RESUMO: A relação do Estado, sociedade e pais com o menor têm se tornado um problema social extremamente importante para o debate público, uma vez que, o jovem é a base da sociedade e cabe a todos zelar por uma sociedade garantidora desse desenvolvimento. Na medida em que a sociedade passa pelas dificuldades de reinserção do criminoso na sociedade, aumenta mais ainda a dificuldade de reinserção do menor infrator, nesse sentido, observa-se a necessidade de um olhar mais humano sobre menor infrator e as medidas socioeducativas aplicadas ao menor, mas não com caráter punitivo e sim com objetivo de reeducar o menor e inseri-lo em sociedade. Nesse sentido, observa-se que há um julgamento errôneo da sociedade sobre a custódia do menor e as medidas socioeducativas.
PALAVRA-CHAVE: menor infrator; medidas socioeducativas; reinserção do menor; proteção do menor.
ABSTRACT: The relationship of the State, society and parents with minors has become an extremely important social problem for public debate, since the youth is the basis of society and everyone is responsible for ensuring a society that guarantees this development. As society goes through the difficulties of reinserting the criminal into society, the difficulty of reinserting the minor offender increases even more. minor, but not with a punitive nature, but with the objective of re-educating the minor and inserting him into society. In this sense, it is observed that there is an erroneous judgment by society about the custody of the minor and the socio-educational measures.
KEYWORDS: minor offender; educational measures; reinsertion of the minor; protection of the minor.
INTRODUÇÃO
O Estatuto da Criança e do Adolescente, legislação esta que tem a atual vigência através da lei 8069/90 que revogou o Código de Menores de 197, prevê medidas socioeducativas que possuem caráter sancionatório e pedagógico, ou seja, o objetivo deixa não é punição, mas visa a reeducação/ressocialização do menor infrator com o auxílio da pedagogia. Todas as garantias que são concedidas aos criminosos maiores de idade também são concedidas aos menores infratores tais quais: princípio da tipicidade, (art. 103 do ECA); o devido processo legal (art.110 e 111, incisos I a IV do ECA); gratuidade jurídica (art. 141, parágrafo 2º do ECA), entre outros.
As modalidades das medidas socioeducativas e suas aplicações estão fundamentadas no art. 112° do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas:
I - advertência;
II - obrigação de reparar o dano;
III - prestação de serviços à comunidade;
IV - liberdade assistida;
V - inserção em regime de semi-liberdade;
VI - internação em estabelecimento educacional;
VII - qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI.
Obtendo a conceituação e fundamentação, traremos para a realidade os problemas e as possíveis soluções.
Em pesquisas gerais, tratando dos menores que são conduzidos a medida de internação, eles relatam que saem pior do que antes, há tortura e os ambientes são sujos. É necessário portanto que se tome alguma iniciativa no sentido de coibir o crime organizado e o tráfico de drogas dentro das unidades de internação já que esses se mostram mais um dos motivos de ineficácia da ressocialização dos jovens infratores, investindo em uma equipe própria para prevenção da prática desses crimes. Em todo país a situação da medida socioeducativa de internação não é diferente, o artigo 124 do referido estatuto diz quais são os direitos dos adolescentes enquanto privados de sua liberdade, percebe-se, no entanto, que na maioria dos casos, os internos não usufruem desses direitos e isso contribui para ineficácia na aplicação da medida de internação. Abaixo se encontram os exemplos de direitos que ao desenvolver dessa pesquisa comprovaram-se precários, não respeitados nas unidades de internação:
Art. 124. São direitos do adolescente privado de liberdade, entre outros, os seguintes:
V - ser tratado com respeito e dignidade;
IX - ter acesso aos objetos necessários à higiene e asseio pessoal;
X - habitar alojamento em condições adequadas de higiene e salubridade;
XI - receber escolarização e profissionalização;
XII - realizar atividades culturais, esportivas e de lazer:
A proposta inicial, para que se atinja a eficácia da aplicação das medidas socioeducativas, é a criação e funcionamento dos órgãos e estruturas destinadas à aplicação da internação para que sejam adequados e interligados com a ressocialização sociofamiliar. O jovem infrator não pode ser “jogado” em verdadeiras penitenciárias, isso somente faz com que eles incorporem os mesmos valores que um adulto em um presídio, contrariando o princípio da proteção especial contido na Declaração de Direitos do adolescente e ainda o Estatuto da Criança e do Adolescente e suas particularidades.
