RESUMO: Sob o título “Intertextualidade, sistema penal e Mídia: Análise Crítica do Discurso e Direito”, o presente artigo busca refletir, por meio de uma cuidadosa revisão bibliográfica, caminhos metodologicamente adequados a ACD para compreender a discursividade jurídica entre Mídia e Sistema Penal. O Conceito privilegiado para a proposta metodológica é a intertextualidade manifesta e constitutiva das políticas criminais. Como que pela Mídia, ao longo da história, a produção, circulação e consumo de textos jurídicos vem sendo constrangida para adequar-se às necessidades hegemônicas da sociedade burguesa. Partindo de uma crítica à concepção que enclausura a língua nela mesma, buscamos refletir sobre a noção de cientificidade na lingüística, no debate marxista sobre a filosofia da linguagem; os principais contornos e conceitos da Análise Crítica de Discurso que devem ser mobilizados; a visão crítica do complexo jurídico que inevitavelmente assume a forma política do Estado Burguês e sua relação com a ACD; e a relação entre a proposta metodológica de Norman Fairclough com a crítica da Criminologia Crítica sobre a relação intrincada entre Sistema Penal e mídia.
Palavras chave: Intertextualidade; Sistema Penal; Mídia; Análise Crítica de Discurso.
O paradoxo de que a um Estado social mínimo corresponda um Estado penal máximo conduz às conseqüências concomitantes de despolitização dos conflitos sociais e politização da questão criminal.
(Nilo Batista)
INTRODUÇÃO
O presente artigo busca detalhar as categorias mobilizadas para a Análise de Discurso Crítica no direito e particularmente no sistema penal, pormenorizando aspectos da estrutura social do direito, da mídia e do sistema penal associado as categorias de análise funda por Norman Fairclough na obra Discurso e Mudança Social. A crítica social as estruturas que abrigam as cadeias discursivas particulares precisam acompanhar a Análise Crítica de Discurso.
Há nos debates jurídicos, especialmente nas obras de Raul Zaffaroni e Nilo Batista, o entendimento de que ocorre uma parceria historicamente constituída entre mídia e sistema penal, de tal maneira, que Zaffaroni inclui as “agências de comunicação social” no rol de “agências do sistema penal”. Mostrando-nos que as compreensões ideológicas vinculadas no rádio, nas tv’s, nos jornais e seus editoriais, constroem os sentidos e as avaliações sociais que direcionam o sistema penal brasileiro.
Para Fairclough (1991) a noção de poder por trás do discurso está relacionado com a desigualdade de acesso aos discursos, além do que, em nosso caso, adotando a perspectiva de Zaffaroni sobre o papel da mídia no sistema penal, precisamos perceber como, em quais circunstâncias políticas sociais e histórica os textos, o discurso, são produzidos, postos em circulação e consumidos.
Assim sendo, buscaremos – como Norman Fairclough – conjugar teoria social e análise lingüística crítica para apresentar uma proposta metodológica compatível a formação social brasileira. Para tanto, guardando coerência com o quadro conceitual da Análise Crítica de Discurso, em sua compreensão mais unitária sobre o poder, mobilizaremos para a análise a intertextualidade constitutiva e manifesta, de caráter irreversível, entre mídia e sistema penal. Os textos jurídicos do sistema penal não são elaborados, posto em circulação e consumidos sem o constrangimento midiático. Ao menos desde a instalação, em 1808, da Impressão Régia e da censura nas atividades de uma junta administrativa que velaria para que “nada se imprimisse contra a religião, o governo e os bons costumes”(SODRÉ, 1966,p. 23).
O problema principal que motivou a pesquisa é de diagnosticar aspectos da estrutura social imbricados nos mecanismos discursivos que evidenciam os contrangimentos e a intertetualidade na cadeia intertextual do direito e em particular do sistema penal; compreendendo aspectos da estrutura textual postos para funcionar sob o domínio de ideologias específicas e cultura jurídica bem situada nas possíveis compreensões sobre o papel da pena.
De início já é possível perceber que o trabalho não possui uma área específica, pra chamar se sua, ou mesmo ramo exclusivo do Direito. Isto ocorre, uma vez que estamos na fronteira entre a Linguagem e o Direito. A citada característica constitui a justificativa da pesquisa de aprofundar as elaborações teóricas sobre as determinações sociais intrínsecas ao discurso jurídico. Buscando o caminho científico adequado – não aprisionado no cientificismo positivista ou na antiideologia althusseriana (MEZAROS, 2014, p.259) – para desvelar a “auto-imagem” dos fenômenos discursivos determinantes na composição da realidade jurídica, isto é, das relações jurídicas.
O objetivo da pesquisa constitui em identificar a relação intertextual específica entre mídia e sistema penal. A fundamentação metodológica está ancorada na Análise Crítica de Discurso, associada à filosofia da linguagem de Volóchinov (2018), as compreensões de ideologia de István Meszaros (2014) as quais não partem de um corte espistemológico das obras marxianas, possuindo fôlego para compreender o debate ideológico de Marx em sua elaboração total, os estudos sobre Sistema Penal e Mídia para Nilo Batista e Raúl Zaffaroni, dentre, é claro, outros diálogos teóricos que acompanham o presente artigo.
FILOSOFIA DA LINGUAGEM
Nos anos 20 e 30 do século XX quando supunha-se o “giro lingüístico” que superava a filologia e dava início a lingüística moderna – tendo em Ferdinand Saussure e a Escola de Genebra os marcos teóricos – o Círculo de Bakhtin, particularmente a obra Marxismo e Filosofia da Linguagem, de autoria de Valentin Volóchinov, já apresentava certa ressalva na capacidade do “giro”, isto é, da lingüística moderna, de paternidade Saussuriana, adepta do objetivismo abstrato, em compreender a língua viva dentro de um sistema que a esvazia de seu conteúdo ideológico.
A lingüística surge onde e quando surgem as necessidades filológicas. A necessidade filológica gerou a lingüística, a embalou no berço e deixou a flauta filológica em seus lençóis. Essa flauta é destinada a despertar os mortos. No entanto, faltam-lhes sons para dominar a linguagem viva na sua formação ininterrupta (Volóchinov, 2018, p.183)
Para nós, a ponderação de Volóchinov é um importante componente metodológico dos estudos lingüísticos de pretensão crítica. Afinal, quais são os objetivos que estão na base da abstração lingüística que encaminha-nos ao sistema sincrônico da língua? E mais, de qual ponto de vista esse sistema é produtivo e imprescindível (VOLÓCHINOV,2018). Portanto, na condição de apontamento preliminar, parece-nos adequado certa ressalva teórica ao “giro lingüístico” que supostamente supera a filologia e inaugura uma ciência (moderna) de objeto puro: a língua.
