RESUMO: O presente estudo, tem por objetivo compreender os conceitos básicos de pragmatismo jurídico, apontar algumas características e distinções entre o pragmatismo e o positivismo, pontuando seus principais elementos. Ainda trazer uma análise breve do conceito de insignificância para o direito penal e sua similaridade com os princípios que regem o pragmatismo, para que possamos, em uma análise conjunta de tais institutos, compreender o quanto podemos inserir do conceito de pragmatismo jurídico na aplicação do princípio da insignificância para o direito penal.
PALAVRAS-CHAVE: Pragmatismo. Positivismo. Princípio da insignificância.
ABSTRACT: This study aims to understand the basic concepts of legal pragmatism, point out some characteristics and distinctions between pragmatism and positivism, punctuating its main elements. It also brings a brief study of the concept of insignificance principle to criminal law and its similarity with the principles that govern pragmatism, so that we can, in a joint analysis of such institutes, understand how much we can insert the concept of legal pragmatism in the application of the principle of par insignificance to criminal law.
KEYWORDS: Pragmatism. Positivism. Insignificance principle.
1.INTRODUÇÃO
Nesse estudo, vamos trazer uma breve noção dos conceitos de pragmatismo, a partir do questionamento de como devem decidir os juízes, no sentido em que caberá ao juiz a aplicação literal do texto da lei? Ou ele deverá levar em consideração as situações reais em que os julgados acontecem.
Nesse contexto, vamos analisar algumas das principais características do pragmatismo jurídico, como o antifundacionalismo, como conceitos previamente construídos, o contextualismo, como uma interpretação jurídica norteadora de questões práticas e o consequencialismo sob a perspectiva de que o direito deverá acompanhar o dinamismo da vida.
Nesse ínterim, teremos como foco uma visão das diferenças entre o pragmatismo e o positivismo, na perspectiva de os juízes positivas tendem a fazer uma análise preestabelecida, sem qualquer análise do contexto fático e das consequências de suas decisões.
Após essas conclusões iniciais, a perspectivas das análises a partir do conceito do princípio da insignificância, faz-se necessária para compreensão do instituto e sua melhor compreensão dentro do contexto do pragmatismo. Para isso, faremos uma análise da tipicidade conglobante, como elemento de aplicação da lei consistente na averiguação da proibição através da indagação do alcance proibitivo da norma para que com isso, possamos chegar a uma conclusão quanto aos bens jurídicos penalmente protegidos e suas consequências.
Por fim, traçaremos o paralelo entre o pragmatismo e o princípio da insignificância, fazendo um elo nas suas predileções, bem como em como podem ser tais institutos analisados dentro de um contexto, bem como em como ambas trabalham diante da mesma premissa quanto à concepção de que um juiz deve sempre interpretar a aplicar uma lei levando em consideração não só o texto literal legislativo, mas também as consequências da aplicação dessa lei em suas decisões.
1. NOÇÕES DO PRAGMATISMO
O pragmatismo jurídico tem como um de seus enfoques analisar teorias que busquem fornecer respostas a seguinte pergunta: “Como devem decidir os juízes? ”. Nesse sentido, precisa-se antes de mais nada, procurar as melhores respostas para esse questionamento, para que somente assim, se possa compreender de que modo as decisões podem ser melhor aplicadas.
Apesar dessa necessidade,
“é importante frisar, desde logo, que não existe um único pragmatismo homogêneo, mas, sim, diversas formas de compreensão do pragmatismo, tendo em vista as influências de formas antigas do pensamento, tais como do darwinismo, do ceticismo e do empirismo da Antiguidade clássica, etc” (OLIVEIRA, 2012, p.18).
Quando falamos em pragmatismo homogêneo devemos ter em mente que o pragmatismo não tem apenas um único enfoque ou uma única vertente de compreensão. O pragmatismo é multifacetado e possui diversas formas de erudição.
