Resumo: O Estatuto da Criança e do Adolescente, promulgado em 1990, é considerado um marco na proteção dos direitos e deveres de crianças e adolescentes. No entanto, o número de jovens desaparecidos no Brasil tem aumentado consideravelmente, sem a repercussão necessária para que o problema seja visto como verdadeiramente alarmante. Isso é evidenciado, entre outras coisas, pelo desconhecimento da população sobre a temática, pela ausência das medidas dispostas na legislação, bem como pela omissão de determinados agentes nos casos envolvendo o desaparecimento de crianças e adolescentes. Este artigo tem como objetivo trazer visibilidade ao tema, identificando os principais fatores que influenciam o sequestro e o tráfico infantil, bem como suas nuances, além de analisar a eficácia das políticas públicas atualmente em vigor.
Palavras-chave: Crianças desaparecidas. Ausência de Políticas Públicas. Tráfico ilegal de crianças.
Abstract: The Statute of the Child and Adolescent, enacted in 1990, is considered a milestone in protecting the rights and duties of children and adolescents. However, the number of missing young people in Brazil has increased considerably, without the necessary repercussions for the problem to be seen as truly alarming. This is evidenced, among other things, by the population's lack of knowledge about the issue, the absence of measures set out in legislation, as well as the omission of certain agents in cases involving the disappearance of children and adolescents. This article aims to bring visibility to the issue, identifying the main factors that influence child abduction and trafficking, as well as their nuances, and analyzing the effectiveness of public policies currently in force.
Keywords: Missing children. Lack of public policies. Illegal child trafficking.
1 INTRODUÇÃO
O aumento alarmante dos casos de desaparecimento e tráfico infantil no Brasil tem gerado preocupações significativas sobre a segurança e proteção de crianças e adolescentes. Dados recentes revelam uma escalada inquietante nesses casos, apontando a urgência de uma abordagem mais eficaz para enfrentar esse problema. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), promulgado em 1990, marcou um avanço crucial na proteção dos direitos de jovens, estabelecendo uma base legal robusta para garantir seu bem-estar, no entanto, apesar dos esforços legislativos e das políticas públicas implementadas, a eficácia dessas medidas enfrenta desafios substanciais.
O Mapa da Segurança Pública divulgado no ano de 2024, apontou que no ano de 2023 o Brasil registrou o desaparecimento de 82.287 (oitenta e dois mil e duzentos e oitenta sete) pessoas, um aumento de 2% se comparado aos desaparecimentos ocorridos no ano de 2022, que foram de 80.675 (oitenta mil seiscentos e setenta e cinco). O Mapa aponta ainda, que dentro desse percentual, 25% dos desaparecidos têm entre 0 a 17 anos, ou seja, são crianças e adolescentes.
Embora o percentual seja significativo, não é possível afirmar que as medidas adotadas pelo poder público sejam suficientes para que essas crianças e adolescentes retornem em segurança para as suas casas, isso porque há desde a ausência de um tipo penal específico até as diferentes formas com as quais as delegacias se debruçam e tratam os casos dificultando o reencontro de tantos filhos e filhas com seus pais, que ora são considerados vítimas também, ora são tratados como os causadores do desaparecimento.
Ainda, em que pese o ECA e a própria Constituição Federal garantirem proteção integral às crianças e aos adolescentes, a legislação só pôs a salvo a investigação imediata de desaparecimento desses indivíduos no ano de 2005, por meio da Lei n.º 11.259/05, o que significa dizer que antes dessa legislação, a investigação envolvendo os casos de desaparecimento de crianças e adolescentes tinha o mesmo padrão das investigações de adultos, por exemplo, ignorando completamente que as nuances do desaparecimento de jovens são distintas da população adulta.
Com base nisso, e através da pesquisa bibliográfica e documental, este artigo se dedicará a explorar os fatores que contribuem para o desaparecimento de crianças e adolescentes no Brasil, analisando a eficácia das políticas públicas atuais e discutindo possíveis melhorias para enfrentar esses problemas de maneira mais eficaz. Através dessa análise, se busca demonstrar a gravidade da situação, chamando a atenção para um grito que não tem sido ouvido e para a quantidade de vulneráveis que, atualmente, se encontram em local incerto.
2 O DESAPARECIMENTO DE CRIANÇAS NO BRASIL
A praia da Barra da Tijuca no Rio de Janeiro, foi o palco de um desaparecimento que mobilizou, por um tempo, a imprensa nacional no início do ano de 2024, o caso do menino Édson Davi, de 7 anos de idade, que desapareceu enquanto brincava na praia. A polícia civil trabalha com a hipótese de afogamento, mas a família da criança contratou um advogado e um detetive particular que apresentaram no mês de julho relatórios e uma petição solicitando a intervenção da polícia federal no caso, por considerarem que se trata de um caso evidente de sequestro (CNN, 2024).
Um outro caso de desaparecimento que também teve considerável repercussão, envolveu a criança Ana Sophia, de 8 anos de idade, que residia no interior da Paraíba e desapareceu em julho de 2023. A polícia afirma que o crime teve cunho sexual e que Ana Sophia está morta, após ter sido abusada sexualmente, mas o corpo da menina ainda não foi encontrado e o principal suspeito do desaparecimento está morto (G1, 2024).
