GUSTAVO OCTAVIANO DINIZ JUNQUEIRA[1]
(coautor)
Resumo: Em The force of Law, Schauer discute o papel da coerção legal na definição de Direito e o quanto outras organizações paralelas ao Estado político podem ter um sistema com normas primárias e secundárias próprias de um sistema jurídico. O que se pretende discutir é o local da coerção na realidade marginal brasileira na qual o Direito Penal formal se mistura com o informal, impossibilitando uma dogmática séria e transformadora.
Palavras-chaves: coerção, direito penal, ciência jurídica.
Abstract: In The force of Law, Schauer discusses the role of legal coercion in defining law and how parallel organizations can have a system with primary and secondary rules proper to a legal system. What is intended to be discussed is the place of coercion in the Brazilian marginal reality in which the formal Criminal Law mixes with the informal Criminal Law, making it impossible for a serious and transformative dogmatic.
Key words: coercion, criminal law, legal science.
Sumário: Introdução. I. Direito Penal e sistemas paralelos. I.I. Direito Penal e seu papel. I.II. Sistemas paralelos ao Direito. I.III. O sistema paralelo está no Direito? II. Sobre a necessidade de coerção formal. II.I. Da prevenção geral negativa. II.II. Coerção em uma Democracia Disjuntiva. III. O que faz da Lei a Lei. Conclusão. Referências
INTRODUÇÃO
O Direito não é facilmente explicado, vez que sua definição dependerá de um recorte do saber – e, portanto, de um recorte de poder como postula Foucault (2010) – que poderá partir de um Direito positivista puro, de um Direito natural ou jusnatural, de um Direito que abarque a filosofia e/ou a moral etc.
Entretanto, ao presente artigo restará muito mais a compreensão do que não é o Direito estatal próprio de um ordenamento jurídico, composto por normas, princípios e instituições executoras destas, para que se possa entender o papel do Direito normativo, especialmente do Direito Penal, diante de uma realidade marginal latino-americana na qual sistemas paralelos se embrenham no Estado jurídico e político, de maneira a criar uma segunda fonte de poder quase estatizada, ainda que dependente das instituições executoras do Direito, mesmo ao atuar para além ou para aquém da norma e dos princípios democráticos e sociais.
Depois de procurar apresentar Direito, sistema paralelo e suas relações, o artigo se voltará à necessidade da coerção, especialmente pela prevenção geral negativa reafirmada pelo autor Frederick Schauer (2015), com quem dialogaremos no presente escrito. Tal necessidade será confrontada com as reais práticas punitivas brasileiras para que se possa questionar o quanto elas se relacionam com as finalidades declaradas na lei e queridas por Schauer.
Com isso, no tópico “o que faz da lei a lei” poderá ser enfrentado a força normativa formal comparada com a informal e as tentativas de fortificação do Direito Penal estatal. O enfrentamento se faz necessário para alcançar o objetivo principal do presente trabalho, a saber: a demonstração de que um sistema subterrâneo (e demais ilegalidades) não pode ser igualado, nem mesmo formalmente, ao Direito. Quer-se debater ainda a vulnerabilidade de quem está sujeito a esses sistemas paralelos e como a afirmação de sua equiparação com o Direito Penal pode potencializar a violência e opressão..
I. DIREITO PENAL E SISTEMAS PARALELOS
I.I. DIREITO PENAL E SEU PAPEL
Definir o Direito talvez seja uma das tarefas mais árduas de um cientista jurídico e o presente artigo apenas repousará os pés nas primeiras margens deste vasto oceano. O que primeiro toca à pele nessa dificuldade é que, mesmo na doutrina estadunidense de onde fala Schauer, “Right” (Direito) é diferente de “law” (lei) (LYRA FILHO, 2012, p. 8). O Direito é uma formulação humana que depende de sua construção histórica, e sua compreensão não se satisfaz com a fria letra da lei, como pretendiam os positivistas do início do século XX.
Em uma perspectiva mais definitorial, José Afonso da Silva (2010) afirma que
O Direito é fenômeno histórico-cultural, realidade ordenada, ou ordenação normativa da conduta segundo uma conexão de sentido. Consiste num sistema normativo. Como tal, pode ser estudado por unidades estruturais que o compõem, sem perder de vista a totalidade de suas manifestações. Essas unidades estruturais ou dogmáticas do sistema jurídico constituem as divisões do Direito, que a doutrina denomina ramos da ciência jurídica, comportando subdivisões [...]. (p. 33)
Uma de suas unidades estruturais, alvo do presente diálogo, é o Direito Penal que, em uma perspectiva legitimadora de suas atividades, pode ser considerado como “um conjunto de normas jurídicas que tem por objeto a determinação de infrações de natureza penal e suas sanções correspondentes – penas e medidas de segurança” que também é composto por “um conjunto de valorações e princípios que orientam a própria aplicação e interpretação das normas penais”, buscando garantir a convivência humana e os princípios de justiça (BITENCOURT, 2013, p. 36).
A perspectiva de um sistema normativo no qual estaria inserido o Direito Penal parece ter como base o consenso sobre a legitimidade da sanção e os objetos de proteção. A crítica a ser desenvolvida parte de outra premissa, na qual há conflito de pretensas ordens normativas e o sistema punitivo oficial não se dedica à convivência harmônica de todos, mas da classe dominante que poderá expurgar pelo instrumento do Direito Penal os outros, que se tornam passivos nesse processo[2].
Qualquer definição proposta é uma delimitação intencional do saber, um ato de poder, mediante o objetivo que se acredita (ZAFFARONI et. al, 2015, p. 38/41) e as delimitações legitimadoras como a acima apresentada fazem crer que o Direito Penal é uma máquina ágil de impor sanções contra todos os fatos delituosos imputados como crimes ou contravenções penais em prol de um bem comum.
