JOSÉ AUGUSTO BEZERRA LOPES[1]
(orientador)
RESUMO: Dentre diversos assuntos relacionados aos problemas enfrentados pela sociedade, encontra-se a área de Segurança Pública. Encarregada de trazer segurança e paz social, essa área vem sendo discutida amplamente pela sociedade nas últimas décadas, principalmente no que se refere a sua abordagem. Tem-se percebido um número crescente no índice de cidadãos vítimas de abusos por parte da polícia. São ações injustas e de natureza preconceituosa que desvirtua a finalidade da polícia enquanto defensora da paz e integridade dos cidadãos. Frente a esse cenário, o presente estudo objetivou em discutir sobre o impacto que as abordagens policiais possuem na sociedade. Buscou-se encontrar estudos que apontem a realidade desses atos, seus efeitos e as possíveis medidas de solução. Na metodologia, essa pesquisa se enquadrou na revisão da literatura, tendo como base artigos científicos, legislação atual e doutrinas jurídicas. Nos resultados, pôde-se constatar que as abordagens da polícia com o cidadão afetam diversos princípios constitucionais, tais como a Dignidade da Pessoa Humana, da Liberdade, etc., além de ferir os preceitos propagados pelos Direitos Humanos. Frente ao problema detectado, no âmbito de medidas de solução, o melhor caminho é ainda pela Educação. Nesse caso, entendeu-se a necessidade de incluir cursos de aperfeiçoamento de práticas de abordagem a esses profissionais, buscando evidenciar o respeito ao cidadão.
Palavras-chave: Abordagem Policial. Direitos Humanos. Poder Arbitrário. Impacto. ABSTRACT: Among several issues related to the problems faced by society, there is the area of Public Security. In charge of bringing security and social peace, this area has been widely discussed by society in recent decades, especially with regard to its approach. There has been a growing number of citizens who are victims of abuse by the police. These are unfair and prejudiced actions that distort the purpose of the police as a defender of the peace and integrity of citizens. Faced with this scenario, the present study aimed to discuss the impact that police approaches have on society. We sought to find studies that point out the reality of these acts, their effects and possible solution measures. In terms of methodology, this research was framed in the literature review, based on scientific articles, current legislation and legal doctrines. In the results, it was possible to verify that the approaches of the police with the citizen affect several constitutional principles, such as the Dignity of the Human Person, Liberty, etc., in addition to violating the precepts propagated by Human Rights. Faced with the problem detected, within the scope of solution measures, the best path is still through Education. In this case, it was understood the need to include courses to improve practices to approach these professionals, seeking to show respect for the citizen.
Keywords: Police approach. Human rights. Arbitrary Power. Impact.
Sumário: 1. Introdução. 2. Metodologia. 3. Polícia: Aspectos gerais. 4. Abordagem policial: apontamentos. 4.1 Consequências jurídicas. 5. Das medidas de solução. 6. Considerações Finais. 7. Referências Bibliográficas.
1. INTRODUÇÃO
As ações policiais vêm percorrendo as manchetes nos jornais brasileiros em razão da natureza da sua função: proteger a sociedade e garantir a paz social. No entanto, apesar dos problemas enfrentados pelas equipes policias, um dos temas discutidos pelos cidadãos diz respeito não ao trabalho em si desses profissionais, mas na sua abordagem com os indivíduos.
É nítido observar que a violência e os efeitos dela, são temas a muito discutido por todos. No entanto, devido aos crescentes casos de desrespeito e até mesmo de violência física e moral sofrido pelos cidadãos nas mãos daqueles que o deviam proteger, tem gerado discussões em todas as esferas públicas e privadas.
Insta destacar que o texto constitucional vigente, assegura que a Segurança Pública é um dever do Estado, além de ser um direito e responsabilidade de todos os cidadãos, cujo objetivo é preservar a ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio (BRASIL, 1988).
Para que essa finalidade seja cumprida, a própria legislação brasileira concede aos órgãos policiais realizarem abordagens policiais, revistas pessoais, de residenciais ou de automóveis, todas devendo ser devidamente fundamentadas por um mandado judicial permitindo a ação (MAGALHÃES, 2018).
No entanto, apesar dessa autorização legal, o que se tem percebido é que as abordagens policiais estão sendo feitas de modo violento e desrespeitoso. Em outras palavras; muitas abordagens são realizadas com um excesso de fiscalização, gerando muitas vezes atos de agressão e de preconceito. São casos onde se percebe uma configuração de abuso arbitrário.
