Resumo: Com o advento da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), muito se debateu até então acerca da divisão dos dois Pactos Internacionais: Direitos Civis e Políticos e Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. O objetivo do presente artigo é apresentar as principais ideias acerca da evolução histórica de tais direitos e abordar as razões da fragmentação em ambos os Pactos Internacionais, problematizando questões sobre a natureza dos direitos, ausência de interferência ideológica e mecanismos de monitoramento aprovados. Para tanto, foi realizada pesquisa bibliográfica acerca do tema, bem como estudo da Ata de aprovação dos Pactos Internacionais, com a análise de discurso dos Estados votantes.
Palavras-chave: Direitos Humanos. Pactos internacionais. Fragmentação. Indivisibilidade. Interdependência.
Abstract: With the advent of the Universal Declaration of Human Rights (UDHR), there was strong debate until then about the division of the two International Covenants: Civil and Political Rights and Economic, Social and Cultural Rights. The objective of this article is to present the main ideas about the historical evolution of such rights and to address the reasons for the fragmentation in both International Covenants, problematizing issues about the nature of the rights, absence of ideological interference and approved monitoring mechanisms. To this end, a bibliographic research on the theme was conducted, as well as a study of the Minutes of approval of the International Covenants, with an analysis of the voting states' discourse.
Keywords: Human Rights. International Covenants. Fragmentation. Indivisibility. Interdependence.
1. Introdução
O desenvolvimento normativo dos Direitos Humanos não apresenta uma separação rigorosa entre si. Muitas vezes acabam por se misturar de uma forma cronológica invertida, se antecipando ou se pospondo. O mundo contemporâneo ainda possui países que estão governados como se estivessem no século XII; países que apresentam déficit no padrão democrático. Essas nações, contudo, são membros das Nações Unidas (ONU), que na Assembleia Geral deste órgão tem um voto igual ao de países com democracias bem consolidadas, por exemplo.
Sabe-se que os Direitos Humanos reconhecidos normativamente são resultado de uma evolução da história da humanidade, passando, assim por diversas modificações, seja na sua titularidade, implementação e efetividade. Em função do aspecto histórico dos Direitos Humanos é muito comum na literatura se falar em direitos de prestação positiva ou negativa.
Assim a partir desta perspectiva (prestação positiva ou negativa) e a depender de qual categoria de direitos se trata, existem implicações quanto à implementação, em que se faz oposição a utilização da ideia de que determinados Direitos Humanos, ao se tratar do seu desenvolvimento histórico, seriam implementados de forma imediata, bastando-se para isso sua previsão normativa e uma postura de abstenção por parte do Estado; por seu turno outras categorias de direitos são exigidas, não só sua previsão normativa, mas, uma postura proativa por parte do este estatal.
Tal compreensão de divisão de categorias de direitos pode causar a impressão de que um grupo de direitos deve ser implementado primeiramente em relação a outros. No entanto, os Direitos Humanos resultam de um processo constante de desenvolvimento, ampliação e fortalecimento. Os direitos individuais, coletivos e sociais se interagem, por isso não se pode separá-los ou deixar de implementá-los, em razão de determinada classe de direitos.
Considerando que uma das principais características dos Direitos Humanos é sua indivisibilidade, o presente artigo pretende demonstrar as razões da separação de grupos de direitos, notadamente os direitos civis e políticos dos econômicos sociais e culturais por meio de uma análise histórica de sua afirmação positiva, ressaltando que esta pesquisa não constitui um trabalho historiográfico. Não obstante, o artigo parte da análise do conteúdo da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), de modo a identificar elementos que comprovam a unificação dos Direitos Humanos em torno da sua indivisibilidade, desde seu processo de elaboração e do seu consenso universal.
Mediante pesquisa bibliográfica e com fonte primária, o presente estudo apresenta a análise da literatura nacional e internacional sobre o tema, expondo as razões e fundamentos das teorias que pretendem apresentar os Direitos Humanos de forma fragmentada e suas consequências para proteção e efetividade de direitos à luz da redação da Declaração Universal.
Para tanto o presente artigo abordará o pensamento de autores que apresentam um contraponto acerca da ideia muito difundida acerca da divisão de categorias de Direitos Humanos em grupos devido a divisão ideológica em blocos de países de influência global na época da criação dos tratados internacionais. Assim, conforme a análise de discurso constante em documentos estudados na elaboração deste artigo, tais como as atas de criação dos PIDCP e PIDESC, demonstram que a fragmentação de tais direitos ocorreu por razões que foram para além da mera perspectiva ideológica conforme preconizado.
