Giulliano Ivo Batista Ramos[1]
(orientador)
RESUMO: Esse estudo visa buscar a atenção necessária para as falhas do Estado na implementação de políticas sociais para a efetivação dos direitos fundamentais. Sua importância social é levar informações ao leitor com o objetivo de fazê-lo pensar a respeito do tema, principalmente após vivenciar um momento pandêmico. O trabalho retrata no início como os direitos fundamentais e sociais devem ser assegurados pelo Estado considerando o mínimo existencial gerando uma vida digna para todo o ser humano, apresenta também as dificuldades que o Estado encontra em efetivar esses direitos. No desenvolvimento do estudo é explicado a Teoria da Reserva do Possível e como o poder público se utiliza dela, foi esclarecido que essa teoria não pode ser aplicada como justificativa para não executar os direitos fundamentais e sociais. A metodologia abordada é a qualitativa, foi explorado o ordenamento jurídico brasileiro, doutrinas, jurisprudências, artigos publicados e pesquisas em sites na internet. Na conclusão do estudo é exposto o resultado, o Estado não deve se utilizar da reserva do possível como fuga para não implementar as políticas públicas e sociais, e sim deve ser usada como meio para essa efetivação, como indicar pessoas com qualificação para reger cargos que aplicam essas políticas.
Palavras-chave: Reserva do possível. Direitos fundamentais e sociais. Mínimo existencial.
ABSTRACT: This study aims to seek the necessary attention to the State’s solutions in the impletentation of social policies for the realization of fundamental rights. Its social importance is to bring information to the reader in order to make them think about the topic, especially after experiencing a pandemic moment. The work portrays at the beginning how fundamental and social rigths must be guaranteed by the State considering the existential minimum generating a dignified life for every fuman beind, it also presents the difficulties that the State finds in realizing these rights. In the development of the study, the Theory of Reservation of the Possible is explained and how the government uses it, it was clarified that this theory cannot be applied as a justification for not executing fundamental and social rights. The methodology addressed is qualitative, the Brazilian legal system was explored doctrines, jurisprudence, published asticles and research on internet sites. At the conclusion of the study, the result is exposed, the State should not use the reserve of the possible as na escape to not implement public and social policies, but it should be used as a means for this affectuation, such as appointing people with qualifications to govern positions that apply these policies.
Key-words: Reservation as possible. Fundamental and social rights. Existential minimum.
1.INTRODUÇÃO
Os direitos e garantias fundamentais são pilares essenciais para a sociedade viver em harmonia, a igualdade entre os seres humanos é a finalidade que todos buscam aperfeiçoar. Por isso, o Estado tenta governar procurando sempre o bem comum, ele não deve operar de forma máxima para alguns e de forma mínima para outros, pois ele tem o dever garantido pela Constituição de propor uma vida digna para todos.
Essa dignidade é prevista pelo Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, e está presente em todas as normas do ordenamento jurídico brasileiro. Essa dignidade está além do mínimo existencial, ela garante aos indivíduos qualidade de vida, acesso a uma boa educação, saúde, moradia, alimentação, segurança. Esse estudo planeja desenvolver como a teoria da reserva do possível pode tanto ajudar como atrapalhar a vida das pessoas. A Teoria da Reserva do Possível nasceu no direito Alemão, se espalhou rapidamente pelo mundo por ser eficiente podando as extravagâncias que a interpretação das normas pode trazer.
O primeiro capítulo do trabalho é dedicado aos direitos fundamentais, como eles aparecem na Constituição Federal e qual a responsabilidade do Estado sobre eles. Ainda nesse capítulo, os direitos sociais também são abordados, estão presentes na Constituição Federal e tem o objetivo de melhorar as condições de vida e de trabalho das pessoas menos favorecidas.
O capítulo seguinte do estudo analisa o que é a teoria da reserva do possível e como ela se aplica no direito brasileiro. O uso da razoabilidade e da proporcionalidade deve ser indispensável no julgamento para a decisão favorável ou não do uso dessa teoria, explica em detalhes quando esse recurso poderá ser utilizado.
