ANDRÉ HENRIQUE OLIVEIRA LEITE[1]
(orientador)
RESUMO: Após surgirem debates sobre a impunidade e a necessidade de se castigar com o rigor devido os atos de importunação ocorridos em transportes públicos, o crime de importunação sexual foi inserido no Código Penal Brasileiro através da Lei nº 13.718, de setembro de 2018, que o tipificou no artigo 215-A punindo com pena de 01 a 05 anos quem age buscando satisfazer a si ou a terceiro a prática de atos libidinosos, isto é atos sexuais diversos da conjunção carnal, sem a concordância da vítima. Por se tratar de crime previsto há poucos anos, a pesquisa objetiva debater a eficácia da lei de importunação sexual no Brasil. A sua elaboração se deu por meio do método dedutivo de pesquisa, através de material bibliográfico, com análise qualitativa de textos e argumentos, com o objetivo de explorar os aspectos legais do crime de importunação sexual. A pesquisa demonstrou que existem percalços que dificultam o seu alcance e eficácia, mas que já é possível reconhecer sua essencialidade ao sistema penal, que antes tratava essa conduta como simples contravenção penal, punida apenas com multa.
Palavras-chave: Dignidade Sexual. Importunação. Artigo 215-A. Eficácia.
ABSTRACT: After debates arose about impunity and the need to punish oneself with rigor due to the acts of harassment that occurred on public transport, the crime of sexual harassment was included in the Brazilian Penal Code through Law No. 13.718, of September 2018, which typified it in article 215-A, punishing with a penalty of 01 to 05 years whoever acts seeking to satisfy himself or a third party the practice of libidinous acts, that is, sexual acts other than carnal conjunction, without the victim's agreement. As it is a crime predicted for a few years, the research aims to debate the effectiveness of the sexual harassment law in Brazil. Its elaboration took place through the deductive method of research, through bibliographical material, with qualitative analysis of texts and arguments, with the objective of exploring the legal aspects of the crime of sexual harassment. The research showed that there are obstacles that hinder its reach and effectiveness, but that it is already possible to recognize its essentiality to the penal system, which previously treated this conduct as a simple criminal misdemeanor, punishable only with a fine.
Keywords: Sexual Dignity. Annoyance. Article 215-A. Efficiency.
Sumário: Introdução. 1. A Proteção Legal à Dignidade Sexual no Código Penal. 2. A Lei nº 13,718, de 24 de setembro de 2018. 3. O Crime de Importunação Sexual. 3.1 Definição. 3.2. Classificação do Tipo Penal. 4. Efetividade da Criminalização da Importunação Sexual no Brasil para a Sociedade. Considerações finais. Referências.
INTRODUÇÃO
A Constituição Federal de 1988 consagrou o princípio da dignidade da pessoa humana como fundamento do Estado Democrático de Direito, essencial a todo ser humano. A dignidade sexual de homens e mulheres está compreendida por esse direito fundamental e por isso possui ampla proteção estatal.
Por ser direito humano que deve ser assegurado pelo Estado, a dignidade sexual está resguardada pelo Código Penal, que criminaliza as situações em que a liberdade e dignidade sexual da vítima são violadas. Os tipos penais de maior gravidade estão previstos no ordenamento há décadas, contudo a norma sofreu alterações mais recentes a fim de incluir outros tipos penais.
A importunação sexual, conduta antes compreendida pela Lei de Contravenções Penais tornou-se crime em 2018, através da Lei nº 13.718 que incluiu o artigo 215-A ao Código Penal.
Essa alteração foi sancionada após o debate sobre o índice de casos de importunação em transportes públicos ser crescente bem como a impunidade do agente ser uma realidade em razão das sanções brandas previstas na Lei de Contravenções. Foi somente após casos de importunação sexual ter repercussão nacional que se tornou realidade a sua criminalização.
