EDNA COSME VICENTE[1]
(coautora)
Resumo: O presente artigo tem por objetivo analisar a inconstitucionalidade do art.1641, II do Código Civil de 2002, sanção imposta pelo legislador aos idosos maiores de 70 anos, ao cercear os direitos constitucionais à igualdade, à dignidade da pessoa humana e à liberdade sob a presunção absoluta de incapacidade para negociação antenupcial que lhe convier. No entanto, o legislador do código civil brasileiro, impôs o regime da separação de bens de forma instantaneamente aos nubentes, como disposto no art.1641, II do Código Civil de 2002, sob a alegação protecionista patrimonial dos cônjuges e seus descendentes, com a aplicação da Súmula 377/STF. Dessa forma, um primeiro instante, apresentou-se histórico do instituto do casamento; sua autonomia e modificações em seu conceito, os diferentes tipos de regimes de bens no Brasil, e seus princípios; o Estatuto do Idoso; e chegando a conclusão da teoria de inconstitucionalidade do supracitado artigo.
Palavras-Chave: Inconstitucionalidade; Idoso; Regime de Bens; Dignidade da Pessoa Humana.
Abstract: This currently article aims to analyze the unconstitutionality of art.1641, II of the Civil Code of 2002, a sanction imposed by the legislator on the elderly over 70 years of age, by curtailing the constitutional rights to equality, human dignity and freedom under the absolute presumption of incapacity for prenuptial negotiation that suits you. However, the legislator of the Brazilian civil code, instantly imposed the regime of separation of property to the spouses, as provided in art. application of Precedent 377/STF. In this way, a first moment, the history of the marriage institute was presented; its autonomy and changes in its concept, the different types of property regimes in Brazil, and their principles; the Elderly Statute; and reaching the conclusion of the unconstitutionality theory of the aforementioned article.
Keywords: Unconstitutionality; Elderly; Property Regime; Human Dignity.
A Constituição Federal de 1988 é suprema em todo o ordenamento jurídico, sendo que os princípios que estão elencados na mesma devem ser observados e utilizados para a elaboração de novas leis que sejam de hierarquia inferior, também sendo decorrentes da mesma. Pode-se dizer que é inconstitucional qualquer norma que não siga os padrões que estão presentes na CR/88.
O artigo em questão tem como finalidade propor a discussão acerca da inconstitucionalidade da imposição do regime de separação de bens para pessoas maiores de 70 anos, estabelecida no art. 1.641 do CC/2002, portanto, tendo como base os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, liberdade, igualdade e autodeterminação da pessoa.
Cumpre-se salientar ainda a discussão entre a autonomia da vontade da pessoa e a proteção patrimonial, no CC.2002 tem a inclusão acerca do regime de separação de bens obrigatório para as pessoas maiores de 60 anos, a lei nº 12.344 de 2010 fez alteração do art. 1.641, alterando a idade de 60 anos para 70 anos, essa idade que é considerada como obrigatória para o regime de separação de bens no casamento.
Dessa forma, poderá acarretar em prejuízos patrimoniais a sociedade decorrente da intervenção do Estado em sua função legisladora, visto que, o direito de família é de extrema importância no ordenamento jurídico brasileiro, por ser um ramo do direito privado com características do direito publico, que busca nortear as relações familiares da coletividade, como, por exemplo, o regime obrigatório de bens que ocorre de forma automática para os maiores de 70 anos, situação que não é de interesse público, o Estado deve se abster de intervir na liberdade de escolha dos nubentes capazes civilmente, por tratar de interesse particular e subjetivo.
2- DO CASAMENTO
Entre as definições mais antigas sobre o instituto do casamento, na idade média, em qualquer classe o casamento independia de qualquer relação afetiva, o mesmo nada mais era do que um instituto obrigatório a qual sua finalidade nada mais era do que constituir família e ter filhos, para que o nome da família passasse de geração à geração, independente de afeto ou não entre os familiares.