2. Direitos da Declaração Universal de Direitos Humanos: divisão e implicações sobre universalidade
A Declaração Universal dos Direitos Humanos consagra ideais e princípios dos Direitos Humanos, que foram consubstanciados nos demais instrumentos internacionais que a seguiram, e influenciou Constituições e textos infra-constitucionais de diversas nações, normatizando, assim os Direitos Humanos. Daí Norberto Bobbio sustentar que “os direitos humanos nascem como direitos naturais universais, desenvolvem-se como direitos positivos particulares (quando cada Constituição incorpora Declarações de Direito), para finalmente encontrarem sua plena realização como direitos positivos universais” (BOBBIO, 1992, p. 30). Estes “direitos universais” teriam se normatizados, segundo Bobbio, com a Declaração Universal, e a partir de sua aprovação pode-se falar que a humanidade estaria partilhando valores comuns; os valores seriam universais.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, para o autor, representa a “única prova da qual um sistema de valores pode ser considerado humanamente fundado e, portanto, reconhecido” (BOBBIO, 1992, p. 26), a partir do consenso geral de sua validade. Entretanto, este consenso geral não foi obtido de forma tão harmoniosa como apresenta Bobbio, o que já se observava desde a construção da própria Organização das Nações Unidas.
Em 10 de dezembro de 1948, a Declaração Universal dos Direitos Humanos foi finalmente adotada pela Assembleia Geral, sendo presidida pelo chefe da Delegação australiana. Como as diversidades ideológicas já estavam acirradas, alguns países se abstiveram na votação: União Soviética, Ucrânia, Tchecoslováquia, Polônia, Iugoslávia, Arábia Saudita e África do Sul (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Assembleia Geral. Presidente da Assembleia Geral HV Evatt, 183 plenário, 10 de dezembro de 1948, parágrafo 934).
A DUDH traz no seu preâmbulo as “quatro liberdades” sustentadas pelo ex-Presidente americano Franklin Roosevelt no seu discurso de 06 de janeiro de 1941, numa clara referência feita por sua esposa, em que se dizia: “o advento de um mundo em que os homens gozem de liberdade de palavra, de crença e da liberdade de viverem a salvo do temor e da necessidade foi proclamado como a mais alta aspiração do homem comum”. Neste sentido, pode-se identificar no artigo primeiro da DUDH: liberdade, igualdade e fraternidade[1], também sob a explícita influência dos dizeres da Revolução Francesa (COMPARATO, 2003, p. 225).
Outrossim, uma das características relevantes da DUDH é de ter conseguido conciliar diferentes filosofias, o que favoreceu adesão de diversos países e de servir como diretriz norteadora da atuação da ONU, assim pelo fato de proteger os direitos fundamentais de todos, o que contribui para unificação da humanidade.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos apresenta-se como um marco legal na fase de internacionalização dos Direitos Humanos, por trazer em seus dispositivos, os Direitos Humanos de ordens individual e social, tornando-se um instrumento universal, não apenas reproduz direitos que advêm da própria natureza humana, com características de abstração e de universalidade por referir-se a homens e a mulheres, como faziam as Declarações francesa e inglesa e como constitucionalismo incipiente do Ocidente[2], mas assim determina que incumbe ao Estado colocar à disposição os meios materiais e implementar as condições fáticas que possibilitem o efetivo exercício das liberdades fundamentais, exigindo-se então do Estado uma postura positiva em prol dos direitos ali consagrados.
Cumpre esclarecer que a Declaração Universal não possui força jurídica vinculante e obrigatória[3], vez que se trata de uma mera Declaração e não de um Tratado. Deste modo, não há “remédios jurídicos” ou mecanismos para sua exigibilidade, tais como: petições para vítimas de violações ou sanções econômicas, para aqueles que persistem em abusos ou ignoram a garantia dos direitos fundamentais. Logo, havia a necessidade de se desenvolver instrumentos e mecanismos que tornassem os direitos ali previstos mais eficazes e protegidos, iniciando-se assim o processo de “juridicização” da Declaração.
Com efeito, a aprovação dos Pactos Internacionais sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais[4], e sobre Direitos Civis e Políticos em 1966[5], e com o início de sua vigência em 1976, foi marcada por uma concepção fracionada dos Direitos Humanos, vez que foram construídos num contexto histórico semelhante ao que estava inserido a DUDH, só que neste momento as consequências já estavam mais definidas, a partir dos contornos delimitados assumidos pelos blocos econômico-ideológicos.
A divisão dos Pactos Internacionais gerou um retardo na atuação dos organismos internacionais tanto na exigibilidade dos direitos econômicos, sociais e culturais, quanto na sua intervenção para influenciar a criação de instrumentos domésticos de proteção aos Direitos Humanos.
No Brasil, por exemplo, o I Programa Nacional de Direitos Humanos, aprovado em 1996[6], apenas continha os direitos civis e políticos. A correção somente seria feita, após pressão dos movimentos sociais, em 2002[7], com a edição do II Programa Nacional de Direitos Humanos, que desta vez incluiu os direitos econômicos, sociais e culturais.
Com a celebração do 40º aniversário da DUDH em 1988, o debate sobre a supervisão do cumprimento dos instrumentos internacionais de proteção aos Direitos Humanos e o papel das Nações Unidas ganhou foco. O colapso da União Soviética resultou num exame minucioso dos Direitos Humanos e o grande número de nações excluídas previamente quando da elaboração da DUDH[8] e dos Pactos Internacionais queriam ser ouvidas. As lideranças asiáticas corretamente insistiam na indivisibilidade dos direitos econômicos, sociais e culturais com os direitos civis e políticos, como também se apontava para a percepção da mudança do conteúdo dos Direitos Humanos com o tempo, haja vista que a noção do sufrágio universal político foi estendida recentemente para homens, mulheres e minorias étnicas dos países ocidentais e o direito de minorias, além disso, o direito de autodeterminação dos povos oprimidos de lutar contra a tirania ou omissão de governos nacionais, em razão da época em que a Declaração foi aprovada, já que muitos Estados-membros da ONU eram os maiores opressores de povos colonizados, não foi contemplado no texto da Declaração.
