JORGE BARROS FILHO
(orientador)
RESUMO: A violência obstétrica está ligada a um tipo de violência praticada em desfavor da mulher pelos profissionais da saúde, caracterizando-se pelo desrespeito, abusos e maus tratos durante a gestação ou no momento do parto. Ela pode ser feita tanto na forma psicológica quanto na forma física. É a consequência de uma atenção desumanizada, pelos quais nos dias de hoje milhares de mulheres passam quando solicitam um atendimento ou cirurgia médica. Por ser uma prática cada vez mais presente nos hospitais e clínicas, escolheu-se debater o impacto que esse delito possui para o Direito brasileiro. Desse modo, o presente estudo teve o objetivo de analisar os efeitos que a violência obstétrica possui na área penal. Na metodologia, tratou-se de uma revisão da literatura baseada em livros, artigos científicos e legislação ligada ao tema proposto. A coleta de dados se deu em base de dados como Scielo, Google Acadêmico, dentre outros. Nos resultados, ficou claro que o Direito Penal vem penalizando a violência obstétrica, ainda que ela não esteja devidamente normatizada. Nesse caso, a jurisprudência brasileira vem entendendo que se deve punir médicos e equipe médica que tenham praticado algum ato de violência com a paciente gestante, com base na responsabilidade civil e penal.
Palavras-chave: Gestação. Parto. Violência. Penalidade. Responsabilidade jurídica.
ABSTRACT: Obstetric violence is linked to a type of violence practiced to the detriment of women by health professionals, characterized by disrespect, abuse and mistreatment during pregnancy or at the time of childbirth. It can be done in both psychological and physical form. It is the consequence of a dehumanized attention, which nowadays thousands of women go through when requesting medical care or surgery. As it is an increasingly present practice in hospitals and clinics, we chose to debate the impact that this crime has on Brazilian law. Thus, the present study aimed to analyze the effects that obstetric violence has in the penal area. In terms of methodology, it was a review of the literature based on books, scientific articles and legislation related to the proposed theme. Data collection took place in databases such as Scielo, Google Scholar, among others. In the results, it became clear that Criminal Law has been penalizing obstetric violence, even though it is not properly regulated. In this case, Brazilian jurisprudence has understood that doctors and medical staff who have committed any act of violence with the pregnant patient should be punished, based on civil and criminal liability.
Keywords: Gestation. childbirth. Violence. Penalty. Legal liability.
Sumário: 1. Introdução. 2. Descrevendo a violência obstétrica. 3. O Direito Penal na violência obstétrica. 4. Considerações Finais. 5. Referências Bibliográficas.
1. INTRODUÇÃO
A violência é uma das ações que mais denigre o ser humano. É o ato que traz prejuízos (muitos deles insuperáveis e permanentes) de toda ordem para o indivíduo, afetando diretamente o principal princípio da Constituição Federal de 1988: o da Dignidade da Pessoa Humana. Por essa razão, entre os vários tipos de violência existente, para fins desse estudo, apresenta-se o da violência obstétrica.
A violência obstétrica é uma terminologia oriunda do Dr. Rogelio Pérez D’ Gregório, presidente da Sociedade de Obstetrícia de Ginecologia da Venezuela. Formulado o conceito por esse profissional, esse tipo de violência é entendido como aquela praticada em desfavor das parturientes, agredindo a sua integridade física, moral e psicológica. Ela pode ser realizada tanto pelos profissionais de saúde quanto pelas instituições de saúde (MASCARENHAS; PEREIRA, 2017).
A violência obstétrica perpassa por três momentos distintos de uma gestação: o pré-parto; o parto e o pós-parto. Por se tratar de uma violência contra a mulher, é a gestante a principal vítima desse ato. Assim, ela é fundamental nesse cenário, uma vez que possui o poder decisório no decorrer desses momentos (AZEVEDO, 2017).
A prática da violência contra as gestantes, ainda que já existente desde os primórdios da civilização, é pouco ou quase nunca abordada em terras brasileiras. Devido ao fato de ocorrer em grande parte nas maternidades e hospitais, é mínimo o índice de pesquisas e estudos voltados a analisar e observar esse delito. Somente com os casos recentes vindo a público pela mídia, é que se tem observado um maior interesse por esse ato.
A título de exemplo, de acordo com a pesquisa Nascer no Brasil, coordenada pela Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP-Fiocruz), apenas metade das mulheres dá à luz de acordo com as boas práticas obstétricas (SCHIAVON, 2022).
De todo modo, independentemente de seu interesse público e jurídico, o fato é que esse tipo de violência é bastante cometido nos estabelecimentos de saúde, o que mostra o quão vulnerável estão as gestantes nesses locais, que deveria, a priori, ser o mais seguro e confiável possível, principalmente num momento tão delicado e intimo quanto uma gestação.
Os efeitos que essa violência causa à mulher é danoso e perturbador, deixando sequelas por toda uma vida. Muitas delas adquirem traumas e conflitos por muito tempo, vide o fato de que elas vivem essa situação solitariamente (FRANCO; MACHADO, 2016).
Frente a esse cenário, nasce algumas questões aos quais ainda precisam ser debatidas. Dentre as mais notórias, encontra-se: Como se dá a configuração da violência obstétrica? e; qual a penalidade para aqueles que cometem a violência obstétrica?
Por meio dessas questões acima apresentadas, o presente estudo teve como finalidade discorrer a respeito da violência obstétrica no Brasil. Para além de conceituar e estabelecer as principais características desse ato, buscou-se analisar a criminalização (ou não) dessa violência na legislação penalista brasileira.
Cabe destacar que a discussão sobre a violência obstétrica é de suma importância, uma vez que tendo como base a igualdade e dignidade humana, e pressupondo a vulnerabilidade da mulher frente a essa situação, se faz necessário discutir a responsabilização dos agentes de saúde que de algum modo realizou atos agressivos que tenham prejudicado a gestante.
Ademais, no campo metodológico, esse estudo teve base no método qualitativo. Sendo uma revisão de literatura, esta pesquisa bibliográfica foi feita por meio de leituras das leis, especialmente o de natureza penal, da Constituição Federal, de revistas jurídicas, de livros e artigos científicos relacionados ao tema proposto.