Pode-se destacar a famosa definição de VENOSA (2017, p16.):
Naquela época, a sociedade era eminentemente rural e patriarcal, guardando traços profundos da família da antiguidade. A mulher destacava-se aos afazeres domésticos e a lei não lhe conferia os mesmos direito do homem. O marido era considerado o chefe, o administrador e o representante da sociedade conjugal.
O código de 1916 trazia um único modelo de instituição familiar a qual era realizada através do casamento. Sendo assim a família era patriarcal, o que significa dizer que a figura do homem e da mulher e logo após os filhos são indispensáveis como destaca Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald (2016, p.34): “Mais ainda, compreendia-se a família como unidade de produção, realçados os laços patrimoniais”.
As pessoas se uniam em família com vistas à formação de patrimônio, para sua posterior transmissão aos herdeiros, pouco importando os laços afetivos. Dessa forma não era aceito nenhum outro tipo de laço matrimonial entre o homem e a mulher que não fossem através do casamento.
O casamento é uma união voluntaria entre duas pessoas as quais desejam constituir família, formando-se um vínculo conjugal que está elencado nas condições no CC. Quando falamos em família, não podemos deixar de atrelar a ideia de recursos financeiros que são necessários para a proveito do sustento da casa, cumprir os deveres econômicos, dessa forma, o casamento pode-se comparar como se fosse uma empresa, onde as partes possuem direitos e obrigações, especialmente sobre as obrigações financeira, onde os cônjuges trabalham para obter uma estabilidade financeira, ética e moral no meio em que estes estão inseridos.
2.1. ESPECIES DE REGIMES DE BENS
O Regime de bens tem como função proteger os interesses oriundos da celebração do casamento. Ou seja, podemos dizer que, o regime de bens tem como finalidade resguardar ao casal, direitos que possam ser utilizados e resguardar a relação patrimonial do casal.
No entanto, o regime de bens influência diretamente na vida do casal, pois dependendo do regime de bens escolhido por eles, no momento da partilha e sucessão de bens, atingirá o patrimônio de ambos.
No ordenamento jurídico são apontadas 4 espécies de regime de bens, que sejam elas:
● Regime da comunhão universal de bens,
● Regime da comunhão parcial de bens,
● Regime da separação obrigatória de bens
● Regime da participação final dos aquestos.
A escolha do regime de bens é livre conforme versa no nosso ordenamento jurídico, a qual depende de nubentes para nubentes, a configuração e as consequências do regime por eles escolhido.
Conforme afirmam Lobo (2010, p.319): “A liberdade de estrutura do regime de bens, para os nubentes é total’; e, FIUZA (2010, p.978): “A regra é a livre escolha pelos nubentes do regime, por que se pactuará o casamento . Todavia, na falta de estipulação da sua parte, vigorará por força de lei o regime de comunhão parcial de bens.’”
Como previsto no artigo 1.639 do CC dispõe que: “É lícito aos nubentes, antes de celebrado o casamento, estipular, quanto aos seus bens, o que lhes aprouver.”
No artigo 1.640, parágrafo único, do código civil de 2002; dispõe sobre a necessidade de se lavrar o pacto antenupcial por meio de escritura pública, quando o regime de bens escolhido não for o regime vigente, antes da celebração do casamento, exceto para os nubentes maiores de 70 anos.
De acordo com Lobo (2010, p.319): a escolha, portanto, é feita antes do casamento, devendo a escritura publica ser anexada aos documentos necessários para o processo de habilitação.”
Entretanto, com a vigência do Código Civil de 2002, possibilitou a alteração do regime de bens na constância do casamento, mediante ordem judicial, sob o consentimento dos cônjuges, desde que essa mudança não acarrete danos a terceiros.
2.2.REGIME SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA/LEGAL
Existem vários regimes de bens no casamento que estão expressamente elencados na nossa legislação já citada acima, entre esses regimes está previsto o regime de separação obrigatória ou legal, que possui um nome autoexplicativo.