Ana Sophia e Édson Davi são duas das mais de cinco mil crianças desaparecidas no Brasil, segundo o Fórum de Segurança (2023, p. 29), o que reflete uma fragilidade na forma com a qual a sociedade tem acesso a essa problemática, que afeta não só as vítimas, mas também a família e a própria comunidade. A despeito disso, o Mapa dos Desaparecidos do Brasil, elaborado pelo Fórum de Segurança (2023) aponta:
No Brasil, inúmeros casos de desaparecimento chamaram a atenção da mídia no século 20. Dois deles, que ganharam manchetes constantes nas grandes revistas semanais da época, foram o da milionária Dana de Teffé́ em 1961, e do menino Carlinhos, sequestrado em 1973 no Rio de Janeiro, cujo sequestrador não compareceu ao local para receber o dinheiro do resgate e o garoto nunca foi localizado. Ambos os casos têm, em comum, o fato de as vítimas pertencerem às classes mais abastadas. Por outro lado, raramente a imprensa se fixou em casos envolvendo o desaparecimento de pessoas das classes menos abastadas. Para que isso ocorresse havia necessidade de a ocorrência ser chamativa e um desses chamarizes é, normalmente, a violência empregada contra a vítima. Como no caso de Araceli, no Espírito Santo, que fora sequestrada e, conforme a autópsia, estuprada, teve seu corpo encontrado seis dias depois, carbonizado. Outro caso de destaque foi a chacina de Acari, em 1990, que recebeu notabilidade pelo número de envolvidos: 11 adolescentes foram levados por pessoas que se diziam policiais e, até hoje, nunca retornaram, tampouco seus corpos foram localizados. Os desaparecimentos no cotidiano são comuns no Brasil. (Fórum de Segurança, 2023, p. 7)
Em que pese o problema envolvendo o desaparecimento de crianças e adolescentes ser antigo, a legislação sobre é bem recente. A lei n.º 13.812, que instituiu a política nacional de busca de pessoas desaparecidas e criou o cadastro nacional de pessoas desaparecidas, alterando inclusive o ECA, só foi promulgada no ano de 2019. O artigo 2º da legislação se ocupa de definir o que seria uma pessoa desaparecida e ainda dispõe sobre o conceito de criança e adolescente desaparecido, apontando o seguinte:
Art. 2º Para efeitos desta Lei, considera-se:
I - pessoa desaparecida: todo ser humano cujo paradeiro é desconhecido, não importando a causa de seu desaparecimento, até que sua recuperação e identificação tenham sido confirmadas por vias físicas ou científicas;
II - criança ou adolescente desaparecido: toda pessoa desaparecida menor de 18 (dezoito) anos;
A definição de pessoa desaparecida é clara ao afirmar que basta que o paradeiro seja desconhecido ou incerto, no caso, independente de as investigações apontarem se a vítima está viva ou morta, ela será considerada desaparecida até que seja localizada, ou até que um corpo seja reconhecido e os dados de seu desaparecimento permanecerão nas estatísticas brasileiras de desaparecidos, que muito embora não tenham ampla divulgação, existem.
As crianças vêm sendo um público consideravelmente atingido pelo desaparecimento, tanto pelo quesito da vulnerabilidade, pois não possuem as habilidades necessárias para apresentar resistência, quanto pela facilidade que os sequestradores encontram de mover-se com elas dentro do território, principalmente nas áreas mais abastadas. Além disso, o desaparecimento de crianças também pode estar associado, como se verá nos próximos capítulos com a adoção ilegal; exploração sexual; remoção de órgãos etc.
3 AS NUANCES DO DESAPARECIMENTO DE ADOLESCENTES NO BRASIL
Segundo o Mapa de Desaparecidos no Brasil, do Fórum de Segurança de 2023, em pesquisa que contemplou o triênio 2019-2021, das cerca de 60.000 (sessenta mil) pessoas desaparecidas no país no ano de 2021, o percentual de 29,3% delas são jovens na faixa etária de 12 a 17 anos, e 14,3% são jovens na faixa etária de 18 a 24 anos.
De acordo com o relatório do Fórum Segurança (2023, p. 35), embora os jovens sejam as principais vítimas de desaparecimento, eles também são os mais frequentemente encontrados, no entanto, as condições e as causas desses desaparecimentos permanecem pouco claras.
Quando se trata do desaparecimento de jovens, o Fórum de Segurança (2023, p. 31) destaca que esses casos não recebem a devida atenção da polícia civil, que trata os desaparecimentos como problemas familiares e não promove uma efetiva investigação. A promotora de justiça do Ministério Público de São Paulo, Eliana Vendramini, aponta que as denúncias de desaparecimento são recebidas com preconceito pelos órgãos de investigação:
O contato prático com o tema permite afirmar que a notícia do desaparecimento é recebida, desde logo, com presunções e preconceitos. Que a busca só ocorre em relação a determinadas vítimas, que não existe interesse administrativo em realizar, pelo menos, um banco de dados a interconectar serviços públicos como de hospitais, prisões, necrotérios e cemitérios (entre outros), e que é permitida a incineração de ossadas de pessoas não reclamadas ou não identificadas (por nome) inumadas em terreno público. (FÓRUM DE SEGURANÇA PÚBLICA, 2023, p. 16)
A fala da promotora muito embora se debruce sobre a situação de São Paulo, é plenamente aplicável aos demais estados brasileiros, isso porque há no imaginário social a ilusão de que os adolescentes não são mais vulneráveis e agem sempre por vontade própria, de forma que quando a família relata o desaparecimento desses indivíduos, é vista como a principal causadora do desaparecimento, seja por problemas familiares, por violência doméstica ou pela própria “rebeldia” adolescente. Guimarães, em entrevista para o portal Lunetas (2023) apontou o seguinte:
Adolescentes têm mais condições de desaparecem por vontade própria – e permanecerem “desaparecidos”. Já os desaparecimentos de crianças dificilmente são por vontade própria; em geral, há a ação de alguém causando a ausência”, compara. “Embora mais autônomos, adolescentes ainda são cidadãos relativamente incapazes, que contam com adultos legalmente responsáveis por qualquer mal que lhes ocorra por descuido ou negligência. (LUNETAS, 2023)
No que diz respeito ao desaparecimento de adolescentes, ainda que ocorra por “vontade própria”, ele não pode ser considerado como voluntário, isso porque envolve pessoa reconhecida pelo ECA como vulnerável, de forma que todo desaparecimento envolvendo pessoas nessa faixa etária, é reconhecido como involuntário, devendo ser tratado como tal.