Esta pesquisa foi realizada mediante o levantamento de documentos. Assim, a coleta de dados é resultado de uma busca feita em bases de dados, tais como: Scielo; Google, dentre outros, entre os meses de junho e julho de 2022.
2. DESCREVENDO A VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA
Para entender melhor sobre a violência obstétrica, é preciso voltar no tempo e compreender os movimentos que fizeram a surgi-la. Historicamente, em meados do fim dos anos 50, nos Estados Unidos foi editada uma reportagem na revista Ladies Home Journal, que tinha como público alvo, as donas de casa norte-americanas, trouxe uma série denúncias de graves atos de violência feito por médicos e demais profissionais da saúde em desfavor de mulheres e seus bebês no decorrer do período gestacional (BEZERRA et al. 2018).
De acordo com a matéria da presente revista, as parturientes eram submetidas a tratamentos análogos à tortura, onde eram amarradas e algemadas nos seus pés e nas suas mãos com o intuito de enganchar-se ao leito no período do trabalho de parto. Por conta disso, surgiam hematomas e lesões em toda parte dos seus corpos (BEZERRA et al. 2018).
Esses atos eram fundamentados tendo como base no esforço em controlar os efeitos causados pelo twilight sleep (sono crepuscular – tradução livre), que consistia numa técnica alemã onde se inseria uma substância constituída de morfina e escopolamina, cuja consequência era ter quadros de alucinações e fortes agitações psicomotoras no decorrer do parto e no pós-parto. Com isso, os profissionais de saúde agiam com tortura e violência com as parturientes (BEZERRA et al. 2018).
Apesar disso, como bem acentua Lansky et al. (2019) esse método que tinha a alcunha de “parto indolor”, nada mais era do que um mito, uma vez que mesmo que as pacientes estivessem em estado de semiconsciência e amnesia, que as tornavam incapazes de se lembrar dos efeitos recentes, não significava necessariamente que não tiveram dor no parto.
Ainda sobre esse cenário Tesser et al. (2015) descrevem que as mulheres, em sua grande maioria, se debatiam e se machucavam, além de gritarem, o que era imediatamente repreendido pelos profissionais ali presentes, que às prendiam em suas camas, para que não caíssem no chão. No período em que tivessem que estar nas camas, eram amarradas sem qualquer conforto ou segurança. Seus bebês eram retirados à força através do uso irrestrito de fórceps.
Diante desses fatos, houve já naquele período, uma enorme repercussão nos Estados Unidos. Com a publicação da matéria jornalística, muitas mulheres americanas começaram a compartilhar depoimentos semelhantes aos expostos na reportagem. Isso acabou por impulsionar mudanças importantes na maneira como a assistência médica era realizada com as parturientes (TESSER et al. 2015).
Ainda nesse período, em outras partes do mundo, começou também a publicar reportagens que mostravam os maus tratos sofridos pelas gestantes no período puerperal. Como exemplo, na Europa, através do texto do AIMS Journal (2007), foi criado uma entidade que tinha a finalidade de criar e implementar ações de prevenção à violência sofrida pelas mulheres grávidas (TESSER et al. 2015).
Tais movimentos foram o ponto inicial para que a discussão acerca desse tipo de violência começasse a ser debatido pela sociedade e pela comunidade médica. O termo violência obstétrica, criado pelo Dr. Rogelio Pérez D’ Gregório, presidente da Sociedade de Obstetrícia de Ginecologia da Venezuela, vem do conceito de disrespect and abuse during childbirth, e se tornou a base internacional para estabelecer o que seja esse tipo de agressão (FIORETTI, 2014).
Assim, a violência obstétrica é designada como quaisquer ato de violência realizado contra a mulher grávida, parturiente ou puérpera exercido no período da assistência profissional, afetando a sua dignidade (física, mental e psicológica), autonomia e preferência (FIORETTI, 2014).
Esse tema foi reconhecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 2014, como uma questão de saúde pública que atinge diretamente as mulheres e seus bebês[1].
Conceitualmente a violência obstétrica pode ser entendida como uma ação ou omissão voltada à mulher no período mais importante da sua vida: o pré-natal, parto ou puerpério. Aqui há a existência de atos agressivos que gerem dor, dano ou sofrimento desnecessário à mulher. Em grande parte dos casos, esses atos ocorrem sem a sua anuência, desrespeitando a sua autonomia, escolhas e preferências (PAES, 2019).
Azevedo (2017) em sua definição entende que a violência obstétrica é um ato (ou a falta dele), dolosa ou culposa, que agride o aspecto físico, mental e psicológico da mulher grávida e que ao ser exercido por profissionais da saúde, venha lhe causar danos e prejuízos de toda forma.
Mascarenhas e Pereira (2017) por sua vez destaca que essa ação pode ser ainda vista nos casos de aborto autorizado legalmente, quando há uma violação ao direito de assistência médica da mulher, implicando em abuso, maus tratos ou a ausência de respeito à autonomia feminina sobre o próprio corpo.
Em um conceito mais amplo e formal, destaca-se:
Entende-se por violência obstétrica a apropriação do corpo e dos processos reprodutivos das mulheres por profissional de saúde que se expresse por meio de relações desumanizadoras, de abuso de medicação e de patologização dos processos naturais, resultando em perda de autonomia e capacidade de decidir livremente sobre seu corpo e sexualidade, impactando negativamente na vida das mulheres (VENEZUELA, 2007, apud BEZERRA et al. 2018, p. 06).
Além desses conceitos acima apresentados, a violência obstétrica também pode ser encontrada em diversas situações. Como bem exemplifica Leal et al. (2018) ela é vista na demora na assistência, na recusa de internações nos serviços de saúde, na falta de cuidado básico, na negativa na administração de analgésicos, na prática de maus tratos físicos, verbais e/ou psicológicos, na detenção de mulheres e seus bebês nas instituições de saúde, entre outros.
Carneiro (2017, p. 03) descreve várias ações que podem ser interpretadas como uma violência obstétrica; a saber:
- Lavagem intestinal e restrição de dieta
- Ameaças, gritos, chacotas, piadas, etc.
