PERON APOLINÁRIO CARDOSO DE OLIVEIRA
(coautor)
RESUMO: Este trabalho tem como escopo fazer uma análise da produção de prova consistente na acareação e no ônus da prova, fazendo uma análise da influência da retificação do depoimento prestado pela vítima de violência doméstica. Assim, foi feito uma breve análise da violência doméstica e familiar, do instituto da acareação e no valor da palavra da vítima e a eventual retificação na fase judicial. Para a realização do trabalho, foi feito análise doutrinária geral, fazendo uma análise das leis processuais pertinentes, leitura de artigos e todo o arcevo disponível em meios digitais, que abordam sobre o tema.
Palavras-chave: Acareação. Vítima. Prova.
ABSTRACT: This work aims to make an analysis of the production of evidence consistent in the careand burden of proof, making an analysis of the influence of the rectification of the testimony provided by the victim of domestic violence. Thus, a brief analysis of domestic and family violence, the institute of careand the value of the victim's word and the possible rectification in the judicial phase was made. To carry out the work, a general doctrinal analysis was made, making an analysis of the relevant procedural laws, reading articles and all the arcevo available in digital media, which address the subject.
Keywords: Caretaker. Victim. Proof.
SUMÁRIO: 1 Introdução; 2 Acareação no processo penal; 3 Violência doméstica e familiar; 3.1 Acareação nos crimes envolvendo violência doméstica e familiar; 3.2 Ônus da prova nos crimes envolvendo violência doméstica e familiar; 3.2 Valor probatório da palavra da vítima; 3.2.1 Retifação na fase judicial; 4 Considerações finais; Referências bibliográficas.
1 INTRODUÇÃO
Os crimes envolvendo a violência doméstica e familiar são crimes recorrentes em nossa sociedade e que causam grande aflição na sociedade, em especial às vitimas que sofrem diariamente com essa modalidade delitiva. Muitos desses crimes são cometidos na clandestinidade, em que por vezes, o que se tem é a palavra da vítima de forma isolada, como principal meio de prova, quando não o único.
Em muitos casos, podem haver divergências nas declarações prestadas pela vítima com os demais elementos de prova carreados aos autos, seja com depoimento de testemunhas, sejam de informantes ou do próprio agressor. Dessa forma, a acareação, meio de prova previsto no Código de Processo Penal, é uma forma de esclarecer as divergências que podem surgir nos autos.
Como será melhor trabalhado no decorrer do processo, entretanto, o acusado do crime não é obrigado a prestar declarações, podendo invocar seu direito constitucional ao silêncio, bem como vítimas não podem ser obrigadas a prestar declarações perante seu agressor, não precisando realizar a acareação.
Diante disso, este trabalho inicialmente irá trabalhar o conceito de acareação no processo penal, sua previsão legal e os pressupostos para que seja produzido, em seguida, será trabalhado o conceito de violência doméstica e familiar, as hipóteses prevista.
Em seguida, será trabalhado a acareação nos crimes envolvendo a violência doméstica e familiar, sendo trabalhado o conceito de ônus da prova nos crimes envolvendo a violência doméstica e familiar, bem como o valor probatório da palavra da vítima, sendo demonstrada como a palavra da vítima poderá influência na convicção do juiz, quando proferir a sentença.
Por fim, será realizada uma breve análise da retificação da palavra da vítima, quando divergentes seus depoimentos prestados nas diferentes fases do processo, na investigação e ação penal, sendo pontuado, por fim, a análise de como a acareação poderá influenciar no processo.
2 ACAREAÇÃO NO PROCESSO PENAL
A acareação no processo penal consiste no colocar a vítima em frente ao seu agressor, para que possa se “enfrentar”, consiste, pois, em colocar na presenta uma da outra pessoas que possuem divergências nos seus depoimentos. Trata-se de meio de prova, prevista no Título VII, Capítulo VIII, do Código de Processo Penal (CPP).