O mínimo existencial é esclarecido com a ajuda de jurisprudências que enfatizam a importância dos direitos fundamentais serem mais significativos do que os orçamentos escassos da administração pública.
O trabalho também aborda a realidade que vivenciamos ao redor do mundo nos últimos três anos, a pandemia da COVID-19. A vida do indivíduo entra em conflito com a falta de recursos básicos por causa da inércia do Estado em administrar e governar nesse cenário pandêmico, vagas nos hospitais, falta de medicamentos, um completo colapso na saúde do país. Também são apresentados outros exemplos da ineficácia do Estado que utiliza a reserva do possível como justificativa para suas falhas, como o sistema prisional brasileiro, que se encontra praticamente abandonado pelo poder público.
Porém, a importância desse princípio para evitar excessos e extravagâncias desproporcionais é indiscutível, por isso, em seu último capítulo, são apresentadas propostas que tornariam a reserva do possível mais efetiva, como por exemplo, elencar os direitos que devem ser prioridades no momento, fazer com que os órgãos de fiscalização sejam mais rígidos e deem mais atenção àqueles que necessitam conquistar uma vida digna.
2.DIREITOS FUNDAMENTAIS E SOCIAIS GARANTIDOS PELA CONSTITUIÇÃO
2.1 Os direitos fundamentais garantidos pela Constituição Federal e sua aplicabilidade
Os Direitos Fundamentais elencados no artigo 5º da Constituição Federal de 1988 foram elaborados democraticamente em um cenário pós-ditadura militar, consideraram as desigualdades culturais, políticas, sociais e econômicas de todos os cidadãos brasileiros. O Estado, além de proclamar o reconhecimento formal dos direitos (saúde, educação, segurança, alimentação, moradia, saneamento básico, etc), tem o dever de prestar esses serviços e incorporar eles no cotidiano dos cidadãos.
A doutrina divide os direitos fundamentais em três gerações, a primeira geração condiz com os direitos de liberdade, o Estado deve garantir aos indivíduos os direitos autônomos inerentes à pessoa humana, seus direitos individuais e políticos. Com isso, limites são impostos às ações do Estado, visando proteger o indivíduo contra intervenções indevidas do Estado. Exemplos de direitos individuais: liberdade de locomoção, inviolabilidade de correspondência e de domicílio. (PINHO, 2013, p. 98).
A segunda geração se refere ao direito de igualdade, que engloba os direitos sociais e econômicos. Esses direitos visam melhorar a condição de vida e de trabalho da população, o Estado deve agir para que haja igualdade entre os cidadãos no exercício dos seus direitos. Exemplos de direitos sociais: aposentadoria, salário mínimo, previdência social, etc. (PINHO, 2013, p. 98).
E correspondendo a terceira geração, direito de fraternidade ou solidariedade é discutido, que são os direitos que dizem respeito a toda comunidade, os direitos que são exercidos coletivamente. Esses direitos são: ao desenvolvimento, à paz, à autodeterminação e ao meio ambiente equilibrado.
Os direitos fundamentais devem ser plenamente garantidos e respeitados pelo Estado, essa implementação é imposta pelo próprio ordenamento jurídico. No artigo 5º, parágrafo 1º da CF/88, é notório que as normas que definem as garantias e deveres constitucionais têm aplicação imediata, são diretamente vinculantes e exigíveis por todos os cidadãos.
Quando o Estado não consegue dar plena efetividade aos direitos fundamentais, como o direito à saúde, ou se omitir em realizá-los, o Judiciário pode atuar interferindo, sempre com muita cautela para que não haja ameaça ao Estado Democrático de Direito, por isso, a importância da efetividade da aplicação das normas da Constituição deve ser elencado.