Hoje em dia, aquele que praticar atos libidinosos sem a anuência da vítima buscando sua satisfação ou de terceiro será punido com pena privativa de liberdade de um a cinco anos de reclusão.
Assim sendo, tendo em vista o crime de importunado foi inserido no ordenamento a pouco mais de três anos, a pesquisa aqui desenvolvida irá discutir sua efetividade na sociedade, através da abordagem da proteção legal dada às vítimas de crimes sexuais e do crime de importunação sexual previsto no Código Penal.
O estudo foi realizado por meio de material bibliográfico gratuito já publicado no Brasil após a alteração legislativa e não necessitou de prévia aprovação do Comitê de Ética ante a ausência de abordagem direta a outros seres humanos. A pesquisa é qualitativa e exploratória, com a exposição dos resultados de forma textual, com análise de argumentos e normas em vigor.
1 A PROTEÇÃO LEGAL À DIGNIDADE SEXUAL NO CÓDIGO PENAL
A liberdade sexual é um direito básico de homens e mulheres e está protegida pelo ordenamento jurídico brasileiro. A ofensa a esse direito pode ensejar a condenação do infrator, caso sua conduta esteja tipificada nas leis penais em vigor.
Atualmente, os crimes de natureza sexual estão previstos no Título VI do Código Penal denomino “Dos Crimes Contra a Dignidade Sexual”, com redação dada pela Lei nº 12.015/2009, antes intitulado de “Crimes contra os Costumes”, reformulando toda a matéria referente aos tipos penais previstos no referido título.
A expressão crimes contra os costumes já não traduzia a realidade dos bens juridicamente protegidos pelos tipos penais que se encontravam no Título VI do Código Penal. O foco da proteção já não era mais a forma como as pessoas deveriam se comportar sexualmente perante a sociedade do século XXI, mas sim a tutela da sua dignidade sexual (GRECO, 2017, p.1.120).
A norma penal objetiva proteger a dignidade sexual da vítima e não os costumes da sociedade, expressão pautada em ideais conservadores que muitas vezes afastava a proteção dada à mulher, garantindo os direitos sexuais apenas das mulheres tidas como honestas pela sociedade. O preconceito prejudicava muitas mulheres e protegia os homens, que não podiam ser punidos pela prática sexual contra a vontade de sua esposa. Com o passar do tempo e as lutas das mulheres pela igualdade, esse termo foi afastado para deixar claro o papel da lei de proteger a dignidade sexual da vítima (MASSON, 2014).
Portanto, desde 2009 é a dignidade sexual que tem a proteção do Código Penal. Derivada da dignidade da pessoa humana, a dignidade sexual goza da mesma proteção legal dada a esse fundamento do ordenamento jurídico, daí porque a sua violação é punida com penas mais rigorosas.
Ao mencionar dignidade sexual, como bem jurídico protegido, ingressa-se em cenário moderno e harmônico com o texto constitucional, afinal, dignidade possui a noção de decência, compostura e respeitabilidade, atributos ligados à honra. Associando-se ao termo sexual, insere-se no campo da satisfação da lascívia ou da sensualidade. Ora, considerando-se o direito à intimidade, à vida privada e à honra (art. 5º, X, CF), nada mais natural do que garantir a satisfação dos desejos sexuais do ser humano de forma digna e respeitada, com liberdade de escolha, porém, vedando-se qualquer tipo de exploração, violência ou grave ameaça (NUCCI, 2014, p. 1.182).
Os crimes contra a dignidade sexual estão previstos no Código Penal a partir de seu artigo 213 e está dividido em capítulos que tipificam crimes contra a liberdade sexual; exposição da intimidade sexual; crimes sexuais contra vulneráveis; rapto; lenocínio, prostituição, tráfico para fins de exploração sexual; e ultraje público ao pudor (BRASIL, 1940).
Em qualquer tipo penal que fere a dignidade sexual praticado pelo autor do fato, a natureza da ação é incondicionada, e pode o agente ser processado e julgado por seu crime independentemente de representação da vítima.