Dispõe o art. 155 do CPP, que o juiz irá formar sua convicação atráves da apreciação das provas produzidas nos autos, sob o crivo do contráditório judicial, não sendo permitido que ele fundamente a decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas (BRASIL, 1941).
Dessa forma, vários são os meios provas que irão ser produzidos ao decorrer da ação penal e àquelas produzidas na fase investigativa, sendo que as provas deverão, quando possíveis, confirmadas na ação penal para que possam dar maior embasamento a decisão judicial e que não se tenha dúvidas no momento em que se proferir a decisão.
A acareação é um dos meios de provas produzidas na ação penal, como supramencionado, ela encontra-se prevista no CPP, nos arts. 229 e 230. Como define os arts. 229 e 230, ambos do CPP, in verbis:
Art. 229. A acareação será admitida entre acusados, entre acusado e testemunha, entre testemunhas, entre acusado ou testemunha e a pessoa ofendidas, e entre as pessoas ofendidas, sempre que divergirem, em suas declarações, sobre fatos ou circuntâncias relevantes.
Parágrafo único. Os acareados serão reperguntados para que expliquem os pontos de divergências, reduzindo-se a termo o ato de acareação.
Art. 230. Se ausente alguma testemunha, cujas declarações divirjam das de outra, que esteja presente, a esta se darão a conhecer os pontos da divergência, consignando-se no auto o que explicar ou observar. Se subsistir a discordância, expedir-se-á precatória à autoridade do lugar onde resida a testemunha ausente, transcrevendo-se as declarações desta e as da testemunha presente, nos pontos em que divergirem, bem como o texto do referido auto, a fim de que se complete a diligência, ouvindo-se a testemunha ausente, pela mesma forma estabelecida para a testemunha presente. Esta diligência só se realizará quando não importe demora prejudicial ao processo e o juiz a entenda conveniente. (BRASIL, 1941)
Como exposto, a acareação irá ocorrer entre ocusados e ofendidos, objetivando esclarecer a verdade dos fatos, para que se possa esclarecer eventuais divergências entre as declarações. Para que ocorra a acareação as pessoas já tenham prestado declaraçoes e que haja divergêmcia no relato das pessoas, sobre fatos ou circunstâncias relevantes, podendo ocorrer tanto na fase investigatória, quanto no decorrer da ação penal (TÁVORA; ALENCAR, 2021).
A acareação ocorrerá de forma a esclarecer eventuais divergências entre as declarações prestadas, quando será pedido que as pessoas possam explicar pontos divergentes, momento em que poderão mudar as declarações ou ratificar as declarações prestadas, devendo observar as regras contidas no art. 229 do CPP.
Como explica Nagima (2012), a acareação “poderá ocorrer entre acusados, entre acusado e testemunha, entre testemunhas, entre acusado ou testemunha eapessoa ofendida, e entre as pessoas ofendidas. Os informantes também podem ser sujeitos da acareação”. Além disso, pontua-se a acareação deverá ocorrer entre as declarações prestadas em um mesmo procedimento ou processo, não podendo ocorrer entre procedimentos ou processos distintos.
Trata-se, assim, de forma de produção de prova prevista no CPP, a qual serve para esclarecer pontos divergentes que surgem no processo. Contudo, pontua-se que tal meio de prova, não é entendimento como o principal meio para solucionar divergências, haja vista que no momento em que formará a sua livr convicação, o juiz deverá observar todos os meios de provas existentes nos autos.
Ademais, o investigado ou acusado, não tem compromisso de prestar compromisso com a verdade, bem como poderá manter-se em silêncio, em vista de não ser obrigado a produzir prova contra si mesmo. Dessa forma, como será melhor delineado a seguir, se buscará demonstrar que a acareação não se trata de meio de prova relevante, embora possa ser utilizado para sanar divergências, em vista de se poder observar o comportamento da vítima, diante de seu agressor.