Embora os direitos fundamentais possuírem o reconhecimento da utilização imediata, os recursos financeiros do Estado é um dos obstáculos para sua real efetivação. Procurando soluções para se livrar das obrigações, alguns governantes utilizam o discurso da reserva do possível alegando escassez dos cofres públicos.
2.2 Os direitos sociais garantidos pela Constituição Federal.
Os direitos sociais sempre estiveram misturados com os direitos de ordem econômica, ambos os direitos adquiriram dimensões jurídicas no Brasil na Constituição de 1934. A Constituição de 1988 reservou um capítulo apenas para os direitos sociais, o art.6º mostra quais são esses direitos:
“Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.”
Segundo José Afonso da Silva, os direitos sociais são prestações positivas do Estado, direta ou indiretamente, visando melhorar as condições de vida e de trabalho dos menos favorecidos e dos setores mais fracos economicamente da sociedade. São direitos ligados diretamente ao direito de igualdade, onde visa igualar a desigualdade social. (2015, p. 288 e 289).
O direito à saúde é um direito social que deve ser garantido pelo Estado por meios de políticas sociais e econômicas para que os riscos de doenças e outros agravos sejam reduzidos, juntamente que o acesso para a recuperação, promoção e proteção seja universal e igualitário. Está presente no art. 196 da CF/88, que prevê ser um direito de todos e um dever do Estado, ou seja, a responsabilidade de proporcionar e financiar as necessidades referentes à saúde no Brasil é especificamente do Estado.
Assim como o direito à saúde, os direitos à alimentação adequada, à previdência social, à assistência social, à educação, à cultura, ao meio ambiente, à maternidade e à infância também estão previstos na Constituição Federal de 1988, porém, muitas vezes as políticas sociais usadas para a implementação e eficácia desses direitos são falhas e ineficazes.
3.TEORIA DA RESERVA DO POSSÍVEL E SUA APLICABILIDADE
A teoria da reserva do possível surgiu em 1972, na Alemanha, ela é reconhecida globalmente como reserva do financeiramente possível. Um grupo de alunos que disputavam vagas em uma Universidade Pública de medicina iniciou uma ação com a justificativa de que o número limitado de vagas no curso violava uma norma de direito constitucional, que determina: “todos os alemães têm o direito de livremente escolher profissão, local de trabalho e de formação profissional.” (FERNANDA, 2014).
No decorrer do julgamento, a justificativa que o Tribunal forneceu para os alunos foi que o Estado iria disponibilizar a quantidade de vagas que se equiparavam com a capacidade financeira do mesmo, os direitos que os alunos solicitaram iriam ser cumpridos, porém, dentro da reserva do possível. O julgamento levou em consideração a razoabilidade do pedido e se sua aplicação seria realmente cabível e possível.
Diante disso, a reserva do possível passou a ser usada em diversos países a fim de estabelecer um limite às exigências dos direitos fundamentais, utilizando a proporcionalidade e levando em consideração a disponibilidade financeira do Estado. Em outras palavras, para que o Estado garanta os direitos previstos na Constituição Federal e cumprir sua obrigação, é necessário que existam recursos financeiros suficientes para dar seguimento. O Professor Leny Pereira Silva esclarece:
“[...] o princípio da reserva do possível regula a possibilidade e a extensão da atuação estatal no que se refere à efetivação de alguns direitos sociais e fundamentais, tais como o direito à saúde, condicionando a prestação do Estado à existência de recursos públicos disponíveis”. (SILVA, s.d., p. 26 apud ARAÚJO, C. S.; SOARES, H. P.; RANGEL, T. L. V., 2017).
Com isso, no Brasil, a teoria da reserva do possível é utilizada como um balanço entre o dever do Estado, a arrecadação dos impostos e as normas constitucionais. A administração deve saber distribuir as rendas com a maior efetividade possível, tentando dar atenção a todos os direitos que garantem uma vida digna, mas é necessário ressaltar que a existência da impossibilidade de atendimento de todos esses direitos é real, por tanto, a reserva do possível deve ser usada com fundamentação e uma análise do Estado de qual o direito vai ser atendido e qual o direito que terá que aguardar. A implementação dos direitos fundamentais e sociais geram custos e gastos ao Estado.