- Omissão de informações, desconsideração dos padrões e valores culturais das gestantes e parturientes e divulgação pública de informações que possam insultar a mulher
- Não permitir acompanhante que a gestante escolher
- Não receber alívio da dor
Na busca por uma melhor compreensão da complexidade que é entender a violência obstétrica, apresenta-se abaixo o Quadro 1, feito pelos autores Tesser et al. (2015) onde categorizou de forma sintética as principais formas de violência obstétrica associando-as aos direitos tutelados.
QUADRO 1 – CARACTERIZAÇÃO DA VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA
CATEGORIAS DE DESRESPEITO E ABUSO |
DIREITOS CORRESPONDENTES |
EXEMPLOS DE VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA |
Abuso físico |
Direito à liberdade corporal |
Toques vaginais dolorosos e repetitivos, cesáreas eletivas e episiotomias desnecessárias, imobilização física em posições dolorosas, etc. |
Determinação de intervenção não autorizadas |
Direito à informação, ao consentimento informado e à recusa |
Realização de episiotomia em mulheres que verbalmente ou por escrito não autorizaram essa intervenção; desrespeito ou desconsideração do plano de parto, indução à cesárea por motivos duvidosos, etc. |
Cuidado não confidencial |
Direito à confidencialidade e privacidade |
Exposição de informações e dados particulares e alegação de ausência de privacidade para justificar o desrespeito ao direito a acompanhante. |
Assistência indigna e abuso verbal |
Direito à dignidade e ao respeito |
Maneiras de diálogo desrespeitosas, ridicularização da dor, desmoralização dos pedidos de ajuda e humilhações de caráter sexual. |
Discriminação |
Direito à igualdade e a não discriminação |
Tratamento diferencial com base em atributos considerados positivos (casada, com gravidez planejada, branca, mais escolarizada, de classe média, saudável, etc.) em relação as demais que não se enquadram nessas características. |
Abandono, negligência ou negação à assistência |
Direito ao cuidado à saúde em tempo oportuno |
Abandono às grávidas que são vistas como queixosas, descompensadas ou demandantes. |
Detenção nos serviços |
Direito à liberdade e a autonomia |
Mulheres grávidas que são retidas até que saldem as dívidas com os serviços. |
Fonte: Tesser et al. (2015)
Frente ao exposto até aqui, nota-se que uma agressão à mulher grávida no período gestacional é aquela que fere qualquer indício de sua dignidade, que a deixa em estado ainda maior de vulnerabilidade e exposição a perigos além da condição ao qual se encontra. Por essa razão, tem-se discutido formas de responsabilização dos agentes causadores desses atos. A respeito disso, apresenta-se o tópico a seguir.
3. O DIREITO PENAL NA VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA
Na legislação brasileira, a violência obstétrica ainda não encontra uma normatização específica. Essa lacuna acaba por gerar diversas críticas, uma vez que os casos dessa natureza tem sido cada vez mais evidenciado nos hospitais e clínicas. A cada dia, mais mulheres são vítimas desse tipo de agressão.
Apesar de o Direito Penal não possuir uma regra específica que discorra sobre essa prática, é possível encontrar outras normas que se enquadram na presente situação. Dessa forma, enfatiza-se que todo profissional de saúde que cometa alguma violência obstétrica no Brasil, responderá civilmente e penalmente pelo ato.
No âmbito civilista, encontra-se o instituto da responsabilidade civil, formalizado pelo art. 5º incisos V e X da Constituição Federal de 1988. Assim, com base nesse artigo, entende-se que qualquer ação que traga danos a um terceiro, deverá ser civilmente responsabilizado ou indenizado. Aqui, qualquer pessoa, natural ou jurídica e em qualquer situação, possui a obrigação de se responsabilizar pelos efeitos de um ato, fato, ou negócio danoso (BRASIL,1988).
Do mesmo modo, o Código Civil solidificou esse entendimento, por meio do art. 186. Nesse caso, há de se falar da responsabilidade civil objetiva, que conforme explica Schreiber (2022, p. 53) é aquela que tem como fundamento o elemento objetivo, o dano. Para esta corrente da responsabilidade objetiva, basta apenas que exista o dano, para surgir o dever de indenizar, dispensando a configuração de culpa por parte do agente causador do dano, sendo necessária apenas a comprovação da autoria e do dano, para que fique o autor da lesão abrigado a indenizar a vítima.
Com base nisso, compreende-se que os profissionais de saúde que tenham feito algum ato de violência obstétrica podem ser responsabilizados civilmente pelos prejuízos causados às vítimas. Para a justiça brasileira, enquadra-se essa situação em erro médico.
Conceitualmente, entende-se que o erro médico é “a conduta profissional inadequada que supõe uma inobservância técnica, capaz de produzir um dano à vida ou à saúde de outrem, caracterizada por imperícia, imprudência ou negligência” (RIOS, 2022, p. 25). O profissional nesses casos é responsabilizado tanto na esfera civil quanto na esfera penal. Além disso, há a possibilidade de aplicação de sanções administrativas do Conselho Federal de Medicina, que a depender da gravidade do dano, pode resultar na proibição do exercício da profissão.
Como exemplo, encontra-se a Resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) de nº 1931, de 17 de setembro 2009, que em seu texto promulga as instruções pelos quais os médicos devem se guiar no exercício de sua profissão; a saber:
Capítulo I
PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS
VI- O médico guardará absoluto respeito pelo ser humano e atuará sempre em seu benefício. Jamais utilizará seus conhecimentos para causar sofrimento físico ou moral, para o extermínio do ser humano ou para permitir e acobertar tentativa contra sua dignidade e integridade.
Capítulo III
RESPONSABILIDADE PROFISSIONAL
É vedado ao médico:
Art. 1º Causar dano ao paciente, por ação ou omissão, caraterizável como imperícia, imprudência ou negligência. Parágrafo único. A responsabilidade médica é sempre pessoal e não pode ser presumida. Art. 14 Praticar ou indicar atos médicos desnecessários ou proibidos pela legislação no País.
Capítulo IV
DIREITOS HUMANOS
É vedado ao médico
Art. 22. Deixar de obter consentimento do paciente ou de seu representante legal após esclarecê-lo sobre o procedimento a ser realizado, salvo em caso de risco iminente de morte.