Entretanto, deve ser pontuado que, ao passo que o agressor deve ter seu direito constitucional de não produzir prova contra si mesmo preservado, deve ser observado que a acareação, nos casos envolvendo violência doméstica e familiar, podem causar uma revitimização à vítima, como será melhor trabalhado a seguir.
3 VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR
Os crimes que envolvem a violência doméstica e familiar, não estão tipificados no Lei nº 11340/2006, conhecida popularmente como Lei Maria da penha. Essa lei não visa tipificar condutas, mas criar mecanismos que devem ser adotados no procedimento criminal visando coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher. Ressalta-se que, embora a previsão de que os crimes abrangidos por essa lei sejam contra a mulher, deve se ressaltar que poderão ser vítimas de violência doméstica e familiar qualquer pessoa que tenha relação afetiva e familiar com seu agressor. Assim, pode-se afirmar que a violência doméstica faz parte do cotidiano de milhares de brasileiras.
A violência contra a mulher perdura no cotidiano das famílias e da sociedade brasileira, apesar dos esforços para combatê-la. A situação continua grave conforme as estatísticas que revelam casos de ofensa verbal, agressão física e homicídio. A Lei 11.340, denominada Lei Maria da Penha, sancionada no dia 07 de agosto de 2006, tem se revelado um valioso instrumento para a superação do quadro de violência e morte que tem vitimado as mulheres. É preciso garantir a efetivação dos mecanismos previstos na Lei, de modo a favorecer a superação deste grave problema social e familiar, realizar a justiça e assegurar a devida assistência às vítimas. Torna-se cada vez mais necessária a divulgação da Lei Maria da Penha para favorecer o seu conhecimento, a reflexão sobre a gravidade desta forma de violência e contribuir para sua erradicação. (ROCHA, 2021)
A violência doméstica é entendida como a violação dos direitos fundamentais, previstos na Constituição Federal, conforme dispõe o art. 2º da Lei Maria da Penha que, in verbis
Toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social. (BRASIL, 2006).
O artigo 7º, do mesmo diploma legal, prevê cinco tipos de violência doméstica e familiar contra a mulher, que são a violência física, a violência psicológica, a violência sexual, a violência patrimonial e a violência moral.
A violência física é qualquer conduta que ofenda a integridade física ou saúde corporal da mulher (art. 7º, I, LMP), esse tipo de violência é uma das mais comuns cometidas, trata-se do uso da força para afetar a integridade física da mulher, através de agressões (BRASIL, 2006). A violência física é aquela que configura o crime de lesão corporal, previsto no art. 129, §9º, do Código Penal, crime de tortura, que além de tratar-se de violência física poderá configurar, ainda, violência psicológica.
Art. 129.(...)
Violência Doméstica
§ 9o Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade:
Pena - detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos.
§ 10. Nos casos previstos nos §§ 1o a 3o deste artigo, se as circunstâncias são as indicadas no § 9o deste artigo, aumenta-se a pena em 1/3 (um terço).
§ 11. Na hipótese do § 9o deste artigo, a pena será aumentada de um terço se o crime for cometido contra pessoa portadora de deficiência.
§ 12. Se a lesão for praticada contra autoridade ou agente descrito nos arts. 142 e 144 da Constituição Federal, integrantes do sistema prisional e da Força Nacional de Segurança Pública, no exercício da função ou em decorrência dela, ou contra seu cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até terceiro grau, em razão dessa condição, a pena é aumentada de um a dois terços.
§ 13. Se a lesão for praticada contra a mulher, por razões da condição do sexo feminino, nos termos do § 2º-A do art. 121 deste Código:
Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro anos).
A violência psicológica é qualquer conduta que cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar as ações da mulher (art. 7º, II, LMP), pode ser observado tal conduta no crime de ameaça (art. 147, CP), que é o segundo crime mais comum no âmbito da violência doméstica.