Não obstante o fato de haver diversidade quanto as diversas formas de pragmatismo, eles possuem algumas características comuns, quais sejam:
Antifundacionalismo: Nas palavras de Margarida Lacombe (2009, p. 367), em sua obra O pragmatismo no Supremo Tribunal Federal Brasileiro, “A perspectiva antifundacionalista mostra que na verdade não se encontra em princípios e conceitos dados ou previamente construídos. Os conceitos advindos da experiência pretérita, constituem-se em hipóteses a serem confirmadas na prática. Portanto, um pensamento aberto, sempre sujeito a verificação. Não se trata de um pensamento fechado, condicionado a subsunção do fato concreto a uma verdade anteriormente dada. Nesse aspecto o pragmatismo jurídico negará uma vinculação necessária com a dogmática, abrindo-se para o consequencialíssimo”
Contextualismo: “ A interpretação jurídica é norteada por questões práticas e o direito é visto como prática social. (OLIVEIRA, 2012, p.18).
Consequencialismo: “Essa característica do pragmatismo mostra que o conhecimento acompanha o dinamismo da vida. Volta-se para o futuro, na medida em que se pauta nas consequências da ação. A decisão sobre a melhor conduta, nesse aspecto, é aquela que se pauta na consideração dos efeitos de um e de outro comportamento: “Se eu agir assim, ocorrerá isso; se eu agir de outra maneira, os resultados serão outros”. Portanto, as consequências possíveis se serem antevistas norteiam a tomada de decisões, e assim não se tem compromisso com princípios e valores”. (CAMARGO,2008, p.368).
Seguindo nesse raciocínio, através desses atributos que nos trazem a abdução legal, nos faz necessário pensar em como os tribunais e os julgadores, como fonte privilegiada de análise, já que podem verificar como o Direito é construído, a partir de uma demanda, ou a partir de um problema que requer uma solução legal, poderá utilizar desses requisitos para solucionar o problema de uma maneira que se não só se observa a aplicação prática do direito como subsunção de um fato a norma, mas sim de uma análise do direito como uma ciência que se ocupa da prática, da qual não pode se dissociar. Assim, a norma jurídica, criada para disciplinar situações concretas só ganha sentido e, portanto, só pode ser compreendida, quando efetivamente aplicada pela autoridade competente, isto é, quando concretizada (CAMARGO, 2008, p.364).
O pragmatismo jurídico, busca incentivar o juiz a buscar uma decisão que produza um melhore resultado. Segundo Richard Posner:
“o juiz pragmatista não despreza as fontes formais do direito e os precedentes judiciais, mas estes constituem apenas um ponto de partida, e a conveniência de se observarem as leis escritas e os precedentes deve ser sopesada com as consequências positivas ou negativas que a decisão possa ter em termos econômicos, sociais, políticos etc”. (POSNER, 2012 p.382)
Diante desse cenário podemos concluir que o pragmatismo jurídico defende a ideia de que o juiz deverá decidir não só com os olhos voltados para lei, mas também para quais serão as consequências de sua decisão. É nesse contexto que podemos notar a grande semelhança desse instituto com o princípio da insignificância, já que, como veremos, o tal princípio não está apenas preocupado com a aplicação da lei em seu sentido literal, mas sim nas consequências que essa aplicação poderá trazer ao réu.
2.1 Pragmatismo versus positivismo
Para que possamos falar de pragmatismo, não podemos deixar de compará-lo com o clássico método positivista, já que:
“é o positivismos a corrente filosófica que representa à alternativa concorrente a do pragmatismo a mais conspícua e que obteve maior amplitude e relevância nesse cenário, pelo fato de através de um retorno às bases de uma nova epistemologia de cunho empiricista passar a constituir uma alternativa as filosofias especulativas que prevaleciam à época, particularmente a do idealismo alemão”. (REGO, 2009. p.22).
O positivismo foi construído a partir de uma derivação do idealismo, numa idealização mais subjetivista com os olhos voltado ao sujeito e a sua consciência. Nesse sentido, o positivismo tem como condão uma visão mais observadora do conhecimento humano na tentativa de explicar as relações existentes, numa concepção em que somente a razão basta e a imaginação é menosprezada.
O positivismo clássico constituindo-se de:
“uma espécie de derivação do idealismo filosófico, insere-se numa das vertentes do idealismo subsjetivista, cuja tônica fundamental reside na ênfase atribuída a consciência do sujeito e o papel das sensações, arcado por um ceticismo oriundo da constatação da impossibilidade humana de aprender princípios absolutos e muito menos de compreender a origem do universo”. (REGO, 2009. p.24).