Diversas pesquisas tem sido divulgadas mostrando o quão violenta é a ação policial com a sociedade. A título de exemplo, a pesquisa Elemento Suspeito (2022 apud NITAHARA, 2022, p. 01) divulgada em 2022 apontou que 68% das pessoas abordadas andando a pé e 71% no transporte público são negras. E mais: 17% já foram paradas mais de dez vezes e 15% de seis a dez vezes. Entre os que tiveram a casa revistada pela polícia, 79% eram negros, bem como 74% dos que tiveram um parente ou amigo morto pela polícia.
Nota-se pela pesquisa acima citada que de fato a abordagem policial é um problema sistêmico que afeta significamente a sociedade. Diante desse cenário, esse estudo buscou responder a seguinte questão: quais os impactos do poder arbitrário da polícia na sociedade?
Desse modo, essa pesquisa objetivou em analisar as formas de abordagem policial no Brasil, o posicionamento legislativo, doutrinário e jurisprudencial sobre esse tema e os efeitos que ele gera na sociedade. Ademais, também se discutiu as medidas de solução para o presente problema.
2. METODOLOGIA
Esta pesquisa teve como metodologia, o método indutivo e qualitativo. Sendo uma revisão de literatura, a pesquisa bibliográfica foi realizada por meio de leituras das leis, da Constituição Federal, de revistas jurídicas, de livros e artigos científicos relacionados ao tema proposto.
O respectivo estudo também foi realizado mediante o levantamento de documentos. Assim, a coleta de dados é resultado de uma busca feita em bases de dados, tais como: Scielo; Google Acadêmico, dentre outros, entre os meses de agosto e setembro de 2022.
3. POLÍCIA: ASPECTOS GERAIS
Antes de se adentrar no tema central desse estudo, é necessário inicialmente discorrer em linhas gerais sobre a polícia. Surgida também nos primórdios das civilizações, a polícia vem para efetivar a defesa da ordem pública, assim como também a garantir a segurança e a preservação dos bens sociais.
Em termos conceituais, a polícia “é o órgão estatal incumbido de prevenir a ocorrência de infrações penais, apurar a autoria e materialidade das já praticadas, sem prejuízo de outras funções, não inerentes à persecução penal” (BORGES, 2017, p. 05). Ela se classifica em polícia preventiva, administrativa e judiciária. Sob esse aspecto, tem-se:
A polícia preventiva, também chamada de administrativa, tem a função de evitar a ocorrência dos crimes e contravenções. Ex: Polícia Militar, Polícia Rodoviária Federal e Polícia Ferroviária Federal. A Polícia Judiciária tem a função de apurar as infrações penais através do inquérito policial (polícia civil e federal). Esta polícia visa consequentemente, apurar a infração penal e sua respectiva autoria, fornecendo ao titular da ação elementos necessários para o intento da ação penal – fase primária da administração da Justiça Penal. A Polícia Administrativa tem a função de averiguar à prática dos atos administrativos que não se relacionam com a persecução penal. Ex: expedição de passaporte pela polícia federal, conceder porte de armas, etc. (BORGES, 2017, p. 06).
Ainda a respeito da polícia judiciária, tem-se:
Destinada a investigar os crimes que não puderem ser prevenidos, descobrir-lhes os autores e reunir provas e indícios contra estes, no sentido de levá-los ao juízo e, consequentemente, a julgamento; a prender em flagrante os infratores a lei penal, a executar os mandados de prisão expedidos pelas autoridades judiciárias, e a atender às requisições destas. Assume aí, o caráter de órgão judiciário auxiliar. Sua atividade só se exerce após a consumação do fato delituoso, pelo que se dá à polícia judiciária também a denominação de Polícia Repressiva. Em nosso Estado mencionada função é da alçada da Policia Civil e Federal (GONÇALVES, 2013, p. 35).
Do exercício da polícia decorre o poder de polícia que “é uma das formas de exteriorização das prerrogativas da Administração Pública, tem por escopo equalizar forças opostas: de um lado a liberdade do indivíduo e do outro as limitações necessárias a essa liberdade” (NUCCI, 2017, p. 101). O poder de polícia pode ser conceituado como:
[...] atividade da Administração Pública que se expressa por meio de atos normativos ou concretos, com fundamento na supremacia geral e, na forma da lei, de condicionar a liberdade e a propriedade dos indivíduos mediante ações fiscalizadoras, preventivas e repressivas, impondo aos administrados comportamentos compatíveis com os interesses sociais sedimentados no sistema normativos (PAIVA, 2016, p. 145).
Neves (2019) nos lembra que a função social da polícia é reprimir. Assim, cabe à polícia evitar que a violência se instale ou progrida na sociedade. É dever da polícia reduzir atos de violência e trazer segurança aos cidadãos.