A Reserva do Possível foi abordada seriamente pelo Ministro Relator Celso de Mello, dizendo ser possível a intervenção judicial no que se trata de políticas públicas, segue a decisão:
“[...] É que a realização dos direitos econômicos, sociais e culturais – além de caracterizar-se pela gradualidade de seu processo de concretização – depende, em grande medida, de um inescapável vínculo financeiro subordinado às possibilidades orçamentárias do Estado, de tal modo que, comprovada, objetivamente, a incapacidade econômico financeira da pessoa estatal, desta não se poderá razoavelmente exigir, considerada a limitação material referida, a imediata efetivação do comando fundado no texto da Carta Política. Não se mostrará lícito, no entanto, ao Poder Público, em tal hipótese – mediante indevida manipulação de sua atividade financeira e/ ou político-administrativa – criar obstáculo artificial que revele o ilegítimo, arbitrário e censurável propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar o estabelecimento e a preservação, em favor da pessoa e dos cidadãos, de condições materiais mínimas de existência. Cumpre advertir, desse modo, que a cláusula da ‘reserva do possível’ – ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível – não pode ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se do cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente usando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade. [...]” (STF, ADPF n. 45, Rel. Min. Celso de Mello, julg. 29.04.04 apud ARAÚJO, C. S.; SOARES, H. P.; RANGEL, T. L. V., 2017).
Assim dizendo, o recurso da reserva do possível só poderá ser usada como última ratio, e sendo fundamentada a falta de recursos financeiros de maneira clara e objetiva, realizando um juízo de admissibilidade. Tal instituto é executado dentro do ordenamento jurídico de forma equilibrada, prudente.
Em nosso país, de acordo com o IBGE, temos aproximadamente 213 milhões de habitantes, é razoável pensar que o Estado não tem recursos para garantir tudo o que um cidadão precisa, seriam necessários recursos intermináveis, porém, isso não tira das pessoas o direito de viver com dignidade, de ter o mínimo para sobreviver.
3.1 A Reserva do Possível e o mínimo existencial
O dever do Estado em proporcionar a aplicação imediata dos direitos fundamentais, previsto no art. 5º, § 1º, deve ser tratado com cautela, visto que, não é obrigatoriamente um dever imediato e integral, porém, a garantia do mínimo existencial sim, independente da reserva do possível.
O mínimo existencial tem relação direta com a dignidade humana, visto que, não é apenas conceder o mínimo para uma pessoa viver, mas sim o necessário para viver com dignidade e ter qualidade de vida. A dignidade da pessoa humana é um dos alicerces do ordenamento jurídico, portanto, a reserva do possível não pode ser mais importante do que os direitos fundamentais que garantem essa dignidade.
