ENIO WALCACER DE OLIVEIRA FILHO
(orientador)
RESUMO: O presente artigo aborda aspectos qualitativos e quantitativos que buscam compreender o comportamento do instituto das audiências de custódia estudando as suas particularidades e experiências, entre outros elementos, para uma compreensão mais ampla sobre as audiências de custódias. A abordagem exige uma análise do contexto em que ele está inserido e as características da sociedade a que pertence. Não obstante, pesquisa dados em órgãos especializados como o Tribunal de Justiça que buscam resultados objetivos, com o intuído de saber o quanto foram impactadas as audiências e os direitos do preso durante o período pandêmico.
Palavras-chave: Audiências de Custódia; Conceito; Histórico; Impacto no Tocantins; Pandemia.
ABSTRACT: This article approachs qualitative and quantitative aspects that seek to understand the behavior of the custody hearings institute by studying its particularities and experiences, among other elements for a broader understanding of custody hearings. The approach requires an analysis of the context and society in which it is inserted. Nevertheless, it researches data that seek objective results, with the aim of knowing how the hearings and the rights of the prisoner were impacted during a pandemic period.
Keywords: Custody Hearings; Concept; Historic; Impact on Tocantins; Pandemic.
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO – 2. CONCEITO DE AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA E SUA PREVISÃO LEGAL– 3. LINHA DO TEMPO DA IMPLEMENTAÇÃO DAS AUDIÊNCIAS DE CUSTÓDIA NO BRASIL – 4. A PANDEMIA E SEU IMPACTO NAS AUDIÊNCIAS DE CUSTÓDIA NO BRASIL – 5. COSIDERAÇÕES FINAIS – 6. REFERÊNCIAS.
1. INTRODUÇÃO
Com o surgimento da Lei n° 13.964 de 24/12/2019 (Pacote Anticrime), foi acrescentado no Código de Processo Penal um instituto que já vinha sendo mencionado desde 1966 pelo Pacto Internacional Sobre Direitos Civis e Políticos, pelo Pacto de São José da Costa Rica em 1969 e reconhecido no Brasil em 6 de novembro de 1992, também por Resoluções, Decretos e Portarias ao longo dos anos até chegar na tipificação final apresentada pelo código, que prevê a apresentação de qualquer pessoa presa, sem demora, a um juiz ou a autoridade.
No Brasil, esse modelo de apresentação foi denominado de Audiência de Custódia, sendo um método para resguardar os direitos fundamentais do preso quando houver prisão em flagrante, tendo em vista que será analisado todo o contexto dessa prisão, se é necessário que seja perpetuada e se houve abuso ou qualquer ilegalidade durante esse procedimento.
Conforme o artigo 310 do Código de Processo Penal:
Após receber o auto de prisão em flagrante, no prazo máximo de até 24 (vinte e quatro) horas após a realização da prisão, o juiz deverá promover audiência de custódia com a presença do acusado, seu advogado constituído ou membro da Defensoria Pública e o membro do Ministério Público [...]” (BRASIL, 2019).
Faz-se necessário esse encontro pessoal do preso e o Judiciário, pois muitas vezes ocorrem abusos, violações à lei e até mesmo inobservância do procedimento por parte das autoridades e, ao ouvir o envolvido direto nesse método, o juiz pode verificar a necessidade da prisão ou mesmo a soltura imediata, caso verifique a presença de irregularidades.
Tendo em vista a grande discussão acerca do instituto em análise, percebe-se que sua entrada no código brasileiro veio para afirmar a importância desse encontro presencial prévio do preso com o Judiciário, para resguardar direitos fundamentais e averiguar se esses diretos estão sendo respeitados.
É importante frisar que a ocorrência da pandemia de Covid-19 afetou esse sistema presencial de audiências e ocasionou impactos que provocaram mudanças no sistema judiciário, trazendo à tona o questionamento sobre os possíveis reflexos relativos às audiências de custódia durante o período pandêmico.
Para responder a tal indagação, busca-se, nesta pesquisa, identificar qual foi o impacto da pandemia nas audiências de custódia e se o direito do preso foi resguardado nesse período.
