ao qual compete apenas as infrações penais comuns, salvo se o crime for federal quando a competência será do respectivo TRF.
CF/88
Art. 29. O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos:
(...)
X - julgamento do Prefeito perante o Tribunal de Justiça;
Súmula 702 do STF - A competência do Tribunal de Justiça para julgar Prefeitos restringe-se aos crimes de competência da Justiça comum estadual; nos demais casos, a competência originária caberá ao respectivo tribunal de segundo grau.
Seguindo o mesmo entendimento o STJ editou as súmulas 208 e 209, as quais pela literalidade falam em desvio de verbas públicas. No entanto, importante destacar que se trata de comando meramente exemplificativo, o qual deve ser estendido a todos os delitos envolvendo dinheiro público proveniente de recursos da União.
Os verbetes apenas elucidam que a verba incorporada deixa de ser do interesse da União, haja vista que competência da Justiça Federal se estabelece não em razão do tipo penal imputado, mas sim em virtude da utilização indevida utilização de recursos da União, o que pode ocorrer em inúmeros tipos penais. (Superior Tribunal de Justiça no HC 364334/SC, julgado em 27/09/2019. Relator: Ministro Reynaldo Soares da Fonseca)
Súmula 208 do STJ - Compete à Justiça Federal processar e julgar prefeito municipal por desvio de verba sujeita a prestação de contas perante órgão federal.
Súmula 208 do STJ - Compete à Justiça Estadual processar e julgar prefeito por desvio de verba transferida e incorporada ao patrimônio municipal.
Situação diversa da que ocorre com os Prefeitos se dá no caso dos Senadores e Deputados Federais, caso venham a cometer um crime eleitoral.
Prevalece que a competência do STF e do STJ no que toca a prerrogativa de foro é estrita, não importando se o crime praticado pelo parlamentar é federal, estadual ou eleitoral. Assim, praticando o deputado federal ou senador, crime eleitoral, será o STF, e não o TSE, competente para o processado e julgamento, desde que preenchidos os requisitos da ação penal 937, a teor do art. 53, §1º da CF88, in verbis: “§ 1º Os Deputados e Senadores, desde a expedição do diploma, serão submetidos a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal”.
Outro ponto interessantíssimo que também diverge da regra de competência aplicada aos crimes praticados por Prefeitos, é em relação ao crime eleitoral praticado por juízes e promotores.
Numa leitura atenta do art. 96, III da Carta Magna, percebe-se que aos Tribunais de Justiça compete processar e julgar juízes estaduais e membros do ministério público estadual nos crimes comuns, sejam eles federais ou estaduais. No entanto, deixa expressa a ressalva do deslocamento da competência apenas para Justiça Eleitoral, a qual será exercida pelo respectivo TRE, no caso de crime eleitoral.
CF/88
Art. 96. Compete privativamente:
(..)
III - aos Tribunais de Justiça julgar os juízes estaduais e do Distrito Federal e Territórios, bem como os membros do Ministério Público, nos crimes comuns e de responsabilidade, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral.
Tema já muito debatido e já pacificado de forma vinculante pelo STF na Súmula 45, diz respeito ao conflito entre a competência do Tribunal do Júri e competência por prerrogativa de foro.
A controvérsia reside em se definir quem seria competente para processar e julgar uma autoridade detentora de foro por prerrogativa de função, previsto na constituição federal, que praticasse, um crime doloso conta a vida, durante o exercício do mandato e em razão deste, já que ambas as competências estão expressamente previstas no texto constitucional.
CF/88. Art. 5º (...)
XXXVIII - é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados:
(…)
d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida;
O Supremo, que já havia editado a súmula 721. No entanto, pondo um fim a controvérsia, editou a súmula vinculante 45 que, interpretada a contrário senso, afirma que a competência para julgar autoridade detentora de foro por prerrogativa de função estabelecido na Constituição Federal é do STF, prevalecendo sobre a competência do Tribunal do Jurí, “in verbis”:
Súmula vinculante 45 - A competência constitucional do tribunal do júri prevalece sobre o foro por prerrogativa de função estabelecido exclusivamente pela Constituição Estadual
Súmula 721 do STF - a competência constitucional do tribunal do júri prevalece sobre o foro por prerrogativa de função estabelecido exclusivamente pela constituição estadual.
Conforme texto expresso na súmula vinculante 45, as autoridades com foro por prerrogativa de função estabelecido exclusivamente pela constituição estadual, caso pratiquem um crime doloso contra a vida, serão julgadas pelo tribunal do júri.