A violência sexual, prevista no art. 7º, III, da Lei Maria da Penha é qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada mediante intimidação, ameaça, coação ou uso de forma, é a pratica dos crimes tipificados nos artigos 213 a 228-C, do CP.
A violência patrimonial é qualquer conduta pratica contra a mulher que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer as necessidades da vítima (art. 7º, IV, LMP).
Por fim, a violência moral é a pratica de qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria, que são os crimes tipificados no CP, nos seus artigos 138, 139 e 140, no capítulo que trata sobre os crimes contra a honra.
Nos crimes envolvendo a violência doméstica e familiar, é cometido por alguém próximo a vítima, causando grande sofrimento intimo à vítima, em vista de se ver agredida por alguém a qual tinha confiança, que deveria protege-la e não agredí-la. Em muitos casos, a vítima deixa de denunciar, acreditando tratar-se de fato isolado ou por temer por uma piora na conduta de seu agressor, ainda, em muito casos, a vítima é dependente financeira de seu agressor, o que também influencia para que demore em representar contra seu agressor.
Além disso, pode haver divergências nos depoimentos prestados pela vítima, agressor e eventuais testemunhas e informantes, o que poderá fazer ocorrer a acareação no processo penal para que se possa esclarecer tais divergências.
3.1 Acareação nos crimes envolvendo violência doméstica e familiar
Como demonstrado a acareação poderá ocorrer para que o juiz possa esclarecer alguns pontos de divergências que surgirem durante o processo. Assim, quando houver divergência entre declarações já prestadas durante o processo, poderá ocorrer a acareação, para que tais divergências possam ser sanadas, visando contribuir de forma positiva para o melhor deslinde da ação.
A acareação poderá ocorrer entre a vítima e seu agressor, ou entre a vítima e as testemunhas. Ocorre que a acareação pode não ser o meio de prova mais eficaz para o deslinde da causa, haja vista que nem sempre eficaz, se analisado de forma isolada para esclarecer eventuais divergências, em vista da sua fragilidade probatórial, principalmente nos casos envolvendo a violência doméstica e familiar.
Isso porquê, deve ser observado que nos casos em que a Lei Maria da Penha (LMP), tem a incidência, ocorrer no intime da relação afetiva entre duas pessoas, muitas vezes entre ex-companheiros, em que um pode ser ainda dependente do outro. Dessa forma, realizar a acareação, pode reforçar a revitimização na vítima, que se vê constrangida ou até mesmo coagida, diante de seu agressor, em esclarecer eventuais dúvidas.
Não trata-se de meio de prova que pode realmente resolver a divergência, possuindo valor relativo “não há garantias de que a prova previamente existente nos autos – e que em tese resolveria a divergência a ser sanada pela acareação – vincule a formação do convencimento judicial” (MILANEZ, 2016).
Outrossim, deve ser esclarecido que a vítima não tem a obrigação de ficar diante de seu agressor, podendo prestar todas suas declarações sem a presença do investigado ou acusado, o que, mais uma vez, torna a acareação ineficaz nos casos que envolve a violência doméstica e familiar, bem como poderá fazer com que a vítima, diante de seu agressor, mude suas declarações, o que, ainda prejudica o bom deslinde da causa e não protege a vítima da maneira que deveria acontecer.
3.2 Ônus da prova nos crimes envolvendo violência doméstica e familiar
O direito a produzir provas está inserido na Constituição Federal de 1988, como uma das garantias do devido processo legal, previsto no art. 5º, LIV. Trata-se de encargo atribuido aquele que alega determinado fato de produzir meios que possam provar o alegado, em face de outro. “O instituto da prova é o pilar para todo o ordenamento jurídico penal, a prova é considerada a alma do processo, é utilizada para demonstrar os fatos alegados pelas partes e será o instrumento pelo qual o juiz formará sua convicção” (VANIN, 2015).