A jurisprudência a seguir reforça que o mínimo existencial, como os direitos à saúde e à vida, deve ser garantido pelo Estado:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. FORNECIMENTO DE MEDICAÇÃO A PESSOA PORTADORA DE CÂNCER DA TIREOIDE (CID C73). ANTECIPAÇÃO DE TUTELA JUDICIAL DEFERIDA. VEROSSIMILHANÇA E PERIGO DE DANO IRREPARÁVEL COMPROVADOS. OBRIGAÇÃO SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERADOS NA PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS DE SAÚDE (ART. 196 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL). FÁRMACO NÃO- PADRONIZADO. DESIMPORTÂNCIA. OBRIGAÇÃO, MESMO ASSIM, DE FORNECÊ-LO. TEORIAS DO "MÍNIMO EXISTENCIAL" E DA "RESERVA DO POSSÍVEL", QUE NÃO PODEM SOBREPUJAR O DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE E À VIDA. INEXISTÊNCIA DE COMANDO CONSTITUCIONAL OU INFRACONSTITUCIONAL QUE CONDICIONE O DIREITO À SAÚDE AO PATENTEAMENTO DA HIPOSSUFICIÊNCIA FINANCEIRA DO DEMANDANTE. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE. DECISÃO
MANTIDA. AGRAVO DESPROVIDO. I. Na ação que visa ao fornecimento de medicação, sendo comum a competência dos entes federados (União, Distrito Federal, Estados e Municípios) e solidária a responsabilidade deles pelo cumprimento da obrigação, poderá o particular exigi-lo de qualquer dos coobrigados. II. Mesmo que não-padronizado o medicamento, uma vez demonstrada sua efetiva indispensabilidade, deve ser fornecido graciosamente pelo ente estatal demandado. III. As denominadas teorias do "mínimo existencial" e da "reserva do possível" não se prestam para negar efetividade à Constituição Federal e aos direitos fundamentais à saúde e à vida nela enunciados. IV. A rigor, inexiste comando constitucional ou infraconstitucional que sujeite o direito à saúde ao patenteamento da condição de pobreza ou de hipossuficiência financeira da parte que o requer do Estado, devendo-se seguir, em cada caso, o princípio da razoabilidade.
(TJ-SC - AI: 220737 SC 2010.022073-7, Relator: João Henrique Blasi, Data de Julgamento: 10/08/2010, Segunda Câmara de Direito Público, Data de Publicação: Agravo de Instrumento n. , de São José)
Portanto, os governantes não podem usar a teoria da Reserva do Possível para se eximirem das obrigações que a constituição impõe. Quando o Estado não cumpre uma obrigação direta elencada pela Constituição, se resulta em omissão total ou omissão parcial do dever constitucional de legislar. Temos como exemplo o valor fixo do salário-mínimo imposto por norma constitucional, a lei diz que esse valor deve ser o suficiente para atender as necessidades básicas de todo trabalhador e sua família, tais como saúde, moradia, alimentação, educação, transporte, higiene, seu vestuário e até mesmo o lazer. O trabalhador tem o direito de ter reajustes no valor do salário mínimo para que essas necessidades sejam atendidas, porém, é do conhecimento de todos que o valor total desse salário não comporta tal efetividade. (LEITE, 2020, p.119).
3.2 Direitos sociais diante da Reserva do Possível
No ano de 2020, uma pandemia se instalou ao redor do mundo, o ano passou, mas a pandemia ficou. Continuamos a enfrentá-la até os dias atuais, e com ela vieram crises na saúde, na segurança, na moradia, na vida dos cidadãos. Essas crises enfatizaram ainda mais a precariedade que o Sistema Único de Saúde (SUS) se encontra há alguns anos, com o aumento de casos da COVID-19 o SUS sofreu um colapso onde muitas vidas foram perdidas sem sequer atendimento.
A inércia do Estado no enfrentamento da pandemia ficou evidente quando os medicamentos, os equipamentos e todo o restante necessário para essa luta, eram comprados de última hora e com quantidades muito abaixo do necessário, a justificativa, muitas vezes, era o preço elevado. Utilizar-se da reserva do possível quando milhares de vidas estão sendo perdidas não é razoável, é se eximir da responsabilidade que o Estado tem de garantir uma vida digna.
A Constituição Federal é clara, o direito à saúde deve ser disposto pelo Estado através de políticas sociais, dando o suporte necessário para a sociedade, não podendo de forma alguma se exonerar dessa obrigação. Portanto, alegar o princípio da reserva do possível não é suficiente para que a administração pública seja ineficaz ou insuficiente, visto que, o direito à saúde tem amparo constitucional e faz parte do princípio da dignidade da pessoa humana. (ARAÚJO; SOARES; RANGEL, 2017).