Só que esse bem comum é alcançado mediante uma seleção penalizante que chamamos de criminalização secundária, que apenas seleciona um reduzido número de pessoas que serão submetidas à pena ou à coação pela ingerência do conjunto de agências que formam o sistema penal (ZAFFARONI et. al, 2015, p. 43).
Depois de exercido o poder sancionador legislativo, a seleção dos alvos do sistema penal começa pelo exercício do poder de polícia (ZAFFARONI et. al, 2015, p. 51), que pelos escassos recursos será arbitrário e estereotipado, buscando apenas autores de obras toscas como furtos e roubos simples que permitam uma perseguição física, gerando um flagrante que em regra desembocará em uma condenação.
De fato, nenhum sistema funcionaria se para tanto precisasse avaliar e punir cada pequeno ato criminalizado no poderoso arsenal de crimes que fazem parte da legislação brasileira. A vida social seria impraticável se cada fofoca maldosa gerasse uma queixa crime, se cada pequena compra em que não foi fornecida nota fiscal gerasse investigação ou mesmo se cada investigação gerasse uma denúncia e um processo criminal. O sistema penal precisa ser seletivo em qualquer lugar do mundo, senão seria disfuncional. E será que “pode haver algo mais absurdo do que uma máquina que se deve programar com vistas a um mal rendimento, para evitar que ela deixe de funcionar?” (HUSLMAN, CELIS, 2018, P. 82).
Inegável que o sistema punitivo, especialmente no aparato policial, exerce “um formidável controle configurador positivo da vida social, que em nenhum momento passa pelas agencias judiciais ou jurídicas” (ZAFFARONI et. al, 2015, p. 52), e a ingerência arbitrária na vida pessoal se agrava quando está aquém ou além dos limites legais ao mesmo tempo que assegurado pelo espetáculo punitivo que legitima sistemas paralelos.
I.II. SISTEMAS PARALELOS AO DIREITO
Voltando para Lyra Filho (2012, p. 8), “a legislação abrange, sempre, em maior ou menor grau, Direito e Antidireito: isto é, Direito propriamente dito, reto e correto, e a negação do Direito, entortado pelos interesses classísticos e caprichos continuístas do poder estabelecido”.
O Direito Penal “reto e correto” é inapto a cumprir suas funções declaradas em razão da seletividade inerente ao aparato jurídico. Ainda é Direito, já que sua seletividade está dentro da lei: se a lei manda punir o ato de furtar, tal punição é legal, ainda que o aparato policial escolha preferencialmente investigar furtos, e não gestões temerárias, por exemplo; ou que aquele que será preso por porte/tráfico de drogas ilícitas tenha recorrentemente um padrão físico e social marcante nos cárceres brasileiros por chamar mais atenção das agências policiais que, entretanto, agem dentro da lei ao perseguir o jovem negro periférico que realmente cometeu um desvio criminalizado. A detenção de milhares de usuários de droga que carregam a substância no bolso é autorizada por lei, e por consequência a ação sobre um também será. A ação policial seletiva está dentro da lei, e a seletividade discriminatória em si é ignorada, esquecida, em prol de uma ilusória universalidade da persecução penal, que carrega a ilusória promessa de, no futuro, “acabar com a impunidade”. A persecução seletiva pode ser imoral, irracional e, certamente, exige que repensamos a estrutura do delito para inseri-lo em uma perspectiva redutora, mas, dentro dos parâmetros formais, ainda é legal.
Há também ilegalidades, mas não são iluminadas, não são absorvidas pelo sistema oficial. Conformam o Direito Penal subterrâneo que é o “conjunto de delitos cometidos por operadores das próprias agências do sistema penal [que] é mais ou menos amplo na razão direta da violência das agências executivas e na razão inversa do controle que sofram da parte de outras agências” (ZAFFARONI, et. al., 2015, p. 53). Tais ilegalidades permitem a morte do não cidadão, que é o inimigo eleito, inútil na ótica neoliberal em razão do excesso de mão de obra (JUNQUEIRA, SADALLA, 2021, P. 37-60). Para além da morte e das prisões ilegais dos não cidadãos, como se apreciará no tópico II.II, esse vácuo legal com atuação ampla permite a instalação de milícias e de organizações criminosas, como o Primeiro Comando da Capital ou o Comando Vermelho.
Os sistemas paralelos ao Direito, como o sistema penal subterrâneo, caminham junto do sistema formal, pois não apenas dependem do aparato legal, mas, como vemos no caso do PCC em São Paulo, fazem com que o sistema (no caso específico, o sistema prisional), traga novas regras de funcionamento na execução penal que passa a se determinar conforme suas deliberações[3].
Portanto, na realidade brasileira não é possível pensar em Direito Penal pela lógica exclusivamente legalista, quando sistemas paralelos o alcançam em sua forma e execução, no padrão exigido pelas classes dominantes.
I.III. O SISTEMA PARALELO ESTÁ NO DIREITO?
Partindo de uma análise positivista, Schauer (2015, p. 136-137) mostra que estruturas paralelas ao Estado político, ilegais como a Máfia ou legitimas como a Organização Mundial do Comércio, possuem efetiva coerção, com regras primárias e secundárias, podendo ser mais fácil considerar que são sistemas jurídicos e não apenas sistemas que se parecem com eles[4].
Quando falamos de sistemas paralelos ou ilegais como o exemplo da Máfia (que na realidade brasileira pode ser analisada na dinâmica das milícias, ou de organizações criminosas como o Comando Vermelho ou o Primeiro Comando da Capital), a relação com o Estado se torna tão mais intrincada e procedimentalmente elaborada quanto mais despótico for o país (SCHAUER, 2015, p. 137). Não se pode considerar que a norma exista e seja válida apenas por existir um soberano – isso seria tão simplório que esquece até mesmo a existência do Poder Legislativo, que é estatal, e que, nos Estados modernos, advém da força popular com o mandamento da lex populi, que contém regras sobre o próprio ato de legislar (HART, 2009, p. 104-105). Resta que a validade de uma norma depende de um fato social, de questões voltadas para a economia, sociologia (SCHAUER, 2015, p. 81) e tantas outras searas das ciências humanas e sociais.