A ideia não é a de que os menores infratores sejam presos, mas sim de que sejam internados para que assim sejam ressocializados e reeducados, porém quando vão parar em institutos que se assemelham com presídios isso não ocorre, o instituto passa a ser, portanto, ineficaz. A construção de ambientes deve favorecer a ressocialização do infrator possuindo área de lazer, quartos com um mínimo de conforto e não pode haver superlotação.
Para tanto, vamos expor durante o trabalho medidas que aplicadas juntamente a políticas públicas de reinserção do menor em sociedade, observa-se dentre as medidas socioeducativas, a liberdade assistida que constitui a medida eficaz, pois impõem aos familiares a corresponsabilidade na educação do menor com a família, tendo nela a oportunidade de reconstruir o seu percurso, sem ter que ficar privado da sua liberdade. É de suma importância seu acompanhamento pelo orientador que irá direcioná-lo a caminhos diferentes daqueles que o levaram a cometer o ato.
No regime de semiliberdade pode ser determinada desde o início ou como forma de transição para o meio aberto, podendo o adolescente, entretanto, realizar atividades externas, independente de autorização judicial. São obrigatórias à escolarização e a profissionalização, a medida é restritiva de liberdade, assim como a internação, porém menos severa. A internação é uma medida socioeducativa aplicada aos adolescentes que cometem ato infracional mediante grave ameaça ou violência à pessoa, quando houver reiteração no cometimento de outras infrações graves, e quando descumprir medida socioeducativa anteriormente imposta.
A pesquisa tem como objetivo principal uma melhor compreensão da situação das medidas socioeducativas no Brasil buscando-se assim a melhor forma de obter-se resultados positivos na aplicação das medidas socioeducativas de internação. Apontaremos as principais falhas que fazem com que haja ineficácia na aplicabilidade da medida socioeducativa de internação, medida essa a mais drástica de acordo com o próprio Estatuto da Criança e do Adolescente, legislação essa fundamental durante o estudo.
Nesse sentido, a pesquisa será realizada de forma indireta por meio de bibliografia de livros, artigos e doutrina, buscando uma análise objetiva da situação do menor frente o atual cenário de desconhecimento da sociedade acerca da situação do menor.
1. EVOLUÇÃO DA LEGISLAÇÃO INFANTOJUVENIL NO BRASIL
A evolução jurídica do Brasil enquanto situações afetas as crianças e adolescentes tem um histórico de legislações que se modificaram no tempo aprimorando os aspectos protecionistas dessas legislações.
Primeiramente, destaca-se que as constituições anteriores pouco falavam sobre a situação dos menores, responsabilidade dos pais e do Estado, ou seja, sua aplicabilidade dependia muito da política pública voltada para assistir os menores em situação de vulnerabilidade.
A par disso, a partir do século XX legislações foram adotadas voltadas ao aprimoramento e desenvolvimento dos direitos dos menores e adolescentes, nesse sentido, foi promulgada o Decreto n° 17-943-A, considerado por muitos o primeiro código de menores, que consolidou legislações sobre direitos dos menores.
Foi importantíssimo no início do século XX que a discussão sobre direitos das crianças e adolescentes fosse tratada no âmbito jurídico, considerando que anteriormente a isso o cumprimento de penas por crimes era desumano, degradante e que impossibilitava e havia uma discussão quanto ao discernimento do menor para cometer o crime.
Essa discussão só evoluiu a partir da compreensão da sociedade acerca da importância da racionalização das penas, teoria defendida por Becarria, em sua obra dos “Dos delitos e das penas”, quando em sua obra discute a racionalização das penas, a compreensão de que a pena deve ser graduada a partir da conduta e do delito.
Com isso, o Brasil até então preocupado com a instituição família, mas pouco desenvolvimento em proteção infanto-juvenil passou a procurar meios para implementar uma política de reeducação para o menor.
Com o advento do Código Penal de 1940, foi definido o início da capacidade do adolescente de responder por crimes comuns e contravenções penais, conforme ficou disposto no art. 27, do CP, que estabeleceu a idade mínima para imputabilidade penal aos maiores 18 anos.
Percebe-se por todo exposto que a legislação não levou em consideração as circunstâncias em que o crime é cometido, nem mesmo a gravidade da conduta do agente, ficou estabelecido um marco temporal para definir o grau mínimo de consciência do agente a partir de sua idade.
