LUIZ GONZAGA DE ARAÚJO NETO [1]
(orientador)
RESUMO: A relação entre o sistema penitenciário brasileiro e o criminoso representa à sociedade um quadro de absoluta precariedade. E não é outra razão, senão o sistema penitenciário ser um ambiente propício à acentuação da marginalização social, seja pelo excesso das marcas da criminalidade, seja pelo descaso das autoridades competentes em minimizar os efeitos causados pelo confinamento dos presos. Ademais, tem sido para a sociedade um local que reflete mazelas, propiciando a deflagração de instintos perversos, além da disseminação de distúrbios físicos e psíquicos. Pode-se afirmar que esse trabalho se justifica sob vários aspectos, porém, a pretensão maior aqui é de trazer à tona mais um instrumento de informação social do verdadeiro caos que são os presídios brasileiros. Ao mesmo tempo em que se relata o paradoxo entre os tratados, convenções, leis e estatutos que tratam da questão dos apenados e mesmo dos presos provisórios no Brasil. Nesse sentido, o objetivo geral desse trabalho procurou, com fundamentos na literatura: apontar medidas de prevenção e informação para que a sociedade entenda a importância da ressocialização do preso. Nos objetivos específicos como colunas de sustentação do objetivo geral, conceituar pena na literatura jurídica; descrever a importância de religião no processo de ressocialização do preso; compreender a função do processo de ressocialização. O período de buscas, sendo elas: doutrinas, jurisprudências, leis vigentes. Diante de discussões sobre a edição de leis que promovam a descriminalização, talvez pareça um tanto retrógrado almejar a identificação de formas de ressocializar infratores. No entanto, desconhece-se por qual lapso temporal o cárcere será o meio basilar de punição, e, assim sendo, como corpo social, deve-se buscar meios eficazes de tratamento, visando suavizar a situação dos indivíduos que se encontram segregados em prisões. Conclui-se que este trabalho de revisão de literatura tenha alcançado seu propósito que se destinou, pois ao longo de suas seções demonstrar a importância ressocialização para o preso e consequentemente para a sociedade.
Palavras-chave: Pena: Ressocialização: Auxílio espiritual.
ABSTRACT: The relationship between the Brazilian penitentiary system and the criminal represents to society a picture of absolute precariousness. And there is no other reason than that the penitentiary system is an environment conducive to the accentuation of social marginalization, either by the excess of criminality marks, or by the negligence of the competent authorities in minimizing the effects caused by the confinement of prisoners. In addition, it has been for society a place that reflects ills, providing the outbreak of perverse instincts, in addition to the dissemination of physical and psychic disorders. It can be said that this work is justified in several ways, however, the main intention here is to bring to light yet another instrument of social information of the true chaos that are Brazilian prisons. At the same time, the paradox between the treaties, conventions, laws and statutes that deal with the issue of convicts and even provisional prisoners in Brazil is reported. In this sense, the general objective of this work sought, based on the literature: to point out measures of prevention and information so that society understands the importance of the resocialization of the prisoner. In the specific objectives as columns of support of the general objective, to conceptualize penalty in the legal literature; describe the importance of religion in the prisoner's rehabilitation process; understand the function of the resocialization process. The period of searches, being: doctrines, jurisprudence, laws in force. In the face of discussions about the enactment of laws that promote decriminalization, it may seem a bit retrograde to aim at identifying ways to resocialize offenders. However, it is not known for what time period the prison will be the basic means of punishment, and, therefore, as a social body, effective means of treatment must be sought, in order to alleviate the situation of individuals who are segregated in prisons. It is concluded that this literature review work has achieved its intended purpose, because throughout its sections it demonstrates the importance of resocialization for the prisoner and consequently for society.
Keywords: Penalty: Resocialization: Spiritual help.
1 INTRODUÇÃO
A eficiência das penas privativas de liberdade tem sido alvo de questionamentos, quer seja no âmbito da Sociologia, do Direito ou das Políticas Públicas, no que pertine ao real cumprimento dos seus propósitos, notadamente o da ressocialização, transformando apenados em cidadãos aptos a reingressarem na sociedade, na medida que tais indivíduos, em regra, são oriundos da classe social dos excluídos. Os desafios enfrentados pelo Estado e pela sociedade civil no que pertine ao cotidiano das prisões perpassam pelo reconhecimento de que o sistema penitenciário posto encontra-se falido e quase sem esperanças de mudanças significativas. (REALE, 2019).
