RESUMO: A verificação da realidade conturbada em que se inserem os seres humanos e a busca pela salvaguarda de seus direitos levou ao surgimento de diversas teorias e iniciativas filosóficas. O presente trabalho buscará analisar a teorização do Cosmopolitismo Jurídico, proposta por Immanuel Kant, como iniciativa voltada ao estabelecimento de um ideal de paz perpétua.
Palavras-chave: Immanuel Kant, paz perpétua, direitos humanos, cosmopolitismo jurídico.
ABSTRACT: The verification of the troubled reality in which human beings are inserted and the search for safeguarding their rights led to the emergence of several theories and philosophical initiatives. The present work seeks to analyze the theorization of Juridical Cosmopolitism, proposed by Immanuel Kant, as an initiative aimed at establishing an ideal of perpetual peace.
Keywords: Immanuel Kant, perpetuous peace, human rights, juridical cosmopolitism.
Os contornos que caracterizam a realidade moderna revelam, em base cotidiana, a existência de um estado de conturbada tônica a reger as relações humanas, demarcando-se, nas vivências dos indivíduos, a existência de conflitos de diversas naturezas.
O Direito desponta como ferramenta consagrada, na cátedra de diversos teóricos, para permitir a estabilização das expectativas sociais e a proteção dos indivíduos inseridos na dinâmica estatal que rege os cidadãos.
As lições de Immanuel Kant, a partir da construção da ideia do Cosmopolitismo Jurídico, despontam como novo enfoque a tais realidades, sobretudo por propor a possibilidade de uma expansão da dimensão social e a construção de uma realidade global, na qual os indivíduos construíssem um ideal de paz livres das amarras das nações.
No estudo ora realizado, serão analisados os ditames que sustentam a teoria kantiana referente ao ideal cosmopolita, bem como suas influências em novas formas de pensar as estruturas sociais.
2.O COSMOPOLITISMO JURÍDICO E O IDEÁRIO KANTIANO DE PAZ PERPÉTUA
O trabalho ora desenvolvido volta-se a analisar a teorização, atribuída a Immanuel Kant, referente à materialização da paz perpétua e à edificação de um modelo jurídico cosmopolita, cujos contornos, explorados a seguir, demonstram coadunar-se ao desenvolvimento de uma nova lógica de proteção de direitos.
Impende destacar, a princípio, que a teorização de Kant data de um período histórico no qual foi inaugurada a Modernidade, em que homens e mulheres apequenaram o peso da metafísica teleológica. Aduz Manoel Lima (2008, p. 2) que a consequência da orfandade dos indivíduos quanto à figura do Pai (Deus), foi a urgência pela autoproteção, à qual se pode creditar o despontar das primeiras declarações de direitos humanos.
No que tange mais especificamente à percepção de Immanuel Kant, o filósofo compreendia que a proteção dos seres humanos só poderia ocorrer na e pela própria humanidade, a qual tem tal proteção instrumentalizada através do Direito. A configuração desse Direito remonta à instituição da paz, alicerçada na liberdade dos membros – enquanto cidadãos –, não na subserviência cega a uma legislação comum – na condição de súditos (LIMA, 2008, p. 5).
“O fim do Direito – da obrigação moral, cujo princípio a priori é dado pela razão pura – é conservar-se supremo para fomentar a paz. Paz é muito mais do que o fato da inexistência de violência, ela é um valor, expressando o bem do mundo” (LIMA, op. cit.).
Juntamente ao Direito, outro pressuposto valoroso a Kant refere-se à Política, enquanto sistema representativo promotor de harmonia, diante da observância de preceitos como liberdade e igualdade. O filósofo assevera que rege-se tal sistema pela razão, no qual o governo, detentor do poder executivo, atua como uma pessoa; tal sistema é denominado de república (LIMA, 2008, p. 10).