Posto isso, percebe-se que a legislação penal brasileira há décadas tem se desenvolvido em conformidade com o entendimento mundial de proteção aos menores, mesmo diante de casos em que o crime é bárbaro.
Partindo da definição jurídica para responsabilização do menor, o Estado começou a discutir as formas de aplicação das medidas aos menores que cometessem crimes, mais detidamente como faria para impor medidas de caráter mais pedagógico, que trouxesse aquele jovem infrator para vida em sociedade.
Nesse sentido, após essa definição de faixa etária para responder a processo criminal a discussão foi transferida para os meios em que se daria essa aplicação de medidas de segurança aos menores, posto que, em outras experiencias passadas as casas de recolhimento de jovens e crianças se tornaram verdadeiras escolas para que esses jovens voltassem a criminalidade.
Após, foi promulgada a Decreto-Lei 6.026, de novembro de 1943, alterou o então vigente Decreto 17.943-A, que trouxe como principal modificação os procedimentos a serem adotados no momento da apreensão do menor por cometimento de crime, adotou-se a necessidade de dividir em dois grupos os menores de 18 anos para tratar da sua necessidade de apreensão.
A referida lei obrigava o menor de 14 anos a ser apresentado imediatamente para autoridade judiciaria no momento de sua apreensão para discussão quanto ao seu grau de periculosidade e a possibilidade do menor ficar sob a autoridade de pais e responsáveis, adotando a constrição da liberdade como ultima ratio, em consonância com o Código Penal.
Para os maiores de 14 e menores de 18 anos o procedimento era diferente, desde logo o adolescente era apresentado a autoridade competente onde a mesma verificava a situação do menor e o encaminhava para estabelecimento prisional compatível com a periculosidade do agente.
Nesses casos em que eram considerados perigosos os jovens eram expostos no mesmo ambiente que os adultos para cumprimento da pena.
Foi somente após o advento da constituição de 1988 que efetivamente o texto passou a tratar de questões relevantes a direitos das crianças e adolescentes, conforme disposto no artigo 228, da CF/88, determinando uma tarefe conjunta entre o Estado, Sociedade e família para desenvolvimento dos menores.
Com advento da constituição houve a necessidade de adequar a legislação vigente ao texto, uma vez que o próprio texto constitucional priorizou a proteção integral do menor, o que levou a elaboração de um novo estatuto das crianças e adolescentes em consonância com o texto constitucional.
Nesse sentido, foi publicado a Lei 8.069/90, conhecido como Estatuto das Crianças e Adolescentes, um importante marco na discussão do menor como ser direitos e deveres.
A partir dessa nova codificação o menor deixa de ser mero expectador de ações do Estado e passa a ser o individuo que pode cobrar por ações efetivas do Estado e da família para o seu desenvolvimento.
Outra importante inovação na legislação e a mudança da forma de tratamento da sociedade com o menor infrator, pela legislação ele deixe de ser considerado criminoso e passar a ser um infrator, não lhe sendo atribuída a condição de criminoso.
Toda essa preocupação serve para desenvolver uma politica mais humana para o jovem e o adolescente, mesmo aqueles que cometem crimes considerados hediondos pela legislação, como uma forma de criar um ambiente mais propicio ao retorno do menor para vida em sociedade do que o contrário.
1.1 Proteção Constitucional e Internacional dos Direitos da Criança e Adolescente.
A partir da promulgação do texto constitucional de 1988 o Brasil passou a adotar uma nova política assistencialista de proteção integral ao menor e ao adolescentes, primeiramente passou a ser consagrado no texto constitucional o princípio da Dignidade Humana, previsto no art. 1, inciso III, da Constituição, in verbis:
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I - a soberania;
II - a cidadania
III - a dignidade da pessoa humana;
(...)
Nesse sentido, explica Andre Ramos Tavares (2020/p.99) sobre o princípio da Dignidade da Pessoa Humana:
“A dignidade humana consiste não apenas na garantia negativa de que a pessoa não será alvo de ofensas ou humilhações, mas também agrega a afirmação positiva do pleno desenvolvimento da personalidade de cada indivíduo. O pleno desenvolvimento da personalidade pressupõe, por sua vez, de um lado, o reconhecimento da total auto disponibilidade, sem interferências ou impedimentos externos, das possíveis atuações próprias de cada homem; de outro, a autodeterminação (Selbstbestimmung des Menschen) que surge da livre projeção histórica da razão humana, antes que de uma predeterminação dada pela natureza”
Objetivando defender os direitos e garantias fundamentais do menor, o texto constitucional foi além e no artigo 227, definiu como prioridade por parte de toda sociedade o desenvolvimento do menor, dispondo sobre a obrigação de todos em fomentar uma política de desenvolvimento do menor, conforme dispõe:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Não obstante, a constituição também determinou em seus incisos que o Estado passe a adotar políticas voltadas ao desenvolvimento da criança e adolescente, conforme dispõe o art. 227, §1°, inciso I e II, da CF/88:
Art. 227. (...)