Outrossim, observa-se o caráter universal e indivisível dos Direitos Humanos conforme previsto no texto da DUDH, contudo, não tardou para que os Estados se vissem em uma situação difícil quanto a realização de determinados direitos que envolvem importante disponibilidade de recursos financeiros e providências materiais para concretizar ações efetivas para a consecução de determinados direitos como para garantir saúde, educação e trabalho à população, em contrapartida de outros que a princípio bastariam uma postura de abstenção do Estado, resumindo-se a não violação tais como a de livre locomoção e liberdade de expressão.
A despeito desta ideia de divisão de classes de direitos, não é simples sua classificação, partindo-se do critério de prestações positivas ou negativas e a natureza de tais direitos, pois da mesma forma em que a promoção do direito à saúde e educação envolve necessidade de alocação de recursos quanto a manutenção de um aparato judicial para a garantia do direito à liberdade de locomoção. A simples necessidade de emprego de recursos financeiros e ação proativa do Estado não são totalmente suficientes para definir a natureza de tais direitos.
Além da imposição aos Estados para a realização de tais direitos, outra problemática surgiria quanto aos mecanismos que seriam disponibilizados para efetivação e monitoramento do cumprimento dos direitos inicialmente consagrados na DUDH e que, posteriormente, seriam instrumentalizados nos futuros pactos internacionais.
3. CRIAÇÃO DOS PACTOS INTERNACIONAIS de Direitos Humanos: FRACIONAMENTO E suas consequências para os direitos econômicos, sociais e culturais
Antes de abordar a criação dos Pactos Internacionais e para melhor compreensão de como surgiu a percepção de divisão dessas classes de direito, faremos um breve relato histórico quanto sua afirmação normativa.
A DUDH ressalta a indivisibilidade dos Direitos Humanos com a conjugação dos direitos civis e políticos com os direitos econômicos sociais e culturais. Assim, associa a ideia liberal e social da cidadania e conjuga os valores de liberdade e igualdade (PIOVESAN, 2022, p. 204-205)
A partir de uma visão histórica, percebe-se que a fim de limitar o poder absolutista e o abuso estatal, especialmente os movimentos e revoluções liberais no final do século XVIII, carrearam as Declarações norte-americana (1776) e francesa (1789), com a finalidade de limitar o poder do Estado em respeito à liberdade e direitos fundamentais, caracterizado coibir a atuação abusiva do Estado diante das liberdades individuais (PIOVESAN, 2022, p. 207).
Nota-se que, neste contexto histórico, tem especial destaque a ideia de liberdade, com inspiração em valores burgueses, a fim de conter os abusos inatos dos regimes absolutistas, sendo que esta liberdade se funda na não interferência estatal, o que caracterizou o Estado Liberal e o destaque do direito à liberdade nos instrumentos normativos que se seguiram.
Com o caminhar da história, verifica-se cada vez mais forte a pressão e os anseios sociais, em confronto ao pressuposto estabelecido pelo liberalismo de não intervenção estatal nas liberdades individuais, mudando-se substancialmente esta visão para se alcançar um Estado voltado a transformar e promover direitos prestacionais e de cunho social.
Nesta mudança histórica, tem-se a afirmação de direitos sociais depois da Primeira Guerra Mundial, em um contexto de movimentos revolucionários como a Revolução Russa e, contido no corpo de Constituições de forte apelo social, a exemplo de Weimar de 1919 e da mexicana de 1917. Esses diplomas constitucionais apresentam plasmados em seus textos direitos com conteúdo econômico, social e cultural.
Observa-se que, diante desses movimentos, há uma mudança de direção no debate e afirmação de direitos, que já permeavam como um anseio da sociedade, mas, devido aos contextos históricos e políticos, seu reconhecimento nas declarações e Estados nacionais ocorre, a partir do conteúdo da emergência dos debates em dado momento da história (PIOVESAN, 2022, p. 206).
Diante desse breve relato histórico, nota-se a dicotomia nas dimensões dos direitos em uma perspectiva, os direitos civis e políticos e, de outro lado, os direitos sociais, econômicos e culturais.
Importante inovação normativa quando a DUDH, ao associar a visão liberal e o social, ela passa a incorporar direitos civis e políticos (artigos 3 a 21) e direitos sociais e culturais (artigos 22 a 28), reunindo as diversas classes em um único documento, conferindo, assim, destaque a inter-relação, indivisibilidade e interdependência.
Conforme acima já mencionado a DUDH caracteriza os Direitos Humanos de forma universal, indivisível e interdependente; o fracionamento dos direitos nos pactos internacionais subsequentes, mesmo do ponto de vista normativo, é negativo considerando a visão universalista.