Ferdinand Saussure não deixa de tratar a língua como se morta fosse, alheia a fala, aprisionada em um enunciado isolado, finalizado e monológico (VOLÓCHINOV, 2018). Vários pensadores do Direito se entusiasmam com o giro da “Escola de Genebra”, desde Kelsen, passando por Luhmann e Luis Alberto Warat (OLIVEIRA, p.58). No que pese os méritos de uma ciência particular para refletir
sobre a língua, a reflexão de fôlego filosófico sobre a linguagem, que aqui nos propomos, pretende resgatar o caráter ideológico do signo lingüístico, percebendo que o estudo científico da língua e da linguagem é anterior a linguística saussureana, para posteriormente alcançar as bases da Análise Crítica de Discurso e sua relação com o Direito.
Há um debate, longe de ser superado, sobre o surgimento da abordagem científica em torno da comunicação, das línguas e da linguagem. É costumeiro reduzir ciência à ciência moderna. Isso ocorre, pois a organização do método científico que superou o pensamento baseado no paradigma “Greco-medieval” fora tão impactante que método científico passou a equivaler método científico moderno (TONET, 2013). O que é anterior a Copérnico, Kepler, Newton, Kant, pra citar alguns expoentes, não é moderno, portanto não é científico, ou se o é, acompanha extensas ressalvas.
O pensamento moderno e científico nesse marco fora impulsionado pelas revoluções industriais. Este marco histórico é fundamental. A ciência moderna é expressão teórica do seu tempo. No entanto, a pretensa neutralidade e a estatura de estar acima das concepções ideológicas afastaram o método científico dos seus vínculos histórico-sociais.
Já em Aristóteles, segundo a pesquisadora Gilmásia Macedo da Costa (2018), a linguagem era tratada cientificamente. E assim continuou sendo o tratamento da linguagem no medievo: em termos filosóficos. Evidentemente trata-se de concepções filosóficas distintas, mas o fato é que a reflexão científica sobre a linguagem dava-se em termos filosóficos. Com a passagem do pensamento medieval para o moderno tivemos um processo de autonomização da ciência em relação a filosofia, o qual conduz o pensamento científico a se tornar cada vez mais particular.
Teorias sobre a linguagem têm origem desde longa data. Na Grécia Antiga, já se encontram investigações e teses sobre o caráter natural ou arbitrário da linguagem, que Aristóteles em De interpretationes discutia com Górgias e Antístenes, dando origem a diferentes modos na sua interpretação, cuja difusão na Idade Média impulsionará o estudo da gramática no mundo ocidental. Inicialmente tratada filosoficamente, a linguagem tornou-se uma disciplina peculiar denominada Filologia, ocupada especialmente com a evolução histórica das línguas segundo sua manifestação em textos e obras literárias. A partir da modernidade, torna-se mesmo objeto de uma ciência específica, a Linguística, nos moldes das ciências modernas particulares e autônomas. (MACÊDO, Gilmásia, Anuário Lukács, p. 131)
O início de uma ciência específica para o tratamento da linguagem e da língua inicia-se, talvez, a exemplo dos trabalhos de Bopp, Saussure e Chomsky (COLOMBAT 2017, pag. 18). No entanto já havia um tratamento científico filosófico. O que não havia era um tratamento científico particular, elegendo um objeto “puro” e específico.
A lingüística vive o seu fortalecimento e sua crescente autonomização, em relação a filosofia e aos outros campos do conhecimento, no século XX. O referido marco histórico, por sua vez, foi palco de disputas políticas, econômicas, militares e teóricas acirradas. As disputas teóricas se davam em torno dos fenômenos sociais, suas apreensões e explicações e suas conseqüências. Em se tratando de lingüística a tendência teórica prevalente – em meio às disputas – foi o estruturalismo.
O estruturalismo - aqui seguimos as observações de Carlos Nelson Coutinho - constitui um pensamento que se apresenta falsamente como objetivo, pois a objetividade científica apresentada está desconectada das bases objetivas reais: as relações sociais de produção, a dinâmica econômica, as relações de trabalho (COUTINHO, 2010). A língua e a linguagem não se realizam de maneira isolada, desconectada dos outros elementos da vida. Pelo contrário, são nas relações ininterruptas com os diversos elementos constitutivos da realidade que a língua e a linguagem alcançam a existência.
A realidade efetiva da linguagem não é o sistema abstrato de formas lingüísticas nem o enunciado monológico isolado, tampouco o ato psicofisiológico de sua realização, mas o acontecimento social da interação discursiva que ocorre por meio de um ou de vários enunciados
Assim, o estruturalismo Saussuriano talvez tenha condições de apresentar uma compreensão pura das estruturas do enunciando, na medida em que os isola do “auditório social”. Ocorre que a situação e o meio social, isto é, a reprodução total da sociabilidade capitalista, nas palavras de Volóchinov (2018) determina completamente e, por assim dizer, de dentro, as estruturas do enunciado.
(...)a situação forma o enunciado, obrigando-o a soar de um modo e não de outro, seja como uma exigência ou um pedido, seja como a defesa de um direito ou como uma súplica por piedade,seja em estilo pomposo ou simples, seja de modo confiante ou tímido. Essa situação mais próxima e os participantes sociais imediatos determinam a forma e o estilo ocasionais do enunciado. As camadas mais profundas da sua estrutura são determinadas por ligações sociais mais duradouras e essenciais, das quais os falantes participam (VOLOCHINOV, p.207)
Não trata-se de uma “recriminação a Saussure”, como fez constar Pêcheux (2012) em sua defesa estruturalista no artigo “A Língua inatingível”. “Não devemos recriminar Saussure por ter trabalhado com um objeto específico”, disse a grande referência do marxismo althusseriano em matéria lingüística. Pêcheux estava tão comprometido com a leitura althusseriana de Marx que, como os demais adeptos, ficou preso nos pressupostos acriticamente adotados pelo cientificismo (MÉSZÁROS, 2014, p. 258). Para nós, seguindo uma reflexão feita por István Mészáros, o marxismo de Lois Althusser, “assujeitado” pela antiideologia do pós-guerra, elaborou suas interpretações sobre as obras de Marx, baseado em um discurso fetichistamente orientado para a ciência (MESZAROS, 2014, p. 258).
Não foi por acidente que a leitura positivista de Althusser da obra de Marx ( enão apenas do Capital), realizada para extrair desta uma ciência ficticiamente “antiideológica”, esteve associada a uma cruzada contra o conceito “ideológico” da alienação, baseada na afirmação totalmente infundada (refutada pelo texto citado dos Grundrisse, assim como por inúmeras outras passagens da mesma obra e de O capital etc) de que aquele conceito “desaparecera” do Marx “maduro” (MÉSZÁROS, 2014, p.248)
A tarefa de construir uma ciência sem ideologia é impraticável, tendo em vista que onde há signo há também ideologia. Neste ponto nos aproximamos das elaborações teóricas de Volóchinov (2018) e Mészáros (2014) e nos afastamos de Louis Althusser e Pêcheux. Assim como a ideologia, a ciência refrata e reflete outra realidade que se encontra fora dos seus limites. Nenhum signo científico permanece isolado, uma vez que passa a fazer parte da “unidade da consciência verbalmente formalizada” (VOLOCHINOV, 2018). O que queremos aqui é situar a pesquisa no debate sobre os limites do que seria ideológico e científico.