Um bom exemplo seria no caso de um vice-governador de Estado praticar um crime doloso conta a vida. Perceba que, conforme dispõe o art. 105, I, “a” da CF/88, compete ao STJ processar e julgar, originalmente, os Governadores de Estado nos crimes comuns. Ocorre que tal prerrogativa não é conferida ao vice-governador. Assim, mesmo no caso de a Constituição Estadual estabelecer foro para o vice-governador no respectivo TJ, tal regra só servira para os crimes comuns, pois em tal caso, incidirá a súmula vinculante 45, devendo ser submetido ao tribunal do júri na 1ª instância, já que a prerrogativa de função está estabelecida exclusivamente na constituição estadual.
Uma acessa polêmica debate sobre se o foro por prerrogativa de função do deputado estadual está ou não previsto exclusivamente na constituição estadual.
O foro por prerrogativa de função estabelecido nas constituições estaduais deve respeitar o princípio da simetria ou paralelismo com a constituição federal. Assim, a Constituição Estadual não pode prever foro por prerrogativa de função para autoridades estaduais que não encontrem igual ou semelhante correspondência na Constituição Federal.
Partindo dessa premissa, observado o paralelismo, temos que é legítimo a constituição estadual estabelecer foro no TJ para deputados estaduais, haja vista que no nível federal os deputados federais possuem foro no STF.
A dúvida reside em se devemos considerar que prerrogativa de função do deputado estadual encontra previsão exclusivamente na constituição estadual ou se também encontra respaldo na constituição federal. A importância do debate reside na aplicação ou não ao deputado estadual da súmula vinculante 45. Se entendermos que o foro está previsto exclusivamente na constituição estadual, o parlamentar estadual será julgado pelo tribunal do júri. Caso contrário, se entendermos que o foro encontra guarida também na constituição federal, o mesmo será julgado pelo respectivo TJ.
O entendimento que prevalece é no sentido de que a previsão da prerrogativa de foro do parlamentar estadual encontra, também, guarida implícita no art. 27, §1º da constituição federal, sendo extraída dos vocábulos “imunidade” e “inviolabilidade”, não se-lhes aplicando a súmula vinculante 45.
CF/88 - Art. 27º (...)
§ 1º Será de quatro anos o mandato dos Deputados Estaduais, aplicando-se-lhes as regras desta Constituição sobre sistema eleitoral, inviolabilidade, imunidades, remuneração, perda de mandato, licença, impedimentos e incorporação às Forças Armadas.
9.2 Inexiste foro por prerrogativa de função nas investigações criminais eleitorais
Diante do novo posicionamento jurisprudencial do STF, precisamos analisar alguns de seus reflexos nas investigações penais contra autoridades com foro por prerrogativa de função.
A primeira delas é no sentido de que, o Poder Judiciário só deve tomar ciência das investigações quando for necessária a prática de atos sujeitos à cláusula de reserva de jurisdição, como busca e apreensão, prisões e medidas cautelares penais, quebra de sigilos etc.
Para o Superior Tribunal de Justiça (STJ), é entendimento pacificado não admitir o reconhecimento de nulidade que não tenha acarretado prejuízo à parte.
(…) “Não se admite a forma pela forma, sendo imprescindível que se a defesa não demonstra de que modo o fato de as investigações terem sido presididas por pessoa sem atribuição para tanto, teria trazido prejuízo ao paciente, o que impede o reconhecimento da nulidade, a teor do princípio pas de nullité sans grief” (art. 563 do Código de Processo Penal). (HC 527.927/AM, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 26/11/2019, DJe 05/12/2019)
O atual entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em síntese, diz que as investigações contra autoridades com foro devem tramitar perante a autoridade policial com atribuição para o caso segundo as circunscrições próprias da polícia ou divisão interna do Ministério Público e, ressalte-se, sem qualquer necessidade de autorização judicial.
A 5ª turma do STJ em julgado publicado no dia 17/10/2018, pacifica a controvérsia e fixa várias teses a seguir transcritas na íntegra:
(…) 1. No que concerne às investigações relativas a pessoas com foro por prerrogativa de função, tem-se que, embora possuam a prerrogativa de serem processados perante o tribunal, a lei não excepciona a forma como se procederá à investigação, devendo ser aplicada, assim, a regra geral trazida no art. 5º, inciso II, do Código de Processo Penal, a qual não requer prévia autorização do Judiciário. "A prerrogativa de foro do autor do fato delituoso é critério atinente, de modo exclusivo, à determinação da competência jurisdicional originária do tribunal respectivo, quando do oferecimento da denúncia ou, eventualmente, antes dela, se se fizer necessária diligência sujeita à prévia autorização judicial" (Pet 3825 QO, Relator p/ acórdão: Min. Gilmar Mendes, Pleno, julgado em 10/10/2007). Precedentes do STF e do STJ.