Além da DUDH reconhecer igualmente direitos civis e políticos e direitos econômicos, sociais e culturais, diversos países, em suas constituições, absorvem vários dispositivos da declaração em função do seu percurso histórico.
Os Estados aderem a DUDH, sem necessidade de ratificação e estabelecem discussão acerca da natureza dessas normas e seu caráter vinculativo
Diante deste cenário, a ONU por meio de sua Assembleia Geral (AG/ONU) faz com que Estados cumpram os direitos da Declaração, ao fixar tratados vinculantes, os quais, por sua vez contemplam os direitos de forma pormenorizada e criam mecanismos de como a ONU vai exigir o cumprimento desses direitos.
A criação dos Pactos e o reconhecimento dos direitos se deu em três fases com as atividades da Comissão de Direitos Humanos (CDH): 1ª a preparação da Declaração Universal; a 2ª a criação de documento vinculante (que no futuro seriam os pactos internacionais); e a 3ª etapa, a criação de um instrumento com vinculante para justiciabilidade desses direitos (COMPARATO, 2019, p. 231).
Para a realização da primeira etapa, com a preparação da própria DUDH (1948), a Assembleia Geral da ONU criou o Conselho Econômico e Social (Economic and Social Council – ECOSOC) em 1946. Após, foi criada a Comissão de Direitos Humanos (CDH) em 1947, inicialmente presidida por Eleanor Hoosevelt (TEREZO, 2014, p. 36).
Com o advento da DUDH em 1948, na consecução da segunda etapa, inicialmente foi conferida à Comissão de Direitos Humanos da ONU a responsabilidade de criação de um único projeto de um Pacto Internacional, o qual englobaria ambas as categorias de direitos (1949-1951), sendo que a Comissão de Direitos Humanos apresentou à Assembleia Geral dois projetos, onde separam os direitos civis e políticos dos econômicos, sociais e culturais; o que inicialmente não fora aceito, considerando que foi conferido na ocasião do início dos trabalhos, a confecção de um único projeto englobando ambas as duas categorias de direitos (PIOVESAN, 2022, p. 228).
Convencida dos desafios em implementar e conferir mecanismos de supervisão para todas as classes de direitos em um único tratado, por fim, a Assembleia Geral da ONU delibera pela criação de 02 (dois) pactos assinados simultaneamente (1951) (PIOVESAN, 2022, p. 228-229).
Após dez anos de atividades no Terceiro Comitê é apresentado à Assembleia Geral da ONU ambos os projetos que, em seguida, se tornariam os Pactos Internacionais.
Com isso o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (PIDCP) e o Pacto Internacional de Direitos Econômicos Sociais e Culturais (PIDESC) foram aprovados em 1966.
O Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais foi adotado pela Resolução 2.200-A (XXI) da Assembleia Geral das Nações Unidas em 16 de dezembro de 1966, sendo que o mesmo entrou em vigor em 3 de janeiro de 1976 (BALERA, 2013, p. 28). Ademais, o Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, com o objetivo de conferir justiciabilidade a tais categorias de direitos, em conclusão a terceira fase dos trabalhos, foi criado em 10 de dezembro de 2008, por meio da Resolução da Assembleia Geral A RES 63 117.
É digno de nota que o PIDCP já contava com um mecanismo de petição individual desde 1966, com o Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (PIOVESAN, 2022, p. 228-229).
Observa-se aqui mais um efeito relacionado a fragmentação dos Pactos Internacionais, quanto ao mecanismo de peticionamento, instrumento importante para a justiciabilidade de direitos, vez que veio com um grande atraso para o PIDESC, contrariamente ao PIDCP, que desde o início já contava com tal garantia.
A despeito da divisão estabelecida nestas categorias de direitos, não se pode olvidar a característica ínsita dos Direitos Humanos como interdependentes e de inter-relação, sem a qual não é possível sua realização integral. Nesse sentido, é esclarecedora a lição de Fábio Konder Comparato:
“Os direitos humanos constantes de ambos os Pactos, todavia formam um conjunto uno e indissociável. A liberdade individual é ilusória, sem um mínimo de igualdade social; e a igualdade social imposta com sacrifício dos direitos civis e políticos acaba engendrando, mui rapidamente, novos privilégios econômicos e sociais. É o princípio da solidariedade que constitui o fecho de abóboda de todo sistema de direitos humanos” (2019, p. 343)
Impende-se destacar que para o Direito Internacional dos Direitos Humanos, o PIDESC (1966) se materializou normativamente um importante instrumento de reconhecimento e atribuiu força vinculante aos direitos já previstos na Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948), e na lição de Wagner Balera: “conferindo-lhes concretude por meio de um sistema de responsabilização internacional” (BALERA, SILVEIRA, 2013, p. 15).
Além da concretude normativa internacional conferida com a consolidação dos Pactos Internacionais, é certo que diversos países passaram a incorporar em sua normativa preceitos oriundos da DUDH e dos Pactos Internacionais, cujo primado da dignidade humana é fundamento para todos os demais Direitos Humanos, notadamente em relação aos direitos econômicos, nota-se seu reflexo na Constituição Federal de 1988 do Brasil, em seu artigo 170, onde os princípios da ordem econômica, vê-se abrigado ao postulado da dignidade humana e à justiça social (MATSUSHITA, 2016, p. 987).