§ 1º O Estado promoverá programas de assistência integral à saúde da criança, do adolescente e do jovem, admitida a participação de entidades não governamentais, mediante políticas específicas e obedecendo aos seguintes preceitos:
I - aplicação de percentual dos recursos públicos destinados à saúde na assistência materno-infantil;
II - criação de programas de prevenção e atendimento especializado para as pessoas portadoras de deficiência física, sensorial ou mental, bem como de integração social do adolescente e do jovem portador de deficiência, mediante o treinamento para o trabalho e a convivência, e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de obstáculos arquitetônicos e de todas as formas de discriminação.
Nesse sentido, observa-se que houve uma clara mudança na política pública brasileira, correspondendo a uma intenção protecionista do Estado para preservar os direitos da criança e adolescente para que se crie uma rede de proteção em conjunto com toda sociedade e a família.
Ademais, o texto constitucional foi além, trouxe os pais e aqueles que exercem algum tipo de autoridade sobre os menores para assumirem o protagonismo da relação entre pais e filhos, conforme dispõe o Art. 229 “Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade.”
2. ESTATUDO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
Conforme explicitado alhures, a lei 8.069/90, no art. 1°, em consonância com a Constituição de 1988, tratou de definir a proteção integral do menor como primazia na realização de política pública voltadas a proteção do menor e adolescente.
O Estatuto da Criança e do Adolescente, foi considerado para muitos um marco legal no desenvolvimento da legislação sobre crianças, concatenado na Convenção sobre os Direitos da Criança, ratificado pelo Brasil por meio do Decreto 28 de 1990, o referido tratado consubstancia a ideia a que o menor seja tratado como sujeito de direito e não como mera coisa.
Nesse sentido, imperioso destacar o ensinamento de Liberati, quem em sua obra destaca a mudança de conceituação do menor perante a legislação:
“O marco diferencial que consagrou o Estatuto da Criança e Adolescente foi a mudança do paradigma: antes se consideravam a criança como “objeto de medidas jurídicas e assistenciais”; agora, a criança e o adolescente são considerados “sujeitos de direitos”, devem ser respeitados na sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento e gozam de prioridade no atendimento de seus direitos (2021/p. 49)
Importante destacar a definição trazida pelo Estatuto da Criança e Adolescente em seu art. 2°, que dispõe sobre a diferenciação entre o que se entenderia por criança e as a serem tomadas quando da sua constatação e dos adolescentes, conforme dispõe:
Art. 2º Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade.
Parágrafo único. Nos casos expressos em lei, aplica-se excepcionalmente este Estatuto às pessoas entre dezoito e vinte e um anos de idade.
Observa-se que suma importância a definição jurídica dos grupos considerados mais vulneráveis e daqueles grupos considerados menos vulneráveis, uma vez que o menor até 12 anos sofre medidas de proteção, voltadas para o seu desenvolvimento e possibilidades futuras de reinserção social, diferente das medidas socioeducativas aplicadas aos maiores de 12 e menores de 18 anos que comete crime ou contravenção penal.
As medidas socioeducativas prevista no Estatuto da Criança e do adolescente, apensar de muitas vezes terem cunho de pena, impondo restrição da liberdade ao menor, quando aplicadas em conjunto com medidas educativas, desportivas e convivência social propiciariam uma reinserção do menor na sociedade, conforme explica Liberati (2021) em sua Obra, as medidas tem caráter pedagógico e tem como objetivo primordial a integração do jovem na família e na sociedade, reconstruindo valores soterrados pele sua conduta delituosa.
Ocorre que, as medidas socioeducativas não são aplicadas da forma prevista em lei e isso tem criado um ambiente de extrema dificuldade para reinserção dos menores em sociedade, observa-se que todo sistema vem se desenvolvendo tendo como eixo basilar o sistema pedagógico e familiar para educação do jovem, posto isso, observaremos ao logo do trabalho a importância dessas medidas, sua aplicação a custo reduzido para o Estado e sua importância para esse processo.