Art. 23. Tratar o ser humano sem civilidade ou consideração, desrespeitar sua dignidade ou discriminá-la de qualquer forma ou sob qualquer pretexto.
Art.24. Deixar de garantir ao paciente o exercício do direito de decidir livremente sobre sua esposa ou seu bem-estar, bem como exercer sua autoridade para limitá-lo.
(BRASIL, 2009)
Ao observar tal trecho acima destacado, verifica-se que o médico (assim como a sua equipe) possui a obrigação de zelar pelos seus pacientes, seja no período anterior ou posterior da operação médica (BRASIL, 2009).
Dentro desse cenário, também fica evidente destacar que tanto o médico e sua equipe quanto os estabelecimentos de saúde são responsabilizados pela ocorrência de uma violência obstétrica (SILVA; SERRA, 2017).
No caso dos estabelecimentos de saúde, o artigo 37 § 6° da Constituição Federal deixa claro que “as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadores de serviços públicos responderão pelos atos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros” (BRASIL, 1988).
Soma-se a isso o texto do art. 43 do Código Civil que enfatiza que as pessoas jurídicas de direito público interno são “civilmente responsáveis por atos de seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvando direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo” (BRASIL, 2002).
Souza (2020) esclarece, no entanto, que um estabelecimento de saúde pode ingressar com uma ação judicial contra o médico, no caso de ele periodicamente fazer uso das instalações do hospital ou clínica para realizar os procedimentos cirúrgicos, uma vez que existe uma relação entre o médico e o estabelecimento de saúde.
Mais especificamente na área penal, foco central dessa pesquisa, conforme já citado anteriormente, em seu ordenamento não há um artigo ou lei que disponha sobre a violência obstétrica. Todavia, isso não afasta a penalização criminal dos agentes causadores da presente agressão.
A legislação penal possui em seu regramento de artigos e leis, várias condutas tipificadas que podem adentrar na violência obstétrica. Como exemplo, pode-se citar: injúria, maus-tratos, ameaça, constrangimento ilegal, lesão corporal e não raramente à tentativa de homicídio, todos encontrados no Código Penal Brasileiro.
Como forma de explicar essas condutas aplicadas ao tema em debate, apresenta-se:
Injúria: são as ofensas que a mulher grávida recebe, que tem como efeito o desrespeito a sua dignidade. Nesse caso a pena é de 1 (um) a 6 (seis) meses de detenção e multa.
Maus-tratos: caracteriza-se pela ausência de atendimento básico do médico e de sua equipe. A pena é de até 1 (um) ano de detenção.
Ameaça: pode ser vista nos casos onde o profissional de saúde profere frases de cunho ameaçador, onde deixa claro que se a mulher grávida não “obedecer” sofrerá consequências terríveis que pode prejudicar a sua saúde e a do bebê. Nesse caso, a pena prevista é de 1 (um) a 8 (seis) meses de detenção.
Constrangimento ilegal: configura-se com a exposição das partes íntimas das mulheres grávidas, além da prática de procedimentos desnecessários ou não autorizados pela mesma; a pena prevista é de 3 (três) meses a 1 (um) ano de detenção, ou multa.
Lesão corporal: aqui tem-se os casos onde há um dano corporal, como por exemplo a episiotomia; a pena pode chegar a 8 (oito) anos de reclusão, conforme a gravidade da situação.
Homicídio: caso mais grave de violência obstétrica, ele pode ocorrer em razão das graves lesões sofridas pela parturiente; a pena é de reclusão de 6 (seis) a 20 (vinte anos).
(OLIVEIRA, 2020, p. 13)
Somados às situações acima previstas penalmente, há ainda outros atos correspondentes à violência obstétrica que podem ser devidamente penalizados. Lima (2019) apresenta alguns exemplos, tais como a laqueadura tubária (lesão corporal gravíssima – art. 129, § 2.º, inciso III. Pena, reclusão de 2 a 8 anos) e a esterilização compulsória de deficientes (lesão corporal gravíssima pela perda ou inutilização da função, ibidem).
Além disso, cabe citar o aborto causado por outrem, que no caso presente se enquadra no art. 125 do códex penal, cuja pena é de reclusão de 3 a 10 anos. Há um aumento da pena de 1/3 se ocorrer lesão corporal grave, e em caso de morte, será duplicada (LIMA, 2019).
Dentro da violência obstétrica é muito comum a ocorrência da episiotomia, que é caracterizado como um procedimento cirúrgico onde há um corte no períneo (localizado entre o ânus e a vagina) que auxilia a passagem do bebê. Tal procedimento vem sendo visto como um ato de violência à parturiente, porque gera diversas complicações (SILVA; SERRA, 2017).
Com isso, caso seja necessário fazer a episiotomia, é preciso antes, disponibilizar todas as informações necessárias, além da autorização da parturiente. Caso o médico realize-o de maneira inadequada, o mesmo deve ser responsabilizado criminalmente, com base no delito de lesão corporal (art. 129, CP). Se esse procedimento resultar na morte da mulher ou do nascituro, este profissional responderá pelo crime de homicídio culposo, com aumento de pena (art. 121, § 3º do CP). (CARVALHO, 2020)
Insta salientar que todo procedimento que não seja devidamente informado à mulher grávida e posteriormente autorizado, caso haja complicações e danos, o médico responsável responderá pelo crime de lesão corporal. Inclui-se também nesses casos, a prática de abuso numa intervenção, que se enquadra no delito de constrangimento ilegal (MORAES, 2020).
A respeito dessa situação, cabe destacar a seguinte jurisprudência:
APELAÇÃO CRIMINAL. HOMICÍDIO CULPOSO. PARTO NORMAL COM EPISIOTOMIA. ART. 121, § 3º, DO CP. INCIDÊNCIA DE MAJORANTE DO § 4º DO MESMO DISPOSITIVO LEGAL. PENA QUE NÃO MERECE REDIMENSIONAMENTO. Demonstrado que o réu agiu com negligência, imprudência e imperícia, e que dita conduta levou a paciente a óbito, pois, após o parto com episiotomia, deixou de realizar procedimento de revisão do reto, o que propiciou a comunicação do conteúdo fecal com o canal vaginal, culminando com infecção generalizada, que evoluiu com a morte da vítima [...]. (Apelação Crime nº 70053392767, Segunda Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Lizete Andreis Sebben, Julgado em: 14/11/2013).