Para o escopo deste estudo, procedeu-se, inicialmente, a uma pesquisa bibliográfica, trazendo à tona a audiência de custódia, sua aplicação e previsão legal. Para tanto, realizou-se levantamento de dados no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), no Tribunal de Justiça (TJ), na Vara de Custódia de Palmas e demais órgãos competentes para identificar a aplicação do instituto e como funciona sua atuação em Palmas. Avaliou-se, ainda, por meio de dados científicos, o impacto da pandemia na sociedade e o comportamento do instituto de audiência durante esse período.
Utiliza-se como método de pesquisa a descrição, qualitativa e quantitativa, que consiste em realizar o estudo, a análise, o registro e a interpretação dos fatos do mundo físico sem a interferência do pesquisador, baseada em assuntos teóricos utilizando livros, artigos e trabalhos acadêmicos que já abordam o assunto. Também é utilizada a forma exploratória, que estabelece critérios, métodos e técnicas para a elaboração de uma pesquisa e visa oferecer informações sobre o objeto desta e orientar a formulação de hipóteses, além de pesquisa documental, por meio da análise de informações e dados sobre o assunto, fornecidos por órgãos, secretarias e instituições que trabalham ou desenvolvem políticas relacionadas ao tema.
Busca-se compreender o comportamento do instituto das audiências de custódia estudando as suas particularidades e experiências, entre outros aspectos, para uma compreensão mais ampla sobre as audiências de custódia. Por meio da abordagem qualitativa, mediante informações fornecidas pelas comarcas diversas do Tocantins, busca-se uma tabulação de dados para que se tenha um resultado objetivo que aponte para a corroboração ou refutação da hipótese inicialmente traçada para este trabalho, relativa ao impacto da pandemia nas audiências de custódia nas diversas comarcas do Tocantins.
Com o surgimento da pandemia de Covid-19 em 2020, seguida da tão esperada tipificação no Código de Processo Penal quanto às audiências de custódia, verificou-se um impacto nesse instituto, visto que, em decorrência das medidas sanitárias, não era possível haver o encontro presencial. A pesquisa detém significativa relevância, uma vez que permitirá identificar as formas adotadas pelo Poder Judiciário do Tocantins para a realização das audiências de custódia durante o período de crise pandêmica, a sua sistematização ou até as soluções dispersas adotadas pelas diversas comarcas espalhadas pelo Estado.
Por fim, esse trabalho será dividido em três capítulos: o primeiro abordará o conceito de Audiência de Custódia e seu Desenvolvimento Histórico, no segundo capítulo será trabalhada a verificação dos dados colhidos nos órgãos competentes sobre o instituto das audiências de custódia. Destarte, o terceiro capítulo consistirá em uma avaliação do impacto da pandemia nas audiências.
2. CONCEITO DE AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA E SUA PREVISÃO LEGAL
O importante professor e criminólogo holandês Louk Hulsman, em seu livro “Penas Perdidas: o sistema penal em questão”, discorre sobre a importância de ter em mente o quanto o sistema carcerário atinge todos os níveis da vida de um preso. Em suas palavras, “a prisão é um mal social específico: ela é um sofrimento estéril”. (HULSMAN; CELIS, 1993, p. 62). Ou seja, a prisão despersonaliza e dessocializa um indivíduo.
Observando esta linha de pensamento, verifica-se que a ação extrema de punir alguém por ato ilegal precisa ser muito bem analisada, pois suas consequências são estrondosas.
Ressalta-se ainda, um importante pensamento extraído das teorias do filósofo grego Aristóteles segundo o qual o homem é um animal social. Segundo ele, “o homem, por natureza, é um animal social e se não tivesse sua existência na cidade [vida em sociedade], seria um ser vil, superior ou inferior ao homem”. (ARISTÓTELES, 2013)”.
Ou seja, tem-se o homem uma necessidade de socializar desde seu nascimento e quando não o faz, ocasiona sérias consequências psíquicas, físicas e sociais. .
Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ, 2017), o sistema prisional brasileiro é o quarto do mundo em número de pessoas, depois dos Estados Unidos da América (2.228.424), China (1.657.812) e Rússia (673.818)
São mais de 650 mil presos, enquanto a capacidade nas unidades penais do país é de quase 403 mil vagas, ou seja, deficit de 60%.
Por ser um dos países com a maior população prisional do mundo, ocorrem muitas prisões irregulares que levam o preso a ficar semanas, meses ou até anos aguardando o devido processo legal ou o relaxamento de prisão.