Seguindo esse raciocínio não podemos de deixar de falar dos juízes positivistas ou dogmáticos o sentido de seguidores da lei de maneira fiel e predeterminada. Nas palavras de Richard Posner:
“ O juiz positivista começa e geralmente termina sua atividade com um exame da jurisprudência, da legislação, da regulamentação executiva e dos dispositivos constitucionais – as “fontes" diante das quais deve curvar-se quando segue o princípio de que os juízes têm o dever de assegurar a coerência de princípios com o que outras autoridades fizeram no passado” (POSNER, 2012. p.381).
Nesse sentido, podemos compreender a sistemática de o se todas as fontes jurisprudenciais dizem a mesma coisa provavelmente o juiz positivista terá um decisão preestabelecida, vez que na falta de latentes razões contrárias uma decisão oposta seria vista como uma violação ao passado, sendo assim o juiz positivista tem o “dever de comparar as duas linhagens e aplicar ao caso outros princípios manifestos ou latentes na jurisprudência, na legislação ou na constituição a fim de encontrar aquela solução que melhor promova ou melhor se coadune com a melhor interpretação do histórico jurídico em seu conjunto” (POSNER, 2012. p.381).
Já quando falamos em juízes pragmatistas podemos verificar que eles possuem outras prioridades: buscar uma decisão que melhor atenda às necessidades presentes e futuras. Isso não quer dizer que eles ignorem os precedentes, pelo contrário, eles o veem como fonte de conhecimento e sabedoria e
“encara a jurisprudência, a legislação e o texto constitucional sob dois aspectos: como fonte de informações potencialmente úteis sobre o provável melhor resultado no caso sob exame e como marcos que ele deve ter o cuidado de não obliterar nem obscurecer gratuitamente, pois as pessoas os tomam como pontos de referência”. (POSNER, 2012. p.382).
Sendo assim, podemos concluir que o pragmatismo trabalha com a concepção de que o juiz não deve interpretar a lei, mas atuar conforme as consequências de suas decisões, levando em consideração as consequências da conduta e não só a expressão literal da lei.
O pragmatismo jurídico está compromissado com as necessidades humanas e sociais, nas quais a força do contexto prevalece à visão normativa. Nesse sentido, defende a autora que as normas jurídicas devem servir necessariamente as necessidades humanas e sociais e com isso devem estar adequadas às práticas que vão além da subsunção do fato a norma.
O pragmatismo quer que os conceitos e normas jurídicas sirvam constantemente a estas necessidades, e isso implica que o direito ajuste suas próprias categorias a fim de se adequar às práticas da comunidade extrajurídica.
3.PRINCÍPIO DA INSIGNIFICANCIA
Para falarmos em princípio da insignificância ou crimes de bagatela, precisamos nos referenciar da dogmática do direito para partir da compreensão de princípio e com isso conseguir fazer sua ligação ao pragmatismo jurídico. Para tanto, faremos um estudo breve de suas principais características no sentido de compreender ao melhor modo de sua aplicabilidade.
Quando falamos em direito penal, precisamos sempre nos lembrar que o estamos diante de um ramo do direito de caráter subsidiário, ou seja, o direito penal, considerado ultima racio do sistema punitivo o qual alude que não se deve ocupar-se dos delitos de bagatela.
“Com efeito, essa postura decorre do princípio da intervenção mínima, que, no Estado Democrático de Direito, demanda mínima ofensividade ao bem tutelado para legitimar o braço punitivo estatal. O acolhimento da insignificância, no campo penal, gerando atipicidade material, deve respeitar três requisitos: a) consideração do valor do bem jurídico em termos concretos. Há de se avaliar o bem tutelado sob o ponto de vista da vítima, do agressor e da sociedade”. (NUCCI, 2017, p.108).
Sob esse aspecto, três são os elementos essenciais capazes de caracterizar atipicidade material:
A. Consideração do valor do bem jurídico em termos concretos: O bem tutelado deverá ser avaliado sob o ponto de vista da vítima, do agressor e do tutelado.
“Não se pode cultivar um Direito Penal elitista, preocupado apenas com a lesão a bens de valor economicamente superiores à média, pois essa posição afastaria a tutela estatal em relação aos mais pobres. Nem é preciso ressaltar os males advindos desse quadro, que, além de injusto, fomentaria divisão de classes sociais, incentivo para o exercício arbitrário das próprias razões e o descrédito no monopólio punitivo do Estado” (NUCCI, 2017, p.109).