Ao questionar o progresso científico Saussuriano, Volóchinov (2018) diz que considerar a língua um sistema estável de formas normativas idênticas configura uma abstração científica não adequada à realidade concreta da língua (p.224). A existência concreta e real da língua, no quadro sígnico do estruturalismo, é refratada. Mas afinal, o que seria a língua? A base da língua, sempre em ininterrupta formação, é a interação sociodiscursiva dos falantes, sendo os enunciados as unidades reais do fluxo da linguagem (p. 221).
Na interação sociodiscursiva as leis de formação da língua são, em essência, leis sociológicas as quais não podem ser isoladas das atividades dos falantes. Para uma correta Compreensão das leis da formação da língua, precisamos considerar seu “auditório social”, as interações implicadas, os sentidos e os valores ideológicos que a constituem. A realidade da língua não cabe, segundo Volóchinov, no sistema abstrato de prescrições. Compreende-la significa considerar o fenômeno real da linguagem: o enunciado em sua totalidade; o diálogo; e a comunicação discursiva (p.219).
O diálogo pode ser compreendido de modo mais amplo não apenas como a comunicação direta em voz alta entre pessoas face a face, mas como qualquer comunicação discursiva, independentemente do tipo.(...) Além disso, esse discurso verbal é inevitavelmente orientado para discursos anteriores (VOLOCHINOV,p.219)
Além do caráter histórico, o discurso, a comunicação parte de determinada situação. Nessa relação concreta com a situação, a comunicação é sempre acompanhada por atos sociais de caráter não discursivos ( VOLÓCHINOV, 2018, .p220.). Para os objetivos da pesquisa, partindo da preocupação do filósofo russo com a “língua viva”, nos interessa a estatura da interação discursiva e da comunicação social em sua relação com as condições concretas que a possibilitam.
ANÁLISE DE DISCURSO CRÍTICA
A concepção crítica discursiva de Faiclough, para nós, não contraria o conceito de interação discursiva na já citada obra de Volóchinov (2018). Para o autor Russo o conceito compreende duas dimensões inter-relacionadas: o modo de formação da consciência pela linguagem e a realidade fundamental da língua. A consciência ganha o plano da existência na medida em que encarna os signos ideológicos que se formam no processo de interação discursiva, ao passo que, na segunda dimensão a interação discursiva é o acontecimento social.
Vale ressaltar, antes de prosseguir, que o considerado pilar dessa área de estudo, isto é, da categoria de discurso, foi o lingüista estruturalista Zelling Harris, em 1950 (MAGALHÃES, 2017, p.22), possibilitando uma análise mais ampla nas investigações lingüísticas. Fairclough (2016) desenvolve uma teoria tridimensional de discurso que focaliza a variação, a mudança e a luta: variabilidade entre as práticas e heterogeneidades entre elas como reflexo sincrônico de processos de mudança histórica que são moldados pela luta entre as forças sociais (FAIRCLOUGH, 2016). O discurso é apresentado pelo autor britânico como prática social, numa ininterrupta relação dialética entre discurso e sociedade, isto é, as estruturas sociais. A análise de discurso não substitui a rigorosa análise das estruturas sociais.
Há uma qualidade inovadora no entendimento de Fairclough, ao desvendar a relação dialética, dinâmica, entre discurso e sociedade, que possibilita as mudanças sociais, pelas práticas discursivas modeladas pelo grau de relação com as estruturas sociais. Por estrutura, entende-se as diversas instituições sociais, tais como Estado e Família, os campos da ciência, mídia, Direito, religião, inclusive, a linguagem; suas doutrinas, normas e convenções, assim como relações e identidades, inerentes às posições de sujeito articuladas em seus respectivos limites de interação. Ou seja, as práticas sociais e discursivas são localizadas dentro de uma realidade material (FAIRCLOUGH, 2016, p.87). Aqui, no lugar reservado a investigação das estruturas sociais e sua relação com o discurso, residi a principal reserva de Norman Fairclough à Michel Foucault.
Minha reserva final sobre Foucault relaciona-se a sua percepção valiosa das propriedades constitutivas do discurso. Embora eu aceite que tanto os objetos quanto os sujeitos sociais sejam moldados pelas praticas discursivas, eu desejaria insistir que essas praticas são constrangidas pelo fato de que são inevitavelmente localizadas dentro de uma realidade material, constituída, com objetos e sujeitos sociais pré-constituidos. Os processos constitutivos do discurso devem ser vistos, portanto, em termos de uma dialética, na qual o impacto da pratica discursiva depende de como ela interage com a realidade pré-constituida. Com respeito aos objetos, talvez seja litil usar ambos os termos referenda e significação: o discurso inclui referencia a objetos pré- constituidos, tanto quanto a significação criativa e constitutiva dos objetos. Aqui, de novo, as analises da pratica real e do texto real são um corretivo importante ao exagero de Foucault sobre os efeitos constitutivos do discurso(FAICLOUGH,2016[1992], p.87).
Para corrigir os exageros de Foucault, o autor britânico considera que “os eventos discursivos específicos variam em sua determinação estrutural segundo o domínio social particular ou o quadro institucional em que são gerados” (FAIRCLOUGH, 2016, p.91), tendo relação direta e dialética com as classes sociais, suas ideologias, no contexto da luta por hegemonia, demonstrando uma intenção de atribuir unidade à noção de poder.
Segundo o autor, o discurso é socialmente constitutivo, seja enquanto prática tradicionalista ou inovadora. Apesar da ressalva, Fairclough (2016) assume a perspectiva foucaltiana, em que o discurso é visto nos termos de regras de formação específicas, cuja articulação histórica propicia a emergência dos objetos, dos sujeitos, dos conceitos, referentes a quaisquer disciplinas científicas, assim como aos espaços da vida cotidiana , compondo uma polivalência tática, um uso estratégico, que para Fairclough(2016) aponta uma percepção valiosa dos processos de luta ideológica no discurso, em um modelo de luta hegemônica. Em suma, “[o] discurso é uma prática, não apenas de representação do mundo, mas de significação do mundo, constituindo e construindo o mundo em significado”.
O Discurso é tanto efeito quanto condição das estruturas ou complexos sociais (FAIRCLOUGH, 2016). Tal compreensão nos impõe diversas tarefas teóricas e metodológicas para alcançarmos os objetivos da pesquisa em questão. Para compreendermos especificamente a intertertualidade constitutiva e também manifesta entre Mídia e Sistema Penal, precisamos investigar de maneira pormenorizada os traços dessas estruturas sociais, seus textos e discursos.
O discurso é moldado e restringido pela estrutura social no sentido mais amplo e em todos os níveis: pela classe e por outras relações sociais em um nível societário, pelas relações especificas em instituições particulares, como o direito, ou a educação, por sistemas de classificação, por várias normas e convenções, tanto de natureza discursiva como não-discursiva, e assim por diante. Os eventos discursivos específicos variam em sua determinação estrutural segundo o domínio social particular ou o quadro institucional em que são gerados (FAICLOUGH,2016[1992], p. 91).