4 FATORES SOCIOECONÔMICOS E CULTURAIS QUE INFLUENCIAM NO DESAPARECIMENTO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES
As crianças e os adolescentes são grandes vítimas de desaparecimento no Brasil, representando, como visto, um percentual de 35% (trinta e cinco por cento) dos desaparecidos totais do país, mas também é preciso pontuar as condições socioeconômicas e culturais onde os desaparecidos estão inseridos.
Em entrevista ao Lunetas (2023), a gerente sênior de programas do Freedom Fund no Brasil, Débora Aranha, abordou a vertente social e econômica do desaparecimento de crianças e adolescentes, veja-se:
O tráfico de pessoas é um fenômeno global causado pela desigualdade socioeconômica e de poder, sobretudo pelo lucro. Há sempre alguém que se aproveita da condição da vítima em formas de exploração extrema. Nesse sentido, isso se cruza com diversos sistemas de opressão, como racismo, patriarcalismo, sexismo, homofobia e transfobia. Com crianças e adolescentes, especialmente meninas, a desigualdade é mais marcante. Por fim, o destino mais comum é a exploração no mercado do sexo, em casas privadas, hotéis e bares, ou em locais de grande trânsito e circulação, como rodovias e hidrovias. (LUNETAS, 2023)
As questões socioeconômicas influenciam diretamente no desaparecimento de crianças e adolescentes, mas não apenas isso, também influenciam a forma com a qual a denúncia é recebida pelas autoridades competentes, como a investigação se dá, bem como a forma que os familiares serão tratados no curso desse procedimento.
A lei n.º 13.812/19, que aborda a política nacional de busca de pessoas desparecidas também põe a salvo o tratamento que será destinado aos familiares dos desaparecidos, dispondo em seu artigo 15 que “o poder público implementará programas de atendimento psicossocial à família de pessoas desaparecidas” (BRASIL, 2019), contudo, não é isso que é visto nos atendimentos que têm sido realizados nos casos de desaparecimentos em todas as regiões e locais do Brasil.
O Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (Cesec) publicou no ano de 2022 um estudo sobre o desaparecimento de crianças e adolescentes, e afirmou que dentre os familiares dos desaparecidos, os que eram negros e pobres sofriam com graves falhas no atendimento (Cesec, 2022), expondo os seguintes casos:
No dia 9 de janeiro de 2015, a menina Vitória Nunes Barcelos dos Santos, na época com 3 anos, sumiu da porta de uma igreja em Benfica, na Zona Norte, onde tinha ido com a mãe Flávia Nunes Barcelos, de 37, para assistir um culto evangélico. O desaparecimento ocorreu num curto espaço de tempo em que a mulher se afastou da filha para buscar um copo de água para a garota. Foi o início de uma busca que dura até hoje. A primeira dificuldade foi fazer o registro na delegacia, onde pediram que ela voltasse no dia seguinte, depois que completasse 24 do sumiço da criança, apesar de, desde 2005, já existir uma lei determinando que essa busca seja imediata, até porque cada minuto pode fazer diferença. No caso de Márcia Cristina França de Albuquerque, de 57, moradora em Campo Grande, na Zona Oeste, o descaso na delegacia do bairro foi tão grande que ela só conseguiu registrar o boletim de ocorrência sete dias após o desaparecimento do filho Jowayner Athayde de Albuquerque Júnior, em 2013. Na época ele tinha 16 anos. (CESEC, 2022)
Os relatos expostos pelo Cesec (2022) expõem uma realidade vivenciada por diversas mães e familiares de desaparecidos no Brasil, principalmente os que possuem condições mais humildes. O Fórum de Segurança (2023) reafirma o entendimento acima, senão veja-se:
Apesar de os adolescentes constituírem o principal grupo de desaparecidos na maior parte do país, os relatos dos entrevistados indicam que a investigação destes casos não é tida como prioridade pelas Polícias Civis, uma vez que com- preendidos como “problema de família”. Neste sentido, não apenas as causas, mas também as responsabilidades e possibilidades de solução são deslocadas para o interior das unidades domésticas. As famílias são vistas como “instâncias produtoras de desaparecimentos” em função da violência doméstica ou fruto da “rebeldia” dos adolescentes. É comum, portanto, que a polícia, nesses casos, apenas faça o registro, sem que haja uma atuação policial. (FÓRUM DE SEGURANÇA PÚBLICA, 2023, p. 31)
Não obstante os dados existentes não fornecerem uma precisão quanto à classe, perfil étnico-racial e perfil socioeconômico dos desaparecidos, os estudos apontam para um padrão pré-definido: pessoas pardas ou negras, oriundas de comunidades carentes ou de famílias desestruturadas em decorrência de violência ou necessidade. Eis o que aponta o antropólogo abaixo:
Santos acredita que a maioria dos casos de desaparecimento começa com fuga do lar por motivo de conflito familiar, envolvendo violência física e até sexual. “A fuga é um sinal de sanidade para escapar da violência. O problema é que entre fugir de casa e o local onde a criança ou adolescente vai ficar podem acontecer muitas coisas e os desaparecidos ficam vulneráveis às redes de aliciamento para exploração e tráfico.” (REDE BRASIL ATUAL, 2009)