2. Não há razão jurídica para condicionar a investigação de autoridade com foro por prerrogativa de função a prévia autorização judicial, sendo certo que a garantia constitucional diz respeito tão somente ao processamento e ao julgamento de eventual ação penal movida em desfavor de ocupante de cargo cujo status constitucional assegure privilégio de foro, de modo a evitar persecução criminal infundada. Por isso, não há que se falar em nulidade quando o procedimento de investigação instaurado pelo Ministério Público prossegue sem a chancela do Poder Judiciário, pois trata-se de procedimento pré-processual, não acobertado pela garantia de foro especial.
3. Em resumo:
a) O Código de Processo Penal prevê, como primeira hipótese, a instauração de inquérito policial ex officio pela Polícia Judiciária, em cumprimento de seu dever constitucional, sem necessidade de requerimento ou provocação de qualquer órgão externo;
b) O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário n. 593.727/MG, assentou a concorrência de atribuição entre o Ministério Público e a Polícia Judiciária para realizar investigações criminais;
c) Sendo assim, a mesma sistemática é válida tanto para procedimentos investigatórios ordinários quanto para investigações que envolvam autoridades com prerrogativa de função;
d) Por constituírem limitações ao poder de investigação conferido pela Constituição Federal à Polícia Judiciária e ao Ministério Público, as hipóteses em que a atividade investigatória é condicionada à prévia autorização judicial exigem previsão legal expressa – REsp n. 1.697.146/MA, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 9/10/2018, DJe 17/10/2018.
O TSE também vem compartilhando do mesmo entendimento. Vejamos:
(…) “A instauração e a tramitação de inquérito policial sem a supervisão do Tribunal Regional não acarretam, por si só, nulidade por violação à prerrogativa de foro. Na hipótese, não foram realizados atos vinculados à reserva de jurisdição. Eventuais vícios do procedimento investigatório não infirmam o subsequente processo criminal, no qual se desenvolve atividade instrutória própria. Precedentes.” (Habeas Corpus nº 060008739, Acórdão, Relator(a) Min. Luís Roberto Barroso, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 154, Data 12/08/2019).
(…) “Inexiste nulidade, pois o agravante em momento algum foi investigado ou sofreu indiciamento durante o período em que exercia o mandato de Prefeito, fazendo–se desnecessária, portanto, a supervisão do inquérito pelo TRE/MS. De todo modo, não se praticou, na fase inquisitorial, nenhum ato de caráter decisório ou que estivesse protegido pela cláusula da reserva de jurisdição, inexistindo nulidade. No caso, os atos investigatórios consistiram apenas em tomada de depoimentos e realização de perícia. Precedentes, dentre eles o AgR-REspe 74- 70/PA, redatora para acórdão Min. Rosa Weber, DJE de 17/5/2019.” (Recurso em Habeas Corpus nº 060000623, Acórdão, Relator(a) Min. Jorge Mussi, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 56, Data 23/03/2020).
Em recente decisão o STJ pacificou entendimento no sentido de que, a simples menção ao nome de autoridades com foro, em conversas captadas mediante interceptação telefônica, durante a investigação criminal eleitoral, ou mesmo durante o trâmite do processo penal eleitoral, sem que haja qualquer indício ou imputação do órgão investigatório ou acusatório quanto à autoria ou participação na infração penal, não tem o condão de firmar a competência por prerrogativa de foro (deslocando o feito para a instância superior), não havendo violação do art. 5º, XII, da CF/88 e à Lei nº 9.296/96. HC 482.175/ GO, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 19/03/2019, DJe 08/04/2019.
Aliás, é bom ressaltar que a produção de provas, de maneira fortuita, referente a autoridades com foro por prerrogativa de função não as invalida, desde que não se prossiga com a atividade investigatória.
No mesmo sentido, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu recentemente:
(…) “3. A mera presença de autoridade com foro por prerrogativa de função em conversas captadas por meio de procedimento de interceptação telefônica não é suficiente para determinar a imediata remessa dos autos ao foro competente em razão da pessoa. Este procedimento deve ser tomado após exame acerca da idoneidade e da suficiência dos dados colhidos para se firmar o convencimento acerca do possível envolvimento do detentor de prerrogativa de foro com a prática dos fatos apurados. Precedentes. 4. A análise dos indícios de que os elementos colhidos seriam suficientes para justificar a remessa dos autos ao Tribunal de origem compete ao juízo de origem. Eventual modificação das conclusões a que chegaram as instâncias antecedentes sobre esse tema depende de exame aprofundado do conjunto de evidências coletados no curso da instrução, providência não comportada nos estreitos limites cognitivos do mandamus.” (HC 482.175/GO, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 19/03/2019, DJe 08/04/2019).