O presidente Jair Bolsonaro demonstrou total irresponsabilidade incentivando a quebra dos protocolos de segurança que eram exigidos desde o começo, o uso de máscara foi ridicularizado e foi afirmado ser ineficaz, que sua proteção tinha um porcentual pequeno, praticamente zero, sendo que, estudos dizem o contrário. Promoveu aglomerações, incentivou o movimento antivacina com muitas das suas falas, o que contribuiu para que a luta contra a Covid-19 fosse ainda mais difícil.
Outra situação que é clara a negligência e omissão do poder público estão nas periferias do Brasil, onde não é fornecido o mínimo de serviços básicos aos cidadãos. Saneamento básico não existe em muitos locais, a energia elétrica é precária, a privacidade é um sonho a ser conquistado e a saúde e a educação são inconsistentes, o acesso à água potável também é um problema. Todos esses direitos sociais e fundamentais sem eficácia há anos só mostra como as comunidades do Brasil não são prioridades para quem as governa.
Outro exemplo na ineficácia do Estado em políticas sociais é a situação atual dos presídios brasileiros, a desestruturação e ineficácia do sistema prisional do Brasil. O descaso e abandono do poder público às cadeias brasileiras se mostram nas superlotações dos presídios, a pessoa humana é esquecida e violada sob a tutela estatal.
O princípio da dignidade da pessoa humana diz que todos são iguais independentes da raça, credo, condição social, etc. Portanto, todos têm direito à mesma dignidade, sem qualquer discriminação ou preconceito. À Constituição Federal de 1988 ratifica, em ser artigo 5º, inciso XLIX, que o respeito à integridade física e moral deve ser assegurada aos presos e a Lei de Execução Penal assegura seus demais direitos. Como, por exemplo, a assistência ao preso e ao internado, deixando explícito ser um dever do Estado, com o objetivo de prevenir o crime e orientar o retorno ao convívio em sociedade.
Na Lei de Execução Penal (LEP) em seu artigo 11º, diz que a assistência ao preso deve ser material (fornecimento de vestuário, alojamento e alimentação), assistência à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa. Essa lei busca além de punir o detento, criar meios em que ele é humanizado para facilitar seu retorno ao convívio em sociedade, com o objetivo principal o combate à criminalidade de forma mais humana possível.
O aumento do público carcerário não foi compatível ao aumento dos presídios gerando um dos maiores problemas atuais do sistema prisional do Brasil, a superlotação. As penitenciárias não atendem a demanda das condenações tem muito tempo, o que torna a manutenção das mesmas ineficaz e preocupante, essa superlotação torna o ambiente favorecedor de propagação de doenças, epidemias, a violência aumenta consideravelmente chegando ao ponto de causar motins, brigas entre facções, rebeliões, entre outros problemas.
Essa realidade é totalmente diferente do assegurado pelas normas constitucionais e os direitos humanos, na Lei 7.210/84 (Lei de Execução Penal) em seus artigos 85 e 88 é assegurado que o condenado deve ser alojado em uma cela individual, onde contém dormitório, aparelho sanitário e lavatório, sendo requisito básico do local salubridade do ambiente e condicionamento térmico conforme à existência humana. A cela deve conter uma área mínima de seis metros quadrados.
Os presos são submetidos às condições de vida precárias, muitas vezes são humilhados e agredidos, são aglomerados em penitenciárias, em números relativamente maiores que suas capacidades, sofrem maus-tratos constantes, quando contraem doenças são submetidos aos tratamentos de forma tardia, são vítimas de abusos sexuais por companheiros de celas indesejados, entre muitas outras coisas, e a sociedade permanece omissa.
Violamos a dignidade humana do detento inúmeras vezes, fazendo as pessoas pensarem que eles não são iguais a todos os outros seres humanos, que eles não têm direito a viver com o mínimo de dignidade, o que é contrário ao que nossas normas constitucionais pregam, o que gera um ciclo vicioso em que o encarcerado sempre retorna aos presídios, ele não consegue se libertar da vida de ser bandido.