B. Consideração da lesão ao bem jurídico em visão global:
“O bem lesado precisa inserir-se num contexto maior, envolvendo o agente do delito, pois a prática de pequenas infrações, com frequência, pode ser tão danosa quanto um único crime de intensa gravidade. Diante disso, réus com maus antecedentes ou reincidentes não merecem a aplicação do princípio da insignificância” (NUCCI, 2017, p.109).
C. Consideração particular aos bens jurídicos imateriais de expressivo valor social:
“Não basta o foco no valor individualizado do bem, nem a análise da pessoa do agente. Torna-se essencial captar a essência do bem tutelado, verificando a sua real abrangência e o interesse despertado para a sociedade”. (NUCCI, 2017, p.109).
Apesar desses elementos necessários, ampla é o debate existente visto a dificuldade que se tem em definir o que é irrelevante penalmente, ficando tal valoração, por muitas vezes, ao puro arbítrio do julgador.
“Entretanto, o princípio da insignificância vem tendo larga aplicação nas Cortes Superiores (STF e STJ), sendo tomado como instrumento de interceptação restritiva do Direito penal, que não deve ser considerado apenas em seu aspecto formal (tipicidade formal- Subsunção da conduta a norma penal|), mas também e fundamentalmente em seu aspecto material (tipicidade material- adequação da conduta a lesividade causada ao bem jurídico protegido) ”. (ANDREUCCI, 2019, p.47).
Para Carlos Manãs,
"o princípio da insignificância surge como instrumento de interpretação restritiva do tipo penal que, ele acordo com a dogmática moderna, não deve ser considerado apenas em seu aspecto formal, de subsunção do fato à norma, mas, primordialmente, em seu conteúdo material, de cunho valorativo, no sentido da sua efetiva lesividade ao bem jurídico tutelado pela norma penal, o que consagra o postulado da fragmentariedade do direito penal." Para ele, tal princípio funda-se "na concepção material do tipo penal, por intermédio do qual é possível alcançar, pela via judicial e sem macular a segurança jurídica do pensamento sistemático, a proposição político-criminal da necessidade de descriminalização de condutas que, embora formalmente típicas, não atingem de forma socialmente relevante os bens jurídicos protegidos pelo Direito Penal." (MANÃS, 2003. p.56)
Pois bem, vejamos o que diz o Superior Tribunal de Justiça, na decisão do relator Min. Rogério Schietti Cruz, na decisão em Habeas Corpus nº 585.953 - RO (2020/0129682-1)
AS CORPUS. FURTO. INSIGNIFICÂNCIA. CONCEITO INTEGRAL DE CRIME. PUNIBILIDADE CONCRETA. CONTEÚDO MATERIAL. BEM JURÍDICO TUTELADO. GRAU DE OFENSA. VALOR DA SUBTRAÇÃO. ORDEM DENEGADA. 1. Para que o fato seja considerado criminalmente relevante, não basta a mera subsunção formal a um tipo penal. Deve ser avaliado o desvalor representado pela conduta humana, bem como a extensão da lesão causada ao bem jurídico tutelado, com o intuito de aferir se há necessidade e merecimento da sanção, à luz dos princípios da fragmentariedade e da subsidiariedade.
2. As hipóteses de aplicação do princípio da insignificância se revelam com mais clareza no exame da punibilidade concreta – possibilidade jurídica de incidência de uma pena –, que atribui conteúdo material e sentido social a um conceito integral de delito como fato típico, ilícito, culpável e punível, em contraste com estrutura tripartite (formal).
3. Por se tratar de categorias de conteúdo absoluto, a tipicidade e a ilicitude não comportam dimensionamento do grau de ofensa ao bem jurídico tutelado – compreendido a partir da apreciação dos contornos fáticos e dos condicionamentos sociais em que se inserem o agente e a vítima.
4. O diálogo entre a política criminal e a dogmática na jurisprudência sobre a bagatela é também informado pelos elementos subjacentes ao crime, que se compõem do valor dos bens subtraídos e do comportamento social do acusado nos últimos anos.