Conforme apresentado no julgado acima, ficou nítido constatar, com base nos autos do processo, que posterior à realização do parto com o procedimento de episiotomia, o profissional de saúde responsável se ausentou de realizar a revisão do reto, que por essa razão acabou por gerar uma fístola, e em seguida uma infecção generalizada, que no fim resultou em morte da mulher a 27 dias depois de realizado o parto. Dessa forma, devido ao fato de que o médico não agiu de forma prudente e correta, foi condenado pelo crime de homicídio culposo.
Também como exemplo muito comum nessas situações, é a Manobra de Kristeller. Este é considerado como violência obstétrica ocorrida no parto normal onde se insere uma excessiva pressão na parte superior do útero com o intuito de acelerar o parto (CARVALHO, 2020).
A manobra de Kristeller é amplamente criminalizada em várias nacionalidades, tais como a Venezuela. No território pátrio, o Ministério Público já se posicionou no sentido pela não indicação desse procedimento, em razão dos efeitos negativos causados à parturiente e ao nascituro. e, principalmente para a parturiente. No âmbito penalista, aplica-se o art. 129 (CP) de acordo com a intenção do a gente e o tipo de lesão que venha ocasionar a paciente. Se porventura essa conduta resultar em uma lesão corporal culposa, será aplicado o disposto no § 6º, do art. 129 do texto penalista (CARVALHO, 2020).
A jurisprudência brasileira já vem condenando esse tipo de procedimento, conforme expõe-se abaixo:
APELAÇÃO. INDENIZATÓRIA. ERRO MÉDICO. Pretensão dos autores (mãe e filho) de condenação do hospital réu ao pagamento de indenização por danos morais em razão da falha na prestação de serviços. Sentença de procedência. Responsabilidade objetiva do nosocômio (art. 14 do CDC). Ausência de prova da inexistência da falha na prestação dos serviços ou da culpa exclusiva dos requerentes pelo dano sofrido (art. 14, §3º, do CDC). Perícia que reconheceu a falha na prestação do serviço em razão da utilização de manobra de Kristeller mal executada e que não afastou o nexo causal pelos danos sofridos pelo concepto (hematoma cerebral). Danos morais verificados. Indenização mantida em R$ 35.000,00 (trinta e cinco mil reais) para cada umdos autores. Adequação do quantum indenizatório tendo em vista a ausência de sequelas da prematuridade e da hipoxemia neonatal. Sentença mantida. RECURSOS DESPROVIDOS. (1123283-44.2017.8.26.0100. TJSP. 3º Câmara de Direito Privado. Apelação Cívil. Relator: Beretta da Silveira. Data do Julgamento: 05/11/2021. Data de Publicação: 05/11/2021). (grifo meu)
No caso presente, ficou evidente constatar a falha na prestação de serviços em razão da utilização da manobra de Kristeller, prática não recomendada pelo Ministério da Saúde e pela OMS e que ainda foi realizada de maneira inapropriada, além da perícia confirmar a falha na prestação do serviço em razão da utilização de técnica que oferece riscos à mãe e ao concepto. Mesmo porque nenhum indício há de que o hematoma cerebral do recém-nascido tenha outra causa que não os movimentos bruscos da manobra.
Na decisão proferida, o relator deixou claro que para além do caso concreto analisado, é de conhecimento geral que a manobra de Kristeller não tem respaldo da maioria dos profissionais da saúde devido aos riscos que oferece, principalmente se a técnica não for aplicada da maneira correta, tal como na hipótese vertente.
Importante destacar, que mesmo que haja a possibilidade de penalização dos agentes causadores do delito pela norma penal brasileira, nem todos os tipos penais serão considerados. Essa afirmativa, como explica Moraes (2020) se dá pelo fato de que determinados delitos podem ser resultado de execução de outros, que nesse caso, o crime mais grave é o penalizado.
De todo modo, a jurisprudência brasileira é pacífica no entendimento de que a violência obstétrica é plenamente criminalizada, com base no Direito Civil, Direito Penal e em determinados casos, no Direito do Consumidor.
Quando configurado danos à mulher grávida e ao bebê, cabe em sede dos institutos de Responsabilidade Civil e Danos Morais a aplicação ao caso. A esse respeito, importante citar a presente decisão judicial:
APELAÇÕES CÍVEIS. DIREITO CONSTITUCIONAL E CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA. ERRO MÉDICO. DANO MORAL CONFIGURADO. MAJORAÇÃO DEVIDA. AUSÊNCIA DE NEXO DE CAUSALIDADE DOS DANOS MATERIAIS. RECURSO DO DISTRITO FEDERAL CONHECIDO E DESPROVIDO. RECURSO DA PARTE AUTORA CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. 1. A parturiente, a par da episiotomia intempestiva e indevida, fruto de erro médico com a insistência na realização de um inviável parto pela via baixa, conforme expressamente consta do laudo pericial, foi submetida posteriormente a parto cesariana com manobra de Zavanelli, intercorrências e internação da recém-nascida em UTIN por 28 dias. A responsabilidade civil do Estado desponta, diante da prova escorreita do dano e do nexo causal, guardando amparo jurídico o dever de indenizar, na hipótese, o dano moral, nos termos do que dispõem os arts. 37, § 6º, da Constituição Federal e 12 do Código Civil. 2. A Organização Mundial de Saúde (OMS) define violência como a imposição de um grau significativo de dor e sofrimento evitáveis. A identificação com a violência obstétrica e psicológica sofrida pela parturiente configura o dano moral que deve ser compensado como um lenitivo à vítima, bem assim à recém nascida, se presentes os elementos da responsabilidade civil. 3. É evidente, portanto, que a insistência indevida com o parto inviável por via baixa, culminando com episiotomia intempestiva e indevida, bem assim a imperícia e a imprudência a que submetida a autora no sensível momento do parto, posteriormente efetivado por cesariana com manobra de Zavanelli e intercorrências, representou um quadro de traumático sofrimento, agravado em seguida pela angustiante permanência da recém-nascida, com saúde comprometida e risco de vida, em leito de UTIN por 28 dias, a amparar a pretensão de majoração da indenização fixada para o valor pretendido de R$50.000,00 (cinquenta mil reais). 4. De igual modo, a indenização à criança merece majoração para R$40.000,00 (quarenta mil reais), a despeito de inexistir sequela ou incapacidade permanente atual, isso porque, conforme consta expressamente do laudo pericial, padeceu de sofrimento intenso e injustificado, diante do tocotraumatismo com anóxia intraparto e sofrimento fetal agudo, com várias intercorrências durante os 28 dias na UTNI, tais como Infecção presumida, sepse tardia, hemorragia digestiva alta, flebites em local de punção venosa. [...]. (00229072120158070018 - (0022907-21.2015.8.07.0018 - Res. 65 CNJ). 2º Turma Cível. Relatora: SANDRA REVES. Data de Julgamento: 11/11/2020. Publicado no DJE: 26/11/2020). (grifo meu)
Apesar de muito frequente encontrar julgados na área Civil para o presente tema, notou-se durante a coleta de dados, pouco material que direcionasse essa temática na área penal. Isso se deve pelo fato de que não há uma norma penalista mais específica que penalize especificamente esse crime.