Na inter-relação originária entre as diferentes repúblicas, Kant analisa que não há qualquer organismo superior de regulação, de forma que a coexistência das Nações se daria nos mesmos moldes sob os quais hipoteticamente se desenvolveu a relação entre os indivíduos, previamente ao pacto originário – desprovidas de qualquer lei maior, o que consubstanciaria verdadeiro estado de natureza (LIMA, 2008, p. 11).
Nas lições de Kant, o estado de natureza representa absoluta instabilidade, ao passo que as relações se desenvolveriam sem nenhum elemento limitador ou entidade sancionadora.
Dessa forma, a fim de superar os entraves que o estado de natureza internacional acarretaria, o filósofo defende uma progressão de estágios no Direito, em um encadeamento iniciado com o Direito interno e seguido pelo Direito das gentes, até se chegar à instituição de um Direito cosmopolita, tido como a terceira espécie de Direito público. Isso porque o Direito das gentes, entendido como o Direito Internacional, proporcionaria apenas uma paz momentânea, dada a regulação impositiva das relações entre Estados, ao passo que no cosmopolitismo predominariam relações de reciprocidade, em que as Nações associar-se-iam em prol da negação da guerra (LIMA, 2008, p. 12).
Com a instauração do cosmopolitismo, verifica-se a busca por uma justiça global, na qual os indivíduos atuariam diretamente, de forma independente ao vínculo formal a um Estado. Dessa forma, propugna-se a formação de mediações jurídicas entre as Nações, de forma assemelhada ao que o Contrato Social representou às mediações entre pessoas físicas. O desenvolvimento constitucional dos Estados, portanto, teria como natural desdobramento internacional o direito cosmopolita, retratando imbricação clara entre cosmopolitismo e história (CASTELO BRANCO, 2017, p. 189).
No que tange ao aspecto histórico, Kant o compreendia a partir de dois vieses, apontados por Felipe Castelo Branco:
Em primeiro lugar, a história tende a uma consolidação da liberdade (através da lei jurídica, como vimos), isto é, na interdição moral de que um homem se valha ou interfira sobre a vontade de outro homem; em segundo lugar, a história tende a garantir a paz entre as nações. A espécie humana, ao se distinguir de todas as outras espécies por ser capaz de um desenvolvimento de suas faculdades racionais, encontra em seu próprio desenvolvimento como espécie as condições para a construção de uma sociedade mundial que atinja e assegure juridicamente condições de liberdade e paz a todos os homens e nações. (2017, p. 190)
Especificamente quanto à singularidade do papel do ser humano na cadeia que une todos os seres, referenciada por Castelo Branco no excerto transcrito, Francisco Lima (2015, p. 30) analisa a proposição kantiana de que o indivíduo é o “fim terminal” da criação, estando na qualidade de ser moral. Nesse entendimento, o ser humano transcende a mera animalidade instintiva, característica dos demais seres, agindo, então, em nome da racionalidade e da liberdade.
Lima (2015, p. 31) tece interessante consideração, no sentido de que a percepção do ser humano enquanto peça central da existência não deve levar a crer que houve um favorecimento da Natureza em relação a ele, mas, em verdade, a outorga a que carregue maiores responsabilidades que as demais criaturas, posto que, “dentre todos os seres, somente ele enquanto livre, racional e moral está apto a resolver os problemas que ameaçam sua existência e a dos seres em geral”.
O paralelismo de tal máxima filosófica com o aforismo bíblico veiculado em Lucas 12:48 é evidente, tendo asseverado o evangelista que “de todo aquele a quem muito é dado, muito será requerido; e daquele a quem muito é confiado, mais ainda lhe será exigido”, denotando singular reconhecimento da responsabilidade humana, bem como o embrião da lógica kantiana verificado na mensagem cristã.
No entanto, a realidade demonstra uma infinitude de atitudes humanas desprovidas da sapiência que em princípio o homo sapiens deveria ostentar, consoante assevera a teorização kantiana.