O regime de separação obrigatória/legal pode-se dizer que é uma imposição legal, pois não há possibilidade de escolha de regime para os nubentes que tenham a idade superior ou igual a 70 anos, para que os bens dos mesmos não se comunicam, pois dessa forma prevalece a exclusividade dos bens de cada nubente possui ao se casar e sobre aqueles que vierem a ter na constância do casamento. Essa imposição está prevista no artigo 1.641 do CC.
Art. 1.641. É obrigatório o regime da separação de bens no casamento:
I - das pessoas que o contraírem com inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento;
II – da pessoa maior de 70 (setenta) anos; (Redação dada pela Lei nº 12.344, de 2010).
III - de todos os que dependerem, para casar, de suprimento judicial.”
Conforme a doutrina, a regra acima citada tem por finalidade proteger aqueles que se encontrarem em situações de vulnerabilidade. Sendo assim, nesse sentido é o entendimento de (DIAS, 2015, p. 326 a 330).que tal imposição nada mais que uma sanção patrimonial a qual não decorre da não observância do dispositivo legal:
Trata-se, nada mais, nada menos, de mera tentativa de frear o desejo dos nubentes mediante verdadeira ameaça. A forma encontrada pelo legislador para evidenciar sua insatisfação frente à teimosia de quem desobedece ao conselho legal e insiste em realizar o sonho de casar é impor sanções patrimoniais, ou melhor, é retirar efeitos patrimoniais ao casamento. Os cônjuges casados sob o regime da separação obrigatória de bens não podem contratar sociedade entre si ou com terceiros (CC 977). Nem para a venda de bens de ascendentes a descendentes (CC 496 parágrafo único) se faz necessário o consentimento do cônjuge. Pelo jeito, os cônjuges podem sozinhos alienar e gravar de ônus real seus bens, agir em juízo com referência a eles sem a vênia conjugal, assim como podem prestar fiança e aval. A lei fala em regime de separação "absoluta" querendo dizer "obrigatória" (CC 1 . 647 ) . Parece que a intenção do legislador é evitar qualquer possibilidade de entrelaçamento de patrimônios.
Conforme está expressamente elencado no CC em seu artigo 1.641 aquelas pessoas que são submetidas ao regime de separação obrigatória ou legal de bens, sendo os nubentes que se casarem pelas causas suspensivas do casamento e pelo estudo em questão a pessoa maior de 70 anos.
2.3. PRINCIPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
Podemos dizer que a dignidade da pessoa humana é uma forma de resguardar os direitos fundamentais e as necessidades básicas de cada indivíduo, esse princípio rege a todo o ordenamento jurídico por ser um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito.
Pode-se destacar o art. 22° da Declaração Universal dos Direitos Humanos:
Art. 22- Todo ser humano, como membro da sociedade, tem direito à segurança social e à realização, pelo esforço nacional, pela cooperação internacional e de acordo com a organização e recursos de cada Estado, dos direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento da sua personalidade.
O princípio discorre sobre a garantia da não discriminação, sobre a não ofensa, então se restringir uma pessoa com a idade maior ou igual há 70 anos em relação a não escolha do regime de bens, torna assim o princípio incoerente ao interferir sobre a capacidade de escolha que está vinculada aos diretos sobre a índole da pessoa.
O inciso II do art. 1.641 do CC. impõe sobre as pessoas com a idade maior que 70 anos, pois são obrigadas pela legislação a se casarem sob o regime de separação obrigatória de bens. As pessoas não têm o direito e muito menos a escolha de qual regime de bens os forem mais favoráveis, as mesmas são obrigadas a comunicarem o seu patrimônio, assim se houver divorcio não teria partilha.
Somente há de se falar em partilha de bens se for assim comprovada pela parte que é interessada que teve um esforço entre ambos.
A lei 12.344 de 9 de dezembro de 2010, no artigo 1.641 que fora modificado pela mesma, versa sobre a limitação da vontade imposta aos maiores de 70 anos, esse dispositivo impõe à essas pessoas, com essa idade o regime de separação obrigatória de bens.