Como exemplo de falhas jurídicas relacionadas à prisão, tem-se um recente levantamento feito pela Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro e pelo Colégio Nacional de Defensores Públicos-Gerais (BRASIL, 2021a), que mostrou falhas nos reconhecimentos fotográficos feitos em delegacias no país. Conforme a pesquisa, no período de 2012 a 2020 ocorreram, no Brasil, pelo menos 90 prisões de pessoas inocentes devido a este método, sendo 73 delas apenas no estado do Rio de Janeiro.
Verifica-se que é necessária a existência de meios processuais capazes de evitar esses tipos de prisões ilegais. Dessa forma, para que ocorra a prisão de uma pessoa, é necessário que seja analisada minuciosamente sua necessidade e que não seja tardia a análise de sua imposição, pois as consequências ao indivíduo, que muitas vezes é inocente ou preso sem necessidade, são irreparáveis.
Diante dessa imprescindibilidade de serem resguardados os direitos dos presos, da análise imediata da necessidade de sua prisão ou ainda das irregularidades ocorridas durante os atos anteriores, surge o instituto das Audiências de Custódias.
Paiva (2017) aduz que o conceito de custódia consiste na condução do preso, sem demora, à presença de uma autoridade judicial que deverá, a partir de prévio contraditório estabelecido entre o Ministério Público e a defesa, exercer um controle imediato da legalidade e da necessidade da prisão, assim como apreciar questões relativas à pessoa do cidadão conduzido, notadamente a presença de maus-tratos ou tortura.
No tocante à melhor expressão sobre o instituto, existem várias discussões acerca de como melhor nomeá-lo. Santos entende que “(...) a expressão audiência de custódia não traduz, da melhor forma, a natureza desse ato”. Acredita o estudioso que o termo audiência de garantia representa melhor o instituto. Não obstante, alguns autores doutrinários e até ministros, como min. Luiz Fux, preferem o termo audiência de apresentação.
No artigo “Audiência de Custódia: limites e possibilidades”, escrito pelos membros do Ministério Público do Estado do Tocantins Marcelo Ulisses Sampaio e Rodrigo Alves Barcellos, os autores defendem que:
A implementação das audiências de custódia no Brasil apresenta-se como mais um passo do sistema de justiça visando efetivar direitos humanos, tanto da pessoa presa como da própria sociedade, que se vê amparada contra eventuais arbitrariedades. (SAMPAIO;
No entanto, apesar de muitos entendimentos a respeito da melhor conceituação do instituto em análise, percebe-se que o ponto em comum entre os diversos pensamentos é de que a necessidade do contato presencial entre o preso e o magistrado é essencial para resguardar o princípio da dignidade humana e também para que ocorra, de forma mais justa, a decisão à respeito da liberdade do indivíduo detido.
Tem-se, de início, três importantes tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil é signatário que representam uma base importante para a guinada do instituto no sistema penal e sua previsão legal.
O Art. 9°, parágrafo 3°, do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos aduz que:
Qualquer pessoa presa ou encarcerada em virtude de infração penal deverá ser conduzida, sem demora, à presença do juiz ou de outra autoridade habilitada por lei a exercer funções judiciais e terá o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade. A prisão preventiva de pessoas que aguardam julgamento não deverá constituir a regra geral, mas a soltura poderá estar condicionada a garantias que assegurem o comparecimento da pessoa em questão à audiência, a todos os atos do processo e, se necessário for, para a execução da sentença. (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1966).
A Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica) no seu art. 7°, parágrafo 5°, dispõe:
Toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais e tem o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo. Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo”. (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1969).
Ainda no contexto inicial quanto à base do instituto das audiências de custódia, o Art. 11 da Convenção Internacional sobre o Desaparecimento Forçado de Pessoas discorre que:
Toda pessoa privada de liberdade deve ser mantida em lugares de detenção oficialmente reconhecidos e apresentada, sem demora e de acordo com a legislação interna respectiva, à autoridade judiciária competente. Os Estados-Partes estabelecerão e manterão registros oficiais atualizados sobre seus detidos e, de conformidade com sua legislação interna, os colocarão à disposição dos familiares dos detidos, bem como dos juízes, advogados, qualquer pessoa com interesse legítimo e outras autoridades. . (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1994).