2.1 Princípios
A legislação que trata sobre a criança e o adolescente no Brasil é desenvolvida com um arcabouço próprio de princípios e normas que servem de base para interpretação das normas que o instituíram, nesse sentido, observa-se que foi criado um microssistema jurídico para tratar desses assuntos, importante citar a feliz definição de microssistema trazido por Fernando Antônio:
“um conjunto organizado de normas, princípios e regras tendentes a expressar lógica e unidade às relações jurídicas de determinados grupos, minorias ou temas, abarcando normas de direito material e processual público e privado” (2014/p. 83).
Portanto, observa-se que o Estatuto tem um sistema próprio e voltado inteiramente para concretização de seus princípios, para melhor conceituar o que se entende por princípios, para José Afonso da Silva (2001/p.96) em sua obra observa que: “Os princípios são ordenações que se irradiam e imantam os sistemas de normas, são [como observam Gomes Canotilho e Vital Moreira] ‘núcleos de condensações’ nos quais confluem valores e bens constitucionais”
Após essa introdução necessária para definir o que é princípio para o ordenamento passamos a discorres sobre os princípios que norteiam o ECA.
Conhecido por princípio da Prioridade absoluta, esse princípio é observado no texto constitucional no artigo 227, caput, da CF/88, quando discorre sobre a prioridade de todos em assegurar a criança e ao jovem, com absoluta prioridade, os direitos à vida, à saúde e afins, para assegurar-lhe um ambiente longe de negligência, discriminação, violência e exploração.
Esse princípio define a obrigação que todos devem ter no momento de discutir questões afetas a criança e adolescente, sempre que colocar em discussão questões pertinentes aos menores de 18 anos devem ser dadas primazia ao melhor interesse do menor.
Tratando-se agora do princípio do melhor interesse do menor, este princípio tem norteado as legislações pertinentes ao direito de família, notadamente quando se trata de guarda e pensão para os filhos, contudo, esse princípio tem aplicabilidade no Estatuto, uma vez que vai caber ao juiz analisar os casos envolvendo menores para se chegar a uma decisão de melhor atenda ao interesse do menor.
Nas palavras de Flávio Tartuce (2014/p.35), o princípio da proteção integral previsto na CF/88 pode ser percebido como princípio do melhor interesse do menor, explica:
Na ótica civil, essa proteção integral pode ser percebida pelo princípio de melhor interesse da criança, ou best interest of the child, conforme reconhecido pela Convenção Internacional da Haia, que trata da proteção dos interesses das crianças. O Código Civil de 2002, em dois dispositivos, acaba por reconhecer esse princípio de forma implícita.
Portanto, tal princípio tem o condão de prestar assistência e subsídio ao intérprete para que seja interpretado da melhor forma possível as legislações pertinentes ao interesse do menor de 18 anos.
Por fim, cabe destacar o princípio da descentralização de ações, também conhecido como princípio da municipalização, tem por finalidade descentralizar ações de interesse de crianças e adolescentes para que todos os setores possam atuar para aumentar o escopo de atuação do Estado em face do interesse do menor.
O Eca em seu art. 88, inciso I, define como diretriz de política de atendimento a municipalização do atendimento primário ao menor.
Esse princípio é de suma importância para a aplicação de pena as crianças, uma vez que, a municipalização propicia uma atenção maior a cultura local de determinado povo evidenciando as condições locais as quais os jovens são expostos, uma vez que no Brasil, por sua extensão geográfica, existem peculiaridades locais que divergem do meio social comum, como início do trabalho do menor em áreas rurais, casamentos de jovens antes da maior idade e até mesmo crimes decorrentes das condições em são expostos, toda essa gama de fatores deve ser analisado no momento de aplicação de políticas públicas para crianças e adolescentes.
2.2 Medidas Socioeducativas
Previsto no art. 112 do ECA, as medidas socioeducativas visam traçar os meios em que o Magistrado, diante dos casos de crimes cometidos por adolescentes deve atuar para aplicar medidas restritivas a menores.
Conforme já explicado, as medidas socioeducativas não têm caráter sancionatório, mas visam prestar um serviço de reeducação e ressocialização do menor em conflito com a lei, e necessariamente reinseri-lo em sociedade.