Essa imposição viola a nossa Constituição Federal de 88 em seu artigo 1º, inciso III, que versa que:
Art.1º A Republica Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
III- a dignidade da pessoa humana
Pois, tal limitação conceitua-se um preconceito em relação as pessoas com idade senil, e assim, tornando-as mais vulneráveis e incapaz, por não poderem decidir o seu regime de bens, violando assim o art. 3º, inciso IV da Constituição Federal:
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Cabe salientar que, o princípio da dignidade da pessoa humana, faz parte da base norteadora de todo ordenamento jurídico, os quais estão expostos no rol dos artigos 1°, III e 5° da Constituição Federal de 1988, tais direitos como à honra, a vida, a liberdade, a saúde, a moradia, a igualdade, a segurança, a propriedade.
Trata-se de um atributo que o individuo possui, inerente à sua condição humana não importando sua idade, crença, nacionalidade, opção politica, sobre sua sexualidade entre outros.
2.4. PRINCIPIO DA LIBERDADE
O princípio da liberdade está diretamente ligado no livre arbítrio da pessoa ir e vir sem limitações ou impedimentos, esse princípio tem respaldo legal no art. 5º da CR/88 que aduz que:
Art. 5º- Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes.
Ao entrar na questão de liberdade verificamos que o mesmo está interligado diretamente na questão de que toda pessoa tem a liberdade para escolher o que é melhor para ele, desde que seja respeitado as leis e assim exercendo lhes o direito da autonomia da vontade.
Ao impor a uma pessoa com a idade maior ou igual a 70 anos, o regime de separação obrigatória de bens, está tratando essa fazendo uma diferenciação entre essas pessoas com essa faixa etária das demais, criando-se uma discriminação, e tal atitude é vedada pelo principio da igualdade que será abordado com mais detalhes no próximo tópico.
Conforme citado por DIAS ( 2015. p.46), abaixo:
Há a liberdade de dissolver o casamento e extinguir a união estável, bem como o direito de recompor novas estruturas ele convívio. A possibilidade de alteração cio regime de bens na vigência do casamento (CC 1, 639, § 2°) assinala que a liberdade, cada vez mais, vem marcando as relações familiares.
Toda e qualquer intervenção do Estado na esfera da intimidade e pessoal da pessoa viola e agride o espaço individual da liberdade desse individuo, portanto sobre a esfera do regime de bens, deverá ser de liberdade de escolha dos nubentes sendo aquele regime de bens que mais agrada ambos, então não cabe ao Estado nenhuma imposição arbitraria o regime de bens para os maiores ou igual a 70 anos.
2.5.DIREITO FUNDAMENTAL AO TRATAMENTO ISONÔMICO OU DA IGUALDADE
O princípio da igualdade encontra fundamento legal no artigo 5º, no caput da CR/88, no que segue:
Art.5-Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, á igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes.
Como bem versa o artigo acima citado, este princípio condena todo e qualquer tipo de distinção de discriminação entre as pessoas.
Então, o Estado ao impor as pessoas com a idade maior de 70 anos, um único regime de bens para se casar, faz uma distinção da pessoa, ou seja, tratando-as de forma diferenciada das demais, deixando a impressão de incapacidade.
Como versa DIAS,( 2015, p.47):
É necessária a igualdade na própria lei, ou seja, não basta que a lei seja aplicada igualmente para todos. O sistema jurídico assegura tratamento isonômico e proteção igualitária a todos os cidadãos no âmbito social. A ideia central é garantir a igualdade, o que interessa particularmente ao direito, pois está ligada à ideia de justiça. Os conceitos de igualdade e de justiça evoluíram. Justiça formal identifica-se com igualdade formal, consistindo em conceder aos seres de uma mesma categoria idêntico tratamento.
O preconceito, por questões da idade em especial aos idosos, representa um grande desrespeito, e total discriminação; o qual fere o princípio da isonomia.
Além disso, relata MENDES, (2009, p.402) que:
O catálogo dos direitos fundamentais na Constituição consagra liberdades variadas e procura garanti-las por meio de diversas normas. Liberdade e igualdade formam dois elementos essenciais do conceito de dignidade da pessoa humana, que o constituinte erigiu à condição de fundamento do Estado Democrático de Direito e vértice do sistema dos direitos fundamentais.