Na ação penal, cabe a acusação provar as alegações contra o réu, devendo ser observados os princípios da inocência, da ampla defesa, do contraditório, bem como o princípio da não culpabilidade, em que o réu poderá se manter inerte durante a produção de provas, razão pela qual não precisará provar nenhuma prova contra si mesmo.
Nesse sentido, esclarece Rodrigues (2014) que:
Em que pese a previsão constitucional do estado de inocência do réu, o pensamento majoritário é aquele segundo o qual incumbe à acusação provar apenas os fatos constitutivos da pretensão punitiva (tipicidade e autoria), cabendo à defesa a prova quanto aos eventuais fatos impeditivos ou extintivos. (RODRIGUES, 2014)
Em que pese a presunção de inocência, fato é que certas provas indicam a culpa daquele que está sendo acusado de um crime. Nos casos envolvendo a violência doméstica e familiar, a mulher, em muitos casos, é vítima de algum tipo de violência que atinge sua integridade física, a qual é passível de prova pericial, prova essa prova cautelar não repitível, em razão de que as agressões por ela sofridas, poderão ter suas marcas desaparecidas com o tempo, aqui, iremos considerar os crimes de lesão corporal, previstos no art. 129 do Código Penal.
Nos crimes envolvendo a violência doméstica e familiar, contudo, a prova de maior valor é o depoimento pessoal do ofendido, quando irá relatar a violência sofrida, descrevendo as formas de agressão, o modus operandi do acusado. A vítimas, nesse modalidade criminosa, é peça essencial para o deslinde da causa.
Nas ações penais públicas, como ocorre nos crimes envolvendo a violência doméstica e familiar, em que a vítima não será titular da ação penal, incumbindo esse ônus ao órgão ministerial, este que deverá indicar os meios de provas que serão produzidos na ação. Assim, poderá indicar testemunhas a serem ouvidas, requerer que se proceda a oitiva da vítima, a produção de provas cautelares, para que se possa provar o alegado e chegar em uma resultado útil da ação penal, visando não somente punir aquele que transgride a lei penal, mas dar uma reposta para a sociedade e para a vítima, que muito sofrem com a transgressão da lei penal e causa insegura à sociedade com o cometimento de crimes.
3.2 Valor probatório da palavra da vítima
Como exposto no tópico anterior, a palavra da vítima envolvendo a violência doméstica e familiar, a palavra da vítima de suma importância, em razão de que, por vezes, os crimes envolvendo a violência doméstica e familiar são cometidos na clandestinidade, em que por vezes se tem a palavra da vítima isolada nos autos.
Em muitos casos envolvendo a violência doméstica e familiar, como nos casos de lesão corporal, crimes sexuais, crimes contra a honra e ameaça, que são os crimes mais comuns envolvendo a violência doméstica, muitas mulheres deixam de denunciar ou denunciam quando não mais possível a produção de prova pericial. Dessa forma, não há que se falar em vestígios deixados pelo crime, sendo a palavra da vítima o maior meio de prova produzida nos autos.
Nesse sentido, ensina Talon que:
Em alguns crimes, a prova pericial é fundamental para que o Ministério Público conclua pela materialidade da infração. Todavia, nem todos os delitos deixam vestígios. Nesses casos, a palavra da vítima ganha uma maior atenção e valoração por parte dos Magistrados e Tribunais.
Nos crimes sexuais, por exemplo, a palavra da vítima tem grande valor, uma vez que tais crimes, como regra, são praticados de forma oculta, sem a presença de testemunhas.
Assim, a palavra da vítima ganha relevante valor probatório, ainda mais se corroborada por outra prova que integre o processo. (TALON, 2018)
Contudo, ocorre que os crimes envolvendo a violência doméstica e familiar, a vítima prestará suas declarações perante a autoridade policial, tendo outra oportunidade em ser ouvida, durante a instrução criminal. Podendo, até mesmo, mudar suas declarações, em vista que muitas vítimas acabam por se reconciliar com seus agressores e não pretedem prejudicá-los, tentando, assim, mudar as declarações.