A relação entre o sistema penitenciário brasileiro e o criminoso representa à sociedade um quadro de absoluta precariedade. E não é outra razão, senão o sistema penitenciário ser um ambiente propício à acentuação da marginalização social, seja pelo excesso das marcas da criminalidade, seja pelo descaso das autoridades competentes em minimizar os efeitos causados pelo confinamento dos presos. Ademais, tem sido para a sociedade um local que reflete mazelas, propiciando a deflagração de instintos perversos, além da disseminação de distúrbios físicos e psíquicos (BARATTA, 2022).
O arcabouço jurídico brasileiro contemplativo da execução da pena é louvável no que diz respeito à estipulação das normas, muito mais porque está imbuído de preceitos da Carta Cidadã. São normas que teoricamente preservam a dignidade da pessoa humana, e muitos outros direitos. Com base nessa perspectiva foi elaborado a problemática a Lei de Execução Penal Brasileira contempla a Ressocialização do preso?
A escolha pelo tema partiu do interesse em conhecer a percepção de estudioso sobre a realidade do sistema carceragem do Brasil, ou seja, pesquisa buscou na bibliografia uma compreensão da interpretação de diferentes teóricos, além da legislação vigente brasileira no ordenamento jurídico, artigos, teses de mestrado e monografias para embasar o presente tema, sem ter o propósito de esgotar a discussão, entretanto, disponibilizar mais uma ferramenta de auxílio e orientação ao meio acadêmico e jurídico.
Referente ao método de pesquisa, adotou – se o estudo bibliográfico, por existir inúmeras obras publicadas que aborda o assunto proposto. Os pesquisados foram os trabalhos acadêmico-científicos publicados nos últimos 5 anos.
Em suma, foram alguns objetivos: averiguar as medidas de prevenção e informação para que a sociedade entenda a importância da ressocialização do preso, analisar a pena como meio de ressocialização do preso com auxílio espiritual, identificar se a religião coopera com ressocialização do preso e constatar a importância de religião no processo de ressocialização do preso.
2 CONCEITO E CARACTERIZAÇÃO DO SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO
O sistema prisional conceitua-se como um ambiente oficial de clausura ou retenção, onde os indivíduos que descumpre as leis são reclusos como penalidade judicial. As principais denominações de aferidas a esses espaços de execução penal são: Cadeia Pública, Penitenciária, Colônia Agrícola, Industrial ou Similar, Casa do Albergado, Hospital de Custódia e Tratamentos Psiquiátricos e Patronato. Existem aproximadamente oitocentos e vinte e uma cadeia no Brasil, que são destinadas à detenção de indivíduos presos em regime temporário (REALE, 2019).
Um dos fatores que decretaram a falência do sistema prisional no Brasil diz respeito à superlotação das cadeias. Entre os anos 2000 e 2010 aumentou-se em 113% o número de presos, determinando um verdadeiro caos nas já superlotadas unidades prisionais, conforme informações divulgadas pelo Ministério da Justiça. Somando a isso à ausência de investimentos e conservação das unidades prisionais, tornando desta forma, autênticos depósitos de indivíduos em conflitos com a lei, o que inevitavelmente facilita rebeliões e fugas.
A superlotação das celas, sua precariedade e sua insalubridade tornam as prisões num ambiente propício à proliferação de epidemias e ao contágio de doenças. Todos esses fatores estruturais aliados ainda à má alimentação dos presos, seu sedentarismo, o uso de drogas, a falta de higiene e toda a lugubridade da prisão, fazem com que um preso que adentrou lá numa condição sadia, de lá não saia sem ser acometido de uma doença ou com sua resistência física e saúde fragilizadas (DIAS, 2016, p.111).
Toda a mobilidade do apenado ou preso provisório fica comprometida, inclusive sua privacidade para fazer as necessidades fisiológicas que segundo relatos, algumas vezes o indivíduo as faz na própria marmita que foi servida sua refeição ou urina para o corredor da cela (BARATTA, 2022).