Utilizando-se da mitologia da tartaruga que suportaria todo o peso da Terra[5] – e aqui do sistema jurídico – Schauer diz (2015, p. 79): “[...] Em última análise, a lei repousa sobre fundamentos não jurídicos, sendo a aceitação dos fatores não legais da Constituição que suportam a última tartaruga do sistema legal[6]” (tradução livre)[7]. Ou seja, as bases não legais seriam a última tartaruga do sistema legal.
Discutir o peso do fato social perante o estado político depende da compreensão de como a sociedade brasileira e, principalmente, o sistema judicial, abarca a coerção e a sanção jurídica próprias de um sistema jurídico paralelo.
O país foi chocado em 25 de maio de 2022 pelo assassinato cruel de Genivaldo de Jesus Santos, de 38 anos, morto em abordagem da Polícia Rodoviária Federal em um veículo que funcionou como uma câmera de gás móvel[8]. Entretanto, o mais chocante é que essa modalidade de assassinato cruel, que remonta ao holocausto, parece ser banalizada por policiais ao ponto de um integrante da Polícia Rodoviária Federal ensinar aos alunos de curso preparatório, em vídeo gravado e disponível na internet, como realizar a técnica de tortura[9].
Se por um lado, a tortura é escancarada no país, como falaremos no tópico II.II., de maneira que o sistema de justiça caminha par e passo com os sistemas paralelos que, entre outras coisas, regram e conduzem o sistema carcerário, nos parece que a afirmação de Schauer é criticável, pois ao admitir sistemas paralelos como análogos ao sistema de justiça, apenas por conter regras claras, estaríamos afirmando que a opressão e o extermínio de vulneráveis teria natureza jurídica, o que parece dar normalidade e até mesmo legitimidade a tais violências. A realidade factual dos sistemas paralelos não pode ser, nem teoricamente, a última tartaruga do sistema de justiça, sob pena de equiparar um edifício fundado em direitos humanos a um sistema paralelo, favorecendo a inércia diante das atrocidades dos executores dos referidos sistemas paralelos, especialmente aqueles que adquirem poder pelo próprio Estado como no caso do Genivaldo.
II. SOBRE A NECESSIDADE DE COERÇÃO FORMAL
II.I. DA PREVENÇÃO GERAL NEGATIVA
Ao discutir que a sustentação do Direito em sua perspectiva formal está em um fato social, Schauer busca alicerces em Hart (2009), que parece conversar com Zaffaroni (2017) sobre a necessidade do Direito. Zaffaroni estabelece sua teoria de Direito Penal Redutor em teorias do conflito, pelas quais o Direito se torna essencial para redução do poder punitivo do poderoso sobre o oprimido. Nessa concepção, a sociedade não estaria pronta para a abolição do Direito Penal, pois para que isso ocorresse os vínculos entre os indivíduos precisariam ser completamente reformulados para espaços solidários, horizontais e comunitários, que renunciariam ao modelo punitivo (2017, p. 104), o que não veremos em breve, vez que o conflito social sempre existiu, existe e existirá.
Portanto, Zaffaroni marca sua teoria pela admissão dos vínculos sociais conflituosos, de maneira a exigir do Direito Penal uma posta contraseletiva, redutora do poder penal arbitrário. Hart, apesar de não partilhar da premissa do conflito, também percebe a importância da conjugação dos vínculos sociais na observância da norma ao tratar dos aspetos interno e externo do comando legal (2009, p. 115-118). E ao debater sobre sociedades que classifica como primitivas e a fonte de normas consuetudinárias, diz que uma sociedade pode viver apenas de normas primárias se elas se voltarem para a vida comunal com restrição ao uso gratuito de violência (2009, p. 118-119) – ou seja, em sociedades que já tenha vínculos comunitários.
O que Hart chama de sociedade evoluída, com sistema jurídico evoluído (2009, p. 123), nada mais é do que uma sociedade que rompeu seus vínculos internos e que precisa de uma autoridade externa para cuidar dos conflitos que, sem laços fraternais, exacerbam a diferença entre opressor e oprimido, necessitando, assim, de uma coerção externa. No cotidiano dos países periféricos, a coerção comumente recai sobre o já marginalizado, conforme dados do Ministério da Justiça de 2019[10], que mostram que a população prisional é composta por jovens (44,79% tem até 29 anos, enquanto que a população em geral tem envelhecido, sendo que 57,7% conta com mais de 30 anos[11]) negros e pardos (66,69%[12] da população prisional versus 56,2% da população livre[13]), além daqueles não alcançam nem ao menos o ensino médio completo (mais de 80%[14]).
Independentemente da (não) percepção da seletividade criminógena, os autores do consenso entendem a coerção externa como algo tão necessário que tanto Hart[15] quanto Schauer[16] passam a pregar por uma prevenção geral negativa, baseada na coerção psicológica, na qual se exige a certeza de punição que agiria sobre o ser humano, idealizado e sempre racional, e não estereotipado, que escolheria, então, não sofrer na mão do Estado com a sanção imposta em razão do delito.