Para fins desse estudo, encontra-se a polícia militar (PM). Conceitualmente, a polícia militar (PM) é entendida como sendo a “corporação que exerce o poder de polícia no âmbito interno das forças armadas, garantindo a segurança, a ordem e a lei no seu seio. Geralmente, a sua ação limita-se apenas às instalações e aos membros das forças armadas” (NEVES, 2019, p. 30).
A sua competência encontra-se respaldada no caput do artigo 144 da Constituição Federal de 1988, onde delega ao Estado o dever de preservar a ordem pública, a incolumidade das pessoas e do patrimônio. Sublinha também que tais direitos e responsabilidades abrangem toda a sociedade, assim, as atribuições incumbidas às policias militares estão discriminadas no §5º do mesmo artigo (BRASIL, 1988).
Ainda no texto constitucional, no art. 117 trouxe as missões das polícias militares ao qual deve ser ostensiva e de preservação da ordem pública. Ainda na seara legislativa, importante citar o art. 3º do Decreto nº 667/69, ao qual é cabível as polícias militares:
Art. 3° - Instituídas para a manutenção da ordem pública e segurança interna nos estado, nos Territórios e no Distrito Federal, compete às Polícias Militares, no âmbito de suas respectivas jurisdições
a) executar com exclusividade, ressalvas as missões peculiares das Forças Armadas, o policiamento ostensivo, fardado, planejado pela autoridade competente, a fim de assegurar o cumprimento da lei, a manutenção da ordem pública e o exercício dos poderes constituídos;
b) atuar de maneira preventiva, como força de dissuasão, em locais ou áreas específicas, onde se presuma ser possível a perturbação da ordem;
c) atuar de maneira repressiva, em caso de perturbação da ordem, precedendo o eventual emprego das Forças Armadas;
(BRASIL, 1969)
É importante deixar claro que uma das principais missões desse órgão é o trabalho ostensivo. O policiamento ostensivo é atividade desenvolvida exclusivamente pela Polícia Militar, por meio do emprego de capital humano (homens e mulheres) e pelo recurso material (fardamento, equipamentos, armamentos e viaturas) que são facilmente identificados pelas suas características, com o objetivo de preservar a ordem pública e a tranquilidade social.
Verifica-se que o trabalho da polícia militar é de suma importância para a sociedade. Ela possui papel de relevância, “uma vez que se destaca, também, como força policial estadual, primando pelo zelo, honestidade e correção de propósitos com a finalidade de proteger o cidadão, sociedade e os bens públicos e privados” (PMTO, 2020).
Como bem mencionado acima, um dos objetivos da polícia militar é proteger a sociedade e seus participantes coibindo os ilícitos penais e as infrações administrativas.
Em razão disso, pelo fato de o Brasil se tratar de um Estado Democrático de Direito, é necessária que as condutas policiais sejam pautadas na legalidade de forma profissionalizada, técnica e em consonância aos direitos humanos, haja vista que o policial militar é a primeira linha de frente e de defesa dos direitos e garantias individuais do cidadão, cabendo a ele respeitar os limites da legalidade e não violar as regras e a normas a ele imposta.
Apesar de a Lei enfatizar esse fato, na realidade, o que se verifica é uma polícia violenta, corrupta e desrespeitosa, principalmente com a sociedade. Essa afirmativa é compreendida quando se analisar a realidade das abordagens policiais, que será analisado no tópico seguinte.
4 ABORDAGEM POLICIAL: APONTAMENTOS
O termo “abordagem” é traduzido como um ato de aproximação, com o objetivo claro e definido. É nos dizeres de Sanchez (2016) um ato administrativo, pelo qual o policial, capacitado na autoridade que lhe foi conferida, interpela o cidadão, em razão de atitudes suspeitas, em prol de um interesse público.
Do mesmo modo, a abordagem policial pode ser descrita como um encontro entre o agente policial e aquele(s) por ele interpelado(s), com base em uma suspeita fundada, em tese, em padrões técnicos e/ou discricionários (ANUNCIAÇÃO; TRAD; FERREIRA, 2020).
De acordo com Mizael e Sampaio (2019) a abordagem policial é considerada um instrumento básico de controle de delitos e de manutenção da ordem social. Ou seja, busca efetivar de modo prático a segurança que a sociedade necessita para ter paz e segurança.
Duarte, Avelar e Garcia (2018) explicam que a abordagem policial apresenta discricionariedade, ou seja, os policiais podem decidir abordar qualquer indivíduo a partir de avaliações subjetivas que os levem a identificar determinados comportamentos como suspeitos, assim como decidir quando e como utilizar a força letal e não-letal.