Os artigos citados acima serviram como base para que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e os tribunais do país começassem a implementar o que viria a ser nomeado como Audiência de Custódia.
A Resolução n° 213/2015, publicada pelo Conselho Nacional de Justiça, que regulamenta os procedimentos para a apresentação de toda pessoa presa à autoridade judicial no prazo de 24 horas, trouxe uma unificação normativa a fim de resolver as divergências encontradas nas regulações dos tribunais do país.
Em seu artigo 1°, a Resolução n. 213/2015 determina que:
toda pessoa presa em flagrante delito, independentemente da motivação ou natureza do ato, seja obrigatoriamente apresentada, em até 24 horas da comunicação do flagrante, à autoridade judicial competente, e ouvida sobre as circunstâncias em que se realizou sua prisão ou apreensão (CNJ, 2015).
Foi através desta resolução que as audiências de custódia tomaram fôlego e força e se consolidaram no Poder Judiciário brasileiro.
Não obstante, a necessidade das audiências de custódia foram reforçadas com o advento da Lei n° 13.964, de 24 de dezembro de 2019, que incorporou no Código de Processo Penal (CPP), em seu artigo 310 o seguinte entendimento:
Após receber o auto de prisão em flagrante, no prazo máximo de até 24 (vinte e quatro) horas após a realização da prisão, o juiz deverá promover audiência de custódia com a presença do acusado, seu advogado constituído ou membro da Defensoria Pública e o membro do Ministério Público, e, nessa audiência, o juiz deverá, fundamentadamente (BRASIL, 2019).
Conforme destacado pela Ministra Cármen Lúcia, na Rcl 46.296, a necessidade de realização da audiência de custódia foi reafirmada pela nova redação dada ao artigo 310 do CPP, com a edição da lei 13.964/2019. (BRASIL, 2021). Nesse entendimento, as resoluções, normativas, os entendimentos doutrinários e jurisprudenciais e os artigos de lei foram discutidos e implementados, tendo em vista a necessidade da positivação formal da lei para que fosse assegurado o direito fundamental do preso de exercer sua ampla defesa e contraditório no âmbito das prisões em flagrante.
3. LINHA DO TEMPO DA IMPLEMENTAÇÃO DAS AUDIÊNCIAS DE CUSTÓDIA NO BRASIL
Embora o Brasil já fosse signatário de acordos e tratados internacionais que preveem as audiências de custódia há bastante tempo, era necessário que houvesse uma regulamentação do Direito interno para que não houvesse entendimentos abertos ou um enfraquecimento pela ausência de normativas próprias.
O Relatório de Audiência de Custódia, divulgado pelo Conselho Nacional de Justiça em 2021, comemorou os seis anos do instituto no Brasil publicando dados do avanço percorrido pelo Judiciário nas 27 unidades federativas.
Conforme linha do tempo descrita no documento, em 2015 o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em parceria com o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) e o Ministério da Justiça (MJ), divulgou o Projeto Audiência de Custódia que implementa no Brasil o padrão dos tratados e convenções. (CNJ, 2021).
Nesse sentido, são assinados acordos de cooperação pelo ministro do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski, pelo ministro da Justiça José Eduardo Cardoso e pelo presidente do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), para que a implementação no Brasil seja eficaz, viável e participativa entre a nação.
Ainda em 2015 foi analisada a constitucionalidade pelo STF da ADI 5240 e foi concedida medida cautelar para a ADPF 347. Por fim, em dezembro do mesmo ano foi publicada pelo CNJ a Resolução n° 213/2015, que ficou conhecida como o marco da implementação do instituto no território brasileiro. (CNJ, 2021).
Ainda conforme a linha do tempo descrita no documento, no início de 2016, o Subcomitê de Prevenção e Combate à Tortura das Nações Unidas, formado por 25 peritos da Organização das Nações Unidas, divulga um importante relatório com instruções e recomendações ao Brasil sobre as audiências de custódia, sua importância e eficácia, o qual foi elaborado a partir da visita do subcomitê ao Brasil em 2015.
Em 2017 ocorreu uma importante decisão, pois o ministro Marco Aurélio Mello deferiu uma liminar a qual autorizava a aplicação de audiências de custódia aos crimes relacionados à Lei 11.340 de 2006 (Lei Maria da Penha). . (CNJ, 2021).