A base da prevenção geral negativa está justamente em acreditar que a sanção não seria necessária, pois quando aplicada é um sinal de que o ilícito foi praticado, e por consequência o sistema comunicativo teria falhado; mas, se não fosse aplicada quando praticada uma infração, todo o sistema seria contradito e, por isso, apesar da falha, a pena precisa ser imposta ao sujeito. Schauer é expresso ao dizer que “a coerção pode ser percebida como um indicador necessário da seriedade da lei” (2015, p. 103, tradução livre). Possível criticar, desde logo, apontando que a ameaça da pena e da coerção é o caminho oposto para a mencionada reconstrução dos vínculos sociais e, mais do que isso, afronta o valor humano ao usar o ser humano como instrumento de intimidação de terceiros (JUNQUEIRA, VANZOLINI, 2021, p. 522). Se a prevenção geral negativa se pauta na coerção psicológica, quando a ameaça de sanção não impedir cometimentos dos crimes, a consequência lógica será o aumento da pena até que a legislação seja totalmente draconiana em um puro Direito Penal do terror (JUNQUEIRA, VANZOLINI, 2021, p. 523). Além disso, se a pena realmente intimidasse (sentimento no qual recai a eficácia da pena segundo Feuerbach), a grandiosa cifra oculta[17] percebida pela criminologia crítica não existiria (JUNQUEIRA, VANZOLINI, 2021, p. 523).
Se a prevenção geral negativa funcionasse, o encarceramento não aumentaria na taxa exponencial pela qual, ainda em 2020, contávamos com um déficit de 312.925 vagas[18] com, em 2019, “353,2 mil mandados de prisão pendentes de cumprimento, além de 20,4 mil foragidos”[19], no país com a terceira maior população carcerária do mundo em números absolutos, que só tende a crescer[20], mesmo que aqueles que estão sob custódia do país estejam morrendo por beribéri em razão da falta de alimentação adequada[21].
A coerção criminal direta tem um alvo preferencial que continua, por diversos fatores sociais, históricos, religiosos, psicológicos, a praticar os crimes de furto, roubo e tráfico que alimentam a máquina de moer gente viva. Ainda assim, o medo da coerção estatal não tem funcionado para impedir a prática de atos desviantes.
Além disso, o Código Penal, em seu artigo 59, não estabelece qual política criminal e nem qual teoria da pena deverá ser escolhida para tratar do desvio criminoso. Diz que contra o crime recairá a prevenção, com olhar para o futuro, visando a coletividade e o próprio sujeito desviante; e a retribuição, com o olhar para o passado, garantindo o mal da pena ao mal do crime, anulando a comunicação proposta pelo ato desviante e expurgando o mal interno do agente. Essas duas macroteorias legitimadoras da pena não conversam e, em muitos casos, são incompatíveis. O que uma quer quase sempre anula o resultado da outra – vide crimes de colarinho branco nos quais o sujeito é totalmente integrado na sociedade e a aplicação da pena responderia ao anseio retributivo, mas não justificaria o anseio por medidas que buscassem prevenir o crime, ensinando uma profissão pela educação formal. Dentre as outras que veremos no tópico seguinte, é mais uma desordem que desagua em arbítrio judicial e em uma política criminal ad hoc[22] que trazem tamanha incerteza ao sistema penal, aproximando-o dos sistemas paralelos. Entretanto, nos parece que a resposta é solidificar a ciência penal para que ela se sobreponha ao sistema subterrâneo e não admitir a sua igualdade, mesmo que formal, como quer Schauer.
Quando Schauer afirma, ainda que descritivamente, que as organizações ilegais, com suas normas primárias e secundárias, podem ser consideradas Direito, faz uma equiparação extremamente danosa à realidade, especialmente à realidade brasileira marginalizada. Sua resposta de equivalência é o oposto ao esperado não apenas em um Estado Social e Democrático de Direito, mas também em patamares mínimos de cidadania.
Se afirmarmos que, por suas regras fortalecidas, as milícias ou outros sistemas subterrâneos lesivos aos direitos humanos, são parte ou iguais ao Direito, estaríamos deixando todos os vulneráveis na dinâmica do poder desamparados de uma resposta jurídica protetiva. Ainda que pretensamente descritivo o argumento seria objeto de valoração, facilitando a legitimação. O Direito é uma ciência social aplicada (e não apenas de observância da realidade), de maneira a ser capaz de modificar ou de manter o status quo. Se percebemos ilegalidades nessas atuações, a mera afirmação (simbólica ou analítica) de que esses sistemas possuem a mesma regra e são, portanto, equivalentes ao Direito, levaria a um comodismo por parte dos aplicadores da lei, vulnerabilizando ainda mais os alvos desses sistemas paralelos.
II.II. COERÇÃO EM UMA DEMOCRACIA DISJUNTIVA
Apesar de a aplicação da coerção não se justificar pela tão alegada prevenção geral negativa, ela se justifica no contexto de uma democracia disjuntiva definida por Caldeira (2011, p. 343) como aquela com “processos contraditórios de simultânea expansão e desrespeito aos direitos da cidadania” na qual fatores sociais, que garantem a legitimidade da coerção e da punição, se voltam ao populismo penal de seletividade discriminatória, que buscam a expiação do mal social em corpos favelizados e negros – os alvos de morte administrativa que se tornam “corpos sem jurisprudência” (MBEMBE, 2019, p. 20) ou “corpos incircunscritos” (CALDEIRA, 2011, P. 343), sob os quais a violência se junta ao desrespeito de direitos civis.
No contexto da democracia disjuntiva, com a expansão de leis que preveem direitos descumpridos e inúmeras sanções, com mais tipos penais do que podemos contar, o magistrado pode escolher o sentido do ilícito, agindo em nome do “são sentimento da nação” ou da “segurança pública” em uma suspensão de direitos próprio de um Estado de Exceção que atua não por anomia, mas por hipernomia (SERRANO, 2020).
Ilegalismos passam a formar um sistema próprio e se imiscuem no Direito Penal formal de maneira a permitir que violação de domicílio seja nomeada de “entrada franqueada” pelos juízes criminais, como se um sujeito, que estivesse escondendo drogas ilícitas em sua casa, fosse permitir e indicar o lugar do esconderijo para os policiais. Que mortes por policiais se tornem autos de resistência, mesmo em casos de execução sumária pelas costas[23]. Que governadores peçam para policiais atirarem “na cabecinha” ou comemorarem a morte de alguém com 38 tiros. Que se diga que uma jovem estuprada numa viatura policial poderia oferecer resistência e que por isso nenhum crime contra a dignidade sexual teria sido praticado[24].