Ou seja, essa atividade tem o caráter discricional. Nos dizeres de XXX (XXX) discricionariedade se refere à natureza da autonomia decisória e, ao mesmo tempo, à sua permeabilidade às influências externas.
Segundo Costa (2017, p. 33) “uma decisão policial é caracterizada como discricionária quando os policiais ou a polícia detém o poder de executá-la […] Isto não significa afirmar que a decisão policial discricionária não seria influenciada por outros poderes ou forças exteriores à polícia”.
É justamente esse poder arbitrário que se percebe um excesso de poder dos policiais com os cidadãos. E situação que melhor caracteriza esse fato é a abordagem policial.
Ao executar uma abordagem pessoal, o Estado, que é convencionado e legitimado por seus cidadãos, permite a limitação de adota alguns direitos e liberdades civis. Isso ocorre porque há um risco de desordem pública, onde esses agentes responsáveis por garantir a ordem, podem restringir na prática determinados direitos (GAECO, 2020).
Numa abordagem policial, há naturalmente o contato físico, uma vez que sem ele não é possível encontrar objetos que adornam o possível crime, tais como armas e drogas (GAECO, 2020). Ocorre que ainda que permitido por lei, na prática o que se observa é um excesso de violência e de autoridade nas abordagens, o que não é permitido por lei.
Cabe lembrar que o poder discricionário aplicado na abordagem policial pelos agentes de segurança tem limites. Toda vez que o Estado ultrapassa os limites, a ação torna-se arbitrária. A discricionariedade, principalmente quando aplicada pelos agentes de segurança pública precisa ser pautada na legalidade, na realidade e na razoabilidade. Além dos parâmetros legais é preciso que a discricionariedade do policial esteja baseada na realidade e não na suposição, e, que haja coerência entre a política pública e os fins desejados. Neste sentido, a abordagem policial precisa estar pautada em critérios objetivos para que possa ser configurada a fundada suspeita (RISSO, 2018).
O que se tem observado nos últimos anos é o crescimento dos casos de abuso de autoridade praticado pelos policiais durante as abordagens com cidadãos. Muitos desses profissionais têm utilizado meios violentos e agressivos com os cidadãos como forma de impor “poder” e autoridade, ou simplesmente por sadismo.
A violência policial, segundo estudos já publicados, é oriunda de várias causas. Neto (2017) ao desenvolver uma pesquisa que abordou essas causas, cita que existem 3 (três) correntes que explicam as razões da violência policial. Como menciona esse autor, primeiramente encontra-se a explicação estrutural, que tem natureza social, econômica, cultural, psicológica e/ou política. Aqui, está ligada as características da sociedade — por exemplo, desigualdades sociais e particularmente econômicas, e políticas, culturas, personalidades e atitudes autoritárias.
A segunda corrente é a explicação funcional, que direciona a atenção para problemas e crises em determinados sistemas — por exemplo, sistema social e/ou político, ou mais especificamente sistema de segurança pública —, em relação aos quais a violência policial seria um sintoma e uma resposta (NETO, 2017).
E a terceira corrente, corresponde a explicação processual, segundo as quais a violência policial é praticada em benefício dos próprios policiais — e, portanto, sugerem a autonomia das organizações e dos agentes policiais (NETO, 2017).
Percebe-se que a violência praticada por policiais é um tema complexo, porque não está amparada em um único motivo. De todo modo, é na desigualdade social e no racismo estrutural que é possível encontrar os maiores índices de violência policial, principalmente quando há uma abordagem desses profissionais.
A abordagem policial é direcionada principalmente aos cidadãos de baixa renda e/ou negros. Elas ocorrem inclusive, em sua grande maioria dentro de periferias e comunidades carentes, onde a impunidade pelos atos abusivos se torna muito maior (MAGALHÃES, 2018). Cabe lembrar que nesses locais o número de cidadãos negros e pobres são majoritariamente maiores do que quaisquer outras características.
No estudo de Macedo e Máximo (2021) que tinha o objetivo de analisar a existência de racismo nas abordagens policiais, buscando compreender se as pessoas negras, pobres e oriundas de qualquer desvantagem social são alvos marcados para revista, apreensão e acusação por parte da força policial, mostrou que a fonte do racismo presente de forma estrutural na sociedade brasileira está enraizado no pensamento coletivo e apresenta graves consequências na discricionariedade do agente público ao realizar a abordagem policial. Dessa forma, percebeu-se que, a abordagem policial não cumpre a função legal de garantir proteção à população.