Ainda sobre as questões socioeconômicas, os pesquisadores da temática compreendem que os altos níveis de pobreza influenciam no desaparecimento de crianças e adolescentes, pois enquanto as de maior poder aquisitivo são capazes de encontrar apoio ou suporte dentro de seu próprio meio, as de locais mais humildes não gozam do mesmo suporte, recorrendo à meios e pessoas que as colocam em perigo:
Conforme o secretário executivo do Conanda, as crianças pobres, mais vulneráveis socialmente, sofrem mais. “A classe média tem ainda alguma imunidade. Guarda relações de parentesco, pelas quais as crianças podem circular”, avalia. Segundo ele, os meninos e as meninas pobres que fogem acabam encontrando “formas de sobrevivência em redes clandestinas”, como tráfico de drogas e exploração sexual. (REDE BRASIL ATUAL, 2009)
Não fosse isso suficiente, há ainda o fato de que crianças desaparecidas geralmente são encontradas com resquícios de grave violência física e até sexual, o ponto é que devido a vulnerabilidade ocasionada pela própria condição física, ainda podem estar expostas à violência familiar ou do ambiente em que vivem, veja-se:
Santos chama atenção para os casos de “desaparecimento enigmático” de crianças que somem na rua ou são levadas de dentro de casa. Estima-se que esses casos, que são pouco solucionados, representem de 10% a 15% do total. “Esse é o tipo mais dramático porque é um percentual muito pequeno de crianças que são achadas. E é elevado o número de crianças encontradas mortas, com sinais de violência e sevícias [maus-tratos e crueldade]”, alerta. (REDE BRASIL ATUAL, 2009)
Dessa forma, o desaparecimento de crianças e adolescentes pode ser visto como um fenômeno também socioeconômico, e muito embora não seja possível aferir isso por meio dos dados, que possuem lacunas consideráveis em razão das subnotificações e da ausência de especificações das características dos desaparecidos, é possível verificar por meio dos padrões identificados nos estudos antropológicos e sociológicos existentes.
5 O DESAPARECIMENTO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES NO BRASIL E SUA RELAÇÃO COM O TRÁFICO DE PESSOAS
A preocupação com o desaparecimento de crianças e adolescentes envolve não apenas o fato do desaparecimento em si, mas também as diversas motivações e circunstâncias que o cercam, e nesse quesito, um fator que chama atenção inclusive da comunidade internacional, diz respeito ao tráfico de pessoas, seja com a finalidade de exploração sexual, de remoção de órgãos ou para a realização de trabalhos análogos à escravidão.
Diante desse cenário, as Nações Unidas se movimentaram no sentido de elaborar o Protocolo de Palermo, que foi aprovado no Brasil por meio do Decreto n.º 5.017 de 12 de março de 2004, e que se trata de um protocolo adicional à Convenção das Nações Unidas contra o crime organizado transnacional relativo à prevenção, repressão e punição do tráfico de pessoas, em especial mulheres e crianças. A respeito desse documento, eis o que aponta Freire e Furlan (2022):
Dessa forma, o tráfico de pessoas, enquanto fenômeno jurídico e social, passou a ser pauta de discussões nacionais e internacionais, e, no ano 2000, na assembleia da Organização das Nações Unidas em Palermo, foi estabelecido o Protocolo de Palermo. Tal documento, de efeito transnacional, teve por finalidade discutir, promover ações e aparatos legais contra a criminalidade organizada, contra o tráfico de pessoas, especialmente mulheres e crianças, contra o contrabando de armas. (FREIRE e FURLAN, 2022, p. 331)
Importa mencionar que no artigo 3, alínea d, o protocolo classifica como criança qualquer pessoa inferior a dezoito anos, uma definição diferente da ofertada pelo ECA, visto que o instrumento brasileiro diferencia crianças e adolescentes, contudo, a definição não prejudica a proteção oferecida a esse grupo, de forma que foi incorporada à legislação brasileira sem maiores ressalvas nesse quesito. Ainda, o artigo 3, define o tráfico de pessoas como sendo:
o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou uso da força ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra para fins de exploração. A exploração incluirá, no mínimo, a exploração da prostituição de outrem ou outras formas de exploração sexual, o trabalho ou serviços forçados, escravatura ou práticas similares à escravatura, a servidão ou a remoção de órgãos (BRASIL, Decreto nº 5017, 2004, art. 3)
No dia 30 de julho de 2024, em alusão ao dia mundial contra o tráfico de pessoas, a ONU lançou uma campanha global que apela por uma ação conjunta entre todos os países para combater o tráfico de crianças e adolescentes em todo o mundo, isso porque, segundo dados da própria Organização das Nações Unidas, as crianças e os adolescentes são significativamente as maiores vítimas do tráfico de pessoas, estimando-se que 1 entre 3 vítimas em todo o mundo é uma criança (ONU, 2024).
Segundo dados da ONU, o tráfico de pessoas possui uma área mais atingida, os países localizados nas regiões da África Subsaariana, no norte da África, na América Latina e no Caribe possuem 60% das vítimas de tráfico no mundo (ONU, 2024). Diante desse cenário, importa mencionar algumas das vertentes que envolvem o tráfico de pessoas.