Não se trata aqui de pluralismo de ordenamentos, mas de apenas um ordenamento que de tanto expandir o sistema penal subterrâneo acabou tendo uma prevalência do Direito Penal informal[25]. Tanto que decisões judiciais da mais alta cúpula do judiciário – como a proferida pelo Ministro Barroso suspendendo por 6 meses desocupações de áreas habitadas antes da epidemia (ADPF 828) – são largamente desrespeitadas pelos órgãos inferiores do mesmo judiciário[26].
Schauer (2015, p. 143-144, tradução livre) diz que “para dizer que algo tem força de lei é preciso contrastar este algo com outro que seja similar, mas que não tenha força da lei; e esse contraste, normalmente, é feito por meio de normas ou conjunto de normas sociais”. Se a Constituição Brasileira de 1988 prevê em seu artigo 5º, XI, a inviolabilidade de domicílio, a entrada franqueada a flexibiliza nos corpos incircunscritos ao ponto de o Superior Tribunal de Justiça precisar julgar, no RE 603816[27], que os policiais precisam gravar a autorização dada pelo morador ao policial que pretenda ingressar em sua residência. Por décadas a gravação foi desnecessária e todos sempre souberam que a afirmação de aceite era uma fraude, de maneira que esse sistema paralelo que finge acreditar no aceite do morador e o sistema constitucional analisado pelos Ministros neste RE caminham juntos, como um único ordenamento. O direito penal subterrâneo é normalizado, ou, ainda, naturalizado, afinal, “enquanto os homens exercem seus podres poderes, morrer e matar de fome de raiva e de sede são tantas vezes gestos naturais” (VELOSO, 1984).
O maior perigo nesse entrelaçamento está na força dada ao sistema penal subterrâneo. Cerrar os olhos às execuções chamadas de auto de resistência, ver um país apenas chocado, mas não paralisado, com mortes como a de Genivaldo e a prova da banalidade no vídeo ensinando táticas de tortura, ou permitir uma ausência estatal tamanha que apenas com organizações criminosas penitenciárias funcionem corretamente é o que nos impede de enxergar juridicidade aos sistemas paralelos. Se os sistemas paralelos podem ser comparados ao sistema jurídico, de fato sua ordem é maior do que aquela advinda da legalidade. Desacreditar que em um Estado de Direito Constitucional regras que oprimem sejam consideradas como norma é mais do que uma mera tomada de posição: é exigir que o sistema jurídico científico se sobreponha e extirpe essas ilegalidades e mortes contra corpos estigmatizados.
III. O QUE FAZ DA LEI A LEI
Schauer (2015, p. 154) afirma que é necessário compreender as características essenciais da lei que as diferencia de outras instituições sociais. A afirmação não poderia ser mais acurada, pois se a lei estatal legitimada pelo lex populi fosse diferenciada com uma efetividade realmente efetiva, não estaríamos em um Estado de Direito Penal informal que conta com uma declaração inútil de que o sistema penitenciário vive em um Estado de Coisas Inconstitucional, o que tem uma função muito mais populista do que resolutiva – afinal a declaração dada pelo STF na ADPF 347 em nada alterou a situação do sistema prisional. Campilongo, De Giorgi e Faria (2015) alertaram, desde tal declaração, a ineficácia da decisão:
Sob o pretexto de dar eficácia aos direitos fundamentais, o Estado de Coisas Inconstitucional [ECI] os ameaça. Num país marcado pelos sem-teto, sem-saúde, sem-educação e sem-segurança, o conceito de ECI despreza o fato de que o sistema jurídico não tem estruturas, meios e organizações que lhe permitam corrigir essas mazelas por sentenças judiciais. Proferidas as decisões com base nesse conceito, quem as executará? O guarda da esquina? O vereador do bairro? Se a fonte jurídica da autoridade – a Constituição – é ameaçada pelo ECI, o que dizer da autoridade daqueles que podem aplicar o conceito? Quais seriam os limites e os mecanismos de controle desse poder?
Maçãs estragadas podem ser encontradas em variadas cestas. A causa do estrago pode estar nas cestas ou, então, nas próprias frutas. Nada leva a crer que a cesta de um tribunal seja mais resistente que a da política, nem que suas maçãs sejam mais duráveis. Substituir o sistema político por uma Corte Constitucional é só depositar vinho velho em frasco antigo – com rótulo falso e propaganda enganosa. É seguir na aventura com cesta frágil e maçãs podres, acarretando fardo indigesto para quem beber do vinho e comer da fruta. Quebram-se as garrafas, rompem-se as cestas, mistura-se tudo e, metáforas à parte, perde-se a diferença funcional entre o papel da política e o papel do Direito.
Se declarado um Estado de Coisas Inconstitucional, o sistema penitenciário deveria ser imediatamente reformulado, pois tal afirmação somada à inércia leva apenas ao fortalecimento do sistema penal paralelo, quando o Direito Penal científico deveria prevalecer impedindo tamanha violação na dignidade das pessoas jogadas nas masmorras brasileiras. O papel do Direito e, principalmente, da ciência jurídica, precisa ser resgatado para que anacronismos como os expostos no presente trabalho não se perpetuem. E o capítulo 11 do livro de Schauer (2015, p. 154-159) traz fórmulas que podem ser usadas para fortalecimento da dogmática mediante diferenciação em várias etapas entre o que seria um sistema legal e demais sistemas que carregam alguma outra normatividade. Dentre elas destacam-se, com argumentação livre:
1. Diferenciação quanto ao procedimento: pensando especialmente na base processual. Aqui a discussão sobre cadeia de custódia da prova e da memória é assunto de principal debate. Não é possível ter um sistema totalmente baseado em prisões em flagrante com condenações abalizadas exclusivamente no depoimento policial excluindo-se todo o arcabouço acusatório do processo penal.