5. Na espécie, o réu subtraiu botijão de gás de pessoa física, avaliado em R$ 198,00, equivalentes a 19,83% do salário mínimo vigente na época dos fatos, que não autoriza, de imediato, que se conclua não haver possibilidade jurídica de incidência da pena.
7. Ordem denegada.
Sendo assim, “A tendência atual, todavia, é a de conceituar a tipicidade penal pelo seu aspecto formal aliado a tipicidade conglobante”. (CUNHA, 2016. p. 71), e precisamos levar em consideração que a doutrina outrora entendia que a tipicidade nada mais é do que a subsunção da conduta empreendida pelo agente a uma norma existente, chamada de tipicidade formal.
3.1Tipicidade Conglobante
Na lição de Zaffaroni e Pierangeli,
“tipicidade conglobante consiste na averiguação da proibição através da indagação do alcance proibitivo da norma, não considerada isoladamente, e sim conglobada na ordem normativa. A tipicidade conglobante é um corretivo da tipicidade legal, posto que pode excluir do âmbito do típico aquelas condutas que apenas aparentemente estão proibidas” (Zaffaroni e Pierangeli, 2015, p.461).
Nesse sentido, defende Rogério Sanches Cunha que:
“A tipicidade conglobante, por sua vez, deve ser analisada sob dois aspectos: (A) se a conduta representa relevante lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico (tipicidade material) e (B) se a conduta é determinada ou fomentada pelo direito penal (antinormatividade) ” (CUNHA, 2016. p. 71).
O tipo legal pode ser compreendido como a manifestação de uma norma gerada que visa tutelar a relação entre um sujeito e um “bem jurídico”. Essa norma quando proibitiva e junto com outras normas forma uma ordem normativa que deve estar sempre em conformidade, onde uma norma não pode estar em confronto com outra.
Pois bem:
“pode ocorrer o fenômeno da fórmula legal aparente abarcar hipóteses que são alcançadas pela norma proibitiva, considerada isoladamente, mas que, de modo algum, podem inclui-se na sua proibição, quando considerada conglobante, isto é, fazendo parte de um universo ordenado de normas. Daí a tipicidade penal não se reduz a tipicidade legal, e sim que deva evidenciar uma verdadeira proibição à luz da consideração conglobada da norma. Isto significa que a tipicidade penal implica a tipicidade legal corrigida pela tipicidade conglobante, que pode reduzir o âmbito de proibição aparente, que surge da consideração isolada da tipicidade legal” (Zaffaroni e Pierangeli, 2015, p.796).
Nesse sentido, os principais casos em que podemos notar uma atipicidade conglobante, ocorrem quando uma norma dá uma ordem que outra parece proibir, ou seja, quando uma norma proíbe algo que outra fomenta. Zaffaroni e Pierangeli em sua obra Manual de direito penal brasileiro trazem diversos exemplos de casos como esses, sendo eles: natureza, colisão de deveres, consequências de sua natureza, as intervenções cirúrgicas, as lesões desportivas, as atividades perigosas fomentadas, dano e perigo, o princípio da insignificância e a teoria da adequação social da conduta. Por questões didáticas, iremos abordar apenas o tema do princípio da insignificância que é a fonte de discussão dessa pesquisa.
O princípio da insignificância postula que nem toda agressão merece reprimenda penal, mas apenas aquela que afetar os bens jurídicos de forma relevante, apta a justificar a intervenção penal. É a ideia que decorre do brocardo minimis non curat praetor. (JUNQUEIRA, 2019, P.18)
O princípio da insignificância é enunciado pela primeira vez em 1964 na obra de Roxin e atua sobretudo no âmbito da criminalização secundária permitindo excluir de plano lesões de bagatela da maioria dos tipos. Desta forma é compreendido como um instrumento de interpretação restritiva, fundado na concepção material do tipo penal, por intermédio do qual é possível alcançar, pela via judicial e sem macular a segurança jurídica do pensamento sistemático, a proposição político-criminal da necessidade de descriminalização de condutas que, embora formalmente típicas, não atinjam de forma relevante os bens jurídicos protegidos pelo Direito Penal (MANÃS, 1994, p. 58).