A palavra da vítima não poderá ser usado de forma isolada, devendo ser corroborado pelos demais elementos de provas produzidos nos autos, sendo uma tarefa difícil ao juiz, no momento de analisar o mérito processual, quando se tem apenas a palavra da vítima, em isolado, para proferir uma sentença, seja condenatória ou absolutória.
Sobre a matéria ensina Biasotti:
No geral, a palavra da vítima é o primeiro raio de luz que afugenta as sombras em que podia ocultar-se a impunidade. É, em suma, a pedra angular ou viga-mestra do edifício probatório; se em harmonia com os demais elementos dos autos, justifica a procedência da pretensão punitiva e a condenação do réu, pois seu interesse coincide, salvo raras exceções, com o escopo mesmo da Justiça: a busca da verdade real (em prol da inocência oprimida ou para exemplo e castigo do culpado). (BIASOTTI, 2021)
Deve ser esclarecido, ainda, que a vítima não presta compromisso legal, não tendo o dever de dizer a verdde e tampouco pode ser responsabilziada pelo crime de falso testemunha, podendo, até mesmo, ser conduzida coercitivamente, para prestar suas declarações.
3.2.1 Retificação das declarações na fase judicial
A vítima quando noticia o crime, inicialmente, poderá prestar suas declarações perante a autoridade policial, na fase de investigação, para que se tenha elementos mínimos de justa causa para a persecução penal, podendo indiciar indicíos mínimos de autoria e materialidade para justificar o oferecimento da denúncia pelo Ministério Público.
Contudo, como já expoto, a vítima em muitos casos envolvendo a violência doméstica e familiar poderá se reconciliar com seu agressor ou temer por sua integridade física, o que faz com que em muitos casos mude suas declarações quando ouvida novamente em juízo.
Diante disso, se demonstrado atravez da oitiva de testemunhas nos autos que há divergências nos depoimentos ou declarações, poderá o magistrado requerer a acareação, nos termos dos artigos 229 e 230, ambos do CPP.
Contudo, a retificação das declarações da vítima na fase judicial, por si só, se em desacordo com os demais elementos de prova produzidos nos autos, não poderá ser usado de forma a justificar uma sentença absolutória, se em contrário a tudo que foi produzido nos autos.
Ocorre que, por vezes, por vários motivos diferentes, as vítimas são levadas a retificarem as declarações prestadas, podendo, até mesmo, ser levada a conduzir a acareação, se necessário para o deslinde da causa. Em razão da fragilidade em que se vê a vítima nos crimes do âmbito da Lei Maria da Penha, que as ações são públicas, cabendo a titularidade da ação ao Ministério Público.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como demonstrado ao decorrer deste trabalho, os crimes envolvendo a violência doméstica e familiar, encontram seus mecanismo no âmibito da Lei nº 11.343/2006, que prevê mecanismos para coibir e previnir os crimes de violência doméstica e familiar contra a mulher.
Nota-se que a produção de prova nos crimes envolvendo a violência doméstica e familiar, por vezes, é frágil ou somente se tem a palavra da vítima para embasar a propositura de uma ação penal contra o agressor, a qual muitas vezes é retificada durante a ação penal, após o oferimento da denúncia, seja pelo retorno do convivio com o agressor, seja por temor a própria vida, o que dificulta a busca pela verdade real no processo.
O instituto da acareação previsto no Código de Processo Penal, é meio de produção de prova utilizado para que o juiz, quando diante de declarações divergentes, possa esclarecer eventuais dúvidas, devendo ser observados todos as peculiaridades que envolvem essa modalidade delitiva, em vista de toda fragilidade em que está posta a vítima.
Ocorre que em muitos casos a vítima altera as declarações prestadas na fase judicial, o que prejudica que haja uma condenação com elementos sólidos, favorecendo, por vezes, o agressor.