2. Diferenciação por sua metodologia: há aqui grande discussão sobre a existência, ou não, de uma razão artificial própria da lei. Se nos basearmos no princípio da lex populi, a lei precisa trazer elementos de racionalidade que comuniquem ao mais comum dos cidadãos que deverá saber ter o direito de participar ativamente do processo legislativo. Claro que para isso é preciso incrementar, em muito, a educação de cada rincão e sertão brasileiro para que, apesar de a ciência jurídica ser própria e se diferenciar das demais ciências, esse conhecimento não se torne mais um ferramental do status quo.
3. Diferenciação pela fonte: a fonte de decisão do direito não pode ser a do senso comum, da bíblia ou de livros que não cuidem da ciência social aplicada que é o Direito e todas as suas ciências correlatadas como história, sociologia, psicologia etc. É claro que a ciência jurídica pode, e deve, ser interdisciplinar (e até transdisciplinar) especialmente quando falamos das ciências penais que, ainda mais na criminologia, precisa contar com outras áreas, mas isso não faz com que a ciência jurídica possa se desfazer ao ponto de não conseguirmos mais diferenciar uma execução de um auto de resistência. Com todas as suas falhas e lacunas, no sistema brasileiro, o limite do poder do Estado não pode ultrapassar a letra da lei.
Pensando nessas diferenciações, Schauer (2015, p. 159-161) chega a mencionar um causo muito parecido com o das milícias[28], mas, no mesmo sentido do tópico I.III. do presente trabalho, ele não chega a uma definição conclusiva sobre a natureza das ordens de uma organização como essa, dizendo (p. 160-161):
[…] Talvez o esquema de proteção ou a “família” do crime organizado [as organizações similares à milícia descrita na nota de rodapé 28] não seja a lei, mas por que não? A reposta mais rápida seria a de que tal sistema de regras e autoridade não existe enquanto lei estatal. De fato, isso foi assumido por Austin, entre outros, em sua concepção de direito relacionada com a soberania, enquanto fato e ideia. Mais uma vez, podemos notar que Austin, ao recontar um fato óbvio, como com sua conexão entre lei e coerção, traz mais do que um germe de verdade. Afinal, em muitos aspectos, a lei da Máfia e da Liga Nacional de Futebol, como acabamos de colocar [...] contém regras primárias, secundárias, regras de conhecimento e de internalização por membros e demais funcionários. Assim, a única coisa que torna o uso da palavra [“]lei[”] nesses casos, um uso metafórico e não literal, é exatamente a conexão com o Estado político. [...] De fato, se disséssemos muito mais do que isso, acabaríamos sendo mais enganosos do que úteis, afinal, de maneiras importantes, o que é chamado de lei não-estatal talvez seria melhor interpretada como lei. Ponto final. Mas talvez as coisas sejam um pouco mais sutis do que isso e, assim, talvez possam ser usadas para adereçar ao tema cada vez mais visível que é a lei não estatal (tradução livre[29]) (negritos nossos).
Há a certeza de que o Direito Penal informal, que tem se misturado com o Direito Penal produzido pelo Estado pessoa política, precisa ser separado para que não haja mais espaços para a arbitrariedade. E daí a necessidade de uma ciência jurídica séria que traga uma sistematização para o sistema, que não mais comportará um Estado de Exceção pela hipernomia, com suas próprias propostas que não se misturam com a vontade do Estado[30], limitando o próprio Estado que não terá espaço para totalitarismos antidemocráticos.
A coerção jurídica não pode mais ignorar a realidade das masmorras brasileiras ou das execuções em praças públicas se justificando com base em uma teoria preventista há tempos provada ineficaz. Se o que faz da lei a lei é a racionalidade democrática própria de um ordenamento jurídico, não podemos seguir punindo delitos aquisitivos ao mesmo tempo que aniquilamos corpos negros e jovens. A realidade urge por um sistema redutor contraseletivo sensível aos conflitos sociais.
CONCLUSÃO
Não há dúvida de que a coerção (não exclusivamente penal) é necessária para compor o Direito. Mas ela não é exclusiva do Direito produzido pelo Estado. Assim, é necessário que, antes de tudo, o Estado compreenda para qual motivo quer exercer sua coerção e qual a distinção que essa coerção terá daquelas praticadas nos ilegalismos.
A prevenção geral negativa de Feuerbach pela coerção psicológica é, desde a sua formulação, a justificativa mais usada para a existência e, consequentemente, para a aplicação da sanção penal, mas há muito ela não se justifica. Aliás, o artigo 59 do Código Penal, ao exigir que a pena previna e retribua o mal do crime, funções antagônicas entre si, mostra que o Direito Estatal não possui uma ciência séria e que nem define sua forma de Estado, já que, como diz Zaffaroni[31], a escolha por uma finalidade da pena é uma escolha de modelo de Estado.
Ao entender para o que serve a coerção proposta é preciso delimitar a atuação do sistema punitivo que não pode extrapolar a lei mediante ficções que renovam e ampliam o sistema penal subterrâneo próprio dos porões da ditadura com suas torturas medievais.
O sistema jurídico precisa ser concatenado, sem voltar ao juiz boca da lei, mas também sem permitir abstrações como o Estado de Coisas Inconstitucional que recai em um populismo verdadeiramente ajurídico. Schauer, como visto no tópico anterior, traz regras de diferenciação da lei estatal que seriam proveitosas se observadas com seriedade pelos cientistas jurídicos, mesmo dentro da ótica do conflito.