Apenas para destacar o percurso posterior e sua integral relação com a concepção de Discurso reivindicada neste trabalho acadêmico, trataremos do Complexo Jurídico, suas especificidades no caso brasileiro, e as noções de luta por hegemonia em sociedades de capitalismo tardio e avanço neoliberal. Tal itinerário não é opcional, mas um caminho coerente à concepção de Discurso e Evento Discursivo para o pensamento faircloughiano.
Pois bem, voltemos a conceituação discursiva. Fairclough identifica as dimensões de sentido no Discurso às funções da linguagem. Como já vimos à linguagem não é identificada como algo individual, mas moldada socialmente pela interação discursiva, tendo função identitária, relacional e ideacional. O identitário diz respeito ao modo como as identidades são postas e cristalizadas no discurso; a relacional identifica as relações sociais entre os participantes, como a relação negociada e representada; e a função ideacional tem o que ver com a forma como os textos significam o mundo e seus processos, identidades e relações (FAIRCLOUG, 2016[1992]).
Ao vincular o Discurso às funções da linguagem o autor alerta-nos para a constituição social do discurso que contribui para a construção das identidades sociais, posição de sujeito, relações sociais, e sistema de conhecimento principalmente pela função ideacional presente nos textos. Assim Fairclough apresenta a sua concepção de Discurso baseada em três dimensões inter-relacionadas, dialeticamente: prática social, prática discursiva e texto.
O processo discursivo ancora-se em três pilares e por meio deles se reproduz: os textos, as práticas discursivas e as práticas sociais. Essa concepção tridimensional foi formulada por Fairclough (2001ª), para quem a Análise de Discurso deve recorrer a três tradições de investigação teórica. A tradição da análise textual e lingüística, surgida no campo da lingüística, a tradição macrossociológica de análise da prática social e a tradição interpretativa ou microssociológica, que leva em conta como as pessoas produzem ativamente e entendem a realidade social ao partilhar o senso comum (MAGALHÂES,2017, p. 42).
Há tempo, precisamos destacar que, segundo David Barbosa de Oliveira em seu trabalho doutoral (2015, p.82), seguindo mesmo entendimento de Resende, em um enquadramento teórico mais recente da Análise Crítica de Discurso “a centralidade do discurso como foco dominante passou a ser questionada e o discurso passou a ser visto como uma dimensão das práticas sociais”. Disso não extraímos que Fairclough abandona essa primeira apresentação tridimensional de sua teoria, apenas “fortalece a análise da prática social, constituída pelo discurso (semiose), a atividade material”(OLIVEIRA, p.82), as relações sociais em relação de determinação reflexiva com as estruturas da sociedade.
Para nós essa postura de Faircloug, constatada por Rezende e David Barbosa de Oliveira, em pesquisas distintas, reforça a aproximação do autor britânico a Karl Marx, especialmente sobre a interação das relações materiais precederem as formas discursivas.
Isto significa que não se parte daquilo que os homens dizem, imaginam e pensam nem daquilo que são nas palavras, no pensamento, na imaginação e na representação de outrem para chegar aos homens em carne e osso; parte-se dos homens, da sua atividade real. É a partir do seu processo de vida real que se representa o desenvolvimento dos reflexos e das repercussões ideológicas deste processo vital. Mesmo as fantasmagorias correspondem, no cérebro humano, a sublimações necessariamente resultantes do processo da sua vida material que pode ser observado empiricamente e que repousa em bases materiais. Assim, a moral, a religião, a metafísica e qualquer outra ideologia, tal como as formas de consciência que lhes correspondem, perdem imediatamente toda a aparência de autonomia. Não têm história, não têm desenvolvimento; serão antes os homens que, desenvolvendo a sua produção material e as suas relações materiais, transformam, com esta realidade que lhes é própria, o seu pensamento e os produtos desse pensamento (MARX, 2007 [1845 – 1846], p.5)
Entendemos que a perspectiva de Faircloug não atribui ao discurso uma autonomia absoluta em relação à realidade material, às estruturas sociais. Por esse entendimento as práticas discursivas são concebidas na sua relação com os textos e com as práticas sociais. Há, certamente, um caminho metodológico para superar uma visão fragmentada, buscando uma elaboração unitária que não apague as especificidades de cada dimensão do discurso, mas que compreenda a qualidade das relações dialéticas de determinação reflexiva. Portanto, a teoria tridimensional de Fairclough, para nós, busca superar, em alguma medida, um problema apontado por Eagleton (1997): a inflação da categoria discurso.
A categoria do discurso é inflada a ponto de imperalizar o mundo todo, elidindo a distinção entre pensamento e realidade material. O efeito é solapar a crítica da ideologia – pois se as idéias e a realidade material são dadas indissoluvelmente juntas, não pode haver a questão de perguntar de onde vêm as idéias sociais. O novo herói “transcendental” é o próprio discurso, que, aparentemente, é anterior a tudo mais. (EAGLETON, 1997, p.192)
A primeira dimensão do entendimento de discurso fairclouguiano que apresentaremos é a compreensão de texto. Por textos – inerentemente intertextuais – compreende todos aqueles produzidos nas mais diversas situações sociais, seja formal, um texto jurídico, por exemplo, ou informal; tanto os falados, quanto os visuais. Na dimensão textual temos a descrição das propriedades gramaticais – vocabulário, construções sintáticas, coesão e coerência – e discursivo, com a argumentação, a retórica, o emprego da modalidade e da negação, que parecem como marcas ou pistas para compreensão e interpretação de textos (MAGALHÂES, 2017, p.43).
Para Fairclough os textos são resultado de práticas sociais discursivas. Mas não é apenas a elaboração do texto que possui uma dimensão social. Sua circulação, interpretação e consumo envolvem aspectos institucionalizados na sociedade.
As instituições, como são o caso das jurídicas em seus mais variados níveis, desde as comarcas até o Supremo Tribunal Federal, mantêm-se e reproduzem-se recorrendo a práticas discursivas. Mas antes de elaborar seus textos e práticas discursivas o direito, o complexo Jurídico, se constitui enquanto práticas sociais, ou seja, modos de agir habituais, em tempos e espaços específicos, pelas quais as pessoas conjuntamente investem recursos materiais ou simbólicos, conectando estruturas abstratas (como a linguagem) aos mecanismos e eventos concretos (julgamento jurídico) (OLIVEIRA, p 82)
Diante do que fora dito até aqui, podemos considerar que a interpretação de um texto, assim como a natureza da linguagem e da interação discursiva, não constitui um ato individual isolado, de livre criação. Ao contrário, os textos buscam não revelar em sua superfície sua “auto-imagem”, sua orientação ideológica. Eles posicionam o “consumidor” ( comumente somos tratados como tal pela estrutura social capitalista) por meio da pistas de uma maneira que ele traz ideologias para a interpretação dos textos – e as reproduz nesse processo (FAIRCLOUGH, 1989, p.85).
São essas pistas, as culturas jurídicas e ideologias presentes nos textos, em particular os do sistema penal, que buscamos revelar no decorrer do percurso metodológico desenvolvido pelo presente artigo. Para tanto mobilizaremos conceitos imprescindíveis da Análise Crítica de Discurso, focando na intertextualidade manifesta e constitutiva, enquanto caminhos metodológicos para a análise do textos jurídicos que encontram-se na fronteira entre o penal e o midiático.