A Lei nº 12.015/2009 alterou significativamente o Código Penal para adequar a norma aos novos preceitos da sociedade e proteger a vítima de condutas que afrontam sua dignidade sexual.
Resultado comum da evolução da sociedade, é que com o passar do tempo novas situações vão surgindo, fato que desencadeia a criação de novos tipos penais para punir condutas hoje reconhecidamente violadoras da liberdade sexual. Um exemplo disso foi a tipificação do crime de Importunação Sexual que foi inserido no Código Penal por meio da Lei nº 13.718/2018, a ser estudada a partir de agora.
2 A LEI Nº 13.718, DE 24 DE SETEMBRO DE 2018
A aplicação de uma sanção necessita de prévia tipificação em norma penal, haja vista que somente a conduta considerada crime pode ser punida pelo Estado (BRASIL, 1940).
Foi somente em 2018 que a importunação sexual se tornou uma conduta passível de responsabilização penal, após atos dessa natureza passarem impunes por ausência de tipificação legal.
Em sua grande maioria, as principais vítimas de importunação ou outro tipo de assédio sexual são as mulheres, cuja prática se dá em locais públicos como ruas e transportes coletivos.
Para tornar crime essas situações, a Senadora Vanessa Grazziontin (PCdoB/AM), apresentou o Projeto de Lei do Senado (PLS) nº 618/2015, que em sua origem propunha a criação do tipo penal de estupro coletivo (SENADO FEDERAL, 2021), e que após tramitação em conjunto com outros projetos de lei, foi remetido à Câmara dos Deputados sob a numeração de PL nº 5452/2016.
Enquanto tramitava no Congresso Nacional, um episódio de importunação sexual causou repulsa social ao ser divulgado o caso de Diego Novaes, que após ejacular em uma mulher em um transporte público, foi liberado pelo julgador após Audiência de Custódia por sua conduta não se enquadrar no crime de estupro previsto no Código Penal. A sua conduta delitiva foi considerada mera contravenção penal, prevista no artigo 61 do Decreto-Lei 3688/1941 – hoje revogado, que punia com multa aquele que importunava o pudor de alguém em local público (BRASIL, 1941).
Mesmo possuindo histórico de mais 16 casos semelhantes, Diego Novaes foi solto pela polícia no dia seguinte. Na mesma semana, o mesmo indivíduo foi flagrado se esfregando em outra vítima, também em transporte público, sendo indiciado desta vez por “suspeita de ato obsceno” (THINK OLGA, 2019).
Essas situações reacenderam o debate sobre a necessidade de criminalizar essa conduta que ofende a dignidade sexual da vítima e que não era considerado um crime pelo ordenamento jurídico brasileiro.
Um ano após o ocorrido, foi sancionada a Lei de Importunação Sexual – Lei nº 13.718/2018, ementada nos seguintes termos:
Altera o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), para tipificar os crimes de importunação sexual e de divulgação de cena de estupro, tornar pública incondicionada a natureza da ação penal dos crimes contra a liberdade sexual e dos crimes sexuais contra vulnerável, estabelecer causas de aumento de pena para esses crimes e definir como causas de aumento de pena o estupro coletivo e o estupro corretivo; e revoga dispositivo do Decreto-Lei nº 3.688, de 3 de outubro de 1941 (Lei das Contravenções Penais). (BRASIL, 2018).