Ainda em tempos remotos, o ilustre Santo Agostinho inferia que “não existe um pecado que o outro não seja capaz de cometer”, compartilhando de pensamento semelhante, São Francisco de Assis fazia referência, “todos nós temos dentro do nosso coração um lobo voraz, capaz de causar o pânico e a morte”. Assim sendo, Ottoboni (2021) defende que todo ser humano traz consigo um homem crivado de sentimentos opostos como matar ou morrer, dispostos à guerra e à paz, força do amor e do ódio, do perdão e da vingança.
Sabe-se que, a criminalidade pode se manifestar em comportamentos de pessoas independentemente de sua classe social, mas o processo de criminalização alcança, em grande parte, a população de baixa renda. Para Myers (2020), o apenado não seria um indivíduo antagonicamente diferente, mas um status social atribuído acertos sujeitos selecionados pelo sistema penal.
Daí a explícita relevância do processo de ressocialização para capacitação psicológica e cultural do delinquente, e a pertinência da ênfase atual dada à pena como instrumento de realização de justiça, na medida em que deve prevenir o crime e preparar o condenado para o retorno ao convívio pacífico.
Expõe Dias Júnior (2016), a função social da prisão relaciona-se com o ajuste do homem à sociedade de forma coercitiva e repressiva, pautada na segregação, tendo em vista que o controle do crime é exercido pelo Estado com a finalidade de proteção dos interesses da sociedade capitalista de maneira a provocar um desinteresse quanto ao atendimento das necessidades os encarcerados. Nesse contexto, cabe destacar que a participação da sociedade é elemento integrador e indica o despertar reflexivo para uma mudança acerca da própria concepção de Estado, ultrapassando a ideia absolutista de “Estado onipresente e interventor” para um Estado coadjuvante na busca de soluções dos problemas apresentados.
O conceito de Segurança Pública é estabelecido na Constituição Federal em seu art. 144: “A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida pela preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio.” (BRASIL, 2015, p.68)
Esse fato demonstra que, sem a participação da sociedade pouco ou nada poderá ser feito, notadamente, na seara da execução penal, em que se destaca, a exemplo, a regulamentação do Conselho da Comunidade, órgão auxiliar do Judiciário, formado por iniciativa do Juiz da Execução e composto no mínimo por um representante de associação comercial ou industrial, um advogado indicado pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), um assistente social (art. 80, da Lei de Execução Penal – LEP, n.º 7.210 de 11 de julho de 1984), podendo ainda ser estruturado por outros profissionais ou pessoas da comunidade interessadas na execução penal, o qual depende da participação direta da sociedade para sua própria estruturação e funcionamento (BRITO, 2016).
Deste modo, o art. 81 da Lei de Execução Penal (7.210/84), estabelece como atribuições do Conselho da Comunidade Brito (2016 p. 49).
a) visitar, pelo menos mensalmente, os estabelecimentos penais existentes na comarca;
b) entrevistar presos;
c) apresentar relatórios mensais ao juízo da execução e ao Conselho Penitenciário;
d) diligenciar a obtenção de recursos materiais e humanos para melhor assistência ao preso ou internado, em harmonia com a direção do estabelecimento.
O conselho da comunidade é uma clara demonstração de que a tarefa de se operacionalizar a execução penal, inclui-se na responsabilidade de toda a sociedade, não podendo ser um problema enfrentado pelo Estado de forma isolada, mas que imprescinde da repartição de responsabilidades e atribuições com a sociedade envolvida. Afinal, a reeducação do preso e a ressocialização como aspectos de uma mesma situação pretendem realocar o indivíduo na sociedade e esta deve ser atuante juntamente com o Estado nesse desiderato (FOUCAULT, 2016).
Ocorre que, a banalização da violência urbana e os crescentes índices de criminalidade amedrontam cada vez mais a população brasileira. Não se vive hoje sem o medo constante da agressão física ou moral; não se consegue mais estabelecer um sentimento de segurança plena. De acordo com dados publicados no Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM) nº 113, de abril deste ano, a violência figura como a segunda preocupação da população brasileira, perdendo apenas para o desemprego (SILVA, 2010).
O mesmo dado pode ser encontrado no relatório oficial brasileiro sobre desenvolvimento sustentável, divulgado em junho deste ano pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que constatou um preocupante crescimento da violência. No ranking da Organização das Nações Unidas para a Educação - UNESCO, o Brasil ocupa o 3o lugar no índice de assassinatos de jovens entre 15 e 24 anos, tendo havido um aumento de 48% na última década.