A noção de intertextualidade, elaborado por Kristeva, nos anos 60 do século XX, buscava uma abordagem intertextual e translinguística dos textos. O termo recebe grande influência das elaborações teóricas do “Círculo de Bakthin” e tem por objetivo implicar a inserção da história em um texto e do texto na história. Segundo Fairclough (2016) a intertextualidade deve ser o foco da Análise de Discurso, uma vez que o sentido do texto depende de sua interação histórica constitutiva.
Compreender a intertextualidade presente nos textos revela-nos as limitações e determinações sociais que interfere em sua produtividade. Não há caminho para revelar as relações de poder, presente em um texto e prática discursiva, fora da intertextualidade. O conceito ora desenvolvido revela relações complexas de incorporação de gêneros discursivos, estilos, tipos de atividades e práticas sociais, respostas, etc. Temos, a partir de Kristeva, a elaboração teórica, por Fairclough, de duas dimensões intertextuais, a horizontal – sincrônica -, dialógica e a dimensão vertical – diacrônica –, envolvendo contextos mais ou menos imediatos ou até mesmo distantes. A relação intertextual pode ser com outros textos e (ou) com convenções. Além das dimensões temos dois tipos de intertextualidade: a manifesta e a constitutiva.
A intertextualidade manifesta é quando recorre-se explicitamente a outros textos, podendo haver diferentes modos de fazê-lo (FAIRCLOUG, 2016 [1992]). Podendo ser, como aponta Fairclough, em Discurso e Mudança Social: “sequencial”, quando diferentes textos ou tipos de discurso se alternam em um texto; “encaixada”, em que um texto ou tipo de discurso esta contido dentro da base de outro. Essa e a relação entre os “estilos”, já distinguidos por Labov e Fanshel para o discurso terapêutico; e, por fim, temos a intertextualidade “mista”, na qual os textos, ou tipos de discurso, estão fundidos de forma mais complexa e menos facilmente separável (FAIRCLOUGH, 2016 [1992], p. 152).
Em Discurso e Mudança Social o autor coloca em debate a intertextualidade manifesta em relação com a: representação do discurso; a pressuposição; negação; o metadiscurso; e ironia. Essa relação é fundamental para alcançarmos a relação metodológica que pretendemos estabelecer. Em apertada síntese, sem diminuir a complexidade dos conceitos, temos que o conceito de representação no discurso é explicado por Fairclough em diálogo com as concepções de Volóchinov.
Uso o termo “representação de discurso” em Lugar do termo tradicional 'discurso relatado' porque (I) ele capta melhor a ideia de que, quando se 'relata' o discurso necessariamente se escolhe representá-lo de um modo em vez de outro; e (2) o que esta representado não é apenas a fala. mas também a escrita, e não somente seus aspectos gramaticais, mas também sua organização discursiva, assim como vários outros aspectos do evento discursivo suas circunstâncias, o torn no qual as coisas foram ditas, etc (FAIRCLOUGH, 2016 [1992], p. 153).
Adiante o autor destaca como o discurso pode ser representado e se a representação vai alem do ideacional ou conteúdo da “mensagem” para incluir aspectos do estilo e do contexto dos enunciados representados. Aqui precisamente surge mais um dialogo direto com o marxista russo Volóchinov, no debate sobre “estilo” e “entonação”. O “estilo linear”, empregado em Marxismo e Filosofia da linguagem, é utilizado para descrever e analisar uma tendência de transmissão de discurso alheio que se caracteriza, externamente, por manter contornos bem definidos entre o contexto autoral e o discurso alheio e, internamente, por homogeneizar as linguagens do autor e do personagem. O “Estilo Pictórico” caracteriza o estilo de transmissão do discurso alheio em que, externamente, os contornos entre o contexto autoral e o discurso alheio tendem a ser apagados e, internamente, são individualizadas ao extremo as particularidades do discurso alheio (VOLÓCHINOV, 2018 [1928], p358]).
Aqui temos um importante elemento de compreensão do que vem a ser a “representação de discurso” e seus usos nas relações intertextuais manifesta.
A pressuposição, por sua vez, são proposições que são tomadas pelo produtor do texto como já estabelecidas ou “dadas” (FAIRCLOUGH,2016 [1992]). O produtor do texto não as toma livremente. A ação social de quem elabora determinado texto é percebida como dependente e constrangida por permanências relativas (estruturas) que constantemente se reproduzem, mas que também se transformam parcialmente, a depender do equilíbrio das circunstâncias sociais (OLIVEIRA, 83).
Dentro de uma perspectiva intertextual da pressuposição, o caso em que a proposição pressuposta constitui realmente algo tornado como tácito pelo (a) produtor (a) do texto pode ser interpretado em termos de relações intertextuais com textos prévios do(a) produtor(a) do texto. Um caso especial e quando uma proposição e afirmada e estabelecida em uma parte do texto e estilo pressuposta na outra parte do mesmo. Deve ser observado que as pressuposições, quer sejam baseadas em textos anteriores do(a) produtor(a) do texto, quer em textos de outros, podem ser manipulativas assim como sinceras (FAIRCLOUGH, 2016 [1992], p. 156).
O terceiro conceito é o metadiscurso apresentado como um distanciamento que o autor realiza no interior de um mesmo texto, como se estivesse tratando de níveis distintos, como se fosse um texto externo. A metadiscursividade está aparentemente fora do texto, quando em verdade o constitui literal e expressamente, de maneira manifesta.
O metadiscurso implica que o (a) falante esteja situado acima ou fora de seu próprio discurso e esteja em urna posição de controlá-lo e manipulá-lo. Isso tem implicações interessantes para a relação entre discurso e identidade (subjetividade): parece ir contra a visão de que a identidade social de uma pessoa é uma questão de como ela esta posicionada em tipos particulares de discurso. Há dois lados nessa questão. Por um lado, a possibilidade de uma distancia metadiscursiva de seu próprio discurso pode dar a ilusão de que a pessoa está sempre plenamente no controle dele, de que o discurso é um efeito da subjetividade mais do que vice-versa. É interessante a esse respeito que o metadiscurso parece ser comum em tipos de discurso em que é valorizada a apresentação do 'eu' em posição de controle (FAIRCLOUG, 2016 [1992], p.157 – 158).
O último conceito apresentado na relação com a intertextualidade manifesta é a ironia. O fundamental de um enunciado irônico é ecoar um outro, havendo disparidade de significado entre ambos. Para produzir seus efeitos, diferente dos outros conceitos, a ironia depende de os interpretes serem capazes de reconhecer que o significado do texto ecoado não é o significado do produtor do texto “alheio”.
Por fim temos outra qualidade de intertextualidade: a constitutiva ou interdiscursividade. O foco desta última intertextualidade não está em outros textos, mas em convenções discursivas pertencentes a cadeias intertextuais particulares, que possuem sua regularidade e previsibilidade constrangidas por aspectos da estrutura social. A decisão judicial, por exemplo, possui uma regularidade determinada, constrangida pelas estruturas sociais, baseada em convenções discursivas. Tais convenções podem ter seus limites redesenhados a medida que as ordens de discurso são desarticuladas e rearticuladas no curso da luta hegemônica (FAIRCLOUGH, p 160). Ordem de Discurso, por sua vez é um conceito pós-estruturalista incorporado por Fairclough que não será explorado na presente análise.