Pois, a questão da maior idade, não há torna incapaz para o livre exercício dos atos da vida civil, fazendo-se, então valer o tratamento do princípio da isonomia, independentemente da sua idade.
3. A LIVRE ESCOLHA DO REGIME DE BENS
Sobre a restrição imposta aos nubentes com a idade maior ou igual há 70 anos sobre a livre escolha do regime de bens que eles desejam, limita a sua vontade, assim criando-se uma incapacidade sobre a idade dos nubentes, dessa forma afasta a opção para as pessoas de 70 anos para escolher o regime que lhes forem mais favoráveis, uma liberdade a qual é concedida as pessoas com a idade estabelecida até os 69 anos, que pode ser considerado um tratamento discriminatório para pessoas acima dessa idade.
Segundo FIUZA (2010, p.978): “A regra é a livre escolha pelos nubentes do regime, por que se pactuará o casamento.”.
Essa imposição sobre o regime de separação obrigatória sobre os maiores de 70 anos limita a autodeterminação dos nubentes que atingiu essa faixa etária, restringindo o direito da livre escolha do regime de bens, o seu direito de autogovernar, para poder traçar sua própria vida sem que o mesmo seja submetido a uma imposição pré-estabelecida, sendo tratados de forma diferentes dos demais.
Tal atitude vai contra a nossa CF/88 em seu artigo 5º que versa que:
Art.5-Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.
Sobre tal questão confirmando-se tal compreensão, aduz DIAS (2021. p 425):
A limitação à autonomia da vontade por implemento de determinada idade, além de odiosa, é para lá de inconstitucional. A restrição à escolha do regime de bens vem sendo reconhecida como clara afronta ao cânone constitucional de respeito à dignidade, além de desrespeitar os princípios da igualdade e da liberdade.
Ninguém pode ser discriminado em função ou de seu sexo ou da sua idade, como se fossem causas naturais de incapacidade civil.
Restringir a vontade das pessoas com mais de 70 anos de optar pela melhor forma para a construção da sua família através da constituição do instituto do casamento, impondo-lhes o regime da separação obrigatória de bens, sob a premissa do ordenamento jurídico, mais precisamente o artigo 1.641 II do CC. “É obrigatório o regime da separação de bens no casamento: II – da pessoa maior de 70 (setenta) anos”.
Pois reflete o caráter protetivo da norma para com a pessoa, é na verdade mascarar que a intenção verdadeira do legislador era a proteção com o patrimônio, indo contrário ao que estabelece o CC 2002 e, bem mais do que somente isso ferindo o princípio da dignidade humana, o princípio da liberdade, o princípio da igualdade e também ferindo o princípio da autonomia da vontade, comprova a tese de inconstitucionalidade do regime de separação obrigatória de bens para maiores de 70 anos.
4. DA CAPACIDADE E PROTEÇÃO ASSEGURADOS AOS IDOSOS
O código civil brasileiro de 2002(Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência)), dispõe no art. 3°. sobre a capacidade civil. Sendo considerados os menores de 16(dezesseis) anos absolutamente incapazes; e o seguinte como exposto no art. 4.° (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência):
Art. 4 o São incapazes, relativamente a certos atos ou à maneira de os exercer:
I - os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos;
II - os ébrios habituais e os viciados em tóxico;
III - aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade;
IV - os pródigos.
Parágrafo único. A capacidade dos indígenas será regulada por legislação especial
Como exposto nos artigos acima, não há que se falar na incapacidade total ou parcial relativa, aos idosos maiores de 70 anos, sendo assim, há imposição do regime de bens a estes, trouxe consigo a criação de uma nova incapacidade e inaptidão referente a escolha do seu regime de bens.