A insignificância da afetação exclui a tipicidade, mas só pode ser estabelecida através da consideração conglobada da norma: toda a ordem normativa persegue uma finalidade, tem um sentido, que é a garantia jurídica para possibilitar uma coexistência que evite a guerra civil (a guerra de todos contra todos). A insignificância só pode surgir a luz da finalidade geral que dá sentido à ordem normativa e, portanto, a norma em particular, e que nos indica que essas hipóteses estão excluídas de seu âmbito de proibição, o que não pode ser estabelecido a sei simples luz de sua consideração isolada. (Zaffaroni e Pierangeli, 2015, p.796).
Sendo assim, podemos ter a clara verificação de que até esse momento a tipicidade era compreendida como formal e material, sendo a formal como descrição legal do fato típico e material a ofensa de uma conduta a um bem jurídico. Zafarroni e Pierangeli criam o conceito de teoria conglobante trazendo mais uma vertente a tipicidade que seria uma junção da tipicidade material, com o que ele chama de antinormatividade.
Tal justificativa se dá soba ótica de que ambos os conceitos (tipicidade material e antinormatividade) não podem ser separados, pois sua limitam-se um ao outro de maneira entrelaçada. Sendo assim, para eles, é incompreensível que uma norma possa ser normativa e proibitiva, uma vez que compreendem que uma conduta considerada legalmente típica pode estar proibida.
Muitos outros doutrinadores aderem a efetividade de tema, sendo um deles o ilustre doutrinador Guilherme de Souza Nucci, que entende que a necessidade conglobante somente pode ser verificada se associada o quanto o bem jurídico protegido foi afetado, ou seja, deve estar sempre associado a tipicidade material.
3.2 Bem jurídico
Para fecharmos os principias ponto penais que podem nos ajudar a concluir a análise desse estudo, não podemos deixar de falar dos bens jurídicos e sua proteção, isso porque, qualquer valoração dada pela análise e subsunção de um fato a uma norma, necessidade de uma análise sob o enfoque do bem jurídico protegido.
O nosso tribunal constitucional não reconheceu até hoje a lesão a bem jurídico com o pressuposto de uma penalização válida, apesar de já ter várias oportunidades de fazê-lo: nas decisões sobre a constitucionalidade do homossexualismo entre adultos, da posse da cannbis e do incesto entre irmãos [...] Se o que interessa para que uma lei penal passe pelo crivo constitucional é apenas que ela seja idônea e necessária para perseguir uma finalidade legitima qualquer e adequada no sentido do princípio da proporcionalidade , não importa a existência de uma lesão a um bem jurídico, desde que se ignore o seu significado para a legalidade do fim perseguido (ROXIN, 2014, p. 46).
Apesar dessas discussões acerca da delimitação conceitual de bem jurídico se admite atualmente que bem jurídico constitui a base da estrutura e interpretação dos tipos penais. O bem jurídico, no entanto, não pode identificar-se simplesmente com a retio legis, mas deve possuir um sentido social próprio, anterior a norma pena e em si mesmo decidido, caso contrário, não seria capaz de servir a função sistemática, de parâmetro, limite do preceito penal e de contrapartida das causas de justificação de hipóteses de conflito de valorações (JESCHECK, 1993, p. 351).
Ainda nesse sentido, o conceito de bem jurídico está relacionado a finalidade de preservação das condições individuais necessárias para uma coexistência livre e pacifica em sociedade, garantindo, ao mesmo tempo, o respeito de todos os direitos humanos. (BITENCOURT, 2016. p.350).
Vejamos, o direito penal, segundo sustenta Welzel, tem função ético-social e preventiva. A função ética social é exercida por meio da proteção dos valores fundamentais da vida social, que deve configurar-se com a proteção de bens jurídicos. Os bens jurídicos são vitais da sociedade e do indivíduo, que merecem proteção legal exatamente em razão de sua significação social [...] O valor ético social de um bem jurídico, no entanto, não é determinado de forma isolada ou abstratamente; ao contrário, sua configuração será avaliada em relação a totalidade do ordenamento social. (BITENCOURT, 2016. p.46).
Nesse sentido, diz o nosso Superior Tribunal de Justiça:
1. A subsidiariedade do direito penal não permite tornar o processo criminal instrumento de repressão moral, de condutas típicas que não produzam efetivo dano. A falta de interesse estatal pelo reflexo social da conduta, por irrelevante dado à esfera de direitos da vítima, torna inaceitável a intervenção estatal-criminal.