Diversas nações são palco de episódios violentos que bem exemplificam o quanto as falhas humanas ainda ferem seus semelhantes. A extensão das atrocidades cometidas torna-se ainda mais vasta quando se percebe que não só são perpetradas as violações de direitos, como, não raro, o próprio sistema é conivente com os autores, permitindo a condução de pífia investigação.
Diante de tais incongruências, Felipe Castelo Branco questiona como seria verossímil a crença firme em um desenvolvimento moral ou na garantia da paz, diante do caos que a conduta humana não raro acarreta. O próprio autor fornece a resposta, asseverando que para alcançá-la deve-se considerar uma “questão de perspectiva”, elucidada conforme o seguinte raciocínio (grifos não constam no original):
Ora, se mudarmos a perspectiva, nos distanciando da imensa massa de desejos e finalidades caóticas dos indivíduos isolados, se compreendermos a história em suas linhas mais amplas, assumindo a perspectiva da espécie humana e não dos indivíduos, seremos capazes de dar um novo impulso à investigação histórica. Os fenômenos aparentemente caóticos ao longo do curso da história começam a se esboçar em figuras consistentes, em blocos de sentido. Ao reconhecermos que a história se produz a partir de consequências de uma causa ordenada anterior, nos tornamos capazes de suspeitar de uma ordenação invisível da história. [...] Kant se pergunta se por trás de cada ação humana, reunida do ponto de vista da espécie, não existiria um propósito da Natureza como um todo. Somente assim a história dos homens individuais pode se diferenciar por completo da história da humanidade, e somente nesta última é possível encontrar a articulação de um sistema em uma regularidade escondida por trás da legitimidade moral de cada ação. Vê-se, assim, que o historicismo kantiano não está interessado nos eventos passados, mas, antes, em um encaminhamento que diz respeito ao futuro da espécie humana. (CASTELO BRANCO, 2017, p. 190)
A partir disso, sobeja o entendimento de que a ordenação histórica não comporta falhas, de sorte que o fruto do somatório de todos os episódios protagonizados pela humanidade, sejam de natureza benéfica ou maléfica, seria, enfim, a edificação do cosmopolitismo, alcançado somente após a passagem dos seres humanos por tais experiências. Tal construto teórico é entendido como o modelo a partir do qual se permitiria a instauração da verdadeira paz. Para tanto, Kant propõe, em sua obra À Paz Perpétua, seis disposições, analisadas por Felipe Castelo Branco (grifos não constam no original):
A garantia da paz perpétua pelo direito é acompanhada de atos instituídos que fornecem as condições de pacificação mundial que o cosmopolitismo requisita. Suas propostas se compõem de: 1- uma ampliação do Direito Internacional para além dos acordos de paz e armistícios que não são capazes de eliminar as causas da guerra; 2 - da proibição da aquisição de um Estado por outro, seja por conquista, seja por compra; 3 - fim da formação de exércitos nacionais permanentes; 4 - controle da dívida pública dos Estados formada para fins bélicos; 5 - proibição definitiva da intervenção violenta de um Estado sobre outro Estado; 6 – interdição da permissividade na condução da guerra por parte dos líderes mundiais. Além dessas seis propostas jurídicas, acrescenta-se uma sétima proposição ao direito cosmopolita kantiano para o qual o filósofo consagrou um artigo inteiro em seu tratado Para a paz perpétua. Como um efeito necessário da pacificação através do cosmopolitismo mundial, a cidadania de Estado deve se desdobrar em uma garantia do direito de entrada de um estrangeiro em todo e qualquer outro território da superfície da Terra, impedindo juridicamente que o visitante seja tratado com hostilidade em outro país e garantindo a continuidade do direito de cidadania mundial em todas as partes do globo. (CASTELO BRANCO, 2017, p. 192)
De forma particular, esta sétima e última disposição de Kant, consubstanciada no chamado “direito de hospitalidade”, apresenta-se especialmente digna de nota. Isso porque a ideia de receptividade de todo e qualquer indivíduo por cada uma das Nações denota não apenas uma permissão de liberdade de trânsito, mas a garantia do usufruto de direitos idênticos aos que detenha em seu país de origem.