10 RITO DA AÇÃO PENAL ELEITORAL
O rito da ação penal seguirá o previsto no Código Eleitoral, com adaptações. Seguindo entendimento do STF, a Resolução 23.396/2013 determina que:
Art. 13. A ação penal eleitoral observará os procedimentos previstos no Código Eleitoral, com a aplicação obrigatória dos artigos 395 (rejeição liminar da denúncia), 396 (citação do acusado), 396-A (resposta à acusação), 397 (absolvição sumária) e 400 (audiência una de instrução e julgamento) do Código de Processo Penal, com redação dada pela Lei nº 11.971, de 2008. Após esta fase, aplicar-se-ão os artigos 359 e seguintes do Código Eleitoral
Recebida a denúncia, o réu terá dez dias para apresentar defesa, conforme art. 359, parágrafo único do Código Eleitoral: “O réu ou seu defensor terá o prazo de 10 (dez) dias para oferecer alegações escritas e arrolar testemunhas”.
Podem ser apresentadas pelas partes (acusação e defesa) até oito testemunhas, conforme art. 401 do CPP: “Art. 401. Na instrução poderão ser inquiridas até 8 (oito) testemunhas arroladas pela acusação e 8 (oito) pela defesa”.
Realizada a instrução criminal e o depoimento pessoal do réu, as partes terão oportunidade de apresentar suas alegações finais no prazo de 05 dias, sucessivamente, para acusação e defesa, conforme art. 360 do código eleitoral.
O juiz terá dez dias para sentenciar: “Art. 361. Decorrido esse prazo, e conclusos os autos ao juiz dentro de quarenta e oito horas, terá o mesmo 10 (dez) dias para proferir a sentença”.
10.1 Aplicação do Código de Processo Penal
Quando da aplicação subsidiária do Código de Processo Penal encontramos também as seguintes e importantes exceções no ambiente eleitoral:
a) as decisões interlocutórias são irrecorríveis de imediato, podendo ser objeto de impugnação no recurso contra a decisão de mérito;
b) o recurso contra o não recebimento da denúncia, por parte do juiz eleitoral é o ordinário do artigo 265 do Código Eleitoral e não o recurso em sentido estrito do artigo 581 do CPP, com o prazo de três dias. No entanto, há decisões do TSE admitindo recurso em sentido estrito, se no prazo do recurso ordinário.
Art. 265. Dos atos, resoluções ou despachos dos juízes ou juntas eleitorais caberá recurso para o Tribunal Regional.
Art. 258. Sempre que a lei não fixar prazo especial, o recurso deverá ser interposto em três dias da publicação do ato, resolução ou despacho.
c) se o não recebimento se der no Tribunal Regional Eleitoral, em ação originária, caberá o recurso especial do art. 276 no prazo de três dias: “As decisões dos Tribunais Regionais são terminativas, salvo os casos seguintes em que cabe recurso para o Tribunal Superior”.
d) da decisão de mérito, condenando ou absolvendo o réu, caber recurso ordinário, com o prazo de dez dias: “Art. 362. Das decisões finais de condenação ou absolvição cabe recurso para o Tribunal Regional, a ser interposto no prazo de 10 (dez) dias”.
e) não se aplica ao processo penal eleitoral a faculdade de oferecer razões na instância superior (art. 600 do CPP), pois há norma própria no Código Eleitoral dizendo que o recurso deve ser apresentado com suas razões: “Art. 266. O recurso independerá de termo e será interposto por petição devidamente fundamentada, dirigida ao juiz eleitoral e acompanhada, se o entender o recorrente, de novos documentos”.
f) não há falar em embargos infringentes no processo penal eleitoral, pois os tribunais funcionam com base em seu plenário, não se dividindo em turmas ou sessões. No entanto, há decisões do TSE admitindo embargos infringentes como uma espécie de pedido de reconsideração “pro reo”.
Código Eleitoral
Art. 19. O Tribunal Superior delibera por maioria de votos, em sessão pública, com a presença da maioria de seus membros.