2. Sedimentou-se a orientação jurisprudencial no sentido de que a incidência do princípio da insignificância pressupõe a concomitância de quatro vetores: a) a mínima ofensividade da conduta do agente; b) nenhuma periculosidade social da ação; c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada.
3. A despeito do teor do enunciado sumular n. 599, no sentido de que O princípio da insignificância é inaplicável aos crimes contra a administração pública, as peculiaridades do caso concreto – réu primário, com 83 anos na época dos fatos e avaria de um cone avaliado em menos de R$ 20,00, ou seja, menos de 3% do salário mínimo vigente à época dos fatos – justificam a mitigação da referida súmula, haja vista que nenhum interesse social existe na onerosa intervenção estatal diante da inexpressiva lesão jurídica provocada. (RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 85.272 - RS (2017/0131630-4))
Pois bem, falar do conceito de bem jurídico, dentro do contexto que estamos analisando se faz necessário antes a sua importância para análise das limitadoras do poder repressivo do Estado, dentre eles o princípio da insignificância.
4.PRAGMATISMO E PRINCÍPIO DA INSIGNIFICANCIA
Para que possamos entender a relação entre os temas aqui estudados, foi necessária uma análise prévia dos principais conceitos de pragmatismo, e dos elementos que compõem princípio da insignificância.
Pois bem, quando falamos em pragmatismo jurídico, pensando sob enfoque de uma análise processual em que o juiz deve se preocupar muito mais com as consequências da decisão do que a aplicação da norma em sim e no princípio da insignificância, excludente jurídica de tipicidade onde se analisa o quão relevante é a punição diante de um fato considerado irrelevante ao direito penal, não podemos separar ambas as figuras.
Vejamos que, o princípio da insignificância, simplificando, nada mais é a não do que a subsunção de um fato, ou seja, deixa de se analisar aqui o elemento textual da lei, passando a analisar a efetiva consequência social da aplicação da norma, pois bem, se isso não é uma análise pragmatista da lei e de suas consequências, estamos equivocados quanto aos conceitos de pragmatismo trazidos aqui nessa singela análise inicial.
No cenário analisado, não se pode deixar de falar, mais uma vez, da decisão do Ministro Rogério Cruz, isso porque, ela se faz clara ao deixar de analisar o texto legal apenas em sua literalidade, levando em consideração o contexto social e as consequências de sua decisão, sendo assim uma decisão de caráter puramente baseado nas linhas defendidas pelo pragmatismo.
Nesse sentido, vejamos o que diz o Ministro Rogerio Schietti Cruz, na decisão já citada (HC 585.953):
Porém, sob o enfoque material, exige-se que tal intervenção leve em consideração que as condutas proibidas são produto de seres humanos, enquanto inseridos em condicionamentos sociais, o que legitima a norma apenas se tiver ela como escopo impedir uma lesão concreta a um bem jurídico. (grifo nosso)
E continua:
O princípio da insignificância – que deve ser analisado em conexão com os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado em matéria penal – tem o sentido de excluir ou de afastar a própria tipicidade penal, examinada está na perspectiva de seu caráter material. Doutrina. Precedentes. Tal postulado – que considera necessária, na aferição do relevo material da tipicidade penal, a presença de certos vetores, tais como (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada – apoiou-se, em seu processo de formulação teórica, no reconhecimento de que o caráter subsidiário do sistema penal reclama e impõe, em função dos próprios objetivos por ele visados, a intervenção mínima do Poder Público. (grifo nosso)
E conclui:
7. É possível listar diretrizes de aplicação do princípio da insignificância, a saber: a) da perspectiva do agente, a conduta, além de revelar uma extrema carência material, ocorre numa concreta ambiência de vulnerabilidade social do suposto autor do fato; b) do ângulo da vítima, o exame da relevância ou irrelevância penal deve atentar para o seu peculiarmente reduzido sentimento de perda por efeito da conduta do agente, a ponto de não experimentar revoltante sensação de impunidade ante a não-incidência da norma penal que, a princípio, lhe favorecia; c) quanto aos meios e modos de realização da conduta, não se pode reconhecer como irrelevante a ação que se manifesta mediante o emprego de violência ou ameaça à integridade física, ou moral, tanto da vítima quanto de terceiros. Reversamente, sinaliza infração de bagatela ou penalmente insignificante aquela que, além de não se fazer acompanhar do 'modus procedendi' que estamos Documento: 1974326 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 04/09/2020 Página 8 de 5 Superior Tribunal de Justiça a denunciar como intolerável, revela um atabalhoamento ou amadorismo tal na sua execução que antecipa a sua própria frustração; isto é, já antecipa a sua marcante propensão para a forma não mais que tentada de infração penal, porque, no fundo, ditadas por um impulso tão episódico quanto revelador de extrema carência econômica; d) desnecessidade do poder punitivo do Estado, traduzida nas situações em que a imposição de uma pena se autoevidencie como tão despropositada que até mesmo a pena mínima de privação liberdade, ou sua conversão em restritiva de direitos, já significa um desbordamento de qualquer ideia de proporcionalidade; e) finalmente, o objeto material dos delitos patrimoniais há de exibir algum conteúdo econômico, seja para efetivamente desfalcar ou reduzir o patrimônio da vítima, seja para ampliar o acervo de bens do agente.