Infere-se de tal construção teórica que seriam estabelecidas condições de hospitalidade universal, a partir de um regramento superior ao arcabouço normativo de qualquer Estado, no que se verifica o despontar de uma noção global de cidadão, na esteira do que já fora pontuado nesta pesquisa. Enleia-se, diante disso, a teorização kantiana à maximização da proteção dos direitos humanos, dado propor o filósofo uma efetiva Federação de povos, na qual o desrespeito a garantias de qualquer indivíduo seria combatido e punido de forma idêntica, sem que houvesse tratamento discriminatório ou privilegiado.
Nesse toar, o enraizamento de uma mentalidade global é cada vez mais pressuroso. Tal proposição é abordada também por Habermas, o qual se debruçou sobre diversos aspectos da cátedra de Immanuel Kant. Nesse toar, Habermas assevera que é factível a possibilidade de rompimento com a percepção tradicional de nacionalismo, de forma que a mentalidade republicana dos povos se sobrepusesse à noção de Estado, assumindo o caráter de um valor, a alicerçar a solidariedade social – o denominado patriotismo constitucional (CASTELO BRANCO, 2017, p. 194).
Extrai-se de tal lógica intrigante reflexão, no sentido de refutar a noção de Estado-Nação enquanto o único ente assegurador da legitimidade política, calcada na identidade de valores culturais por determinado grupo de cidadãos. A uma, porque de tal forma engessa-se a extensão do republicanismo à convicção nacionalista; a duas, porque se ignora a multiplicidade de elementos históricos para a formação estatal, os quais sobrepujam o formato europeu tradicional, derivado da Teoria do Contrato Social (CASTELO BRANCO, 2017, p. 195).
Em sua cátedra, Habermas tece críticas à resistência em se abandonar a formatação inabalável de Estado-Nação:
[...] o apelo a um pretenso direito à autodeterminação nacional, o rechaço simétrico do multiculturalismo e da política de direitos humanos, assim como a desconfiança diante da transferência de direitos de soberania a instituições supranacionais. Os apologistas da nação-povo deixam de perceber que são justamente as notáveis conquistas históricas do estado nacional democrático e seus princípios constitucionais republicanos os que podem dar-nos lições a respeito de como deveríamos lidar com os problemas da atualidade, decorrentes da passagem inevitável a formas de socialização pós-nacionais. (HABERMAS, 2004, p. 8)
Nesse toar, Habermas identifica a formação de diversas instâncias pós-nacionais na atualidade, cujos contornos afinam-se à superação dos limites estatais e da homogenia cultural compulsória. Dentre tais experiências, destaca-se, uma vez mais, o exemplo da União Europeia, na qual houve a introdução de uma identidade e uma cidadania efetivamente continentais – europeias, como passo seguinte à maturação das predecessoras identidades nacionais (CASTELO BRANCO, 2017, p. 196).
A relevância da perscrutação da referida entidade europeia é igualmente ressaltada por Branimir Milić (2013, p. 53), ao aduzir que vislumbres do futuro da democracia revelam uma ampliação do modelo da União Europeia, cuja união de países assemelha-se sobremaneira ao entendimento de Kant quanto ao federalismo livre das Nações.
Verifica-se, diante disso, que a instituição de regramentos mundiais envolve a proeminência de dois atores políticos – os indivíduos e os Estados. Estes estabeleceriam modelos legitimadores da normatização global a partir de dois vieses principais: a uma, com o fortalecimento de comunidades globais voltadas à defesa dos direitos humanos e à instituição da paz; a duas, com a criação de sistemas transnacionais que tratem de questões internas da política mundial. Nesse sentido, vê-se que
a constitucionalização internacional não precisa estar baseada em “valorações eticamente fortes”, isto é, em tradições, traços culturais ou formas de vida comuns, mas pode reunir Estados e indivíduos em torno da manutenção da paz e proteção dos Direitos Humanos. No nível supranacional, a organização mundial amparada e integrando as decisões de Estados e cidadãos independentes associados deve possuir competências de regulação e intervenção para assegurar a paz e a proteção dos Direitos Humanos, representando “a unidade da ordem jurídica global”. Nesse sentido, sua Carta de fundação pode assumir o papel de uma Constituição Cosmopolita [...] (CASTELO BRANCO, 2017, p. 197).