Art. 28. Os Tribunais Regionais deliberam por maioria de votos, em sessão pública, com a presença da maioria de seus membros.
g) Uma exceção a aplicação do Código de Processo Penal, versa sobre a presunção legal, absoluta, de que uma testemunha sozinha não serve: “Art. 368-A. A prova testemunhal singular, quando exclusiva, não será aceita nos processos que possam levar à perda do mandato.”
h) Não há normas específicas no Código Eleitoral sobre a prisão. Valem, assim, os dispositivos do Código de Processo Penal. Pode ocorrer prisão em flagrante e prisão preventiva no processo eleitoral, com os requisitos comuns do CPP. Observe-se, contudo, que a Lei 7.960/89 não inclui crimes eleitorais entre os que autorizam a prisão provisória.
Quando alguém for preso, deve ser apresentado ao juízo em vinte e quatro horas. É a audiência de custódia, exigida pelo Pacto de São José da Costa Rica e disciplinado pela Resolução 213 do Conselho Nacional de Justiça e, recentemente pelo art. 310 do código de processo penal, introduzido pelo pacote anticrime.
i) Não há especificidades em relação à impetração de Habeas Corpus perante a Justiça Eleitoral. Da decisão dos TREs, se denegatória, caberá o recurso ordinário, artigo 276, II, letra “b” do Código Eleitoral. Se decisão de idêntico teor for dada pelo TSE, caberá o Recurso Ordinário ao Supremo Tribunal Federal, nos termos do artigo 102, II, da Constituição.
j) A revisão criminal não tem previsão específica no Código Eleitoral. Vale o disposto no art. 621 do CPP.
Art. 621. A revisão dos processos findos será admitida:
I - quando a sentença condenatória for contrária ao texto expresso da lei penal ou à evidência dos autos;
II - quando a sentença condenatória se fundar em depoimentos, exames ou documentos comprovadamente falsos;
III - quando, após a sentença, se descobrirem novas provas de inocência do condenado ou de circunstância que determine ou autorize diminuição especial da pena.
11 COMPETÊNCIA PARA O PROCESSO E JULGAMENTO DOS CRIMES ELEITORAIS
Questão de grande relevância é a relativa à competência para o processo e julgamento dos crimes eleitorais. Ao contrário do que ocorre com as ações eleitorais cíveis, cuja competência é determinada pela circunscrição em disputa, no caso criminal a competência é, a princípio, do juízo eleitoral do local dos fatos. A exceção a essa regra é dada pelo foro por prerrogativa de função, anotando-se, porém, que a decisão do STF na Ação Penal 937-QO diminuiu drasticamente tais hipóteses.
Assim, para afastar a competência do juízo eleitoral, o crime precisa ter sido cometido em durante o exercício do cargo e em razão das funções desempenhadas. Se tal se der, será processado e julgado pelo TRE (prefeitos, deputados estaduais, promotores, juízes), pelo STJ (governadores, membros do MP Federal que atuem perante tribunais, membros de tribunal regional eleitoral) ou pelo STF (deputados federais, senadores, Presidente da República, etc).
O Tribunal Superior Eleitoral, convém destacar, não tem competência criminal originária, pois o artigo 22, II, “d” do Código Eleitoral, que o previa, não foi recebido pela Constituição Federal.
Já os chamados crimes eleitorais impróprios, apenas tornam-se eleitorais quando praticados com um elemento diferenciador que atinge os bens jurídicos protegidos pela legislação eleitoral. Caso contrário, serão levados a processo e julgamento perante a Justiça Federal de 1º grau.
11.1 Força da vis atrativa exercida pelo Juízo eleitoral
Existem situações em a infração penal eleitoral é praticada juntamente com um crime comum ou no mesmo contexto fático deste, o que faz surgir a dúvida sobre qual será o juízo competente para processar e julgar tais delitos, ou seja, qual foro deve prevalecer.
É pacífico o entendimento que, se o crime eleitoral é praticado com um crime comum de competência de Justiça Estadual, deve-se observar a regra do art. 35 do código eleitoral combinado com o art. 78, IV do Código de processo penal, exercendo o juízo eleitoral força atrativa para julgamento conjunto, em razão da ocorrência de conexão ou continência.
Código eleitoral
Art. 35. Compete aos juízes:
II – processar e julgar os crimes eleitorais e os comuns que lhe forem conexos, ressalvada a competência originária do Tribunal Superior e dos Tribunais Regionais;
Código penal
Art. 78. Na determinação da competência por conexão ou continência, serão observadas as seguintes regras:
IV - no concurso entre a jurisdição comum e a especial, prevalecerá esta.