Verifica-se, que idoso é aquela pessoa com idade igual ou superior a 60 anos; as quais tem seus direitos tutelados e regulamentados na sociedade brasileira pelo Estatuto do Idoso - Lei n.°10.741/2003, no art. 2°. dispõe que:
Art. 2°- O idoso goza de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se lhe, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, para preservação de sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade.
A renomada lei maior, abrange leis especificas a proteção dos idosos e de seus familiares, pois prevê o cuidado dos seus descendentes em situação de enfermidade, carência e velhice, nos arts.229 e 230 CF/88. Nesse sentido Madaleno (2019, p.143):
O critério cronológico facilita a verificação concreta da velhice, permitindo a concessão dos direitos de amparo social pelo evento da idade, mas peca por não considerar as diferenças pessoais, especialmente considerando o significativo aumento da expectativa de vida, podendo existir uma abismal diferença entre o idoso de 60 anos e outro de cem anos, situação que de certa forma foi corrigida com a Lei n.13.466/2017 ao priorizar as necessidades aos maiores de 80 anos.
Portanto, o envelhecimento é um fato inevitável, o qual as pessoas não desejam abrir mão, de sua independência e autonomia, e a cada restrição que a lei impõe ao livre exercício de um direito, nasce o sentimento de incapacidade.
5. A (IN) CONSTITUCIONALIDADE DA IMPOSIÇÃO DO REGIME DA SEPARAÇÃO DE BENS PARA MAIORES DE 70 ANOS
Com base nas mudanças do código civil brasileiro de 2002, que tem a finalidade de acompanhar a evolução constante da sociedade. Quanto à imposição do regime da separação obrigatória de bens, constante no art.1641, II, do código civil brasileiro, é considerada uma invasão na autonomia privada referente à escolha do regime de bens para os maiores de 70 anos de idade; visto que, é contraria a politica democrática do direito do estado, ao causar um efeito negativo ao restringir a liberdade.
Nesse sentido, o que está disposto no art.1641, II do CC/22; fere os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, o principio da liberdade do individuo ambos resguardados pela magna carta; como afirma Dias (2010, p.658):
A limitação à autonomia ela vontade por implemento de determinada idade, além de odiosa, é inconstitucional. A restrição à escolha do regime ele bens vem sendo reconhecida como clara afronta ao cânone constitucional ele respeito à dignidade, além de desrespeitar os princípios da igualdade e da liberdade, consagrados como direitos humanos fundamentais.
O regime da separação obrigatória de bens, são incomunicáveis os bens adquiridos antes do casamento, como determinado no inciso II, do art.1641 CC/22, sob a justificativa de proteção matrimonial para evitar o enriquecimento sem causa; e proteger psicológica do idoso com idade senil, acerca de uma desilusão amorosa. Nesse sentido Madaleno (2019, p.145):
Impossível aceitar a subversão de valores, supondo preponderem a cobiça e o interesse econômico entre pessoas que se aproximem afetivamente a partir dos setenta anos de idade; existindo homens e mulheres que casam com a mesma faixa etária, que estariam e estão unicamente interessadas na afeição, no amor e na expressão dos seus sentimentos humanos de apreço, solidariedade e companhia, para evitar a solidão da velhice, e nesse conjunto de fatores não escapa e tampouco faz sentido fique marginalizada a busca de uma segurança econômica, que, aliás, está presente em todas as idades e em todas as existências.
Outrossim, esse protecionismo atinge também a felicidade do idoso, ao dificultar sua maneira viver a união a qual por ele desejada, e nem sempre é aprovada por seus familiares, pois visam vantagens econômicas e patrimoniais em casos de falecimento, não priorizando a sua realização pessoal.
A comunicabilidade dos bens no regime da separação obrigatória de bens imposta por lei os maior de 70 anos, se tornou possível com a Sumula 377/STF; como forma de amenizar a sanção e parte desta inconstitucionalidade, prevista no art,1641,I do CC/2002; conforme Lobo,(2010 p.327):
Permanece aplicável a Súmula 377 do STF, com o seguinte enunciado:
“No regime de separação legal de bens comunicam-se os adquiridos na constância do casamento”. Em seus efeitos práticos, a Súmula converte o regime legal de separação em regime de comunhão parcial, sem excluir os bens adquiridos por doação ou testamento.