Na mesma medida em que a transnacionalização não se deve limitar pelo reconhecimento obrigatório de padrões culturais afins, também não deve ser barrada pelos limites das necessidades da globalização econômica. Consoante aponta Branimir Milić (2013, p. 50), em que pese a clara dificuldade inicial em se firmar uma coesão social entre indivíduos que não carregam os mesmos valores, é precisamente essa a tarefa que se avizinha, firmar liames dentro de sociedades multiculturais, que passem a coexistir intimamente ligadas em prol do ideal de paz.
Indo além, verificar-se-ia uma implementação genuína do Direito somente a partir do reconhecimento de um ordenamento jurídico interestatal, propiciando a salvaguarda de direitos sem recorrer ao uso da força, dado o compartilhamento de valores universais. Vê-se, então, na condição cosmopolita a completa asserção do conceito de Direito (MILIĆ, 2013, p. 35).
Em face de tais fundamentos, a teorização de Immanuel Kant acerca da paz perpétua revela-se tal qual uma lufada de ar fresco em tempos de tamanha violação a direitos humanos e de gradativo esfacelamento dos sistemas tradicionais de proteção destes. O ideal de paz encontra-se presente na história da Humanidade em diversos momentos, os quais revelaram caminhos ora mais, ora menos tortuosos à sua consecução.
No entanto, o que se apreende de tais episódios é a característica transitoriedade, posto firmarem-se sobre tréguas de quebradiço alicerce. O projeto de Kant figura meritório por conta, exatamente, da perpetuidade que pretende conferir ao projeto de paz, a qual só pode ser alcançada a partir do entendimento de que consubstancia uma paz sobretudo jurídica.
Os entraves que o assentamento de tal modelo vai, invariavelmente, enfrentar, não devem ou podem ser considerados intransponíveis. Kant professava com taxatividade que sua teoria política não poderia sucumbir aos temores quanto à abstração. Na medida em que tudo deve ser submetido à paz perpétua, sua implementação torna-se, embora porventura remota, possível.
As sensíveis lições de Cançado Trindade apontam resolutamente em tal direção, ao referenciar que os desnivelamentos que acometem a trajetória do resguardo dos direitos humanos não devem desestimular aqueles que a tal causa se devotam:
Não podemos pressupor, neste ou em qualquer domínio, um progresso linear, constante e "inevitável", porquanto as instituições públicas (nacionais e internacionais) são, em última instância, as pessoas que nelas se encontram, e oscilam, pois, como as nuvens ou as ondas, como é próprio da vulnerável condição humana. Constato hoje com nitidez que, laborar na proteção internacional dos direitos humanos, é como o mito do Sísifo, uma tarefa que não tem fim. É como estar constantemente empurrando uma rocha para o alto de uma montanha, voltando a cair e a ser novamente empurrada para cima. Entre avanços e retrocessos, desenvolve-se o labor de proteção. Ao descer da montanha para voltar a empurrar a rocha para cima, toma-se a consciência da condição humana, e da tragédia que a circunda. Mas há que seguir lutando: na verdade, não há outra alternativa. (TRINDADE, 2005, p. 410)
A dinâmica da atualidade exibe-se cada vez mais insustentável, na medida em que o esclarecimento humano e as conquistas decorrentes da maximização de direitos e garantias repudiam a perpetuação de violações impunidas.
À salvaguarda de prerrogativas tão caras, há interessante contribuição do cosmopolitismo jurídico, no qual a pujança da dignidade humana revele-se em todo o seu esplendor.