Conforme expõe José Jairo Gomes (2013, P. 21):
(...) Existem infrações não eleitorais que – para fins de persecução penal – se reúnem ao crime eleitoral em razão da ocorrência de conexão ou continência. Aqui já não se trata de crime eleitoral, mas de julgamento conjunto de infrações por força da vis atrativa exercida pelo juízo eleitoral, que puxa para sua esfera de competência o conhecimento e julgamento dos delitos envolvidos no evento. Todavia, equivocadamente se fala em “crime eleitoral por conexão (GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. TSE, Estudos eleitorais, 2013, P. 21)
A polêmica reside quando o crime eleitoral é praticado em conjunto com um crime comum de competência de Justiça Federal, pois parte da doutrina entende que tal competência, assim como a competência da Justiça Eleitoral, Justiça Militar e Justiça do Trabalho, também seria absoluta, haja vista que previstas taxativamente na Constituição Federal. Assim, não seria possível que uma a legislação infraconstitucional (art. 35, II, do Código Eleitoral e art. 78, IV do CPP), modificasse a competência da Justiça Federal.
STF
(...) Nesse ponto, parcela significativa da doutrina entende que somente os crimes eleitorais, nada obstante a previsão legal (art. 35, II, do Código Eleitoral), devem ser remetidos à Justiça Eleitoral, considerando-se a competência constitucional absoluta da Justiça Federal, haja vista que prevista taxativamente na Constituição Federal. Assim, sustentam que entender de modo diverso seria autorizar que a lei (complementar ou ordinária) modificasse a competência constitucionalmente estabelecida no art. 109 da CF. (STF. INQ 4435 AGR-QUARTO-QO/DF. Relator(a): MIN. ROBERTO BARROSO. Publicado em 01/08/2019)
CF/88
Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:
IV - os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral;
Sustenta-se também, para além do fundamento técnico, um argumento de ordem prática, realista e objetivo, quanto a extrema complexidade que ostenta boa parte dos crimes de competência da Justiça Federal, o que dificultaria a efetiva persecução penal a ser realizada pela Justiça Eleitoral que não é aparelhada para esse fim, não contando com estrutura adequada ou com profissionais especializados nesse tipo de persecução penal.
Para tal corrente, seria possível flexibilizar a regra do art. 78, IV do CPP, mesmo havendo conexão entre o crime eleitoral e o crime comum, sendo a solução mais adequada a cisão (separação) dos processos dada a competência absoluta improrrogável da Justiça Federal.
O Supremo Tribunal Federal, no entanto, em decisão recente no agravo regimental no inquérito 4.435, mandou aplicar o disposto no artigo 35, II do Código Eleitoral aos crimes contra a administração pública, de lavagem de dinheiro e outros, se forem conexos com os crimes eleitorais.
Para o STF o simples fato de a competência da Justiça Federal também estar expressa na Carta Magna não impede o reconhecimento da conexão ou continência, assim como ocorre com os crimes de menor potencial ofensivo de competência do juizados especiais criminais.
STF Inquérito 4.435
(…)
Em face da alegada prática de crime eleitoral e delitos comuns conexos, asseverou ter-se caracterizada a competência da Justiça Eleitoral, considerado o princípio da especialidade. A Justiça especializada, nos termos do art. 35, II, do Código Eleitoral (1) e do art. 78, IV, do Código de Processo Penal (CPP) (2), por prevalecer sobre as demais, alcança os delitos de competência da Justiça comum. Ato contínuo, o relator observou que a Constituição Federal (CF), no art. 109, IV (3), ao estipular a competência criminal da Justiça Federal, ressalva, expressamente, os casos da competência da Justiça Eleitoral e, consoante o caput do art. 121 (4), a definição da competência daquela Justiça especializada foi submetida à legislação complementar. A ressalva do art. 109, IV, e a interpretação sistemática dos dispositivos constitucionais afastam a competência da Justiça comum, federal ou estadual, e, ante a conexão, implicam a configuração da competência da Justiça Eleitoral em relação a todos os delitos. O ministro ponderou ser inviável a solução proposta pela PGR de desmembrar as investigações dos delitos comuns e eleitorais, porquanto a competência da Justiça comum, estadual ou federal, é residual quanto à Justiça especializada – seja eleitoral ou militar –, estabelecida em razão da matéria, e não se revela passível de sobrepor-se à última.
11.2 Ato infracional equiparado a crime eleitoral
Outro ponto recorrente é a prática de ato infracional equiparado a crime eleitoral em concurso com pessoa maior de idade. Aqui a competência é definida em razão de ter ou não o maior praticado atos materiais em parceria com o menor.