Assim, muitos anos depois da criação da DUDH (1948), com o PIDCP e PIDESC, tem-se o chamado International Bill of Rights, documentos internacionais que compões a estrutura do “corpus juris” do sistema global de proteção aos Direitos Humanos (PIOVESAN, 2022, p. 226).
A despeito do apelo universalista e interdependente dos Direitos Humanos previsto na DUDH, a opção de fracionamento dos Pactos Internacionais ocorreu devido, como já destacado, outros aspectos distintos da ideia da natureza de tais direitos, seja de prestação positiva, negativa, programáticos ou prestacionais.
Assim, não obstante os avanços para a consolidação e afirmação dos Direitos Humanos, por outro lado, importa mencionar que a fragmentação de instrumentos normativos, a exemplo dos Pactos Internacionais de Direitos Civis e Políticos e de Direitos Econômicos Sociais e Culturais (1966), afeta de forma negativa a justiciabilidade de direitos, notadamente os direitos econômicos sociais e culturais.
A Declaração Universal de Direitos Humanos apresenta os Direitos Humanos de forma indivisível e interdependente. O fracionamento dos Direitos Humanos aparece posteriormente, o que acarreta um efeito negativo para a justiciabilidade de tais direitos (DENNIS; STEWART, 2004, p. 492), como se depreende da leitura dos artigos 2(1) e 2(1) dos principais instrumentos normativos (PIDCP e PIDESC respectivamente):
Artigo 2(1). Os Estados Partes do presente pacto comprometem-se a respeitar e garantir a todos os indivíduos que se achem em seu território e que estejam sujeitos a sua jurisdição os direitos reconhecidos no presente Pacto, sem discriminação alguma por motivo de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, situação econômica, nascimento ou qualquer condição (Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, grifo nosso).
Artigo 2(1). Cada Estado Parte do presente Pacto compromete-se a adotar medidas, tanto por esforço próprio como pela assistência e cooperação internacionais, principalmente nos planos econômico e técnico, até o máximo de seus recursos disponíveis, que visem a assegurar, progressivamente, por todos os meios apropriados, o pleno exercício dos direitos reconhecidos no presente Pacto, incluindo, em particular, a adoção de medidas legislativas. (Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, grifo nosso).
Em que pese os direitos individuais, coletivos e sociais serem indivisíveis e interdependentes, nota-se a fragmentação imposta pelos dois Pacos Internacionais, ao compreenderem o primeiro grupo de direitos como “respeitados e garantidos” e o segundo grupo, como assegurados “progressivamente”. Esse fracionamento seria atribuído a ideia muito difundida no pós-guerra da divisão de blocos capitalistas e socialistas e a discussão ideológica entre esses blocos, que supostamente influenciaria na redação dos mencionados instrumentos normativos, a qual seria o reflexo da perspectiva ideológica peculiar a esses blocos, conforme seus interesses, na forma como essas normas seriam expressas nos tratados. Nesse sentido, Steiner e Alston (2000, p. 264-271) realizam um estudo e colocam evidência toda essa doutrina.
Os autores realizaram análise detalhada das atas do Terceiro Comitê da Assembleia Geral das Nações Unidas, responsável pela elaboração dos Pactos e chegam a conclusão de que os EUA sustentavam especial destaque aos direitos sociais e a antiga União Soviética, os civis e políticos.
O motivo desta posição, aparentemente surpreendentemente dos EUA, seria o fato relacionado a dramática experiência da crise de 1929, onde entenderam que preceitos eminentemente liberais não seriam suficientes para o pleno exercício do direito à liberdade, assim o ser humano livre não seria suficiente para garantir a liberdade, considerando que passa por insuficiência dos meios de subsistência e há a necessidade do Estado em intervir na economia, no mercado de trabalho. Conforme esse estudo, demonstra que o aspecto ideológico não foi o elemento essencial para a fragmentação dos Pactos.
Assim, os autores apontam o papel importante desempenhado pela delegação dos EUA em prol da inclusão dos direitos sociais no corpo da própria Declaração Universal que inspirou, por sua vez, os Pactos Internacionais, tendo inclusive, em determinado momento, insistido para aprovação de sistemas de monitoramento equivalentes com a previsão de Comitês e atribuições de receber petições individuais para apreciar casos de violações aos direitos sociais (STEINER; ALSTON, 2000, p. 30).
Para este debate, foi importante o papel de outras agências internacionais, por exemplo a Organização Internacional do Trabalho, anterior a própria ONU, com o argumento de que já existiam tratados que estabeleciam direitos sociais. Tal compreensão reforçou a ideia de que os direitos econômicos, sociais e culturais poderiam ficar definidos de forma mais geral, ao passo que os direitos civis e políticos necessitariam de maior detalhamento.
Outro aspecto sobre o monitoramento das obrigações contraídas e como os Estados iriam garantir direitos como os direitos econômicos, sociais e culturais, posto que envolvem uma garantia mais custosa, foi coloca ao debate.