Para Gomes (2018) na segurança pública, o racismo institucional pode ser observado a partir de três mecanismos principais: (1) por meio de uma legislação que promove a segregação, e na atuação direta de seus agentes; (2) por omissão, ao reproduzir práticas e instrumentos que inviabilizam a consolidação de uma rede de proteção social, gerando distorções sociorraciais e territoriais; e (3) pela atuação de indivíduos ou grupos movidos por seus próprios preconceitos alarmados pelas condições institucionais favoráveis que viabilizam as violações de direitos, estigmatização e processos discriminatórios.
Matos (2019) destaca que a abordagem policial, em muitos casos é realizada tendo como base a discriminação da classe pobre e negra brasileira. O autor acentua que se o indivíduo possuir determinadas características ele certamente terá maior probabilidade de sofrer uma abordagem policial violenta. Essas características, quase sempre estão ligadas à marginalidade.
A supracitada autora cita um exemplo: se o cidadão for de sexo masculino, negro e morador de uma comunidade ou favela ele automaticamente será associado a um criminoso/marginal/bandido/meliante/elemento/jovem infrator; para as mulheres, há uma ligação imediata com piriguete/maloqueira/mulher de bandido, sofrendo maiores violações de assédio (MATOS, 2019).
Nos achados de Duarte, Avelar e Garcia (2018) ficou evidente constatar que a cor da pele negra/parda foi fator preponderante na tomada de decisão dos policiais militares para proceder com a abordagem. Os autores concluíram que existe uma filtragem racial calcada numa percepção discricionária tendenciosa de identificação dos suspeitos por parte dos agentes policiais.
Fica evidente pelos estudos acima mencionados, que a abordagem policial, quando exercida de modo violento e desumano é direcionado em grande parte a um grupo específico, àqueles que vivem à margem da sociedade, ou que são marginalizados previamente, como os negros, pobres, etc.
Verifica-se que as abordagens quando feitas de forma arbitrária traz de imediato um flagrante de violação aos Direitos Humanos. Correia (2016) argumenta que a abordagem policial quando realizada ilegalmente e de modo violento, deprecia a dignidade e os direitos individuais do homem e marginalizando um instrumento de disseminação da segurança, com o intuito de satisfazer seus sadismos, ou propagar a violência gratuita, através de agressões, abusos e humilhações físicas e morais, além de outras condutas inaceitáveis.
Toda essa situação acaba por gerar efeitos contrários aos objetivos impostos pela Lei. Sobre essa questão, importante mencionar:
Espera-se que as instituições de segurança pública cumpram o papel de promover a ordem social e a segurança da população. Sob esta ótica, os policiais podem, inclusive, serem representados através da figura do “herói” na medida em que, no exercício de sua função, estariam arriscando a própria vida pela promoção do bem maior à sociedade. No entanto, para aqueles que se tornam, com relativa frequência, alvo de abordagens policiais em função de seu pertencimento racial, social, territorial, entre outros traços distintivos, a imagem da polícia está associada ao medo, à violência etc. Sobretudo, a polícia, para estes sujeitos, representa uma ameaça, posto que se tem consciência do poder que lhe foi conferido, não apenas para reprimir, mas também para matar (ANUNCIAÇÃO; TRAD; FERREIRA, 2020, p. 01).
O que fica claro aqui, é que a violência causada pelos policiais numa abordagem não é o caminho correto e ideal de colocar ordem e preservar a paz social. Ao contrário, gera mais revolta e indignação daqueles que já sofreram violência e desrespeito por esses profissionais.
Quando praticado, o abuso de poder de policiais traz consequências não apenas sociais, mas também aos seus agentes. A respeito disso, discute-se no tópico seguinte.
4.1 CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS
Na ocorrência de uma abordagem policial quando verificada excesso de poder arbitrário, há nas leis brasileiras as consequências para esses atos. Como exemplo, cita-se o Estado do Tocantins. Nesse Estado, tem-se o Manual do Procedimento Operacional Padrão (POP) instituído em 2015. Este documento tem a finalidade de agrupar normas padronizadas onde se busca amparar a atuação do policial militar e efetivar a excelência nos serviços prestados na instituição (BRASIL, 2015).
Numa abordagem policial, principalmente quando há o transporte de um infrator, é preciso que haja uma maior atenção a integridade física e moral do mesmo. Nesse caso, encontra-se a Lei nº 2.578/2012 que dispõe sobre o Estatuto dos Policiais Militares e Bombeiros Militares do Estado do Tocantins onde na seção II que discorre sobre a ética militar, em seu artigo 33 traz o seguinte texto:
Art. 33. O sentimento do dever, o denodo militar e o decoro da classe impõem, a cada um dos integrantes da Corporação, condutas moral e profissional irrepreensíveis, com a fiel observância dos seguintes preceitos e deveres da ética militar:
(...)