Caso o menor pratique sozinho ato infracional equiparado a crime eleitoral, deve responder no Juízo da Vara da Infância e da Juventude que tem competência absoluta para aplicar o processo e julgamento da medida socioeducativa.
PROCESSUAL PENAL. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. ATO INFRACIONAL EQUIPARADO AO DELITO PREVISTO NO ART. 39, § 5º, II, DA LEI Nº 9.504/97. Compete ao Juízo da Vara da Infância e da Juventude, ou ao Juiz que, na Comarca, exerce tal função, processar e julgar o ato infracional cometido por menor inimputável, ainda que a infração seja equiparada a crime eleitoral. Conflito conhecido, competente o Juízo de Direito da Vara Criminal de Milagres (BA). (STJ, CC 38.430/BA, Rel. Ministro FELIX FISCHER, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 11/06/2003, DJ 18/08/2003, p. 150)
Quem determina a aplicação de uma medida socioeducativa é o juiz da vara de infância e juventude. Somente o magistrado é quem tem competência para aplicar e acompanhar a execução da medida socioeducativa. Isso porque nenhum adolescente será privado de sua liberdade sem o devido processo legal.
ECA
Art. 148. A Justiça da Infância e da Juventude é competente para:
I - conhecer de representações promovidas pelo Ministério Público, para apuração de ato infracional atribuído a adolescente, aplicando as medidas cabíveis;
Sum. 108 do STJ. A aplicação de medidas socio-educativas ao adolescente, pela prática de ato infracional, é da competência exclusiva do juiz.
Caso, todavia, menor pratique o infracional equiparado a crime eleitoral acompanhado de um terceiro maior que também pratique atos executórios, possua domínio do fato ou se enquadre na condição de autor material (intelectual), deve este responder, em concurso de crimes, pela corrupção de menores (artigo 244-B, do ECA) e o respectivo crime eleitoral, tudo perante a Justiça Eleitoral, pois a competência da mesma atrai os delitos conexos aos especializados.
De outra forma, caso o terceiro maior apenas induz, sem praticar qualquer ato auxiliar ou de execução, deve responder pelo crime de corrupção de menores (artigo 244-B, do ECA), perante a Justiça Comum, independente do grau de corrupção do infante, pois “a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento de recurso especial processado sob o regime do art. 543-C do CPC, firmou a orientação de que o crime de corrupção de menores é de natureza formal, sendo irrelevante, portanto, tratar-se de menor anteriormente corrompida” (HC 260.090/MS, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, QUINTA TURMA, julgado em 07/04/2015, DJe 17/04/2015);
11.3 A kompetenz-kompetenz da Justiça Eleitoral
O melhor entendimento é no sentido de que cabe à Justiça Eleitoral exercer a chamada “kompetenz-kompetenz”, ou seja, poder julgar o alcance da própria competência, diante de alegações de conexão de crimes comuns com crimes eleitorais. Ao fazê-lo, deve aplicar o disposto no artigo 76 do Código de Processo Penal:
Art. 76. A competência será determinada pela conexão:
I – se, ocorrendo duas ou mais infrações, houverem sido praticadas, ao mesmo tempo, por várias pessoas reunidas, ou por várias pessoas em concurso, embora diverso o tempo e o lugar, ou por várias pessoas, umas contra as outras;
II – se, no mesmo caso, houverem sido umas praticadas para facilitar ou ocultar as outras, ou para conseguir impunidade ou vantagem em relação a qualquer delas;
III – quando a prova de uma infração ou de qualquer de suas circunstâncias elementares influir na prova de outra infração.
Também deverá aplicar o disposto no artigo 80 do mesmo diploma:
Art. 80. Será facultativa a separação dos processos quando as infrações tiverem sido praticadas em circunstâncias de tempo ou de lugar diferentes, ou quando pelo excessivo número de acusados e para não lhes prolongar a prisão provisória, ou por outro motivo relevante, o juiz reputar conveniente a separação.
Ou seja, a Justiça Eleitoral, diante de alegação fundada de conexão de crime comum de competência da Justiça Federal com crime eleitoral deverá analisar se é caso de reconhecer sua competência e, mesmo o fazendo, se é conveniente reunir os processos.
A essência deste trabalho residiu em tecer breves considerações sobre a teoria geral e peculiaridades do direito penal e o processo penal eleitoral.