O objetivo dessa nova lei é de sanar a lacuna que antes existia no ordenamento, conforme argumenta Fabiana Dal’Mas Rocha Paes:
A lei procurou sanar uma lacuna legislativa que dificultava a capitulação jurídica e a formulação de denúncia no caso de determinadas condutas conhecidas popularmente como “assédio sexual”, como a “ejaculação”, a “apalpadas” as “passadas de mão”. Nos tipos penais existentes antes da lei eram a contravenção de importunação ofensiva ao pudor e o crime de estupro, cuja pena prevista é de 6 a 10 anos de reclusão. Houve revogação da contravenção penal de importunação ofensiva ao pudor, do artigo 61 da Lei das Contravenções Penais. Então algumas condutas como o assédio por meio de “cantadas”, grosseiras e agressivas, podem enfrentar uma dificuldade na tipificação, sendo até recomendável o enquadramento como contravenção de perturbação da tranquilidade (PAES apud THINK OLGA, 2019, p. 13).
O seu papel e sua essencialidade no ordenamento jurídico são evidentes, de modo que é oportuno agora debater o crime de importunação sexual criado por esta Lei, cuja caracterização doutrinária ainda é pouco conhecida, ante a sua recente inserção no Código Penal.
3 O CRIME DE IMPORTUNAÇÃO SEXUAL
3.1 DEFINIÇÃO
O cerne da questão que permeia a criação de um novo tipo penal é a sua conceituação, isto é, a conduta que o caracteriza a conduta ilícita.
A sua definição legal está prevista no artigo 215-A do Código Penal que criminaliza a importunação sexual, que consiste em “praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro” (BRASIL, 1940).
Portanto, a conceituação de importunação está ligada a outro termo, que necessita de definição: o ato libidinoso.
Ato libidinoso, espécie diversa da conjunção carnal, é o que propicia satisfação ou prazer, mas o atingimento desses estados é prescindível, desde que tenha sido o que moveu o agente para a prática (GRECO FILHO e JALIL, 2021, p.648).
Conforme ensina Rogério Greco, considera-se ato libidinoso “todos os atos de natureza sexual, que não a conjunção carnal, que tenham por finalidade satisfazer a libido do agente (GRECO, 2017, p.75)”.
Ou seja, a importunação sexual ocorre quando o agente delitivo pratica algum libidinoso para se satisfazer sexualmente, sem que a outra pessoa consinta com sua conduta.
A sua definição abrange situações que antes não se enquadravam nos demais crimes contra a liberdade sexual punidos com reprimenda desproporcional ao ato praticado.
pode ser considerado crime de importunação sexual o ato de apalpar as nádegas ou seios de alguém sem sua permissão, o de roubar-lhe um beijo e de ejacular em pessoa determinada. Parte da doutrina defende que tal reajuste, na verdade, baseia-se no Princípio da Proporcionalidade, se embasando no fundamento de que não se pode ter como condutas de mesma ofensividade o ato libidinoso e a ação de apalpar outrem, porquanto, ambas as condutas não poderiam ter a mesma reprimenda estatal (CAPEZ apud ARAUJO, 2021, p.18).
Uma vez definida a conduta de importunar sexualmente alguém, passamos a estudar as elementares do tipo penal segundo a doutrina brasileira.
3.2 CLASSIFICAÇÃO DO TIPO PENAL
O crime de importunação sexual está tipificado no artigo 215-A do Código Penal, inserido por meio da Lei 13718/2018, que pune com pena de reclusão de um a cinco anos aquele que “praticar contra alguém e sem sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro” (BRASIL, 1940).
O bem jurídico tutelado por esse crime é a liberdade e a dignidade sexual da vítima, que tem o direito de não ser importunada por terceiro que busca a satisfação sexual através de atos libidinosos.
Para que se caracterize o crime tipificado no artigo 215-A, é elementar a ausência de concordância da vítima com a prática do ato libidinoso, haja vista que o seu consentimento afasta a prática delitiva (BITENCOURT, 2018).
Outro elemento indispensável é a identificação de uma vítima. A expressão “contra alguém” contida no caput do tipo deixa clara a necessidade de que a vítima seja determinada (GRECO FILHO e JALIL, 2021).
Trata-se de delito comum, cujo autor e vítima podem ser tanto homem quanto mulher. O elemento subjetivo do crime é o dolo de, através do ato libidinoso, buscar satisfazer sua lascívia ou de terceiro determinado, inexistindo sua caracterização na modalidade culposa.