5.1 EXPLORAÇÃO SEXUAL
O Estatuto da Criança e do Adolescente é enfático ao apontar em seu artigo 5º que nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de exploração, inclusive, sexual. Ainda, por meio do Decreto n.º 10.701 de 17 de maio de 2021, o Brasil instituiu o programa nacional de enfrentamento da violência contra crianças e adolescentes e a comissão intersetorial de enfrentamento à violência contra crianças e adolescentes, que tem por objetivo, conforme estipulado em seu artigo 2º o seguinte:
Art. 2º O Programa Nacional de Enfrentamento da Violência contra Crianças e Adolescentes visa a articular, consolidar e desenvolver políticas públicas voltadas para a garantia dos direitos humanos da criança e do adolescente, a fim de nuário-los de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, abuso, crueldade e opressão. (BRASIL, Decreto nº 10.701, 2021, art. 2).
Dentre as disposições existentes na legislação, uma delas é a de que a comissão intersetorial de enfrentamento à violência contra crianças e adolescentes seria responsável por “formular propostas de ações e de políticas públicas relacionadas com o plano nacional de enfrentamento à violência sexual contra crianças e adolescentes de forma articulada com o Conanda” (BRASIL, 2021, art. 8, IV). Nesse sentido, importa compreender o que seria a exploração sexual:
a expressão exploração sexual comercial contempla dimensões mais representativas e elucidativas, porque revela que crianças e adolescentes são vitimados por uma série de fatores de ordem econômica, social, estrutural e simbólica nas quais perdem a sua condição de sujeitos e são transformados na condição de objeto da violência. (PEREIRA, 2009, p. 44, apud FREITAS e FURLAN, 2022, p. 332).
Não obstante, a exploração sexual além de tratar a criança e o adolescente como objetos de violência também os coloca como sendo uma mercadoria, conforme bem delineado abaixo:
A exploração sexual comercial de crianças é uma violação fundamental dos direitos da criança. Essa violência envolve o abuso sexual por adultos e a remuneração em espécie ao menino ou menina e uma terceira pessoa ou várias. A exploração sexual comercial de crianças constitui uma forma de coerção e violência contra crianças, que pode implicar o trabalho forçado e formas contemporâneas de escravidão (LIBÓRIO, 2005, p. 413, apud FREITAS e FURLAN, 2022, p. 333)
De janeiro a maio de 2024, o Brasil contabilizou 11.692 (onze mil seiscentos e noventa e duas) denúncias relacionadas a violência sexual de crianças e adolescentes (BDF, 2024), o número expressivo diz respeito apenas aos casos em que houve uma denúncia, então muito embora o número demonstre o alarme que precisa ser feito em relação a essa perpetuação de violações aos direitos de crianças e adolescentes, é apenas a ponta do iceberg, porque existem ainda os casos que não são registrados. Alguns autores apontam que o número de denúncias tem aumentado significativamente, veja-se:
De acordo com o Disque 100, houve um aumento de 14% de denúncias no ano de 2019 em comparação ao ano de 2018, sendo, 86,8 mil representados por denúncias acerca da violação dos direitos das crianças e adolescentes (dados do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, 2020). Continuamente, o Brasil contempla em suas rodovias pontos vulneráveis a exploração sexual comercial de crianças e adolescentes, sendo a BR-116 como a pior rodovia do mundo com pontos de exploração de crianças e de adolescentes, de acordo com reportagem feita pelo jornalista Matt Roper e publicado no jornal britânico “Mail Online” (2013).Os números são alarmantes, mas, a realidade de vida dessas pessoas é ainda mais preocupante, haja vista o índice crescente da pobreza, da exclusão social, da falta de recursos, da ausência da garantia do direito à escolarização e da ineficácia das políticas públicas (FREITAS e FURLAN, 2022, p. 333).
Dessa forma, a importância de se promover ações articuladas entre os países e também dentro do próprio território nacional se fazem imprescindíveis, visto que casos de desaparecimento podem estar diretamente ligados a casos de exploração sexual, que transformam as crianças e adolescentes em produtos, indo contra todos os direitos e garantias que os textos constitucionais e internacionais garantem a esse grupo vulnerável.
5.2 ADOÇÃO ILEGAL
Dados do Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (2024), apontam que o Brasil possui atualmente 4.782 (quatro mil setecentos e oitenta e duas) crianças disponíveis para adoção, e da mesma forma, possui 35.953 (trinta e cinco mil novecentos e cinquenta e três) pretendentes aptos para a adoção. A discrepância evidencia as exigências dos adotantes, que de tão rigorosos não abrangem as crianças que atualmente estão disponíveis.
A forma que algumas pessoas encontram para adotar, acaba sendo a “adoção à brasileira”, que consiste na prática de entregar diretamente o próprio filho para determinada pessoa com fins de que ela o adote, sem passar pelos trâmites disciplinados pela legislação de adoção. Muito comum na história do Brasil, a prática atualmente é considerada crime e está prevista no código penal brasileiro que assim dispõe:
Art. 242 – Dar parto alheio como próprio; registrar como seu o filho de outrem; ocultar recém-nascido ou substituí-lo, suprimindo ou alterando direito inerente ao estado civil: (Redação dada pela Lei nº 6.898, de 1981)
Pena – reclusão, de dois a seis anos. (Redação dada pela Lei nº 6.898, de 1981) (BRASIL, Decreto lei n.º 2.848, 1940, art. 242)
No ano de 2023, a imprensa brasileira tornou público o caso de uma criança de 2 anos de idade chamada Nicolas, que havia desaparecido no mês de abril de 2023 e veio a ser encontrada poucos dias depois em São Paulo com um casal que não tinha qualquer relação de parentesco com a criança. Uma reportagem do R7 feito à época, noticiou que se tratou inicialmente de um caso de desaparecimento, seguido de uma adoção ilegal (R7, 2023), o IBDFAM (2023) também apontou que a mãe do menino de dois anos contactou o casal por meio de um grupo de facebook onde a “compra” de recém-nascidos é realizada corriqueiramente.