A administração pública deve estudar quais os direitos necessitam de maior efetividade, o administrador público deve priorizar os direitos fundamentais e sociais e exercê-los com maior eficiência, utilizando-se da reserva do possível para que não haja pretensões abusivas.
4.CONCLUSÃO
Com base no que foi apresentado, fica claro que debater a teoria da Reserva do Possível sem trazer a discussão da importância da aplicação e eficácia dos Direitos Fundamentais e sociais é impossível. Porém, garantir todos os direitos fundamentais e sociais dos habitantes do Brasil não é simples, visto que os recursos que o Estado utiliza não são intermináveis, é importante saber que existem limites dos quais devemos nos atentar, o cidadão deve considerar que fazer sua parte é de extrema importância para o Estado, como pagar todos os impostos corretamente para que possam ser utilizados com maior efetividade, mas a prática no Brasil é de que os ricos sonegam mais impostos que os pobres.
Apesar disso, o Estado tem o dever de conceder ao cidadão uma vida digna, com base no princípio da Dignidade da Pessoa Humana e sem qualquer distinção ou discriminação, a vida digna deve ser concedida tanto aos estudantes, como para os trabalhadores, para os condenados que cumprem pena privativa de liberdade e para os que cumprem as privativas de direitos, para os ex-detentos, ou seja, todo ser humano, não podendo usar os recursos financeiros como obstáculo para efetividade dos direitos, e sim usar os recursos como meio de implementação para tornar as políticas públicas e sociais mais eficazes.
Entretanto, é importante salientar a ineficácia e a ausência das políticas que o Estado vem usando ao longo dos anos, o dever social do poder público é proteger a sociedade e proporcionar uma vida digna aos moradores desta. Porém, viver em sociedade é como uma via de mão dupla, não é somente o Estado que deve cumprir com suas obrigações, os cidadãos devem saber quais os seus deveres e limites para que o convívio em sociedade seja harmonioso, por isso que o recurso da Teoria da Reserva do Possível deve ser utilizado quando necessário, para que não haja pretensões excessivas, tendo uma aplicação fundamentada e rigorosa.
A indicação de pessoas com qualificação específica para cargos que regem e aplicam as políticas sociais pode ser uma solução eficaz para efetivá-las, com base em estudos e pesquisas em campo, essas pessoas conseguiriam elencar quais interesses devem ser prioridade e ao mesmo tempo especificar os interesses circunstanciais para que fiquem em segundo plano, porque esses interesses variam de região e de estado, um grande centro deve ser tratado de forma diferente que pequenos centros, as mesmas políticas podem não funcionar, por isso a pesquisa e o conhecimento específico da pessoa qualificada é tão importante. A linha de prioridade deve ser garantir uma vida digna a todos os cidadãos, sem distinção de raça e classe social.
A competência desses trabalhadores utilizariam os recursos com muito mais sabedoria e extrairia o máximo de cada um deles, fazendo com que o desperdício fosse sucinto. A exigência que os órgãos de fiscalização fossem mais rígidos também traria benefícios tanto ao Estado como aos habitantes, a harmonia poderia diminuir a distância que as classes sociais têm entre si, proporcionando uma vida justa e respeitável a todos.
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[1] Docente do Centro Universitário de Santa Fé do Sul – SP, UNIFUNEC
Graduanda em Direito, Centro Universitário de Santa Fé do Sul – SP, UNIFUNEC
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BRANCALHONE, Ana Ligia Sulato. A reserva do possível: o Estado pode usar como justificativa a falta de recursos financeiros para a não efetivação da implementação dos direitos fundamentais e sociais? Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 ago 2022, 04:13. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/58990/a-reserva-do-possvel-o-estado-pode-usar-como-justificativa-a-falta-de-recursos-financeiros-para-a-no-efetivao-da-implementao-dos-direitos-fundamentais-e-sociais. Acesso em: 22 nov 2024.
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