Nesse contexto de implementação desta gama de direitos, os Estados se viram em uma situação difícil em garantir, educação, moradia, trabalho e era supostamente mais fácil garantir a liberdade de expressão, direito de ir e vir, direitos políticos e etc. A forma de fazer o monitoramento seria de maneira distinta entre os dois grupos de direitos.
No pertinente a justiciabilidade, aqui entende-se como mecanismos jurídicos de tutela e exigência de tais direitos, onde os direitos civis e políticos tinham a possibilidade desde logo de recorrer as instâncias internacionais – um sistema mais sofisticado; enquanto que os direitos sociais demoraram muito para se garantir esses instrumentos, inicialmente bastava um relatório. Essa diferença, criou uma falsa compreensão entre os grupos de direitos, onde os civis e políticos seriam direitos e os sociais podem ou não ser garantidos.
A dicotomia de fracionamento entre as tipologias de direito gerou uma compreensão de que bastaria o reconhecimento normativo para que fosse considerado como cumprido. A ideia de que bastava que fosse previsto na legislação, tais direitos seriam assegurados (CRAVEN, 1998, p. 35).
Outra diferenciação se estabelece entre os direitos civis e políticos, estes de prestação negativa, ao passo que os direitos econômicos, sociais e culturais, seriam de prestação positiva, com consequências na disposição de recursos para garanti-los. Partindo desta premissa, havia a concepção de que seria condição suficiente para garantir o exercício e efetividade dos direitos civis e políticos simplesmente a mera recepção em textos legislativos por parte dos Estados nacionais, especialmente em suas Constituições. De outra monta, os direitos econômicos, sociais e culturais exigiriam não só sua previsão em textos legais ou constitucionais, mas também a realização material de prestações positivas, seja mediante ações materiais ou políticas públicas.
Essas premissas desencadearam o crucial fracionamento dos mencionados Pactos, o que afetou negativamente o respectivo Sistema de Proteção das Nações Unidas por um longo período, por haver obstáculos em desenvolver um sistema de monitoramento compatível para implementação dos direitos econômicos, sociais e culturais.
A ideia de que apenas a positivação interna dos direitos civis e políticos seria o suficiente para seu atendimento, ao passo que o outro grupo de direitos havia a necessidade de medidas positivas pelos Estados nacionais para sua realização, tem relação direta com a divisão dos dois blocos de direitos como positivos e negativos e não com relação a natureza intrínseca dos mesmos (CRAVEN, 1998, p. 31-32).
Cabe aqui fazer uma reflexão quanto ao direito ao voto no Brasil, notadamente quando se observa a estrutura destinada ao órgão do Poder Judiciário: Justiça Eleitoral. É evidente a alocação de recursos materiais em infraestrutura e pessoal para garantir a realização de um direito ao voto, classicamente considerado como um direito político; é evidente o emprego de considerável despesa e a realização de prestação positiva por parte do Estado. Nota-se com este exemplo, um destaque a compreensão equivocada quanto a diferença em relação a prestação positiva, que diversamente do seria sustentado para um direito político (voto) não sendo condição suficiente apenas a previsão normativa e abstenção de intervenção por parte do Estado. Ao revés, há a necessidade de uma ação para sua realização, que, tradicionalmente seria atribuído aos direitos sociais.
Resta claro que as razões as quais justificaram a divisão de ambos os grupos de direitos em dois Pactos internacionais se deram por motivos práticos, o que pode ser constatado a partir da análise do que foi exposto na Ata de Reunião Plenária da XXI Sessão da Assembleia Geral da ONU de 16/12/1966, na qual foram aprovados os PIDCP e PIDESC, onde os representantes das delegações dos países debatem e expõem seus pontos de vista acerca dos direitos em questão.
Nota-se que há uma compreensão geral acerca da importância de tais direitos, grande preocupação acerca dos mecanismos de supervisão sobre os Estados acerca do cumprimento dos tratados internacionais.
A exemplo desta perspectiva destaca-se a manifestação do representante da Delegação do Uruguai em um trecho do mencionado documento, acerca da divisão em dois tratados internacionais, o reconhecimento de sua importância, sendo a necessidade desta separação por razões práticas:
123. It was decided at an earlier stage that there should be two Covenants: one on economic, social and cultural rights and the second on civil and political rights. This division was not made because of any idea that some rights were more important than others or that they were different in kind. On the contrary, their equal importance, their necessary interrelationship and their common foundation were recognized and established. The decision to draft two Covenants was made for purely practical reasons, in particular because the measures of implementation and verification are or may be different in the two cases by reason of their distinctive characteristics. (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1966, p. 11.)
É importante observar neste trecho, conforme expresso pelo representante da Delegação, a afirmação acerca da inter-relação entre ambas as classes de direitos e a razão prática para sua divisão quanto às medidas de implementação de tais direitos. O que demonstra a compreensão acerca da mesma importância de tais direitos e a solução prática a época adotada em criar dois tratados, a fim de conformar visões distintas em relação a aspectos de implementação.
De certo que entre os países membros da ONU haviam diferentes e opostas opiniões acerca das medidas de implementação de tais direitos e esta foi uma solução viável e concreta para criação dos tratados (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1966, p. 12).