III - respeitar a dignidade da pessoa humana;
XXXVI- respeitar a integridade física, moral e psíquica da pessoa do condenado ou do criminalmente imputado;
XXXIX- agir com isenção, equidade e absoluto respeito pelo ser humano, não usando sua autoridade pública para a prática de arbitrariedades;
(BRASIL, 2012)
Entende-se pelo art. 33 os policiais militares do respectivo Estado devem, sobretudo, respeitar a integridade física do indivíduo, em conformidade com a sua dignidade. Caso contrário, responderão às sanções impostas por essa Lei.
Ainda na mesma norma, em seu artigo 46, traz o rol das transgressões de natureza grave e em seu inciso XIV menciona que “usar de força desnecessária ou de violência física ou verbal, em ato de serviço ou não, maltratando, humilhando, constrangendo ou infamando qualquer pessoa, ou deixar que alguém o faça” (BRASIL, 2012).
Também é cabível destacar a Lei de Abuso de Autoridade (Lei nº 13.869/2019) que no art. 13 aduz que o agente público que agir contrário responderá pelos seus atos e podendo ser apenado com detenção de 1de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa, sem prejuízo da pena cominada à violência.
Apesar da legislação brasileira trazer penalidades para atos violentos durante uma abordagem, o que se percebe na prática é uma imagem de impunidade, uma vez que o sistema de Segurança Pública é notoriamente unido e corporativista.
Ferreira (2019) acentua que o processo de incriminação dos policiais só é possível de ser levado adiante quando delegados, promotores ou juízes assumem uma posição diferenciada em relação a seus pares ou quando os familiares das vítimas se mobilizam, acionando movimentos sociais, trazendo a repercussão da mídia e recrutando testemunhas.
Nesse caminho, Azevedo e Nascimento (2016) também menciona que os poucos procedimentos que chegam à fase judicial necessariamente tiveram uma atuação contundente da família da vítima ou passaram pelo crivo de algum profissional do Sistema de Justiça Criminal que adotou uma postura mais exigente do que o normal com relação aos “autos de resistência”.
Quando a abordagem policial resulta em morte, há penalização dos agentes são ainda mais difíceis de serem efetivadas. Lima (2016) explica que a apuração dos crimes praticados por policiais nas abordagens é prejudicada pelo fato de que eles atuam diretamente em ocorrências, interferindo nas investigações de modo a comprometê-las.
Há casos ainda em que a abordagem policial resulta em morte. As mortes decorrentes de abordagem policial não constituem um tipo penal específico, elas são uma categoria jurídica criada em âmbito administrativo para nomear mortes, resultantes de ações policiais, de pessoas que estariam em confronto com a polícia. Quando ingressam na esfera criminal, elas podem ser consideradas um homicídio doloso ou um homicídio culposo. os quais terão como consequência uma sanção correspondente. A atribuição de um desses tipos penais vai depender de uma série de instâncias decisórias a respeito da natureza, circunstâncias e diploma legal adotado. Salienta-se ainda que, para cada tipo penal corresponde um procedimento judicial específico de responsabilização (FERRREIRA, 2019).
Assim, em regra, se uma morte decorrente de intervenção policial for considerada um homicídio doloso praticado por policial militar o diploma legal que deverá ser adotado é o Código Penal, em seu artigo 121 e os ritos de responsabilização deverão ser realizados conforme o art. 406 e seguintes do Código de Processo Penal, isto é, perante o Tribunal do Júri. Se for considerado um homicídio culposo praticado por policial militar, deverá ser observado o art. 205 do Código Penal Militar e, consequentemente, seguir os procedimentos previstos no Código de Processo Penal Militar. Por último, sendo considerada um homicídio doloso que ocorreu em circunstâncias de excludente de ilicitude, como a legítima defesa, por exemplo, são mobilizados o art. 292 do Código de Processo Penal, que autoriza policiais e autoridades competentes a se valerem do uso da força necessária para defenderem-se ou para vencer a resistência à prisão ou à ordem de determinada autoridade competente, bem como os arts. 23 e 25 do Código Penal, que tratam da possibilidade da legítima defesa como excludente de ilicitude no direito brasileiro (FERREIRA, 2019).