Em virtude dessa, comunicam-se os bens que forem adquiridos na comunhão, mediante esforço comum e oneroso de ambos os cônjuges.
Como Exemplo:
EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE INVENTÁRIO. CÔNJUGE SOBREVIVENTE. PRETENSÃO DE RECONHECIMENTO DA CONDIÇÃO DE MEEIRA. CASAMENTO COM O "DE CUJUS" PELO REGIME DA SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA DE BENS. SÚMULA Nº 377 DO STF. NECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DO ESFORÇO COMUM DOS CÔNJUGES. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO. PRECEDENTES DO STJ. RECURSO NÃO PROVIDO.
- O cônjuge supérstite, casado pelo regime da separação obrigatória de bens, não concorre com os descendentes do "de cujus", consoante o disposto no art. 1.829, I, do Código Civil.
- Muito embora a Súmula nº 377 do STF disponha que, no regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento, o STJ conferiu interpretação mais atual ao enunciado, admitindo a meação dos bens adquiridos onerosamente na constância da união, desde que comprovado o esforço comum na sua aquisição.
- No caso, considerando a ausência de demonstração da contribuição da recorrente, mostra-se forçosa a manutenção da decisão que indeferiu o pedido de reconhecimento do direito à meação.
- Recurso não provido. (TJMG - Agravo de Instrumento-Cv 1.0000.21.144474-0/001, Relator(a): Des.(a) Wander Marotta , 5ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 25/11/2021, publicação da súmula em 26/11/2021)
Dessa forma, não há que se falar em incapacidade e nem limitar o idoso para os atos da vida civil, de maneira que os idosos não são considerados relativamente ou totalmente incapaz, nem se vê elencados no código civil de 2002 em seus art.3°. e 4°. E sumula supracitados, o que traz a jurisprudência que os nubentes podem exercer os atos com total liberdade de escolha.
CONCLUSÃO
No código civil de 1916, trazia uma forma prioritária a proteção patrimonial; e a, imutabilidade do regime de bens, deixando os direitos subjetivos do individuo sobreposto ao patrimônio. Mas com a promulgação da Constituição Federal em 1988, ampliando e garantindo os direitos do individuo, a vida digna, a saúde, liberdade, a autonomia da vontade, o direito da família, a igualdade entra homens e mulheres.
O princípio da livre estipulação do regime de bens, o qual esta fundamentado no art.1639 do código civil de 2002, que permite os nubentes no que tange o regime de bens, que poderão adotar o regime de bens que for melhor para vigorar na constância do seu casamento em caso de futura partilha; exceto para os maiores de 70 anos, o qual terão que adotar o regime da separação obrigatória de bens, o qual remete o idoso a descriminação por trazer a ideia de uma incapacidade devido a idade, ferindo dessa forma, os princípios basilares do direito elencados na CR/88.
A intenção do legislador em proteger o idoso sem examinar a atual condição social da chamada terceira idade mais ativa e intensa, não adotando novas formas de verificar a lucidez e a condição intelectual do idoso, ao invés de presumir a incapacidade civil de forma automática, devido a idade senil.
Através da analise das doutrinas, artigos e a sumula, conclui-se que o art.1641, II do CC/2002, não condiz com os dispositivos do ordenamento jurídico, o qual é contrario aos estatutos consagrados pela Constituição Federal de 1988, o qual é visível essa incoerência através só entendimento majoritário dos Tribunais Superiores, refletido na dignidade da pessoa humana.
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Graduanda em Direito pela Faculdade FASEH.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ALMEIDA, Gabriela Patrícia Miranda de. A inconstitucionalidade da imposição do regime da separação de bens para maiores de 70 anos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 04 jul 2022, 04:05. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/58815/a-inconstitucionalidade-da-imposio-do-regime-da-separao-de-bens-para-maiores-de-70-anos. Acesso em: 03 dez 2024.
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