O caso de Nicolas não é um caso isolado, uma reportagem investigava feita pela Metrópoles (2023) denunciou um esquema de venda de bebês que já vinha sendo monitorado pelo Ministério Público de São Paulo. Os grupos formados dentro do Facebook e do Whatsapp são compostos por mães biológicas e mulheres buscando uma adoção “à brasileira”, de forma que as mulheres que estão perto de entrar em trabalho de parto divulgam os valores que cobram pelas crianças recém-nascidas. O jornal Metrópoles (2023) teve acesso a uma conversa em que uma das mulheres, que estava no 8º mês da gestação ofereceu o filho por R$ 40.000,00 (quarenta mil reais).
A “venda” de crianças também é evidenciada na seara internacional e já foi alvo de investigações inclusive pela polícia federal, que também deflagrou operações e descobriu um esquema internacional para adoção ilegal, no ano de 2021, e descobriu que mães brasileiras, por meio de grupos de whatsapp e facebook realizavam a “venda” de seus próprios filhos, por valores aproximados de R$ 11.000,00 (onze mil reais) (CNN, 2021).
O esquema de adoção internacional é de difícil desarticulação, principalmente pela ausência de uma cooperação eficaz entre os países, bem como pela rota sempre diversa que os sequestradores realizam. No ano de 2024 a polícia federal se deparou com mais um esquema internacional de adoção ilegal, envolvendo uma brasileira que viajou para Portugal próximo da data do parto, teve o filho lá e retornou para o Brasil sem a criança (CartaCapital, 2024).
6 POLÍTICAS PÚBLICAS E A EFETIVIDADE DAS MEDIDAS DE PROTEÇÃO
A proteção dada às crianças e aos adolescentes no Brasil passou por uma considerável evolução, enfrentando desde a absoluta indiferença, quando o Estado não se preocupava com esse grupo; perpassando a fase da mera imputação criminal, quando o Estado tinha apenas a preocupação de punir a criança ou adolescente; chegando a fase da doutrina da situação irregular, em que o Estado se preocupava apenas com crianças e adolescentes que estivessem em uma “situação irregular”, ou seja, que não tivessem o amparo de um ambiente familiar estável; até finalmente chegar na doutrina da proteção integral, com o Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990.
O ECA é o pilar central do arcabouço legal de proteção às crianças e aos adolescentes no Brasil, desde a sua promulgação diversas legislações complementares foram criadas para fortalecer essa proteção, entre elas a lei n.º 13.812/19, que instituiu a política nacional de busca de pessoas desaparecidas, além de criar o cadastro nacional de pessoas desaparecidas no Brasil, com o objetivo de criar um sistema integrado de informações para auxiliar na localização de crianças e adolescentes desaparecidos, bem como na prevenção e combate ao tráfico de menores.
Contudo, é imprescindível ressaltar que a efetividade das referidas legislações não depende unicamente de sua criação – em que pese ser um grande passo -, mas também da forma que ocorre sua aplicação prática e da coordenação entre as esferas de poder e principalmente, entre os órgãos de segurança. A despeito disso, eis o que afirma Débora Aranha em entrevista concedida ao jornal Luneta (2023):
Pode-se evitar toda forma de violência contra crianças e adolescentes, principalmente por ações governamentais. Cabe ao Estado assegurar a efetivação das políticas públicas de enfrentamento ao tráfico de crianças e adolescentes, incluindo condições de vidas adequadas para elas e suas famílias, e a garantia à integralidade dos seus direitos. Além disso, deve implementar uma rede de apoio às vítimas, desde o acolhimento, recuperação física e mental, e reinserção socioprodutiva familiar e comunitária.
Desde que o Brasil assumiu junto à ONU o compromisso de enfrentar o tráfico de pessoas, se criaram leis com penas rígidas e estruturas importantes. Mas ainda é preciso garantir o investimento orçamentário efetivo para a implementação adequada das políticas da infância, inclusive do enfrentamento ao tráfico de crianças e adolescentes.
Nesse sentido, nossas pesquisas trazem diversas recomendações, como a necessidade de implementar programas de prevenção nas escolas baseados em evidências, aplicar regulamentos e códigos de conduta para evitar o tráfico sexual em locais como bares e hotéis, investir em treinamento especializado para agentes do governo (incluindo professores, profissionais de saúde, policiais, funcionários do judiciário e outros funcionários do sistema de garantia de direitos) e fortalecer a colaboração entre agências. (LUNETAS, 2023)
A colaboração entre agências é um ponto crucial, pois permite que a informação sobre crianças e adolescentes desaparecidas se espalhe de maneira rápida e ordenada, possibilitando inclusive, a identificação dessas pessoas de maneira célere. A despeito disso, importa observar:
De modo, que é necessário uma melhor articulação, para que possam atender melhor aqueles que infelizmente precisam desse tipo de suporte, visto que apesar dos anos de implantação de políticas públicas voltadas para o enfrentamento desta abordagem, ainda hoje em dias atuais a maior dificuldade enfrentada ainda é a deficiência do sistema de sincronização dos bancos de dados no país, o que dificulta a celeridade em solucionar os milhares de casos espalhados pelo Brasil, visto que os números tendem a crescer todos os anos. (TENÓRIO, 2024, p. 18)
O dia 30 de julho é marcado, também no Brasil, como o Dia Nacional do Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas e especificamente no dia 30 de julho de 2024, o Brasil anunciou, através do portal da ONU Brasil, o IV Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, um documento que objetiva nortear as ações e políticas do país no enfrentamento desse crime; e o Relatório Nacional sobre Tráfico de Pessoas, com dados de 2021 a 2023 (ONU, 2024).