No segundo capítulo consignou-se que os crimes eleitorais são crimes comuns, ou seja, o crime que pode ser cometido por qualquer pessoa, sendo possível a coautoria e a participação em sua execução, não se exigindo especial motivação política. Para caracterização de um crime eleitoral faz necessário o preenchimento de 03 (três) requisitos: a) Tipificação da infração penal na legislação eleitoral; b) Dolo, genérico (consistente na simples vontade de praticar a conduta proibida) ou dolo específico (quando se pratica a conduta com um especial fim de agir, caso a norma exigia expressamente); e c) Lesão ou potencial de lesão aos bens jurídicos eleitorais.
No terceiro capítulo abordamos a teoria geral do direito penal eleitoral, a previsão legal dos principais crimes eleitorais, concluindo que dos mais de noventa tipos penais eleitorais 54 tipos penais se sujeitam à transação penal (art. 76 da lei 9.099/95); 27 delitos eleitorais se sujeitam ao acordo de não-persecução penal (art. 28-A do CPP), sendo 18 em concorrência com o sursis processual e 09 exclusivos para o acordo; 19 crimes eleitorais comportam suspensão condicional do processo (art. 89 da lei 9.099/95); Apenas 2 tipos penais têm a pena de cassação do registro ou do mandato (artigo 334, do CE e o artigo 11, V, da Lei 6091/74), o que denota um regime processual penal insuficiente para efetiva prevenção e repressão aos abusos eleitorais.
Do quarto ao sexto capítulos, tratamos dos crimes eleitorais não recepcionados pela CF/88, principais crimes eleitorais permanentes na pré-campanha e principais crimes que só incidem no período eleitoral, constatando-se que muitos desses tipos penais não se amoldam a nova ordem constitucional, fazendo-se necessário que sejam revogados.
No sétimo capítulo, tratamos dos aspectos gerias e peculiaridades do processo penal eleitoral, com ênfase na aplicação subsidiária do código de processo penal, constatando-se pela impossibilidade de aplicação do princípio da insignificância, possibilidade de aplicação do acordo de não persecução penal, obrigatoriedade da audiência de custódia, chamando atenção para os diversos reflexos da nova lei de abuso de autoridade.
No oitavo capítulo, discorremos sobre os principais pontos da investigação criminal eleitoral e no nono capítulo, traçamos o panorama do foro por prerrogativa de função na fase investigatória e no processo penal eleitoral.
Na parte final, décimo e décimo primeiro capítulos, discorremos sobre o rito da ação penal e a competência para o processo e julgamento dos crimes eleitorais, com ênfase para o entendimento só Supremo Tribunal Federal, reconhecendo que a competência da Justiça Eleitoral prevalece sobre a competência da Justiça comum (federal ou estadual), cabendo àquela exercer a chamada “kompetenz-kompetenz”, ou seja, poder julgar o alcance da própria competência, diante de alegações de conexão de crimes comuns com crimes eleitorais. Assim, devemos observar a regra do art. 35 do código eleitoral combinado com o art. 78, IV do Código de processo penal, exercendo o juízo eleitoral força atrativa para julgamento conjunto, em razão da ocorrência de conexão ou continência
Por fim, concluímos, de forma geral que, a legislação eleitoral, mais especificamente o código eleitoral, carece de regras gerais acerca da investigação, processo e julgamento dos delitos eleitorais, necessitando, assim, de uma modernização/atualização por parte do legislador ordinário, principalmente quanto a revogação de tipos não recepcionados pela constituição federal de 1988, haja vista que muitos deles criminalizam condutas vagas e imprecisas o que fere a taxatividade e subsidiariedade do direito penal, bem como mostra-se urgente a padronização das penas previstas, as quais padecem de incoerente desproporção.
ALMEIDA, Roberto Moreira de. Curso de direito eleitoral/ Roberto Moreira de Almeida. 12 ed. Revista e atualizada. Salvador: JusPODIVM, 2018
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ARAS, Vladimir et al, in LEI ANTICRIME COMENTADA, Ed. JH Mizuno, 2020, p.189/190
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BRASIL. Lei n.º 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L5869.htm. Acesso em: 04 de março de 2021.
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Artigo publicado em 26/08/2021 e republicado em 06/11/2024
Graduação: Bacharel em direito pela Universidade Regional do Cariri – URCA. Pós graduação: Direito Constitucional Universidade Regional do Cariri – URCA. Cursando Pós graduação em Direito Eleitoral pela CERS – Complexo de Ensino Renato Saraiva, no ano de 2021.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MACHADO, FÁBIO MACEDO. Peculiaridades do Direito Penal e Processo Penal Eleitoral Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 06 nov 2024, 04:43. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/57141/peculiaridades-do-direito-penal-e-processo-penal-eleitoral. Acesso em: 03 dez 2024.
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