No final do ano de 2018, foi assinado um termo entre o Presidente do CNJ (Raul Jungmann) e o presidente do STF (Dias Toffoli), o qual permitia um investimento inicial de R$ 20 milhões ao CNJ, com vistas ao desenvolvimento de mecanismos e soluções para reduzir a superlotação dos presídios. Essa parceria foi fruto da implementação das audiências de custódia, que trouxe visibilidade para os problemas carcerários enfrentados pelo Brasil e mostrou a necessidade de investimentos por parte das instituições do Estado para amenizarem a situação no país. . (CNJ, 2021b).
De acordo com o relatório, o ano de 2019 foi o marco para o instituto estudado neste artigo, pois foram desenvolvidos projetos para o estudo específico das audiências de custódia, a exemplo do Fortalecimento da Audiência de Custódia pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), além do lançamento de pesquisas como o Altos Estudos em Audiência de Custódia, apoiado pelo ministro Dias Toffoli.
Mas foi em 24 de dezembro de 2019 que a audiência de custódia deixou de ser baseada apenas em resoluções, tratados e acordos e foi tipificada ao Código de Processo Penal pela Lei n° 13.964 (Pacote Anticrime). Os artigos 287 e 310 do CPP passaram a mencionar de maneira expressa o instituto de custódia e a observância da apresentação do preso ao Poder Judiciário no prazo de 24 horas após o auto de prisão em flagrante.
No início de 2020 o mundo foi acometido pelo vírus da Covid-19, que resultou em uma situação de pandemia, onde milhões de pessoas foram afetadas. Com a periculosidade, o alto risco de contágio do vírus e o avanço estrondoso e rápido da doença, os governos tiveram que adotar medidas sanitárias para diminuir a circulação das pessoas e restringir aglomerações.
Dentro desse cenário pandêmico, o Judiciário teve que adotar soluções para permitir a continuidade da prestação jurisdicional. Em março de 2020 foi editada pelo CNJ a Recomendação n° 62, na qual foram incluídas alternativas para o cuidado da saúde na justiça penal e opções para prevenção do avanço da pandemia. Não obstante, foram suspensas as audiências de custódia durante o estado emergencial da saúde pública.
No final do ano de 2020, o CNJ editou a Resolução n° 357, que permitiu a implementação das audiências de custódia por videoconferência. Seriam permitidas audiências online no prazo de 24 horas para situações excepcionais, tais como para evitar aglomerações e no caso de comarcas que não possuíssem estrutura sanitária para receber presencialmente o preso. (BRASIL, 2020c).
Gradualmente, com a redução do contágio do vírus por conta do surgimento da vacina de combate à Covid-19, as audiências de custódia foram voltando a sua normalidade em 2021. Com inúmeros protocolos sanitários e uma nova realidade no cenário brasileiro, as comarcas foram se adaptando e adotando medidas para evitar e combater o vírus, a fim de possibilitar a retomada das audiências em âmbito presencial.
4. A PANDEMIA E SEU IMPACTO NAS AUDIÊNCIAS DE CUSTÓDIA NO BRASIL
No início de 2020, o mundo foi surpreendido com o avanço desenfreado da Covid-19, que levou a morte de mais de 6 milhões de pessoas conforme um estudo da Universidade Johns Hopkis, nos Estados Unidos. Esse número pode ser ainda maior, pois muitos casos não foram notificados pela saúde pública.
Conforme o Ministério da Saúde, a Covid-19 é uma infecção respiratória aguda causada pelo coronavírus SARS-CoV-2, potencialmente grave, de elevada transmissibilidade e de distribuição global. Ou seja, a transmissão do vírus acontece de maneira muito rápida e, dependendo da imunidade de quem a contrair, pode ser fatal. (BRASIL, 2022).
No Brasil, de acordo com dados divulgados pelo g1 notícias (veículo de imprensa do grupo Globo) houve mais de 660 mil mortes pelo novo coronavírus. No estado do Tocantins foram mais de 4.153 mortes e cerca de 304 mil casos pelo território. (MORTES...,2022).