O crime é comissivo e ocorre por meio da prática de um ato libidinoso para satisfação da libido. É ainda plurissubsistente, de modo que pode ser consumado ou tentado.
O crime consuma-se com a prática, contra pessoa determinada, de ato libidinoso cuja finalidade seja a satisfação da lascívia e que não envolva os órgãos genitais. Tratando-se de crime plurissubsistente, admite-se, ao menos em tese, a tentativa, quando o agente, pretendendo praticar o ato libidinoso, é impedido do seu intento por circunstancias alheias à sua vontade (GRECO FILHO e JALIL, 2021, p.649).
Esse delito é caracterizado pela doutrina como um tipo penal subsidiário, que ocorre quando a conduta do autor não for abrangida por um crime de maior gravidade. O fator essencial para sua distinção em relação aos demais delitos é a gravidade da conduta.
um critério seguro e apto para distinguir o estupro da importunação sexual é a intensidade do ato de natureza libidinosa praticado. Essa intensidade não pode ser medida subjetivamente, deve ser apurada de forma objetiva. Desse modo, a solução é que o estupro deve restringir-se às condutas mais graves, e, em crimes sexuais, o mais grave há de ser, obrigatoriamente, o que envolva, além do necessário toque físico, o contato de órgãos genitais, que são os capazes de produzir a satisfação sexual (GRECO FILHO e JALIL, 2021, p.648).
Tanto o contato físico com a vítima quanto a violência física ou moral não são situações essenciais para a caracterização do delito, mas a presença de tais situações não descaracterizam, por si só, a conduta descrita no artigo 215-A (GRECO FILHO e JALIL, 2021).
Punido com pena de reclusão de 01 a 05 anos, o crime é classificado como de médio potencial ofensivo, enquadrando-se dentre os tipos penais passíveis da suspensão condicional do processo disciplinada pela Lei 9.099/95.
Assim como os demais crimes praticados contra a liberdade sexual, o delito de importunação sexual possui natureza pública incondicionada e será promovida pelo Ministério Público independente de haver ou não representação penal da vítima.
A pena simples, de um a cinco anos de reclusão, será majorada do seguinte modo:
Aumento de pena
Art. 226. A pena é aumentada: (Redação dada pela Lei nº 11.106, de 2005)
I – de quarta parte, se o crime é cometido com o concurso de 2 (duas) ou mais pessoas; (Redação dada pela Lei nº 11.106, de 2005)
II - de metade, se o agente é ascendente, padrasto ou madrasta, tio, irmão, cônjuge, companheiro, tutor, curador, preceptor ou empregador da vítima ou por qualquer outro título tiver autoridade sobre ela; (Redação dada pela Lei nº 13.718, de 2018)
III -(Revogado pela Lei nº 11.106, de 2005)
IV - de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços), se o crime é praticado: (Incluído pela Lei nº 13.718, de 2018)
Estupro coletivo (Incluído pela Lei nº 13.718, de 2018)
a) mediante concurso de 2 (dois) ou mais agentes;(Incluído pela Lei nº 13.718, de 2018)
Estupro corretivo (Incluído pela Lei nº 13.718, de 2018)
b) para controlar o comportamento social ou sexual da vítima.(Incluído pela Lei nº 13.718, de 2018) (BRASIL, 1940).
São esses os apontamentos doutrinários e legais que classificam e caracterizam a conduta ilícita como crime de importunação sexual inserido ao Código Penal por meio da Lei nº 13.718/2018.
Uma vez que o crime está em vigor há pouco tempo, questiona a eficácia desse tipo penal para a sociedade brasileira, isto é, os efeitos após a criminalização da conduta de importunação sexual.