Assim, dispõe o Eca em seu art. 112, as medidas socioeducativas a serem adotadas pelo magistrado, in verbis:
Art. 112. Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas:
I - advertência;
II - obrigação de reparar o dano;
III - prestação de serviços à comunidade;
IV - liberdade assistida;
V - inserção em regime de semi-liberdade;
VI - internação em estabelecimento educacional;
VII - qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI.
A advertência é considerada a medida menos gravosa dentre as medidas adotadas pelo magistrado, é basicamente uma audiência em que o magistrado se prestará a realizar uma forma de aconselhamento do menor para que o mesmo deixe de praticar determinado ato e informa-lo sobre as consequências jurídicas do seu comportamento, assim dispõe o art. 115, do ECA, “A advertência consistirá em admoestação verbal, que será reduzida a termo e assinada”.
Observa-se que o procedimento é formal e se presta a conscientizar o menor acerca dos seus direitos e suas responsabilidades.
No inciso II, observa-se que a lei prevê a possibilidade de reparar o dano causado a outrem, trata-se de uma medida de caráter personalíssimo, ou seja, deve ser realizado pelo menor quando praticar atos que ocasionam prejuízos de cunho material à vítima.
Assim dispõe o art. 116, da Lei 8.069/90:
Art. 116. Em se tratando de ato infracional com reflexos patrimoniais, a autoridade poderá determinar, se for o caso, que o adolescente restitua a coisa, promova o ressarcimento do dano, ou, por outra forma, compense o prejuízo da vítima.
Parágrafo único. Havendo manifesta impossibilidade, a medida poderá ser substituída por outra adequada.
Imperioso destacar que essa medida não é única e deve ser aplicada quando constatada sua possibilidade de ser aplicada, ou seja, quando o menor detém patrimônio para arcar com a reparação.
A prestação de serviço a comunidade, também é uma forma de reparação do dano, contudo, tal medida não visa necessariamente a reparação danosa, seu objetivo precípuo é a conscientização do menor acerca da sua responsabilização por atos praticados e necessidade de respeito aos indivíduos da comunidade.
Contudo, é vedado no ordenamento jurídico qualquer forma de trabalho forçado, essa medida deve ser aplicada em concordância com o menor, e não pode ser superior a 6 meses e com limite de 8 horas semanais.
Previsto também no art. 112, do Eca, a medida de liberdade assistida é voltada para aprimoramento da relação do menor com a sociedade, sem que isso importe em restrição forçada da sua liberdade, essa medida é prevista no art. 118 e 119 do Eca, e é realizada por profissional que irá avaliar o comportamento do menor que será definido pelo juiz.
Outra medida que pode ser adotada é o regime de semiliberdade, que é idêntico ao modelo de regime semiaberto do preso, o jovem pode sair durante o dia para estudar, trabalhar e realizar atividade, mas deve retornar no período noturno para recolhimento, essa medida e adotada para jovens que cometem crimes graves na sua natureza e deve ser cumprida em estabelecimento diferenciado, uma vez que é o último passo para liberdade definitiva do menor.
A última das medidas e a mais gravosa é a que impõe internação do menor em estabelecimento educacional, essa medida é adotada quando o menor for apreendido por crime considerado grave, quando reiteradamente cometer crimes de natureza diversa, ou, quando descumprir reiteradamente e injustificadamente medidas anteriormente impostas, art. 122, do Eca, in verbis:
Art. 122. A medida de internação só poderá ser aplicada quando:
I - tratar-se de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência a pessoa;
II - por reiteração no cometimento de outras infrações graves;
III - por descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta.
A medida não comportará prazo, contudo sua aplicação não poderá ser superior a 3 anos, essa medida poderá ser aplicada até no máximo os 21 anos de idade.
Contudo, imperioso destacar os princípios que norteiam a internação compulsória do menor: Princípio da brevidade; Princípio da Excepcionalidade; e Princípio do Respeito ao menor.
Todas essas medidas, são aplicadas posteriormente a um processo judicial em que é dado o contraditório e a ampla defesa, em cumprimento ao devido processo legal e sempre orientado por profissionais capacitados.
3. RESPONSABILIDADE DO ESTADO, DA SOCIEDADE E DA FAMÍLIA NA EDUCAÇÃO DO MENOR.
Primeiramente, é de suma importância frisar as questões pertinentes a responsabilidade do Estado, da Sociedade e da família na formação do menor, nesse sentido, a CF/88, foi feliz ao consagrar no texto constitucional a responsabilização de todos para esse fim, impondo inclusive a autoridades competentes o dever de criar programas e fomentar a educação do menor.