Inicialmente pela imprescindibilidade de conter aglomerações e evitar ao máximo que as pessoas mantivessem contato físico, foram adotadas medidas, inclusive por parte das instituições públicas, de modo a atender às orientações recomendadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Tendo em vista a importância da apresentação do preso perante o Judiciário para que seus direitos fossem amplamente resguardados, as audiências de custódia foram afetadas.
Por se tratar de um momento extremo e de muita cautela, o Conselho Nacional de Justiça adotou medidas de prevenção no âmbito do Judiciário e publicou a Recomendação n° 62, de 17/03/2020, que orientou, em seu artigo 8°, que as audiências de custódia, de forma excepcional e exclusivamente enquanto perdurasse o estado pandêmico, fossem suspensas. No artigo seguinte (art. 8-A) da recomendação, foram dispostos os procedimentos a serem adotados. Em seu parágrafo 3°, dispôs sobre a conduta do magistrado competente, o qual deveria ficar atento ao controle da prisão em flagrante para zelar sobre os riscos da pessoa autuada em relação ao novo coronavírus. (CNJ, 2020b).
No decorrer do delicado período para a saúde pública, foram publicadas várias recomendações, como a n° 68, de 17 de junho de 2020; a de n° 78, de 15 de setembro de 2020; a Lei n° 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, que aborda sobre as medidas de prevenção e enfrentamento à Covid, bem como decretos e alterações de instrumentos legais, no sentido de que fosse respeitado o cuidado quanto às autuações para diminuir os riscos de contaminação. Não obstante, muitas comarcas do país, como as do estado de São Paulo, Santa Catarina, Rio de Janeiro e Tocantins. realizaram as audiências de custódia de maneira online.
Percebe-se que o instituto foi afetado de maneira direta, pois o intuito e a essência das audiências é que o preso autuado tivesse, de imediato, o contato com o juiz para que seus direitos fossem observados e que o Judiciário o julgasse de prontidão. Como visto, por questão sanitária, tal presteza não se fez possível durante a pandemia.
Tendo como base as publicações do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para enfrentamento e combate à pandemia no Judiciário, o Tribunal de Justiça do Tocantins (TJTO) e a Corregedoria-Geral de Justiça do Tocantins (CGJUS-TO) prolataram muitas portarias, decisões, recomendações e decretos durante o período.
A presidência do Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins expediu o Decreto Judiciário n° 109, de 13 de março de 2020, no início desse ano, estabelecendo medidas de prevenção contra o coronavírus com base nas recomendações da OMS e do Ministério da Saúde. Dentre as medidas estava a restrição do atendimento ao público para os horários de 12h às 18h. (TJTO, 2020).
Em junho foi publicada a Resolução n° 13, de 22 de junho de 2020, que discorria sobre julgamentos virtuais no âmbito do TJTO. Em seu art. 1º, a normativa previa:
Art. 1º Será admitida a sessão virtual, com julgamento em ambiente eletrônico dos processos distribuídos no sistema e-proc.
§ 1º As sessões presenciais, previstas no Regimento Interno do Tribunal de Justiça, poderão ser realizadas por videoconferência, admitida a sustentação oral quando requeridas, até 24 horas antes, pelos representantes das partes e interessados, os quais deverão informar o número do telefone, com whatsapp e conta de correio eletrônico, para que seja enviado o link de acesso à sessão.
§ 2º A sustentação oral será na admitida na ocasião do julgamento virtual do processo, e realizada por meio de plataforma eletrônica disponibilizada pelo Tribunal de Justiça.
§ 3º O interessado poderá optar pela gravação da sustentação oral em mídia digital e enviá-la à secretaria da câmara, aos advogados ex-adversos e ao membro do Ministério Público, quando oficiar no feito, até 24 horas antes da abertura da sessão de julgamento, nos termos do § 1º deste artigo, por meio de correio eletrônico.
A Corregedoria-Geral de Justiça do Tocantins adotou uma medida interessante na Portaria n° 869, de 20 de maio de 2020 ao autorizar a suspensão do prazo de validade das habilitações de certidões de casamentos durante o período pandêmico. Essa medida foi adotada perdurando até 60 dias após o fim do estado de pandemia decretado pela Organização Mundial de Saúde (OMS).
Foram ainda publicadas muitas portarias sobre o regime de teletrabalho (Portaria-Conjunta n° 08/2020), audiências por videoconferência (Portaria Conjunta n° 9/2020) e suspensões de prazos processuais (Portaria Conjunta n° 16/2020).