A situação se agrava mediante a constatação da incapacidade do corpo policial em manter sob controle a onda crescente de criminalidade utilizando-se, apenas do sistema tradicional de Segurança Pública, mediante ações isoladas de forças policiais em policiamento repressivo, caracterizado pelo excesso de burocracia e má formação de oficiais (MARCÃO, 2019).
Neste esforço de mudança de paradigma a participação da sociedade é de extrema importância, e prevista, conforme já afirmado, no art. 144 da Constituição Federal, cujos exemplos podem ir das experiências de policiamento comunitário até a efetiva participação de voluntários em cursos e prestação de assistências nas mais diversas áreas no processo de reabilitação do condenado, a teor do que preconiza o modelo de associação de proteção e assistência ao condenado – APAC (OTTOBONI, 2021).
Constata-se que as políticas de direito penal máximo e tolerância zero, baseado no Estado paternalista que impõe penas cruéis aos infratores, apresentam-se como estorvos à construção de soluções eficientes, vez que, o encarcerado de hoje retornará ao convívio social amanhã, de forma mais violenta, caso não seja reabilitado (OTTOBONI, 2021).
Tomando o conceito de segurança pública como a garantia dada pelo Estado de uma convivência social isenta de ameaça de violência por intermédio do poder de polícia, convivência social esta que permite o gozo dos direitos assegurados na Constituição Federal, conclui-se que a política clássica de simples captura e encarceramento de criminosos demonstra a incapacidade de prever problemas e planejar ações preventivas por parte do Estado (ROBERTI, 2021).
A participação da comunidade é, portanto, extremamente necessária, já reconhecida nos instrumentos normativos (arts. 80 e 81 da Lei de Execução Penal- LEP), mas a mudança de paradigma acerca da pena e do condenado deve ser perseguida por todos, inclusive na formulação de políticas públicas, de modo a incentivar essa participação e tornar a sociedade mais consciente dessa problemática que atinge a todos de maneira direta e indireta, não cabendo mais espaço para imputar somente ao Estado a falência do Sistema prisional, sendo necessária a assunção de responsabilidade por parte de toda a sociedade, afinal, a delinquência é um fenômeno que nasce no seio da sociedade e permanece como fruto da mesma, cabendo a esta apresentar e propor soluções, coadjuvada pelo Estado que não é um fim em si mesmo, mas um meio para atingir o ideal de Justiça, Igualdade e Paz social (QUIROGA, 2015).
3.1 A função da ressocializadora
O Ministério da Justiça atribuiu a certos órgãos o controle, fiscalização e regulamentação do sistema prisional brasileiro. Alguns deles são o DEPEN (Departamento Penitenciário Nacional), o FUNPEN (Fundo Penitenciário Nacional), InfoPen (Sistema Nacional de Informação Penitenciária); todos esses órgãos estão vinculados ao Ministério de Justiça (GUIMARÃES, 2017).
O sistema prisional recorre-se legalmente à Constituição Federal, à Lei de Execução Penal, não obstante às normas comuns a toda a comunidade. Este regramento legal deve ser executado pelo diretor da prisão e pelo juiz da Vara de Execuções Criminais, a fiscalização fica a cargo do Ministério Público. Logo, o aparato legal e os órgãos que regulam o sistema penitenciário são diversificados, isto porque o sistema prisional tem em si o vislumbre de várias questões que precisam ser tratadas com uma minuciosa atenção (ROLIM, 2016).
Mesmo com essa multiplicidade de órgãos incumbidos do trato prisional há uma série de problemas existentes nos estabelecimentos penais, sendo em sua maioria relacionados à aplicação dos direitos dos presos e das presas. A insuficiência de condições mínimas que assegurem ao condenado e condenada o cuidado necessário são uma verdadeira supressão da dignidade humana. Tendo em vista a importância da aplicação dessas condições mínimas, a LEP dispensou no parágrafo único do art. 88 os requisitos básicos da unidade celular, na qual se inclui a salubridade do ambiente. A falta dessas condições mínimas no sistema prisional brasileiro tem “animalizado” homens e mulheres; tem tornado ineficaz um dos objetivos da lei de execução penal que é a reintegração social do preso e da presa; e, não obstante, tem sido fomentador do aumento da criminalidade (SOARES, 2016).