Esse fato ainda é uma lacuna pelo qual o Direito Penal brasileiro precisa preencher. Ainda que, como bem mostrado no decorrer desse estudo, médicos e equipes médicas possam ser responsabilizados criminalmente pelos danos causados às parturientes, fica ainda nítido a sensação de maior formalização da violência obstétrica.
Apesar dessa barreira, é possível encontrar movimentos jurídicos que visem driblar esse obstáculo. No Brasil, atualmente, já se encontra alguns Projetos de Lei que buscam criminalizar a respectiva conduta. Para citar um exemplo, o Estado de São Paulo possui o Projeto de Lei nº 1.130/2017 de autoria da deputada Leci Brandão, onde no seu artigo 6º, incisos II e III, normatiza a responsabilização administrativa, civil e criminal do profissional ou agente de saúde; do gestor de saúde, diretor clínico ou responsável pelo estabelecimento onde o descumprimento da lei ocorreu (BRASIL, 2017).
Além deste, também se cita o Projeto de Lei n° 8.219/17, de autoria do Deputado Francisco Floriano que penaliza a violência obstétrica, pelo qual a pena seria de detenção (seis meses a dois anos) e multa. No caso da ocorrência da episiotomia, a pena seria de detenção (um ano a dois anos) e multa (BRASIL, 2017).
Mesmo que seja necessária uma lei que regule mais especificamente essa violência, na doutrina jurídica brasileira esse entendimento não é uniforme. Brandão (2019) explica que caso se crie uma norma que penalize tal conduta, pode-se correr o risco de haver uma hipercriminalização do Direito Penal, uma vez que essa matéria já pode ser enquadrada em diversos tipos penais (citados anteriormente).
Ao explicar esse movimento, Nucci (2014) cita que hipercriminalização está ancorada no fato de que, devido aos avanços tecnológicos e sociais, o Direito Penal deve atender esses avanços, criminalizando-os conforme surja novos tipos de condutas ilícitas.
Novamente Brandão (2019), entende que a criação de novas leis pode gerar uma excessiva criminalização de condutas que poderiam se enquadrar nas já existentes. Ou seja, haveria uma criação de mais normas apenas para satisfazer os anseios sociais e não por um código penalista objetivo e claro.
Essa realidade é vista por Queiroz (1998 apud BRANDÃO, 2019, p. 01) como: “mais leis, mais penas, mais policiais, mais juízes, mais prisões significa mais presos, mas não necessariamente menos delitos”.
Apesar desse entendimento, para fins dessa pesquisa, compreende-se necessária uma legislação própria para a violência obstétrica, em razão de entender que a gravidade desse ato não atinge somente a mulher grávida e ao bebê, mas a toda a família e a sociedade.
É preciso que as parturientes se sintam protegidas ao realizar o parto, não podendo serem vítimas de maus tratos ou de ausência de atendimento. Num momento tão delicado quanto este, é fundamental que nos casos em que se configure uma violência à sua dignidade e honra, a vítima obtenha meios específicos que a amparem legalmente.
A hiprecriminalização, ainda que seja de fato um problema na legislação brasileira, no caso presente, não pode ser impeditivo para que se crie uma lei federal que penalize severamente médicos e equipes médicas que atuem com extrema violência com as vítimas.