Percebe-se que o debate ideológico em geral atribuído à defesa de grupos de direitos afetos à divisão global em blocos, à época – capitalistas e socialistas – não se apresenta como determinante para a fragmentação dos direitos e, sim os desafios quanto a implementação e mecanismos de supervisão e justiciabilidade.
Interessante a manifestação de representante da antiga Tchecoslováquia, país pertencente a época do “Bloco Socialista”, quanto se refere a questão da política segregacionista do apartheid que ainda existente em alguns países, onde sustenta especialmente o direito à autodeterminação e a liberdade, sendo a referida política uma violação aos Direitos Humanos.
165. At a time when colonialism and apartheid, war and aggression, have not yet ceased to cause flagrant violations of human rights and freedoms, the Covenant’s will undoubtedly play their role as another impetus, another weapon in the struggle against those evils. (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1966, p. 15).
Destaca-se aqui a especial importância conferida ao direito de autodeterminação e de liberdade, ou seja, clássicos direitos civis e políticos, sustentado por um país pertencente na ocasião ao “Bloco Socialista”. Mais adiante a mesma representante discute aspectos relacionados ao mecanismo de peticionamento individual em caso de não observância de tratados internacionais (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1966, p. 16).
Outra evidência que demonstra maior controvérsia referente a divisão dos direitos em dois pactos estaria nos mecanismos de implementação e monitoramento, pois é o fato de que ambos os Pactos foram aprovados por unanimidade pela Assembleia Geral da ONU (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1966, p. 06), enquanto que os respectivos Protocolos Facultativos foram aprovados por maioria (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1966, p. 06), havendo assim países que não concordavam com suas bases.
Tal fato somado aos aspectos acima apontados demonstra que, a partir do discurso constante nas atas de aprovação dos Pactos Internacionais, a separação em dois instrumentos internacional se deu muito mais a partir de uma questão relativa aos mecanismos de monitoramento e dos Protocolos facultativos, na medida em que são instrumentos de efetivação de direitos e a preocupação de como os Estados iriam implementar de forma vinculativa, do que propriamente a visão ideológica por parte dos blocos de influência acerca dos grupos de direitos.
Ou seja, conforme os destaques acima, nota-se que a maior controvérsia em torno da formulação de ambos os Pactos é em relação aos mecanismos de monitoramento e efetivação de tais direitos, do que propriamente uma defesa ideológica voltada a grupos de direitos potencialmente defendidos por distintos blocos de influência global: países capitalistas e socialistas.
Outro debate que circunscreveu a diferenciação dos direitos civis e políticos dos econômicos, sociais e culturais, como sendo estes últimos dispendiosos e os primeiros a custo zero, pois importam basicamente em sua previsão e abstenção de interferência por parte do Estado. Verifica-se que a discussão não envolve o direito propriamente dito e sim a obrigação do Estado, sendo, contudo, muito mais fácil a questão de abstenção do que fazer ou realizar uma política pública.
Ressalta-se que ambas as classes de direitos envolvem diferentes níveis de despesas independentemente de qual Pacto se refere, seja o PIDCP ou o PIDESC
O debate que permeia quanto a diferenciação da aplicabilidade entre os direitos sociais e os direitos civis e políticos sendo os últimos de forma imediata, está relacionada à aplicação de recursos para satisfação de direitos, sendo os econômicos, sociais e culturais, implementados de forma progressiva. Assim nesta perspectiva, os direitos sociais seriam fragilizados enquanto Direitos Humanos, devido a impossibilidade de serem aplicados de forma imediata, mas sim progressiva e limitados aos recursos disponíveis (SEPÚLVEDA, 2003, p. 127).
Impende-se destacar que a satisfação de alguns direitos civis e políticos demandam a realização de estruturas institucionais, envolvendo o emprego de vultosas despesas públicas, impondo-se ao Estado, recursos para sua manutenção e incremento do aparelho estatal já existente, a fim de garantir a continuidade e aperfeiçoamento do serviço (SEPÚLVEDA, 2003, p. 127).
Diante de tal compreensão nota-se que os direitos, independentemente de sua natureza ou instrumento de origem, possuem uma diversidade de patamares de custos para sua realização, bem como de determinadas obrigações estatais. Assim, o cumprimento de dispositivos, previstos em ambos os Pactos, deverá atender a uma diversidade de níveis de despesas financeiras, sendo que estas existirão independentemente de sua previsão, tanto no PIDESC como no PIDCP (SEPÚLVEDA, 2003, p. 127-128).
A questão não é afeta diretamente o direito, mas, sim a obrigação do Estado, a exemplo disto, a obrigação em não realizar despejos forçados parece ser bem menos custosa do que a obrigação em fornecer moradia adequada (SEPÚLVEDA, 2003, p. 127-128).