Além desses efeitos, há também a responsabilização na esfera civil, ao qual a vítima pode buscar justiça nos moldes dos danos morais e materiais. A jurisprudência brasileira tem se posicionado no sentido de penalizar tais agentes. Como exemplo, mostra-se abaixo o seguinte julgado:
JUIZADO ESPECIAL DA FAZENDA PÚBLICA. CIVIL E ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. ABORDAGEM POLICIAL. EXCESSO COMPROVADO. CONDUTA INADEQUADA. CONSTATADO O GRAVE FATO GERADOR DO DANO EXTRAPATRIMONIAL. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. [..] 4. O recorrido em contrarrazões esclarece que os policiais militares adentraram sem autorização em sua residência e agiram de forma abusiva e abordagem humilhante. Esclarece que abordagem foi desastrosa e temerosa. Aduz que o recorrente não apresentou nenhum fundamento capaz de modificar a sentença. Requer a manutenção da sentença. 5. Compulsando os autos verifico que na inicial o recorrido disserta que no dia 18/02/2018 a Polícia Militar do Distrito Federal cometeu excessos ao realizar uma abordagem em seu domicílio. No processo 2018.01.1.022113-7, que tramitou perante a Vara da Auditoria Militar do DF, o PM Cláudio Cândido Soares foi condenado, em razão dos excessos cometidos no citado dia por força das condutas empreendidas. Não sendo esclarecido, pelos policiais militares o motivo para a prisão do recorrido e mesmo para a abordagem. 6. Estando, portanto, caracterizada a conduta ilícita apta a ensejar o dever de indenizar, havendo a responsabilidade civil objetiva do Estado. 7. É cediço que as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa (CF, art. 37, §6º). Assim, a responsabilidade civil do ente federativo, em razão de atos comissivos de seus agentes, é objetiva (modalidade risco administrativo), a qual dispensa a comprovação de culpa e exige, para a sua configuração, a coexistência da conduta, do dano e do nexo causal. 8. Lado outro, os danos morais decorrem do grave abalo a qualquer dos atributos da personalidade (CF, art. 5º, V e X e CC, art. 186). [...] 10. Nesse quadro fático-jurídico, forçoso reconhecer que a abordagem policial, realizada de forma exacerbada, mostra-se suficiente a configurar o nexo causal entre a conduta (inadequada) dos policiais militares e o alegado dano experimentado pelo recorrido, o dever de reparar os danos morais. 11. Em relação ao quantum, deve ser mantido o valor razoavelmente fixado (R$ 8.500,00), uma vez que guardou correspondência com o gravame sofrido (CC, art. 944), além de sopesar as circunstâncias do fato, a capacidade econômica das partes, a extensão e gravidade do dano, bem como o caráter punitivo-pedagógico da medida, tudo, com esteio no princípio da proporcionalidade (ausente ofensa à proibição de excesso). 12. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. Sentença mantida por seus próprios fundamentos. 13. Sem custas processuais, isenção legal. (07136338520218070016 - (0713633-85.2021.8.07.0016 - Res. 65 CNJ). TJDFT. Primeira Turma Recursal. Relator: ANTONIO FERNANDES DA LUZ. Data do Julgamento: 11/02/2022. Publicado no DJE: 25/02/2022).
No julgado acima descrito, ficou claro reconhecer que a abordagem policial, realizada de forma exacerbada, mostra-se suficiente a configurar o nexo causal entre a conduta (inadequada) dos policiais militares e o alegado dano experimentado pela vítima, gerando o dever de reparar os danos morais.
Apesar de satisfatório o reconhecimento da Lei e da jurisprudência, ainda é preciso que se tenha mais medidas preventivas e de solução para os casos de abuso de arbitrariedade dos policiais em suas abordagens não se torne uma rotina. Sobre essa questão, apresenta-se o próximo tópico.
5. DAS MEDIDAS DE SOLUÇÃO
Até aqui, restou claro que as abordagens policiais caracterizam um flagrante desrespeito à dignidade humana e a liberdade. Para mudar esse fato é preciso que se tenha mudanças significativas nas corporações e no Estado, para que abusos cometidos pelos policiais em suas abordagens não seja excessiva ou violenta.
Com isso, alguns Estados brasileiros tem buscado maneiras de mudar essa triste realidade. Como exemplo, encontra-se as ações realizadas no Estado do Tocantins, cuja principal medida de prevenção tem sido a da Educação. Por meio dessa área, o presente Estado vem tencionando fazer com que os seus agentes tenham a consciência de não apenas realizar suas funções, mas em adquirir uma visão ampla sobre o ser humano.