Nesse sentido, oportuno mencionar a Lei nº 18.322/2022 oriunda do Estado de Santa Catarina, que em seu art. 3º apresenta um rol não taxativo de situações que podem ser consideradas ofensa verbal ou física a serem classificadas como violência obstétrica; a saber:
Art. 3º Para efeitos da presente Lei considerar-se-á ofensa verbal ou física, dente outras, as seguintes condutas:
I - tratar a gestante ou parturiente de forma agressiva, não empática, grosseira, zombeteira, ou de qualquer outra forma que a faça se sentir mal pelo tratamento recebido;
II - fazer graça ou recriminar a parturiente por qualquer comportamento como gritar, chorar, ter medo, vergonha ou dúvidas;
III - fazer graça ou recriminar a mulher por qualquer característica ou ato físico como, por exemplo, obesidade, pelos, estrias, evacuação e outros;
IV - não ouvir as queixas e dúvidas da mulher internada e em trabalho de parto;
V - tratar a mulher de forma inferior, dando-lhe comandos e nomes infantilizados e diminutivos, tratando-a como incapaz;
VI - fazer a gestante ou parturiente acreditar que precisa de uma cesariana quando esta não se faz necessária, utilizando de riscos imaginários ou hipotéticos não comprovados e sem a devida explicação dos riscos que alcançam ela e o bebê;
VII - recusar atendimento de parto, haja vista este ser uma emergência médica;
VIII - promover a transferência da internação da gestante ou parturiente sem a análise e a confirmação prévia de haver vaga e garantia de atendimento, bem como tempo suficiente para que esta chegue ao local;
IX - impedir que a mulher seja acompanhada por alguém de sua preferência durante todo o trabalho de parto;
X - impedir a mulher de se comunicar com o "mundo exterior", tirando-lhe a liberdade de telefonar, fazer uso de aparelho celular, caminhar até a sala de espera, conversar com familiares e com seu acompanhante;
XI - submeter a mulher a procedimentos dolorosos, desnecessários ou humilhantes, como lavagem intestinal, raspagem de pelos pubianos, posição ginecológica com portas abertas, exame de toque por mais de um profissional;
XII - deixar de aplicar anestesia na parturiente quando esta assim o requerer;
XIII - proceder a episiotomia quando esta não é realmente imprescindível;
XIV - manter algemadas as detentas em trabalho de parto;
XV - fazer qualquer procedimento sem, previamente, pedir permissão ou explicar, com palavras simples, a necessidade do que está sendo oferecido ou recomendado;
XVI - após o trabalho de parto, demorar injustificadamente para acomodar a mulher no quarto;
XVII - submeter a mulher e/ou bebê a procedimentos feitos exclusivamente para treinar estudantes;
XVIII - submeter o bebê saudável a aspiração de rotina, injeções ou procedimentos na primeira hora de vida, sem que antes tenha sido colocado em contato pele a pele com a mãe e de ter tido a chance de mamar;
XIX - retirar da mulher, depois do parto, o direito de ter o bebê ao seu lado no Alojamento Conjunto e de amamentar em livre demanda, salvo se um deles, ou ambos necessitarem de cuidados especiais;
XX - não informar a mulher, com mais de 25 (vinte e cinco) anos ou com mais de 2 (dois) filhos sobre seu direito à realização de ligadura nas trompas gratuitamente nos hospitais públicos e conveniados ao Sistema Único de Saúde (SUS);
XXI - tratar o pai do bebê como visita e obstar seu livre acesso para acompanhar a parturiente e o bebê a qualquer hora do dia.
(BRASIL, 2022)
Com o exemplo mostrado acima, fica evidente constatar a importância em se ter uma norma que regule o máximo possível de condutas degradantes e violentas contra as mulheres grávidas no período gestacional. Ao sofrerem abusos e demais atos criminosos, elas precisam que haja justiça pelos danos sofridos.
Além disso, também é importante destacar as medidas de prevenção. In casu, a própria Lei acima citada traz no seu art. 36 uma possibilidade, ao enfatizar que o Poder Executivo, através da Secretaria de Estado da Saúde, tem de criar uma Cartilha dos Direitos da Gestante e da Parturiente, onde conterá dados, informações e esclarecimentos precisos para um atendimento hospitalar digno e humanizado, objetivando o saneamento da violência obstétrica (BRASIL, 2022).
Assim, finaliza-se esse estudo enfatizando novamente a urgência em se ter uma norma Federal que legalize a violência obstétrica, porque trará segurança às milhares de mulheres grávidas que tem sido vítimas diariamente desse crime.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente estudo teve como foco central discorrer a respeito da violência obstétrica. A priori, ficou claro, como bem destaca a Organização Mundial da Saúde (OMS) que essa violência se refere a abusos, desrespeitos e maus-tratos durante o parto contra as mulheres e seus bebês nas instituições de saúde, configurando uma clara violação dos Direitos Humanos.
Não existe uma lei definindo o que é violência obstétrica no Brasil e nem a sua criminalização. No entanto, ainda, que não tenha uma legislação específica, aqueles que praticam a violência obstétrica sofrem às responsabilidades civis e penais. Partindo da possiblidade de responsabilizações, faz-se necessário que a violência obstétrica seja declarada pelos agentes de Justiça e analisadas nos julgamentos.
No campo penal, área em foco nessa pesquisa, ficou evidente que atualmente, a violência obstétrica se enquadra em alguns tipos penais existentes, tais como a injúria, os maus-tratos, a ameaça, o constrangimento ilegal, a lesão corporal e o homicídio.
Em que pese a importância em se discutir esse tema, o que ficou claro é que praticadas contra o gênero feminino, a violência obstétrica faz com essas pessoas sejam vítimas de normas e rotinas rígidas e muitas vezes desnecessárias, que não respeitam os seus corpos e os seus ritmos naturais e as impedem de exercer seu protagonismo.
Muitas mulheres sofrem diariamente algum tipo de violência obstétrica no momento mais delicado de suas vidas: a gestação. Na busca pela igualdade e dignidade humana, partindo da presunção da vulnerabilidade da mulher diante de sua assistência sexual e reprodutiva em especial no período puerperal, fica evidente considerar que é urgente a criação de uma norma federal que penalize especificamente aqueles que cometem a violência obstétrica.
Exemplos como a Lei nº 18.322/2022 do Estado de Santa Catarina é um ótimo indicio de como essa violência pode ser cometida de várias formas, e como é importante uma norma que atinja a todas as mulheres no território nacional. A criação de uma Lei Federal não corresponde a uma hipercriminalização, mas sim um fator de prevenção e justiça a esses casos.
Desse modo, esse estudo entende que a precisão em estabelecer de modo geral o que seja uma violência obstétrica, seus tipos, formas e meios de configuração, bem como a devida penalização de seus agentes é extremamente necessária. Com a norma vigente, pode-se vislumbrar um melhor entendimento sobre esse tema em solo nacional.
Além da importância em se ter uma norma específica, também se entende que se deva dar uma atenção maior à prevenção. Nesse caso, campanhas de conscientização tanto de mulheres quanto dos profissionais de saúde devem ser feitas, por meio de palestras e cursos.
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AZEVEDO, Júlio Camargo de. Precisamos falar sobre a violência obstétrica. 2017. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2015-mai-16/julio-azevedo-precisamos-falar-violencia-obstetrica>. Acesso em: 02 jul. 2022.
BEZERRA, Cairo José Gama et al. Violência Obstétrica: uma dor além do parto. 2018. Disponível em: <https://www.unibalsas.edu.br/wp-content/uploads/2017/01/TCC-CAIRO-BEZERRA.pdf>. Acesso em: 01 jul. 2022.