Com isso, impede-se que os ilegalismos normatizados sejam, mesmo que teórica ou descritivamente, igualados ao Direito formal. Dizer que as atrocidades que comportam o Direito Penal subterrâneo e demais ilegalismos praticados pelas organizações criminosas estabelecidas com o entroncamento estatal fazem parte do Direito é afirmar a ausência de uma ciência jurídica, que normatizará torturas e mortes. Mais do que isso, é retirar a capacidade de resposta – jurídica - garantidora dos direitos e liberdades daqueles atingidos por essa informalidade normatizada.
A ciência jurídica, a legalidade formal e material, e a firmeza das decisões racionais são a maior força democrática que temos. Se o direito é capaz de alterar o status quo, exige-se em suas formulações uma capacidade redutora da opressão e, portanto, um Direito e uma lei combativos a tais ilegalidades. É preciso retomar o lugar de cientista jurídico, valorizar a academia e separar um suposto “Direito informal” do Direito jurídico, político, legítimo e cidadão.
REFERÊNCIAS
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[1] Doutor e Mestre em Direito Penal pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Pós-Doutor em Direitos Humanos pela Universidade de Coimbra. Professor de Direito Penal da graduação e da pós-graduação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Defensor Público.
[2] “V – A organização social, que padroniza o conjunto de instituições dominantes, adquire também um perfil jurídico, na medida em que apresente um arranjo legítimo ou ilegítimo, espoliativo, opressor, esmagando direitos de classes e grupos dominados. É assim que se insere o problema jurídico do sistema, a questão da legitimidade ou da ilegitimidade global da estrutura. Não basta para resolvê-la o simples fato de um status quo (a existência nua e crua da dominação), como não basta igualmente um tipo de ‘consenso’, presumido, que se baseia na passividade das massas (intoxicadas pela ideologia e sempre ‘consultadas’ com restrições – isto é, dentro de leis ‘eleitoreiras’, que não permitem o despertar da ‘consciência possível’, libertadora: exclusão de pessoas e correntes de opinião do pleito, restrições à propaganda, nos veículos de comunicações de massa e toda casuística dos estrategistas da reação” (LYRA FILHO, 2012, p. 86).
[3] Por exemplo, no Estatuto da organização criminosa (disponível em: https://faccaopcc1533primeirocomandodacapital.org/regimentos/estatuto_do_primeiro_comando_da_capital_faccao_pcc_1533/. Acesso em 04 de julho de 2022), mostra-se expressamente que quaisquer conflitos, inclusive dentro do presídio, serão resolvidos pela organização (pela “Sintonia”). Em vias de evitar conflito, essa prática das organizações criminosas faz com que os presos sejam (inconstitucionalmente) separados em presídio de acordo com sua aderência a cada organização (e não de acordo com o tipo do crime, idade ou demais exigências da Lei de Execuções Penais e da Constituição Federal). O tema, mais agravado hoje do que na época da reportagem em 2014, pode ser lido em https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2017/02/07/faccao-e-o-criterio-mais-usado-para-dividir-detentos-nas-prisoes-brasileiras.htm. Acesso em 04 de julho de 2022.
[4] “[…] When competing legal systems both claim to represent the law of a particular piece of physical territory, questions about which is the real legal system have real and pressing importance, but the answers to those questions cannot lie in law alone” (SCHAUER, 2015, p. 80).
[5] A mitologia pode ser lida em https://sul21.com.br/opiniao/2019/05/o-casco-da-tartaruga-gigante-por-valton-de-miranda-leitao/. Acesso em 04 de julho de 2022. Seu cerne é a busca daquilo que gerou ou manteve a Terra; partindo para as finalidades desse texto, trata-se de encontrar a tartaruga fundamental do sistema legal, ou seja, encontrar a ratio fundante e/ou estruturante do ordenamento jurídico.
[6] Trata-se, aqui, não de uma única tartaruga da qual viveríamos no casco, mas de uma fila de tartarugas que suportariam o peso da Terra, restando a busca pela sustentação da última, que sustenta e estrutura todas as demais.
[7] No original: “[…] Law ultimately rests on nonlegal foundations, and it is the nonlegal fact of acceptance of the National Archives constitution that support the bottom turtle of the legal system”.
[8] https://g1.globo.com/se/sergipe/noticia/2022/05/25/homem-morre-apos-abordagem-de-policiais-rodoviarios-federais-em-umbauba.ghtml. Acesso em 06 de junho de 2022.
[9] https://www.metropoles.com/brasil/video-policial-da-prf-ensina-alunos-de-cursinho-a-usar-gas-em-viatura. Acesso em 06 de junho de 2022.
[10] https://app.powerbi.com/view?r=eyJrIjoiN2ZlZWFmNzktNjRlZi00MjNiLWFhYmYtNjExNmMyNmYxMjRkIiwidCI6ImViMDkwNDIwLTQ0NGMtNDNmNy05MWYyLTRiOGRhNmJmZThlMSJ9. Acesso em 29 de junho de 2021.
[11] https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101707_informativo.pdf. Acesso em 29 de junho de 2021.
[12] https://app.powerbi.com/view?r=eyJrIjoiN2ZlZWFmNzktNjRlZi00MjNiLWFhYmYtNjExNmMyNmYxMjRkIiwidCI6ImViMDkwNDIwLTQ0NGMtNDNmNy05MWYyLTRiOGRhNmJmZThlMSJ9. Acesso em 29 de junho de 2021.
[13] https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101707_informativo.pdf. Acesso em 29 de junho de 2021.
[14] http://antigo.depen.gov.br/DEPEN/depen/sisdepen/infopen/relatorios-sinteticos/infopen-jun-2017-rev-12072019-0721.pdf. Acesso em 29 de junho de 2021.
[15] “No entanto, a percepção de que pode haver, em casos individuais, divergência entre a afirmação de que uma pessoa tem uma obrigação de acordo com certa norma e a previsão de que pode vir a sofrer sanções em decorrência da infração é crucial para a compreensão da ideia de obrigação” (HART, 2009, p. 110).