3.CONCLUSÕES
A partir do exposto, este estudo voltou-se à elucidação da aplicabilidade de um direito cosmopolita, o qual não remete a uma representação fantasiosa, mas a um complemento necessário de código não escrito, tanto na esfera do direito civil quanto do direito internacional, propiciando a concretização dos ideais da paz perpétua (KANT, 2008a, p. 22).
Este século, bem como os vindouros, insere-se na lógica preponderante de ampliação de garantias, de ode à pessoa humana, de abrigo aos direitos arduamente conquistados. Nele, os indivíduos devem ser compreendidos na condição de seres humanos, cidadãos de uma pátria global que os enxerga como iguais, não segregados enquanto habitantes deste ou daquele espaço artificialmente demarcado chamado Nação, ou mesmo exilados quando não integrantes de Nação alguma.
Pontuar as imperfeições do sistema vigente tem o fito de aprimorá-lo, ao que se apresenta promissor o desenvolvimento de um formato compartilhado de responsabilidade e de sanção. Kant e sua teorização nunca assomaram tão atuais, de forma que o desabrochar do cosmopolitismo faz frente ao perigoso engessamento das garantias humanas, alcançadas arduamente com o andar das décadas.
Urge salientar, como é notório, diante da complexidade que tal sistema enverga e dos diversos obstáculos que certamente enfrentará, que este estudo consiste em facho tênue de luz sobre tão importante teoria, importância que justifica esta tentativa de enaltecê-la ainda que timidamente. A fim de que finque raízes profundas no terreno das Nações, impende que estas libertem-se do isolacionismo e da eternização de uma rígida dinâmica interna, tarefa que certamente não será simples.
Não obstante, “a busca pelos ideais da política, da democracia, da lei internacional, deve continuar ainda que hoje seja somente uma intenção ou um compromisso retórico” (VIEIRA, 2009, p. 103). Na esteira do entendimento de Immanuel Kant, cimentar a paz perpétua constitui labor que não deve ou pode sucumbir ao desalento da inconcretude, sendo imperioso continuar a caminhada tateando os caminhos de Santiago, em peregrinação que finde com a materialização de uma paz verdadeiramente duradoura.
REFERÊNCIAS
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KANT, Immanuel. À Paz Perpétua. [recurso eletrônico]. 1795. Tradução de Arthur Mourão, Coleção Textos Clássicos de Filosofia. Covilhã: Lusosofia, 2008a.
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______. Ideia de uma História Universal com um Propósito Cosmopolita [recurso eletrônico]. 1784. Tradução de Arthur Mourão, Coleção Textos Clássicos de Filosofia. Covilhã: Lusosofia, 2008b.
LIMA, Manoel Pedro Ribas de. Humanidade e Direito Cosmopolita. Revista Direitos Fundamentais e Democracia. ISSN 1982-0496, vol. 4 (2008).
MILIĆ, Branimir. A ideia kantiana de paz perpétua e suas reformulações. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Filosofia) – Instituto de Ciências Humanas, Universidade de Brasília. Brasília, 2013.
TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Desafios e conquistas do Direito Internacional dos Direitos Humanos no início do século XXI. Jornadas de Direito Internacional Público no Itamaraty, p. 407-490, 2005.
VIEIRA, Patrick di Almeida. Immanuel Kant e a Construção Contemporânea da Paz Perpétua. Dissertação (Mestrado em Filosofia) – Universidade Federal de Goiás. Goiânia, 2009.
Graduada em Direito pela Universidade Federal de Sergipe.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RODRIGUES, Liza Cristina Barreto. O cosmopolitismo jurídico de Immanuel Kant e a propositura de um ideal de paz perpétua Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 jun 2022, 04:16. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/58767/o-cosmopolitismo-jurdico-de-immanuel-kant-e-a-propositura-de-um-ideal-de-paz-perptua. Acesso em: 04 dez 2024.
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