Contudo, percebe-se que nos dias de hoje a política voltada a esse fim tem sido deixada de lado, posto que, a sociedade passou a ver o menor infrator, dentro do contexto social em que vive de poucas alternativas, como um criminoso irrecuperável, que deve ser afastado da sociedade para responder por seus atos.
Chegou-se até a discutir a redução da maioridade penal para que os jovens possam responder como adultos por suas condutas.
Entretanto, observa-se, por todo exposto que o ordenamento jurídico brasileiro tem uma legislação muito moderna e em consonância com os tratados internacionais para tratamento do menor em situação delitiva.
Portanto, é possível analisar por essa breve pesquisa que o ordenamento jurídico brasileiro passou por várias modificações durante as décadas, passou de uma lei que regulamenta apenas os procedimentos para uma legislação forte, principiológica, com técnica de aplicação de suas medidas para reinserção do menor em sociedade.
Contudo, nos dias atuais ainda se discuti penas mais severas aos menores, notadamente quando se confronta o aumento dos crimes graves sendo praticados por menores, obviamente para evitar aplicação de penas mais severas, contudo, tais medidas não irão diminuir ou frear o avanço da criminalidade por parte desses grupos.
Importante frisar, que nossa legislação tem todo um arcabouço normativo voltado para aplicação de medidas socioeducativas conforme demonstrado que, sendo aplicada de forma coerente e pedagógica diminuirá muito os índices atuais.
Posto isso, é necessário salientar que uma nova legislação voltada para diminuição da maior idade penal só irá criar mais bandidos em sociedade, uma vez que, o menor considerado criminoso iria ser inserido cada vez mais cedo no mundo da criminalidade.
Contudo, observa-se que a legislação aplicada atualmente prevê vários meios alternativos para recuperação do jovem em situação delitiva, todavia, essa recuperação só será possível se houver comprometimento de todos os agentes previstos no texto constitucional, principalmente a família como base para recuperação desses jovens.
Nesse sentido, resta claro que a legislação foi evoluindo com o passar dos anos para que o jovem delituoso fosse cada vez mais preparado durante o período em que está sob a proteção para que sua reinserção em sociedade fosse a mais natural possível, uma vez que, a recuperação daquele jovem propicia uma sociedade mais consciente e mais forte.
Posto isso, percebe-se que não se trata de falta de legislação apta a ressocialização e reinserção do menor em sociedade, o que existe é uma desvirtuação das medidas socioeducativas que visam auxiliar os jovens na sua reestruturação.
4. CONCLUSÃO
O presente artigo teve objetivo fulcral contribuir para discussão acerca do melhoramento do sistema brasileiro de medidas socioeducativas praticadas no Brasil em consonância com as legislações internacionais e a constituição de 1988.
Percebe-se que houve um crescimento histórico da legislação e nas políticas públicas voltadas para o atendimento de crianças e adolescentes e situação de delinquência, considerando que, por muito tempo a legislação colocava o menor e situação de exposição a mais crimes e a impossibilidade de reinserção do menor em sociedade.
Observou-se por todo exposto que a legislação evolui junto com a sociedade, buscando sempre melhorar a relação do menor que comete crime com a sociedade, família e o Estado, políticas públicas foram inseridas objetivando auxiliar nessa tarefa para traçar meios que promovessem uma política assistencial voltada a recuperação do menor infrator.
Ademais, percebe-se que a legislação atual é protecionista, integradora e com vários métodos para auxiliar o menor na sua recuperação e reinserção na sociedade, portanto, entendemos que o meio para diminuir o quadro que encontra-se exposto é melhorar o sistema de assistencialismos existente, aumentar o número de profissionais que trabalham nesse sistema de reeducação do menor e garantir que seus direitos sejam mantidos, mesmo que em situação de delinquência ao qual se encontre.
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TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 18ª ed. São Paulo. Saraiva, 2020.
Bacharelanda do Curso de Direito do Centro Universitário FAMETRO
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTOS, Julie Thaytê dos. A ineficácia das medidas socioeducativas frente ao escopo punitivista do estado. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 21 fev 2024, 04:11. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/57801/a-ineficcia-das-medidas-socioeducativas-frente-ao-escopo-punitivista-do-estado. Acesso em: 04 dez 2024.
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