Desta feita, a partir desta visão crítica quanto a evolução normativa dos Direitos Humanos não há uma ordem correta de normatização, a fim de possibilitar a classificação e fragmentação dos direitos, envolvendo aqui toda sua tipologia, sejam direitos civis e políticos ou econômicos, sociais e culturais, pois são indivisíveis e interdependentes. Em sua evolução, a partir de uma perspectiva histórica, ganham contornos de evidência, com os movimentos de contextos sociais, políticos e econômicos, levando-os a serem reconhecidos em textos normativos, nacionais ou internacionais, portanto, não há uma ordem correta para serem normatizados.
A inclusão por parte dos Estados nacionais em seus textos normativos, é decorrente de pressões do contexto histórico e social, reflexo de uma camada preponderante da sociedade na ocasião em que se afirmaram. E suas dificuldades em implementar e garantir determinados direitos que exigiam recursos materiais e financeiros, sem, contudo, haver um verdadeiro consenso quanto a real natureza de tais direitos quanto as características programáticas para ambas as classes de civis e políticos ou econômicos, sociais e culturais; o que acarretou reflexos nos mecanismos de monitoramento e justiciabilidade de tais direitos.
4. Conclusão
A questão acerca da vigência global dos Direitos Humanos é bastante atual. Verifica-se que em função das alterações ocorridas na sociedade, vem o surgimento novas demandas sociais e o Direito busca contemplá-las, com o escopo de regular as situações. Neste contexto, observa-se o movimento de busca da efetividade e de positivação de novos direitos.
Ao se observar a evolução normativa dos Direitos Humanos, em especial a dos direitos civis e políticos e dos direitos econômicos, sociais e culturais, verifica-se que seu reconhecimento normativo fora caracterizado por avanços e retrocessos, tendo sido influenciados de sobremaneira pelos acontecimentos históricos, deixando a inspiração jusnaturalista para a positivação dos aludidos direitos. Todo o processo de fundamentação filosófica dos Direitos Humanos, como a ampliação de seu conteúdo, é baseado por lutas e conquistas por meio da história dos povos.
Os Direitos Humanos vão ganhando relevo a partir da necessidade da humanidade. O advento dos Pactos Internacionais de Direitos Humanos foi um importante passo na realização de tais direitos. Sua fragmentação se deu muito mais em decorrência da capacidade de implementação no seio dos Estados nacionais e do o formato dos mecanismos de monitoramento e de sua potencial responsabilização internacional em caso de descumprimento, do que aspectos ideológicos propriamente ditos.
Todas as visões expostas no presente artigo destinadas a explicar a evolução normativa dos Direitos Humanos são importantes e relevantes para a compreensão acerca da afirmação de tais direitos, seja pelo aspecto normativo e sejam pertencentes a ambas as classes de direito, seja, histórica, social e política.
A proteção dos Direitos Humanos deve ser considerada fundamentalmente no plano da universalidade, tanto na esfera normativa como na operacional, caracterizada pela visão global de todos os Direitos Humanos, sejam civis e políticos ou econômicos, sociais e culturais, por aqueles que realmente necessitam de proteção, pela onipresença dos Direitos Humanos, a concretizar-se no reconhecimento de que esses direitos se impõem a todos, gerando uma espécie de obrigação erga omnes de proteção. Tal visão não única ou definitiva, posto que se vivencia de forma dinâmica um processo de construção de uma cultura universal de observância dos Direitos Humanos.
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[1] Artigo I: todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade.
[2] Constituição francesa de 1793, Constituição espanhola de 1821 (Constituição de Cádis), Constituição portuguesa de 1822, Constituição belga de 1831. Cf. MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 28-29.
[3] Alguns doutrinadores (André de Carvalho Ramos, Diego Rodriguez-Pinzón) entendem que as Declarações de Direitos Humanos, seja a Universal da ONU de 1948 ou a Americana, do mesmo ano, teriam força jurídica vinculante por serem utilizadas nos fundamentos das decisões de Tribunais Internacionais, como a Corte Internacional de Justiça e a Corte Interamericana de Direitos Humanos. No entanto, a questão não é pacífica na doutrina, vez que as Declarações não dispõem de mecanismos de supervisão e de monitoramento, diferentemente dos Tratados, Convenções e Pactos, os quais prevêem tais mecanismos, entendidos como convencionais.
[4] Aprovado no Brasil pelo Decreto Legislativo n.º 226, de 12 de dezembro de 1991 e promulgado pelo Decreto n.º 591, de 06 de julho de 1992.
[5] Aprovado no Brasil pelo Decreto Legislativo n.º 226, de 12 de dezembro de 1991 e promulgado pelo Decreto n.º 592, de 06 de julho de 1992.
[6] Decreto nº 1.904, de 13 de maio de 1996.
[7] Decreto nº 4.229, de 13 de maio de 2002.
[8] Os preceitos previstos na DUDH representavam a posição dos 58 membros que faziam parte das Nações Unidas em 1948.
Mestrando em Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP, Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado do Pará.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RIBEIRO, EVANDRO DE AGUIAR. Pacto Internacional de Direitos Econômicos Sociais e Culturais: fragmentação histórica e reflexos em sua implementação Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 04 out 2022, 04:28. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/59386/pacto-internacional-de-direitos-econmicos-sociais-e-culturais-fragmentao-histrica-e-reflexos-em-sua-implementao. Acesso em: 21 nov 2024.
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