Sendo assim, verificando as diretrizes aqui trazidas, podemos concluir que, de fato, ao aplicar o princípio da insignificância, o judiciário, deixa de analisar apenas a letra literal da lei baseando sua decisão nas consequências ético-sociais da aplicação de um princípio ante a aplicação do texto legal, o que nada mais é do que uma análise pragmática do sentido da lei, pois já que, ao deixar de aplicar o texto literal legal, os juízes rendem as suas decisões à busca de um melhor resultado, bem como sopesando as melhores consequências às suas decisões, ante a conduta e a pena ao caso concreto cabível.
Nesse contexto, podemos concluir que o princípio da insignificância, assim como o pragmatismo trabalham com a concepção de que o juiz não deve interpretar e aplicar a lei como subsunção de um fato a norma, mas atuar conforme as consequências de suas decisões.
5.CONCLUSÕES
Após a análise de todos os institutos trazidos, podemos chegar a uma conclusão quanto a indagação inicial: Como devem decidir os juízes?
Pois bem, com uma análise inicial das noções básicas do pragmatismo, pudemos ter uma clara compreensão de que o juiz pragmatista sempre se atem as consequências de sua decisão, ao contrário dos juízes positivas que atuam, de modo a aplicar a literalidade da lei, ainda que as consequências de tal aplicação não seja a mais justa ou a mais digna dentro dos limites legais, com isso, a compreensão de que o juiz positivista proferem decisões, na maioria das vezes, preestabelecidas, faz com que possamos ter a evidente ideia de que os positivas visam encarar a jurisprudência, a legislação e o texto constitucional como fonte de informações potencialmente úteis sobre o provável melhor resultado e como marcos que ele deve ter o cuidado de não obliterar nem obscurecer gratuitamente.
Com essa análise pudermos trazer ao bojo da discussão os conceitos primários do princípio da insignificância, bem como dos bens jurídicos que ele visa proteger, na seara de que é com a conceituação de bem jurídico e de suas tutelas de proteção que podemos avocar os princípios de direções trazidas pelo estudo pragmático das decisões.
Sendo assim, fizemos uma análise sob a perspectiva da teoria conglobante quanto a tratamos de uma norma que dá uma ordem que outra parece proibir, visto que é a partir dessa análise que podemos melhor compreender quanto a aplicabilidade do princípio da insignificância antes ao conflito de determinadas normas.
Por fim, pudemos responder à pergunta: como devem decidir os juízes? Se concluímos que o pragmatismo jurídica é fazer uma análise do caso em julgamento, levando em consideração não só a norma legal, mas as consequências dessa decisão e o princípio da insignificância é o deixar de aplicar a lei sob a ótica de que as consequências de tal aplicação podem produzir efeitos diverso daquele almejado pela proposta legal, podemos concluir que a aplicação do princípio da insignificância, nada mais é do que um modo de se aplicar o pragmatismo jurídico, levando em conta a situação real do réu, antes a inaceitabilidade da simples subsunção do fato a norma.
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Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: TRIVINO, Aline Melsone Marcondes. Pragmatismo Jurídico e o Princípio da Insignificância Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 26 maio 2022, 04:35. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/58483/pragmatismo-jurdico-e-o-princpio-da-insignificncia. Acesso em: 21 nov 2024.
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