[16] “[…] When it is believed that norm violation will attract too little condemnation or other social pressure to align the level of compliance with the level of most of society’s commitment to the norm, laws will be enacted that convert a mere social norm into a norm with the force of law. And in such cases we see the use of law’s direct and coercive power to enforce a norm that attracts some but not enough coercion through nonlegal sanction” (SCHAUER, 2015, p. 149-150). Ainda: “[…] Law is vital precisely because of the frequent necessity of persuading people to set aside their own judgements of right on the grounds that those judgments may be wrong more often than those who hold them are likely to believe” (SCHAUER, 2015, p. 152).
[17] A cifra oculta também é chamada de cifra negra que é “[...] o nome dado ao imenso número de infrações que fogem ao controle estatal e por isso não receberão sanção penal, quer porque não chegarão ao conhecimento do aparato estatal e por isso não receberão sanção penal, [...] quer porque terão o trâmite obstado por detalhes burocráticos do processo persecutório” (JUNQUEIRA, VANZOLINI, 2021, p. 523).
[18] https://app.powerbi.com/view?r=eyJrIjoiN2ZlZWFmNzktNjRlZi00MjNiLWFhYmYtNjExNmMyNmYxMjRkIiwidCI6ImViMDkwNDIwLTQ0NGMtNDNmNy05MWYyLTRiOGRhNmJmZThlMSJ9. Acesso em 29 de junho de 2021.
[19] https://www.justica.gov.br/news/collective-nitf-content-1567522061.62. Acesso em 29 de junho de 2021.
[20] https://www.conectas.org/noticias/brasil-se-mantem-como-3o-pais-com-a-maior-populacao-carceraria-do-mundo/. Acesso em 29 de junho de 2021.
[21] https://brasil.elpais.com/brasil/2021-04-02/presos-morreram-por-falta-de-comida-adequada-em-cadeia-do-piaui-aponta-relatorio-do-ministerio-da-saude.htm. Acesso em 29 de junho de 2021.
[22] Sobre o tema, ver ROXIN, Claus. Problemas fundamentais de direito penal. 3ª edição. Lisboa: Vega.
[23] D’ELIA FILHO (2015) em uma das muitas passagens marcantes diz (p. 184): “O estigma da definição do morto como traficante de drogas parece transportar a investigação e as decisões de arquivamento para um sentido que vai além dos fatos objetos de apuração. A legitima defesa passa a ser construída na própria definição da condição do morto como inimigo; tudo o mais é esquecido. Não são poucas as hipóteses em que, mesmo acusando os policiais de execução contra um parente, a declaração feita pelos familiares de que a vítima poderia ser um traficante de drogas é suficiente para justificar a atuação letal dos policiais nas decisões dos promotores de justiça”.
[24] As fontes online e de pesquisas empíricas são muitas e com certeza dariam um artigo sozinho que fugiria da análise do presente trabalho de conclusão de curso.
[25] Sobre isso, ZAFFARONI em https://www.youtube.com/watch?v=q95uIJ3D8xc. Acesso em 25 de maio de 2021.
[26] Quanto a ADPF 828, vide exemplos: https://jornalistaslivres.org/prefeitura-de-goiania-descumpre-decisao-do-stf-e-emite-ordem-de-despejo/ e https://cimi.org.br/2020/08/justica-federal-determina-despejo-de-aldeia-pataxo-mesmo-apos-decisao-do-stf-que-suspende-reintegracoes-durante-a-pandemia/. Acesso em 29 de junho de 2021.
[27] https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/02032021-Policiais-devem-gravar-autorizacao-de-morador-para-entrada-na-residencia--decide-Sexta-Turma.aspx. Acesso em 29 de junho de 2021.
[28] É o que descreve em p. 159-160, conforme livre tradução: “[…] um empregado […] de uma operação do crime organizado vai até o proprietário de um pequeno negócio e diz a ele que ele deverá pagar uma certa quantia de dinheiro por semana para ser protegido contra certos tipos de acidentes. E esses acidentes, como bem se sabe, são aqueles que a organização solicitante do pgamaneto tem uma singular capacidade de produzir”. No original: “[…] an employee […] of an organized crime operation goes to the owner of a small business and tells him that he must pay a certain sum of money per week in order to be protected against accidents of a particular kind. And the accidents, as is well understood, are ones that the organization soliciting the payment has a singular ability to produce”.
[29] No original: “[…] Perhaps the protection racket or the organized crime ‘family’ is not the law, but why not? The quick answer is that this system of rules and authority does not exist within the municipal state. Indeed, this much was assumed by Austin, as well as others, in connecting their conception of law with the fact and idea of sovereignty. And once again we might see that Austin’s simple recounting of an obvious fact, as with his connection between law and coercion, may have contained more than a germ of truth. In many respects, after all, the law of the Mafia, as just posited, and as with the rules of the National Football League, […] contains primary and secondary rules, rules of recognition, and internalization by members and officials alike. Thus, the only thing that makes using the word law in these contexts metaphorical and not literal is precisely the connection with the political state. […] Indeed, if we say much more, we may end up being more misleading than helpful, because in important ways what is called nonstate law is perhaps best understood as law. Period. But perhaps things are a bit more nuanced than this, and so it may be used to address the increasingly visible topic of nonstate law”.
[30] Sobre isso, SCHAUER, 2015, p. 166.
[31] https://www.youtube.com/watch?v=q95uIJ3D8xc. Acesso em 25 de maio de 2021.
Mestranda em Direito Penal pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Especialista em direito penal e processual penal pela Faculdade Damásio. Coordenadora Chefe do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais no Estado de São Paulo 2021-2022. Advogada.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SADALLA, Julia Baroli. Coerção Legal: a construção de Frederick Schauer e os ilegalismos brasileiros Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 15 jul 2022, 04:34. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/58893/coero-legal-a-construo-de-frederick-schauer-e-os-ilegalismos-brasileiros. Acesso em: 21 dez 2024.
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