BRANDÃO, Roberta Barros Correia. A hipertrofia legislativa decorrente da inobservância do Princípio da Intervenção Mínima em sede de Direito Penal. Revista Âmbito Jurídico, 2019.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesos em: 28 jun. 2022.
BRASIL. Decreto – Lei 2.848 de 1940. Código Penal Brasileiro. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-lei/Del2848compilado.htm>. Acesso em: 27 jun. 2022.
BRASIL. Lei nº 18.322, de 05 de janeiro de 2022. Consolida as Leis que dispõem sobre Políticas Públicas de Enfrentamento à Violência Contra as Mulheres. Disponível em: <http://leis.alesc.sc.gov.br/html/2022/18322_2022_lei.html>. Acesso em: 28 jun. 2022.
BRASIL. Projeto de Lei nº 1.130, de 2017. Dispõe sobre a prevenção da violência obstétrica no âmbito da assistência perinatal e dá outras providências. Disponível em: <https://www.al.sp.gov.br/propositura/?id=1000196412>. Acesso em: 28 jun. 2022.
BRASIL. Projeto de Lei n° 8.219, de 2017. Dispõe sobre a violência obstétrica praticada por médicos e/ou profissionais de saúde contra mulheres em trabalho de parto ou logo após. Disponível em: <http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD0020170825001460000.PDF#page=262>. Acesso em: 28 jun. 2022.
CARNEIRO, Ana Catarine. Você sabe o que é violência obstétrica? 2017. Disponível em: <http://www.blog.saude.gov.br/index.php/promocao-da-saude/53079-voce-sabe-o-que-e-violencia-obstetrica>. Acesso em: 02 jul. 2022.
CARVALHO, Yasmin. Violência obstétrica e a Responsabilidade criminal – Qual a tipificação deve ser aplicada nesses casos? 2020. Disponível em: <https://portaljurisprudencia.com.br/2020/09/12/violenciaobstetricaeresponsabilidade-criminal-qual-tipificacao-deve-ser-aplicada-nesses-casos/>. Acesso em: 02 jul. 2022.
FIORETTI, B. Nascer no Brasil: parto, da violência obstétrica às boas práticas. DVD. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2014.
FRANCO, Luciele Mariel; MACHADO, Isadora Vier. Brasil em trabalho de parto: um estudo sobre a violência obstétrica. In: CAMARDELO, Ana Maria; FERRI, Caroline; OLIVEIRA, Mara de. Contornos de opressão: história passada e presente das mulheres. Caxias do Sul, RS: Educs, 2016.
LANSKY, Sônia et al. Violência obstétrica: influência da Exposição Sentidos do Nascer na vivência das gestantes. Ciência & Saúde Coletiva. v. 24, n. 8, pp. 2811-2824; 2019.
LEAL, Sarah Yasmin Pinto et al. Percepção de enfermeiras obstétricas acerca da violência obstétrica. Cogitare Enferm. (23)2: e52473, 2018.
MASCARENHAS, Ana Cristina de Souza Serrano; PEREIRA, Graciele De Rezende Alves. A Violência Obstétrica Frente Aos Direitos Sociais Da Mulher. 2017. Disponível em: <https://www.unifeg.edu.br/revista/artigos-docentes/2017/A_Violencia_Obstetrica.pdf>. Acesso em: 25 jun. 2022.
MORAES, Samuel Justino. A violência obstétrica é crime no Brasil? 2022. Disponível em: <https://www.otempo.com.br/opiniao/artigos/a-violencia-obstetrica-e-crime-no-brasil-1.2625926>. Acesso em: 28 jun. 2022.
NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado: estudo integrado com processo e execução penal. 14. Ed. Revista atualizada e ampliada. Rio de Janeiro: Forense, 2014.
OLIVEIRA, Eliane Sutil de. Responsabilidade civil, criminal e ética decorrentes da violência obstétrica. Conteúdo Jurídico, Brasília-DF: 15 fev 2020.
PAES, Fabiana. A importância do direito ao acompanhante para prevenir a violência obstétrica. 2019. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2019-ago-12/mp-debate-importancia-acompanhante-prevenir-violencia-obstetrica>. Acesso em: 01 jul. 2022.
RIOS, Letícia Araújo Costa. Erro médico: as controvérsias acerca da responsabilidade civil médica. Monografia Jurídica apresentada à disciplina Trabalho de Curso II, da Escola de Direito, Negócios e Comunicação, Curso de Direito, da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUCGOIÁS). Goiânia, 2022.
SCHIAVON, Fabiana. Violência obstétrica: o que é e como prevenir. 2022. Disponível em: <https://saude.abril.com.br/medicina/violencia-obstetrica-o-que-e/>. Acesso em: 28 jun. 2022.
SCHREIBER, Anderson. Manual de Direito Civil contemporâneo. 5º ed. Editora: Saraiva Jur, 2022.
SILVA, Artenira da Silva e; SERRA, Maiane Cibele de Mesquita. Violência obstétrica no Brasil: um enfoque a partir dos acórdãos do STF e STJ. Revista Quaestio Iuris, Rio de Janeiro, vol.10, nº. 04, pp. 2430-2457, 2017.
SOUZA, Alessandra Varrone de Almeida Prado. Resumo de direito médico. Leme, SP: JH Mizuno, 2020.
TESSER, Charles Dalcanale; KNOBEL R, ANDREZZO HF de A, DINIZ SG. Violência obstétrica e prevenção quaternária: o que é e o que fazer. Rev. Bras. Med. Fam Comunidade 2015; 10(35):1-12.
[1] Organização Mundial da Saúde (OMS). Prevenção e eliminação de abusos, desrespeito e maus-tratos durante o parto em instituições de saúde Genebra: Departamento de Saúde Reprodutiva e Pesquisa/OMS; 2014
Bacharelanda em Direito pela Universidade de Gurupi - UnirG.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: DORNELES, Adrianne Silva. Violência obstétrica: efeitos jurídicos no Direito Penal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 01 set 2022, 04:19. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/59097/violncia-obsttrica-efeitos-jurdicos-no-direito-penal. Acesso em: 21 nov 2024.
Por: Gabrielle Malaquias Rocha
Por: BRUNA RAFAELI ARMANDO
Precisa estar logado para fazer comentários.