A acareação, de todo modo, não deve ser utilizada de forma isolada e como único meio de esclarecer eventuais divergências, em vista de todas as peculiaridades que envolvem o processo penal. Como exposto a vítima e o agressor não possuem o dever te tratar com a verdade suas declarações, ainda, o agressor pode se manter silente diante das acusações as quais responde, não sendo a acareação um elemento que se mostra satisfatorio nos casos envolvendo a violência doméstica.
Além disso, não deve sair do foco o fato de que, os crimes envolvendo a violência doméstica e familiar, são crimes, muitas vezes, cometidos na clandestinidade, o que prejudica, por vezes, a produção de provas, tornando frágeis relatos isolados e contraditórios, quando alterados nas diferentes fases do processo. Destacando-se que em muitos casos não há testemunhas do crime, o que torna a palavra da vítima a prova de maior relevância no processo.
Diante de todo o exposto, entendemos que a acareação trata-se de meio de prova ineficaz quando usado nos crimes envolvendo a violência doméstica e familiar de forma isolada, devendo o juiz se atentar a eventuais mudanças em declarações da vítima e os elementos de prova produzidos durante a fase inquisitorial, embasando-se na sua livre convicção para a formação de seu convencimento sobre a culpa daquele que está sendo acusado em uma ação penal.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Institui o Código de Processo Penal. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, p. 19.699, 13 de out. de 1941.
BRASIL. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Institui o Código Penal. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, p. 23.911, 31 de dez. de 1940.
BRASIL. Lei nº 11.340, de 07 de agosto de 2006a. Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do §8º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, p. 1, 08 de ago. de 2006.
BIASOTTI, Carlos. A palavra da vítima e seu valor em juízo. 02/02/2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/88313/a-palavra-da-vitima-e-seu-valor-em-juizo. Acesso em: 14 mai 2022.
MILANEZ, Bruno. O que se entende por acareação no processo penal? Canal Ciências Criminais, 17/10/2016. Disponível em: h ttps://canalcienciascriminais.com.br/acareacao-no-processo-penal/. Acesso em: 13 mai 2022.
NAGIMA, Irving Marc Shikasho. Da acareação no processo penal. DireitoNet, 20/05/2012. Disponível em: https://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/7267/Da-acareacao-no-Processo-Penal. Acesso em: 13 mai 2022.
ROCHA, Cardeal Sergio da. Violência Doméstica. CNBB, 05/10/2021. Disponível em: https://www.cnbb.org.br/violencia-domestica/. Acesso em: 14 mai 2022.
RODRIGUES, Bárbara Bianca. O ônus da prova no processo penal brasileiro. Disponível em: https://barbarabrodrigues.jusbrasil.com.br/artigos/144997853/o-onus-da-prova-no-processo-penal-brasileir. Acesso em: 14 mai 2022.
TALON, Evinis. A palavra da vítima no processo penal. Evinis Talon, 23/04/2018. Disponível em: https://evinistalon.com/palavra-da-vitima-no-processo-penal/. Acesso em: 14 mai 2022.
TAVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Novo curso de direito processual penal. 15ª ed.,ree., rev. e atual. Salvador: Juspovim, 2021.
VANIN, Carlos Eduardo. O ônus da prova no CPP. JusBrasil, 2015. Disponível em: https://duduhvanin.jusbrasil.com.br/artigos/194054162/o-onus-da-prova-no-cpp. Acesso em: 13 mai 2022.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CARDOSO, Mirian Rodrigues Bonifácio. A acareação no processo penal e ônus da prova: A influência da retificação de depoimento de vítima de violência doméstica Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 17 ago 2022, 04:23. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/59032/a-acareao-no-processo-penal-e-nus-da-prova-a-influncia-da-retificao-de-depoimento-de-vtima-de-violncia-domstica. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Gabrielle Malaquias Rocha
Por: BRUNA RAFAELI ARMANDO
Precisa estar logado para fazer comentários.