Essa explicação extensa e necessária sobre as intertextualidades são necessárias para tratarmos sobre um conceito já mencionado que é a produtividade dos textos. São as relações de poder estabelecidas nas relações intertextuais que permitem que os textos transformem outros textos, reestruturem convenções pra gerar novos textos. A produtividade não está disponível para as pessoas como um espaço ilimitado para a inovação textual. É antes socialmente limitada, restringida, condicionada conforme as relações de poder. No caso do direito conforme as relações estabelecidas em uma cadeia intertextual particular e seus constrangimentos de elaboração, circulação e consumo.
ANÁLISE DE DISCURSO CRÍTICA E SUA APLICAÇÃO AO DIREITO, MÍDIA E SISTEMA PENAL
O funcionamento de uma estrutura social, ou complexo, é sempre mediado por outros. Podemos considerar, ancorado na linha metodológica exposta até então, a qual busca resgatar a noção de totalidade, de realidade não fragmentada, que a autonomia de um determinado complexo social é sempre relativa em relação a produção e reprodução do sistema político-econômico que se faz(e fez) universal – o capitalismo – e em relação aos demais complexos parciais constitutivos da totalidade social.
A dimensão crítica aqui reivindicada leva-nos à busca pelas determinações, pela raiz das questões enfrentadas. As determinações são compreendidas, tendo por base a ontologia marxiana e os últimos escritos de Gyorgi Lukács, como determinações reflexivas de relações ininterruptas. Não partimos como fizemos constar na abordagem sobre concepção de língua, do “evidente”. Essa postura metodológica se mantém ao tratarmos o direito.
(...) caso se queira ser coerente com o que foi afirmado, há de se reconhecer que, para analisar efetivamente o fenômeno jurídico, há de se reconhecer que, para analisar efetivamente o fenômeno jurídico, há de se partir de uma compreensão que ultrapasse a epistemologia calcada em um sujeito cognoscente e “racional”; há de se ter em conta a abordagem que não está envolta na primazia de categorias destacadas de sua base material, mas sim em determinações de existência, em formas de ser social – trata-se (...) da crítica ontológica. Essa deve colocar em xeque o “evidente”, não tomando como mero dado o concreto ao mesmo tempo em que capta o processo pelo qual o concreto aparece como objetividade reificada, e o Direito como objeto de manipulação. (SARTORI, 2010, p.15)
As determinações de existência do Direito não estão em sua auto-imagem, em sua “evidência”, concordamos com David Barbosa Oliveira: o fenômeno jurídico não é uma esfera social autoconstituinte e autorreferente (OLIVEIRA, 2015,p.84).
Quando nos referimos ao direito enquanto um complexo parcial de relativa autonomia, não se trata de algo menos importância ou de perfumaria teórica. Tal caracterização é fundamental para não estabelecermos um olhar “fetichizante”- por vezes desfigurado –, inflado por uma suposta autonomia absoluta do complexo parcial frente aos demais complexos sociais e ao complexo social total – totalidade (Lukács, p. 251). Os complexos sociais possuem sua autonomia e suas legalidades próprias ainda que surjam, reiteradamente, sobreposições de diferentes complexos, interpenetrações de um pelo outro, etc. (Lukács, p. 251) como, por exemplo: a relação entre moral e direito.
O surgimento do Ser Social e sua distinção sobre a esfera da natureza – o mundo orgânico e inorgânico -, vai engendrando complexos próprios da esfera social desde ferramentas mais rústicas que compõe o processo de trabalho às estruturas sociais mais complexas (DOS SANTOS, p. 115) como é o caso do Direito. Quanto ao papel empenhado por esses complexos Alexandre Aguiar diz que:
[...]os complexos próprios do ser social, ao diferenciarem-se da natureza, vão adquirindo uma predominância na produção e reprodução da esfera do ser social. Contudo não podemos olvidar o caráter ineliminável da relação com a natureza, mesmo que esta relação seja fundamentalmente mediada socialmente (DOS SANTOS, 2011, P. 115).
O Ser Social possui sua existência em sua reprodução ininterrupta, a qual passa incessantemente por processos – historicamente determinados – de mudanças; e são justamente essas mudanças, que nas palavras de Lukács, “produzem de maneira sempre renovada e com constante intensificação quantitativa e qualitativa os traços especificamente substanciais do Ser Social” (p. 201). Esses traços substanciais do Ser Social são seus complexos próprios.
Sendo assim, partindo da análise ontológica enquanto critérios consideraram – para os fins mesmo dessa pesquisa – que o direito é expressão de um tipo específico, historicamente datado de regulamentação social. E em que consiste a regulamentação social? A regulamentação tem por objetivo condicionar os indivíduos, membros de uma sociedade em particular, a executarem determinados pores teleológicos que lhes são atribuídos no plano geral da cooperação (LUKÁCS, P. 230)
O complexo cuja função é a “regulação jurídica das atividades sociais” (LUKÁCS, 2013, p 229) vai surgindo e desenvolvendo -se na medida em que o puro uso da força bruta tornara um problema, capaz de levar uma sociedade a desagregação (LUKÁCS, p. 232), e não uma solução capaz de garantir a mediação dos antagonismos sociais capaz de, assim, garantir a reprodução dos pores teleológicos socialmente necessário para uma determinada estrutura social.
A expressão ao mesmo tempo cínica e sábia de Talleyrand de que com as baionetas se poderia fazer de tudo,menos sentar em cima delas, ilustra de modo epigramaticamente acertado esse estado de coisas, a saber, que seria impossível para uma sociedade com certo grau de desenvolvimento funcionar e se reproduzir normalmente se a maioria dos pores teleológicos de seus membros fosse direta ou indiretamente imposta simplesmente pela força”(LUKÁCS, p. 232).
Temos, pois um ponto de diálogo entre a concepção de Lukács e as reflexões de Oliveira (2015) quando considera-se que as estruturas emergem de ações anteriores e ações atuais são constrangidas por estruturas criadas por outras ações. Isso quer dizer que estruturas são resultados de ações sociais, assim como ações sociais decorrem de estruturas. Com efeito, a ação social é percebida como dependente e constrangida por permanências relativas (estruturas) que constantemente se reproduzem, mas que também se transformam parcialmente, a depender do equilíbrio das circunstâncias sociais.
Para a Análise Crítica de Discurso, os textos e discursos jurídicos estão em diálogo direto com textos da economia, da política, da educação, da ciência etc. e com diversos discursos, possibilitando estudos sobre essas trocas, nomeadas de intertextualidade e interdiscursividade (OLIVEIRA, 2017, p 83-84).