Entende-se que por se tratar de um período novo e de muita cautela, seria essa a justificativa de muitas vezes haver desencontro de informações, muitas portarias tratando-se do mesmo assunto e uma mudança rápida de entendimentos divulgada pelas autoridades.
Segundo dados coletados perante o Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins (TJTO), feita pelos seus servidores e transferidas por e-mail obteve-se informações de diversas comarcas do estado (Palmas, Ponte Alta Do Tocantins, Araguaína, Natividade, Arraias, Ananás, Alvorada, Guaraí, Itaguatins, Augustinópolis, Tocantinópolis, e Araguacema) conferiu-se algumas informações importantes para compreensão dos impactos advindos do período pandêmico.
Conforme a pesquisa realizada junto ao TJTO, antes da pandemia foram realizadas cerca de 1.676 audiências de custódia em Palmas, enquanto em cidades como Araguaína (cerca de 220 audiências de custódia), Tocantinópolis (63 audiências), Alvorada (17 audiências), Ponte Alta do Tocantins (7 audiências), Natividade (8 audiências), locais em que o quantitativo ficou bem abaixo da capital. Verificou-se ainda que as cidades de Arraias e Itaguatins não realizaram audiências nesse período. (TJTO, 2022).
Já no período pandêmico, foi observado que na maioria das comarcas as audiências foram realizadas de forma virtual respeitando-se as recomendações do CNJ. Observa-se que antes da pandemia (período de março de 2018 até março de 2020) cidades como Araguaína na 1° Vara Criminal, Natividade, Alvorada, Itaguatins, Augustinópolis e Tocantinópolis não haviam realizado nenhuma audiência online (conforme anexo da pesquisa).
Com o surgimento da Covid-19 e as recomendações das organizações judiciárias e sanitárias, observou-se que de início a maioria das comarcas suspenderam as audiências de custódia presencialmente e que logo após a autorização para o emprego de sistemas virtuais, muitas adotaram aplicativos como whatsapp, o próprio sistema de videoconferência do TJTO o SIVAT/YEALINK, e-mail e telefones privados instalados em salas de videoconferência das unidades penais, como se verificou na 3ª Vara Criminal da Comarca de Araguaína.
Foi questionado se o lapso temporal entre o flagrante e a apresentação da pessoa flagranteada à audiência de custódia havia aumentado, diminuído ou permanecido o mesmo. Nesse aspecto, constatou-se que na maioria das cidades (Palmas, Ponte Alta do Tocantins, Arraias, Guaraí, Itaguatins, Augustinópolis e Araguaína) o tempo permaneceu o mesmo. Já em outras (Natividade, Alvorada, e Tocantinópolis), o período diminuiu por conta dos dispositivos virtuais.
Uma observação interessante é que na cidade de Ananás, conforme os dados coletados, não foi realizada nenhuma audiência presencial no período de março de 2018 até março de 2020, enquanto no período pré-pandemia e no pós-pandemia foram realizadas 4 audiências de custódia online. Ou seja, o município, por mais que seja pequeno, foi beneficiado com o sistema online, pois ocorreu um avanço em relação às audiências.
Por fim, quanto à retomada presencial das audiências de custódia, a maioria das comarcas voltaram presencialmente no início do ano de 2022, respeitando todas as recomendações sanitárias de enfrentamento ao coronavírus. Algumas cidades, porém, continuaram com audiências na modalidade de videoconferência como Ananás, Itaguatins, Augustinópolis e Araguacema.
Percebe-se, portanto, que a pandemia provocou algumas mudanças, adequações e avanços tecnológicos para o Judiciário tocantinense, comprovando-se a necessidade de haver investimentos e implementações avançadas nas pequenas comarcas interioranas. Por outro lado, observou-se a ausência de uniformização, por parte do Poder Judiciário tocantinense, na condução das audiências de custódia nesse período, sendo que cada comarca adotou uma sistemática diferente para enfrentar o problema, em virtude da ausência de um sistema que atendesse de forma equânime aos cidadãos tocantinenses, podendo ocasionar distorções na oferta do serviço público no estado e, por consequência, na integralidade do exercício do direito da pessoa em situação de encarceramento.