É interessante perceber que o país tem visto a necessidade de se criar mecanismos que auxiliem no combate ao desaparecimento de crianças e adolescentes, contudo, é mais urgente ainda perceber quando esse entendimento chegou, em 2024, o que demonstra a ausência latente nos períodos anteriores de mecanismos nesse sentido, ou ainda, a ineficiência dos mecanismos existentes.
O IV Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas abordou, entre outras ações prioritárias, as seguintes:
Disseminar o tema do tráfico de pessoas e suas mais diversas formas de exploração nas escolas, com atenção especial à prevenção do tráfico de crianças e adolescentes.
Apoiar projetos de ciência e tecnologia para o desenvolvimento de ferramentas que colaborem para o enfrentamento ao tráfico de pessoas, com atenção ao ambiente digital.
Identificar lacunas na legislação e propor reformas que aprimorem as respostas institucionais ao aliciamento e exploração de vítimas do tráfico de pessoas em ambientes virtuais. (ONU, 2024)
O Ministério da Justiça e Segurança Pública firmou uma parceria com o Facebook e o Instagram para utilizar o Protocolo Ambert Alerts, que se destina à publicação de fotos em redes sociais de forma a ajudar nas investigações de crianças e adolescentes desaparecidos e até junho de 2024, teve a adesão de 9 estados brasileiros (Piauí, Acre, Espírito Santo, Paraná, Rio Grande do Norte, Santa Catarina, Amapá, Rio Grande do Sul e Pernambuco).
A parceria cumpre justamente com o requisito previsto no Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas de apoiar projetos de ciência e tecnologia para o desenvolvimento de ferramentas que possam vir a disseminar o tema do tráfico de pessoas, bem como auxiliar no reconhecimento e possível encontro das pessoas desaparecidas, eis o que aponta o diretor de operações integradas da Secretaria Nacional de Segurança Pública:
O diretor de Operações Integradas da Secretaria Nacional de Segurança Pública (Diopi/Senasp/MJSP), Rodney da Silva, ressaltou a importância da ferramenta na localização de crianças desaparecidas, por ser capaz de mobilizar rapidamente a comunidade e fornecer informações precisas, aumentando significativamente as chances de localização.
Sua eficácia reside na rápida disseminação de informações. É uma demonstração de como a tecnologia e a colaboração entre as forças de segurança pública podem ser utilizadas para proteger os mais vulneráveis em nossa sociedade”, disse Rodney. (Ministério da Justiça e Segurança Pública, 2024)
A medida também encontra previsão legal no artigo 13, da lei n. 13.812/19, que instituiu a política nacional de busca de pessoas desaparecidas, que assim determina:
Art. 13. O poder público também poderá promover, mediante convênio com órgãos de comunicação social e outros entes privados, a divulgação de informações e imagens de pessoas desaparecidas ainda que não haja evidência de risco à vida ou à integridade física dessas pessoas.
Parágrafo único. A divulgação de informações e imagens de que trata o caput deste artigo será feita mediante prévia autorização dos pais ou do responsável, no caso de crianças ou adolescentes desaparecidos, e, no caso de adultos desaparecidos, quando houver indícios da prática de infração penal. (BRASIL, 2019, artigo 13)
Saliente-se que as legislações, de fato, são bem elaboradas, o fato de os desaparecimentos se tornarem cada vez mais crescentes não diz respeito a ausência de leis, mas sim, a ausência de sua efetiva aplicação. Corrobore-se a tal afirmação o entendimento abaixo:
Importa ressaltar que a lei 13.812/2019 é uma lei bem redigida que em plena funcionalidade ajudaria a combater os casos de desaparecimento no país, deste modo, salvaguardando milhares de crianças e adolescentes, assim, é importante o comprometimento de todos os atores envolvidos neste processo, para que sua efetividade possa ter impacto real na vida de famílias que enfrentam o drama de ter seus desaparecidos, cabe destacar que boas ações caminham para o bem.
O CNPD definido pelo artigo 5º da Lei 13.812/2019 é de suma importância para o enfrentamento de casos de desaparecimentos de crianças pois, permite o acesso a informações públicas e sigilosas para o auxílio da população, auxiliando como uma ferramenta essencial na busca de crianças e adolescentes desaparecidos, em seus bancos de dados são alimentados com informações relevantes como impressões digitais e dados genéticos ferramentas essenciais em casos de desaparecimentos de pessoas e menores, excelente lei, o que falta sua é o compromisso das autoridades e órgãos competentes em dar-lhe efetividade (TENÓRIO, 2024, p. 22)
Dessa forma, é imprescindível que o poder público se dedique não apenas a elaborar legislações, mas que de igual forma as coloque em prática, seja por meio de preparação técnico especializada de seus agentes, através da ampliação das medidas já existentes, bem como difundindo e dando conhecimento à população da temática do tráfico de pessoas, principalmente no que tange à crianças e adolescentes.
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Crianças e adolescentes têm sido um alvo crescente de desaparecimento no decorrer dos anos, para além da pouca cobertura jornalística sobre o tema, não se tem, na sociedade, um entendimento maior de que não se trata de casos isolados. O fato de as famílias menos abastadas serem as mais afetadas, impõe um viés preconceituoso sobre a situação, que se inicia desde o momento da denúncia e vai até o arquivamento do caso sem que tenha havido qualquer solução.