4 A EFETIVIDADE DA CRIMINALIZAÇÃO DA IMPORTUNAÇÃO SEXUAL NO BRASIL PARA A SOCIEDADE
Tendo em vista que a tipificação da importunação sexual como crime previsto no Código Penal é uma realidade desde o ano de 2018, a discussão passa a ser a análise de sua efetividade na sociedade brasileira. Isto porque não basta a existência de um crime na lei, é necessário que a sua sanção seja aplicada quando for praticado o delito.
Conforme explanado acima, a importunação sexual é um crime que ocorre com a prática de um ato libidinoso sem a anuência da vítima, e que não se confunde com os delitos de estupro e estupro de vulnerável, dada a sua menor gravidade, daí porque é considerado delito subsidiário em relação aos demais crimes contra a dignidade sexual.
O crime de importunação está previsto no ordenamento e pouco mais de três anos. Apesar do curto período, já se existem dados acerca dos índices de sua ocorrência.
Estes dados referem-se apenas ao período de tempo em que está em vigor a nova lei, isto é, do ano de 2018 até o presente momento. Não foram encontrados dados que apontassem o índice de ocorrência da importunação quando vigorava o artigo 61 da Lei de Contravenções Penais, que punia com multa a conduta de importunar de modo ofensivo ao pudor alguém que está em local público, fato que impossibilita traçar uma linha comparativa entre o número de casos das duas infrações penais.
Portanto, os indicativos aqui apontados referem-se apenas ao crime tipificado no artigo 215-A do Código Penal Brasileiro.
No ano em que foi sancionada a referida lei, eram poucos os casos em que as vítimas relatavam a ocorrência de importunação sexual, segundo apontam os dados do Mapa da Violência da Mulher:
Os dados mostram que 94% das mulheres submetidas a esse crime possuem entre 18 e 59 anos de idade. Cerca de 3% são menores de 18 anos e 4% são maiores de 50. Nem todas as unidades federativas brasileiras registraram esse tipo de crime em seus veículos de comunicação. São Paulo foi o Estado com o maior número de casos, 27 no total. Seguido por Bahia (7), Minas Gerais (6), Rio de Janeiro (6), Rio Grande do Norte (4), Mato Grosso (4), Piauí (3), Santa Catarina (3), Paraná (2), Pernambuco (2), Espírito Santo (2), Distrito Federal (2), Rio Grande do Sul (1), Goiás (1), Alagoas (1) e Mato Grosso do Sul (1) (MAPA DA VIOLÊNCIA DA MULHER, 2018, p. 73).
Segundo relatado no Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2020, “no primeiro ano completo de vigência da lei foram registrados 8.068 casos de importunação sexual no Brasil, uma taxa de cerca de 6,6 vítimas para cada 100 mil habitantes (FORUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA, 2020, p.132)”.
No estado do Tocantins, até o mês de setembro de 2021, foram registrados 98 casos de denúncias de importunação sexual, sendo a maioria deles ocorridos em Palmas – com vinte e nove casos, Araguaína – dez; e Gurupi, com nove casos registrados (G1 TOCANTINS, 2021).
Contudo, esses são apenas os dados obtidos por meio de denúncias efetivadas pelas vítimas. O índice é subnotificação ainda é elevado, haja vista que muitas vítimas ou testemunhas têm medo de realizar a denúncia e tem dúvida de quais situações se enquadram nessa tipificação penal.
Maíra Pinheiro, advogada integrante da Rede Feminista de Juristas reconhece a essencialidade da lei, mas tece críticas à normativa:
A criminalização isolada sem outras medidas alternativas não soluciona sintomas mais graves e agudos. Questões de fundo que proporcionam a continuidade da cultura de estupro no país não foram trabalhadas [...] Há uma construção social que leva os homens a se sentirem autorizados a violar o corpo das mulheres e isso precisa ser repensado (PINHEIRO apud G1, 2021, p.1).