No ano de 2019 a Superintendência de Administração do Sistema Penitenciário e Prisional do Estado do Tocantins (Sispen/TO), através da Escola de Gestão Penitenciária (Esgepen), realizou o Curso de Abordagem Policial. Os servidores selecionados por meio de edital participaram de três dias treinamento, que foram divididos entre aulas práticas e teóricas, realizadas na Esgepen, no Comando Geral da Policia Militar (QCG) e no Clube de Tiro e Caça do Cerrado (CTCC). (MORAES, 2019)
Para realização do curso, a Secretaria de Estado da Cidadania e Justiça (Seciju) contou com apoio da Policia Militar do Tocantins, que disponibilizou servidores da Companhia Independente de Operações Especiais (COE) para ministrarem as aulas. Moraes (2019, p. 03) cita que é de fundamental importância que os agentes policiais tenham elevado seu conhecimento sobre as formas de “atuação nas abordagens. Para isso, é necessário focar nas bases, com ênfase nos preceitos de instrução tática individual, uma vez que são fundamentais para engrandecer as técnicas de abordagem e evitar o uso de força física”.
No mesmo caminho, a Instituição Polícia Militar do Estado do Paraná (PMPR) juntamente com o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado –GAECO e o Ministério Público do Estado do Paraná desenvolveram a Apostila de Abordagem Policial contendo orientações sobre essa temática (JUNIOR, 2022).
No caso presente, o manual descreve a técnica de abordagem de forma detalhada nas mais diversas situações, de maneira a trazer de modo didático-pedagógico a relevância do assunto, com intuito de ampliar e atualizar os conhecimentos dos membros da Corporação e como citado na apresentação daquele trabalho contou com a colaboração de Oficiais e Praças da Polícia Militar do Paraná, “sendo que desde seu início foi norteada nos princípios da simplicidade e segurança, tanto do policial militar que executa a abordagem, quanto do cidadão que é abordado” (JUNIOR, 2022).
Com as ações acima demonstradas, mostra-se que existe um caminho positivo que está sendo percorrido para que as abordagens não configurem em demasiada violência e desrespeito aos cidadãos. Como bem acentuado nos Estados acima mencionados, é por meio de Educação que de fato poderá conseguir as mudanças dessa realidade.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
No Brasil, é perceptível que a violência urbana e a criminalidade estão entre os maiores problemas enfrentadas pela sociedade e plo Poder Público. Cotidianamente milhares de cidadãos são vítimas de homicídios ou de qualquer outro tipo de crime/violência. Nesse cenário situacional, se destaca os delitos cometidos nas ruas e em espaços públicos das cidades, aos quais são analisados pelo olhar do agente policial.
Ocorre que, muitas vezes ao realizar uma abordagem policial, o agente utiliza de meios violentos e com desprezo com o particular, em muitos casos sem uma motivação plausível. Nota-se que há um excesso de poder, pois esse mesmo agente poderia fazer o seu serviço sem necessariamente desrespeitar o cidadão.
O que ficou evidente no decorrer do estudo, é que a abordagem policial é uma realidade da sociedade brasileira; e que não tem ainda uma motivação única para a sua realização. O que se percebeu é que determinados grupos sociais como os negros e integrantes das camadas mais vulneráveis socialmente e economicamente são mais suscetíveis a serem abordados e violentados.
Frente a esse contexto, é forçoso mencionar que a abordagem policial de forma arbitrária e violenta configura num flagrante desrespeito aos Direitos Humanos. Não se questiona o trabalho policial quanto a sua competência e objetivo no garantismo à segurança pública. A questão discutida durante a presente pesquisa foi em relação à maneira como o trabalho policial, principalmente na sua abordagem, é realizada.
De todo modo, apesar dessa realidade, também foi possível citar que algumas medidas podem serem feitas para que esse quadro seja sanado. No caso em tela, a Educação mostrou ser o melhor caminho para que a abordagem policial como a descrita nessa pesquisa não seja exercida.
Estados como o Tocantins e Paraná, por exemplo, têm divulgado instrumentos educativos afim de enfatizar a importância em respeitar o cidadão no momento de uma abordagem. Além disso, tem-se realizado cursos que enfoquem essa questão. Somente a polícia como um todo pode de fato resolver esse problema, porque a solução parte do próprio profissional.
Desta feita, finaliza-se esse estudo entendendo que o impacto do poder arbitrário da polícia afeta diretamente à sociedade, de modo que ela perde a credibilidade. Uma polícia rígida, desumana, violenta, corrupta só gera uma sociedade ainda mais violenta, rígida e desumana.
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Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LUSTOSA, Nathalya Cristina Fernandes. Os impactos do poder arbitrário da polícia na sociedade Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 03 out 2022, 04:09. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/59368/os-impactos-do-poder-arbitrrio-da-polcia-na-sociedade. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: LEONARDO DE SOUZA MARTINS
Por: Willian Douglas de Faria
Por: BRUNA RAPOSO JORGE
Por: IGOR DANIEL BORDINI MARTINENA
Por: PAULO BARBOSA DE ALBUQUERQUE MARANHÃO
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