O desaparecimento desse grupo hiper vulnerável pode estar relacionado com esquemas de adoção ilegal (seja internacional ou nacional); com fins de exploração sexual; e ainda com a remoção de órgãos para a venda ilegal. E nesses quesitos, a ONU apontou que os países que possuem as maiores taxas de desaparecimento à nível global são os da América Latina, Caribe e da África; organizações da sociedade civil que monitoram essas situações, apontam que o percentual elevado nessas regiões se dá principalmente pela quantidade de redes sociais, de acesso indiscriminado e de pouca ou nenhuma regulação ou controle sobre isso.
Evidentemente, reportagens de jornais brasileiros entre 2021 e 2024 apontaram, por exemplo, o uso de grupos abertos no próprio Facebook para venda de crianças, que chegavam a “custar” entre R$ 11.000,00 (onze mil reais) e R$ 40.000,00 (quarenta mil reais), de forma que mesmo que o Ministério Público monitore, denuncie e peça a exclusão dos que tem conhecimento, outros são formados logo em seguida e as crianças continuam sendo vistas como mercadorias.
Não se pode deixar de perceber que muito embora o arcabouço legal seja grande, não tem se mostrado eficaz, porque os recursos necessários não são postos a favor dessas legislações, de modo que não há pessoal preparado à níveis técnicos para lidar com as situações de desaparecimento, que precisam ser analisadas dentro do menor espaço de tempo possível, além de que recursos também não tem sido investidos para informar à população, que ainda acredita, por exemplo, erroneamente, que os casos de desaparecimento só podem ser notificados após 24 horas, e que não tem qualquer dimensão da quantidade de desaparecidos.
60.533 (sessenta mil quinhentos e trinta e três), esse é o número de crianças e adolescentes desaparecidos no Brasil entre 2019 e 2021, levando em consideração que os números tem crescido anualmente de maneira exponencial, e que no ano de 2024, de janeiro à abril, 6.498 (seis mil quatrocentos e noventa e oito) desaparecimentos de crianças e adolescentes foram reportados, e que muitos ainda são subnotificados, podemos considerar que temos quase cem mil infâncias e juventudes perdidas, e muito embora fosse um número baixo, nada deveria apagar ou diminuir a imensa responsabilidade que o Estado e a sociedade tem nesse momento, porque a omissão de todos tem sido um dos fatores cruciais para que nossas crianças e adolescentes continuem sendo desaparecidas. Até quando ignoraremos o grito inocente que pede socorro.
8 REFERÊNCIAS
BRASIL. Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, p. 1, 31 dez. 1940. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm. Acesso em: 29 jul. 2024.
BRASIL. Decreto n. 5.017, de 12 de março de 2004. Promulga a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, p. 1, 15 mar. 2004. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/decreto/d5017.htm. Acesso em: 29 jul. 2024.
BRASIL. Lei n. 13.812, de 16 de março de 2019. Dispõe sobre a Política Nacional de Busca de Pessoas Desaparecidas e cria o Cadastro Nacional de Pessoas Desaparecidas. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, p. 1, 18 mar. 2019. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/L13812.htm. Acesso em: 29 jul. 2024.
BRASIL. Ministério da Justiça e Segurança Pública. Mais nove estados aderem à ferramenta que auxilia busca de crianças e adolescentes desaparecidos no Brasil. Disponível em: https://www.gov.br/mj/pt-br/assuntos/noticias/mais-nove-estados-aderem-a-ferramenta-que-auxilia-busca-de-criancas-e-adolescentes-desaparecidos-no-brasil#:~:text=De%20janeiro%20a%20abril%20de,%2D%20VDE)%2C%20do%20MJSP. Acesso em: 2 ago. 2024.
BRASIL DE FATO. Brasil registra mais de 11 mil denúncias de violação sexual contra crianças e adolescentes em 2024. Brasil de Fato, 18 maio 2024. Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/2024/05/18/brasil-registra-mais-de-11-mil-denuncias-de-violacao-sexual-contra-criancas-e-adolescentes-em-2024. Acesso em: 29 jul. 2024.
CARTA CAPITAL. Operação da PF investiga tráfico internacional e adoção clandestina de crianças brasileiras em países europeus. Carta Capital, 11 jun. 2024. Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/cartaexpressa/nuário-da-pf-investiga-trafico-internacional-e-adocao-clandestina-de-criancas-brasileiras-em-paises-europeus/. Acesso em: 29 jul. 2024.
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TENÓRIO, Meriane Ribeiro. Sos Crianças e Adolescentes Desaparecidos: O Grito que Não Está Sendo Ouvido. 2024. 36 f. Monografia (Graduação em Direito) – Pontifícia Universidade Católica de Goiás, Goiânia, 2024. Disponível em: <https://repositorio.pucgoias.edu.br/jspui/bitstream/123456789/7833/1/MERIANE%20RIBEIRO%20TENÓRIO.pdf>. Acesso em: 2 ago. 2024.
Servidor Público do Ministério Público da Paraíba e graduado em Direito pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CHAVES, André Luís Cavalcanti. Um grito silencioso: crianças e adolescentes brasileiros e a urgência do enfrentamento ao desaparecimento no Brasil Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 22 out 2024, 04:37. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/66814/um-grito-silencioso-crianas-e-adolescentes-brasileiros-e-a-urgncia-do-enfrentamento-ao-desaparecimento-no-brasil. Acesso em: 23 nov 2024.
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