Ou seja, a penalização da conduta como crime e não apenas contravenção penal é um avanço substancial na busca pela penalização de atos de importunação, contudo a simples previsão legal não é tida como suficiente. Mais do que punir, é necessário prevenir a sua ocorrência, o que se dá por meio da conscientização da população acerca da ilicitude de condutas desta natureza.
Ter o amparo legal é importante, no sentido de coibir essa prática, mas também precisamos falar de educação sexual e comportamental, para homens se conscientizarem da prática machista que é achar que o corpo da mulher está à sua disposição. Temos que trabalhar nos dois campos: na legislação, para que haja a lei que proíba, mas também na educação, no sentido de conscientizar (OLIVEIRA apud FERREIRA e MARTINS, 2020, p.1).
Ainda assim, mesmo que existam críticas à efetividade da lei, o aumento de registro e apuração de atos de importunação sexual é crescente e tende a aumentar a cada ano, haja vista o debate que existe sobre essa temática e a repercussão que esses casos tem gerado no Brasil.
Após três anos de vigência, é possível ver os avanços até agora alcançados e, com base nas dificuldades até aqui enfrentadas, apontar quais os meios a serem implantados para reduzir os casos de importunação sexual no Brasil.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os crimes contra a dignidade sexual estão inseridos no Título VI do Código Penal Brasileiro e são punidos com maior rigor, com penas de privação de liberdade condizentes com sua gravidade. Disciplinados a partir do artigo 213, os crimes sexuais tem sofrido modificações ao longo dos anos para adequar a pena à conduta do agente.
Em 2018, após amplos debates, foi sancionada a Lei nº 13.718/2018 que dentre seus dispositivos inseriu ao Código um novo tipo penal: a importunação sexual, inserida no ordenamento para punir as condutas praticadas principalmente em locais e transportes públicos e sanar a lacuna antes existente, que desencadeava apenas a caracterização de contravenção penal, punida com multa.
Hoje em dia, a importunação sexual é um crime tipificado no artigo 215-A do Código Penal, que pune com reclusão de um a cinco anos quem praticar ato libidinoso com alguém, sem sua anuência, com o propósito de satisfazer sexualmente a si ou a terceiro.
Conforme estudado, é um delito que protege a liberdade e dignidade sexual da vítima, que se caracteriza com a discordância da vítima em praticar o ato libidinoso e que tem como elemento subjetivo o dolo do agente. Para a doutrina, é um delito de média gravidade ofensiva, de natureza pública incondicionada e que tem caráter subsidiário, ou seja, que se caracteriza quando não for abrangido por outro crime mais grave.
Em vigor há três anos, a efetividade da criminalização da importunação sexual ainda é objeto de questionamentos e dúvidas. Conforme se apontou no trabalho, analisando apenas os casos registrados a partir da entrada em vigor da mencionada lei, é possível verificar um crescimento no número de registros de casos de importunação sexual e na sua apuração, contudo é evidente que ainda existem muitos casos de subnotificação e de desconhecimento da população que impedem a responsabilização da maioria dos casos.
Todavia, ainda que existam críticas e melhoras a serem implantadas, não se pode negar o avanço trazido pela criminalização da importunação sexual. Espera-se que nos próximos anos os relatos de importunação sexual sejam menores e, quando constatados, devidamente punidos pelo Estado nos termos do que determina a Lei.
REFERÊNCIAS
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[1] Promotor de Justiça pelo Estado do Tocantins, Professor de Direito pela Universidade de Gurupi Unirg e Mestre em Direitos Humanos pela ESMAT/UFT.
Artigo publicado em 08/12/2021 e republicado em 27/03/2024
Graduada do curso de Direito na Universidade de Gurupi - UnirG
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTOS, Carla Mirlene Lima. A lei de importunação sexual e sua eficácia na sociedade Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 27 mar 2024, 04:21. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/57853/a-lei-de-importunao-sexual-e-sua-eficcia-na-sociedade. Acesso em: 12 nov 2024.
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