A proposta teórica de trazer a concepção de Lukács justifica-se pela necessidade de identificar a natureza específica, particular, da estrutura jurídica. Com o surgimento do complexo jurídico surge um grupo de pessoas que são os portadores sociais desse complexo particular, “especialistas” (Juízes, advogados, policiais, etc.) sem os quais o complexo não é capaz de reproduzir-se (LUKÁCS, p. 247). Engels aborda, em A Origem da Família da propriedade privada e do Estado, que o surgimento dessa “força pública particular”(o judiciário) deriva da divisão da sociedade em classes, que impossibilita qualquer organização armada autônoma (ENGELS, p. 185).
Sendo o Estado a forma pela qual os indivíduos de uma classe dominante fazem valer seus interesses comuns e na qual se resume toda a sociedade civil [burguês] de uma época, conclui-se que todas as instituições comuns passam pela mediação do Estado e recebem uma forma política. Daí a ilusão de que a Lei repousa na vontade e, mais, em uma vontade livre, destacada de sua base concreta. Da mesma maneira, o Direito, por sua vez, se reduz à lei (MARX e ENGELS, 2002, p.74).
Os textos jurídicos são mediados e elaborados pelos especialistas. A mediação entre o complexo jurídico e a sociedade civil é realizada pelos especialistas, inclusive, no processo de circulação, interpretação e consumo dos textos. Há, nos textos jurídicos, uma relação distinta da que ocorre na comunicação social ordinária. Por exemplo, se tratarmos do fim do processo, ou da impossibilidade de recursos, em termos jurídicos de “trânsito em julgado”, previsto no art.6, §3º da Lei de Introdução ao Direito Brasileiro, temos palavras alheias aos não especialistas reconhecendo formalmente um fato, atravessada por avaliações sociais. Uma vez que em cada palavra viva está contida uma avaliação social ativa (Volóchinov, 2018 [1928], p. 343).
Assim, consideramos o complexo jurídico como uma prática social particular responsável por reconhecer formalmente o fato, isto é, o acontecimento social. Ao passo que reconhece o fato, o direito constrange o corpo social a assumir estas e não aquelas condutas, ocasionando novos acontecimentos. A mediação da palavra, do texto, do discurso e dos especialistas, são elementos inevitáveis presentes na realidade jurídica.
Outra mediação que acompanham os textos, especialmente os textos jurídicos do Sistema Penal é a mídia. Nilo Batista, em Mídia e Sistema Penal no Capitalismo Tardio, diz haver uma especial parceria estrutural entre sistema penal e mídia, de tal maneira que tal vinculação levou Zaffaroni (2011) a incluir, em seu rol de agências do sistema penal, as “agências de comunicação social”, “rádio, televisão e jornais”, deixam claro que não se trata apenasse das relações públicas de tribunais, ou corporações policiais (BATISTA, 2001, p.1).
A mídia, o noticiário, os editoriais hegemônicos todos eles com seus “especialistas” em sistema penal dominam a comunicação social organizada sobre segurança pública, criminalidade, corrupção, encarceramento. Essa abordagem é importante, pois, fazendo uso de uma alegoria de Volóchinov (2018, p. 145), para observar o processo de combustão, é necessário colocar o corpo no ambiente atmosférico. A comunicação social organizada seria o ambiente atmosférico, digamos assim, dos textos jurídicos, especialmente os vinculados ao sistema penal. A circulação o consumo e a própria elaboração dos referidos textos passam pelo constrangimento das situações sociais de comunicação.
Não se cometerá a ingenuidade de supor que a legitimação do sistema penal pela imprensa seja algo exclusivo da conjuntura econômica e política que vivemos. Existem, contudo, certos elementos inéditos, que não podem ser associados apenas aos recentes saltos tecnológicos. Quando a imprensa, no século XVIII, acossada e censurada pelas burocracias seculares e religiosas do Antigo Regime, se engaja na revolução burguesa, participa intensamente do esforço pela deslegitimação racional das velhas criminalizações de linhagem inquisitorial e pela abolição das penas corporais cruéis e desproporcionais. Na fundação histórica do direito penal liberal, portanto, tendia a imprensa – afinada com o pensamento ilustrado, filosófico e jurídico – à limitação e ao controle do poder punitivo, larga e espetaculosamente exercido pelo absolutismo, e pagava por isso (BATISTA, 2001, p.2).
Como exposto por Nilo Batista esse constrangimento pela mídia, pela imprensa, na política criminal, possui larga presença na história, não sendo um fenômeno recente. Claro que as novas tecnologias de comunicação alteram em proporção o fenômeno. Mas é certo que desde a instalação, em 1808, da Impressão Régia e da censura nas atividades de uma junta administrativa que velaria para que “nada se imprimisse contra a religião, o governo e os bons costumes” (SODRÉ, 1966, p. 23) temos, no Brasil, uma mídia hegemônica com interesses políticos e de classe bem definidos.
Sem embargo de órgãos e jornalistas que, isolada e eventualmente, perceberam e profligaram as opressões penais, a imprensa legitimou intensamente o poder punitivo exercido pela ordem burguesa, assumindo um discurso defensivista-social que, pretendendo enraizar-se nas fontes liberais ilustradas, não lograva disfarçar seu encantamento com os produtos teóricos do positivismo criminológico, que naturalizava a inferioridade biológica dos infratores (BATISTA, 2001, p.3)
Até aqui podemos perceber relações entre direito, punitivismo, mídia justamente pelo que fora colocado por Marx, sobre” as instituições comuns” passarem pela mediação do Estado e dele recebem uma forma política. Essas relações acompanham a intertextualidade constitutiva, de natureza histórica, dos textos jurídicos em matéria penal e, ao fim, revelam sua relação de poder. Para findar essa breve reflexão sobre sistema penal e mídia e voltarmos para a aplicação específica da Análise Crítica de Discurso no Direito, queremos destacar pontualmente a especificidade da relação entre comunicação social organizada e sistema penal no capitalismo tardio, na esteira dos estudos da criminologia crítica de Nilo Batista.
O compromisso da imprensa – cujos órgãos informativos se inscrevem, de regra, em grupos econômicos que exploram os bons negócios das telecomunicações – com o empreendimento neoliberal é a chave da compreensão dessa especial vinculação mídia sistema penal, incondicionalmente legitimante. Tal legitimação implica a constante alavancagem de algumas crenças, e um silêncio sorridente sobre informações que as desmintam. O novo credo criminológico da mídia tem seu núcleo irradiador na própria idéia de pena: antes de mais nada, crêem na pena como rito sagrado de solução de conflitos (BATISTA, 2001, p.3)
Pouco importa o fracasso do encarceramento. Toda pena é vista como caminho mais adequado para a garantia da segurança. Não há debate público, há uma quase adesão voluntarista das massas às soluções punitivistas que povoam os jornais e editoriais. A respeito da criminalização e da propaganda de fé à importância (política) da pena feita pela comunicação social organização organizada Nilo Batista diz que:
A criminalização, assim entendida, é mais do que um ato de governo do príncipe no Estado mínimo: é muitas vezes o único ato de governo do qual dispõe ele para administrar, da maneira mais drástica, os próprios conflitos que criou. Prover mediante criminalização é quase a única medida de que o governante neoliberal dispõe: poucas normas ousa ele aproximar do mercado livre – fonte de certo jusnaturalismo globalizado, que paira acima de todas as soberanias nacionais –, porém para garantir o “jogo limpo” mercadológico a única política pública que verdadeiramente se manteve em suas mãos é a política criminal (BATISTA, 2001, p.5).