5. COSIDERAÇÕES FINAIS
Inicialmente entende-se que o conceito de audiência de custódia é baseado em princípios constitucionais resguardados por tratados e acordos entre diversos países. O entendimento desses tratados e acordos deu origem a resoluções e, posteriormente, a normativas que reafirmaram a necessidade das audiências para que as autuações respeitassem o devido processo legal e não ofendessem os envolvidos. Por exemplo, evitando-se a tortura.
Autores constitucionais, bem como ministros e doutrinadores, entendem que ao se respeitar o instituto, é possível haver um maior controle contra eventuais arbitrariedades. Consequentemente, existem benefícios ao Estado, pois evitar prisões injustificadas resulta em diminuição do contingente nos presídios e, por conseguinte, na redução de custos para o governo.
É indispensável que o Judiciário respeite o instituto das audiências de custódia. Reconhecer que o preso deve ser apresentado no prazo de até 24h desde sua prisão é resguardá-lo de possíveis prejuízos e abusos recorrentes no sistema prisional.
Evidencia-se que ao longo do tempo as audiências passaram por muitas modificações na sua estrutura, mas a essência permaneceu a mesma, apresentar o preso ao poder judiciário o quanto antes. Foi compreendido que ter o contato visual é necessário e imprescindível para melhor conhecimento do seu interlocutor.
Observou-se que desde 2015 foram adotadas medidas evidentes e efetivas para a implementação do sistema. Porém, somente no final de 2019 foi incluída no Código de Processo Penal a tipificação do instituto.
Não obstante, no início de 2020 o mundo sofreu um impacto sem precedentes e uma crise sanitária imensurável ocasionada pelo coronavírus. O Judiciário brasileiro de imediato adotou medidas para evitar a propagação no âmbito judicial.
As audiências de custódia sofreram um impacto grandioso, pois inicialmente foram suspensas e depois retomadas gradualmente, de forma online. No Tocantins, as audiências foram conduzidas por meio de videoconferência até o início do ano de 2022 e, a seguir, retomadas presencialmente, obedecendo todas as medidas sanitárias recomendadas pelas autoridades de saúde, como uso de máscaras e distanciamento social.
Cabe ainda mencionar a falta de sistematização pelo Poder Judiciário tocantinense sobre as audiências durante o período pandêmico, sendo que cada comarca adotou uma forma diferente para que elas ocorressem. Algumas, por exemplo, usaram o sistema do TJTO enquanto outras foram por aplicativos de celular como whatsapp. Logo, percebe-se que a falta de unicidade, de um sistema tanto na sua formalidade e modalidade e maneira diferente de enfrentar o problema aponta para diferentes entregas do sistema público em um mesmo Estado, podendo gerar distorções e desencontros de dados a curto e longo prazo.
Quanto a inclusão de métodos virtuais durante o período da pandemia é importante ressaltar que houve uma celeridade nas audiências de custódia do Estado como constatado pelos dados coletados. Por óbvio, esse avanço seria previsto pois o tempo de deslocamento e o ágil encontro tecnológico propiciam esse fato. Mas cabe um adendo, pois apesar de ser benéfica a rapidez, perde-se a essência do encontro presencial que faz o instituto ser tão imprescindível.
Por fim, a implementação das audiências virtuais facilitou e potencializou o tempo entre a prisão e a observância do Judiciário logo após o ato. Porém, a essência do instituto é o contato olho no olho entre o preso e as autoridades envolvidas e, portanto, por mais que tenham ficado mais rápidas, não podem permanecer de maneira online, pois haveria prejuízo ao autuado.
REFERÊNCIAS
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Graduando em Direito pela Faculdade Serra do Carmo-Palmas/TO
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MENDES, LUCAS LIRA. Audiência de custódia: o comportamento desse instituto ao longo do tempo e as modificações ocasionadas pela pandemia no Tocantins Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 03 jun 2022, 04:14. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/58573/audincia-de-custdia-o-comportamento-desse-instituto-ao-longo-do-tempo-e-as-modificaes-ocasionadas-pela-pandemia-no-tocantins. Acesso em: 04 dez 2024.
Por: RODRIGO PRESTES POLETTO
Por: LEONARDO RODRIGUES ARRUDA COELHO
Por: Gabrielle Malaquias Rocha
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