Assim, temos que a política criminal configura a principal política pública de um Estado Neoliberal. Vale retomar a epígrafe que inaugura a primeira página da presente pesquisa: “O paradoxo de que a um Estado social mínimo corresponda um Estado penal máximo conduz às conseqüências concomitantes de despolitização dos conflitos sociais e politização da questão criminal” (BATISTA, 2001). O neoliberalismo, portanto, potencializa a politização das questões criminais historicamente constituídas pela sua relação com a mídia. Essas questões estruturais precisam acompanhar, pela metodologia da Análise Crítica de Discurso, sua aplicação em textos do sistema penal.
Voltando a relação entre ACD e direito, temos que considerar, pela pretensa autonomização do complexo jurídico e de seus especialistas a uma autoridade supostamente impessoal emprestada aos enunciados (OLIVEIRA, 2017, p. 86) e textos jurídicos, como se a manifestação jurídica fosse “pura” em tais enunciados, resultando em uma estatura de objetividade, o que implica sua correspondência com o real o verdadeiro (OLIVEIRA, 2017, p.86).
No entanto, demonstramos aqui que o funcionamento do complexo jurídico, para Lukács, está em manipular um turbilhão de contradições de tal maneira que disso surja não só um sistema unitário, mas um sistema capaz de mover-se elasticamente entre pólos antinômicos – por exemplo, “entre a pura força e a persuasão que chega às raias da moralidade” -, visando implementar, no curso das constantes variações do equilíbrio dentro de uma dominação de classe que se modifica de modo lento ou mais acelerado, as decisões em cada caso mais favoráveis às posições hegemônicas em determinadas sociedades(LUKÁCS, 2013, p.247).
Apesar da pretensão de verdade o direito, retomando o próprio Marx (passagem do livro A miséria da Filosofia), “é apenas o reconhecimento formal do fato”. Segundo interpretação do Lukács, o “fato” seria a realidade econômica-social, implicada em todas as suas dimensões inclusive étnicas e de gênero. Esta passagem de Marx expressa a prioridade ontológica do econômico sob o direito. Disso não tiramos nenhuma dedução simplista, economicista, se não vejamos o que diz o filósofo húngaro:
(...) o direito constitui uma forma específica da reprodução consciente daquilo que sucede de facto na vida econômica. A expressão “reconhecimento” apenas diferencia ainda mais a peculiaridade específica dessa reprodução, ao trazer para o primeiro plano seu caráter não puramente teórico, não puramente contemplativo, mas precipuamente prático. Pois é evidente que, no caso de contextos puramente teóricos, essa expressão seria simplesmente tautológica, como: “ Reconheço que duas vezes dois são quatro”. O reconhecimento só pode adquirir um sentido real e razoável dentro de um contexto prático, a saber quando por meio dele se enuncia como deve ser a reação a um fato reconhecido, quando nele está contida uma instrução sobre que tipo de pores teleológicos humanos devem decorrer daí, ou, então, como deve ser apreciado o referido fato enquanto resultado de pores teleológicos anteriores. Ora, esse princípio experimenta uma concretização ainda maior por meio do adjetivo “oficial”. O caráter de dever ganha, por essa via, um sujeito precisamente determinado em termos sociais, justamente o Estado, cujo poder determinado em seu conteúdo pela estrutura de classe consiste aqui essencialmente no fato de possuir o monopólio sobre a questão referente a como devem ser julgados os diferentes resultados da práxis humana, se devem ser permitidos ou proibidos, se devem ser punidos etc., chegando inclusive a determinar que fato da vida social deve ser visto como relevante do ponto de vista do direito e de que maneira isso deve acontecer[...]”(LUKÁCS, 2013,p.239).
Concluímos nessa seção do artigo, que no Sistema Penal temos o reconhecimento oficial do fato direcionado pela organização social da comunicação, a mídia, que pela intertextualidade – manifesta e constitutiva – ao longo da história tem, no avanço neoliberal, colocado o direito, o sistema penal como principal política pública. Essa característica coloniza os textos e os discursos em matéria penal influindo diretamente no seu consumo, na sua circulação e, cada vez mais, pela mídia constrangendo a elaboração dos textos jurídicos. Esse olhar metodológico de diálogo entre ACD, marxismo e criminologia crítica precisa subsidiar a cuidadosa análise discursiva dos textos jurídicos em matéria penal.
CONCLUSÕES PROVISÓRIAS
Nenhuma questão jurídica, por mais técnica que seja não é ideologicamente neutra. Em regra, entretanto, os especialistas do direito se imaginam acima dos constrangimentos de classe de gênero e de raça, e não assumem suas posições ideológicas ou não se responsabilizam por seus atos, deixando o jurisdicionado acreditar que a escolha foi técnica, neutra, imparcial e universal. Quando em verdade trata-se de posições particulares determinadas reflexivamente pelas estruturas sociais (OLIVEIRA, 2015, p 87).
Segundo David Barbosa Oliveira (2015) a ACD permite denunciar o reconhecimento dos atos sociais como ‘naturais’ e não problemáticos, pois o direito carrega consigo textos tipicamente marcados por assimetrias de poder. Permitindo assim identificar as estratégias linguístico-discursivas pelas quais se textualizam os discursos jurídicos (OLIVEIRA, 2015, p.87). Dessa maneira, realizamos um empreendimento para identificar, revelar e divulgar aquilo que está implícito na política criminal enquanto intertextualidade constitutiva que não é imediatamente assumido nas relações de dominação discursiva ou de suas ideologias subjacentes dentro do Direito, que é a relação com a mídia.
É comum ouvirmos que há um processo de judicialização da política e midiatização do judiciário, no entanto podemos perceber que essas marcas acompanham a história e o desenvolvimento das estruturas sociais aqui estudadas. O direito inevitavelmente é constrangido pela forma política do Estado Burguês, tendo, por tanto, autonomia relativa e não absoluta. O sistema penal, em seus textos e estrutura social, nunca esteve divorciado da mídia. A midiatização do sistema penal não começa com os modernos meios de se fazer criminalização seletiva, mas é justamente a comunicação social organizada pela imprensa, pela mídia que direciona o sentido, a avaliação social, historicamente constituída das políticas criminais.
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Este artigo foi publicado em 23/12/2021 e republicado em 20/03/2024.
Advogado. Inscrito na OAB, Seccional Tocantins. Professor Universitário. Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Goiás (UFG). Mestre em Linguística (UFT), Pós-graduado em Direito e Processo Constitucional (UFT). Doutorando em Direito (UniCEUB/DF).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GODINHO, Rafael Assunção. Intertextualidade, sistema penal e mídia: análise crítica de discurso aplicada no direito Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 mar 2024, 04:57. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/57935/intertextualidade-sistema-penal-e-mdia-anlise-crtica-de-discurso-aplicada-no-direito. Acesso em: 22 nov 2024.
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