Atualmente, segundo a legislação nacional, o objetivo da execução penal para o condenado tem como fundamento basilar a integração social do preso e sua reinserção social. A prevenção especial da pena compreende a ressocialização do preso para evitar a reincidência.
A natureza retributiva da pena não deve busca apenas a prevenção, mas também a humanização do condenado, portanto, podemos concluir que a execução penal não visa somente punir o delinquente, mas também humanizá-lo, tornando-o apto ao retorno à convivência em sociedade (ROLIM, 2016).
Dispõe o artigo 1º da LEP que “a execução penal tem como objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal a proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado.” Nesse sentido o legislador pátrio procurou disciplinar a execução penal dando ênfase a dois pilares principais, sendo o primeiro a efetivação concreta da submissão do condenado à sanção imposta, consignando a ideia de punição e o segundo a integração social harmônica do condenado, preparando-o com meios necessários para voltar ao seio da sociedade (GUIMARÃES, 2017).
Tais meios defluem de um tratamento penitenciário especializado, que decorrem de uma organização penitenciaria eficiente, especialmente com a participação de servidores com formação técnica dirigida à consecução da reeducação e reintegração social do preso ou interno. É evidente, que o desejo do legislador é buscar penas mais humanizadoras e racionais, desmistificando e apartando-se de um processo histórico de penas cruéis, desumanas e repressivas
Para Brito (2016, p. 37):
[...] o escopo do tratamento decorre do desejo de racionalização e humanização da pena e de atingirmos objetivos penais preventivos, e não do desejo de encontrar novos sistemas repressivos por meio de coação, o oferecimento é a postura correta, em alternativa ao tratamento de maneira imposta.
Tal cenário toma a noção de dignidade da pessoa humana, consagrada na Constituição, como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, como preceito orientador de toda atuação estatal.
Deste modo, o Sistema Penal como derivação da própria soberania do Estado, deve respeito obrigatório a essa diretriz que deverá nortear a atividade estatal, desde a persecução penal até o efetivo cumprimento da reprimenda penal. Neste sentido, disserta Tavares (2015, p. 392):
A Constituição de 1988 optou por não incluir a dignidade da pessoa humana entre os direitos fundamentais, inserido no extenso rol do art. 5º [...] a opção constitucional brasileira, quanto a dignidade da pessoa humana, foi por considerá-la, expressamente, um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, consignando-a no inciso III do art. 1º.
Assim, priorizar a busca pelo aspecto ressocializador da penal é, antes de tudo, corresponder ao princípio da dignidade da pessoa humana, a partir de um ideal de valorização da pessoa, de recuperação e reinserção ao convívio social. Acontece que apesar de historicamente a pena ter assumido um caráter retributivo, ou seja, um castigo pelo mal cometido, sendo essa a marca evidente desde o princípio da história da civilização, somente a partir do século XVIII, houve uma tentativa de alterar esse posicionamento estabelecendo como característica da pena a prevenção que foi classificada em especial, quando voltada para o condenado, para evitar o cometimento de novo crime; e geral na medida em que serviria de exemplo e desestímulo para a sociedade quanto ao cometimento de crimes (TAVARES, 2015).
O sistema da repressão criminal veio mesmo a desenvolver-se no período humanitário, no século XVIII, que embora ainda trouxesse a ideia da retribuição pelo delito cometido, foi influenciado por pensadores como Cesare Beccaria, e quando ao invés de adotar-se a severidade das penas, numa época em que a tortura era a forma a mais comum de se obter a confissão do réu e a sua consequente punição, buscou-se defender os direitos fundamentais do acusado (RIBEIRO, 2016).
Embora os autores tentem rechaçar a ideia de pena como retribuição pelo crime, observa-se claramente que, esse ideal ainda persiste e não é difícil encontrar depoimentos, mesmo entre as camadas sociais que tiveram mais acesso à educação, o entendimento de que a pena é uma punição, um castigo para o delinquente.
Deste modo, a pena de prisão seria encarada como o último recurso para a punição do infrator, segundo defensores da corrente do Direito Penal Mínimo, vale dizer, devendo, quando aplicada, ser também um instrumento de recuperação do condenado, permitindo a este a volta ao convívio social (CUNHA, 2015).
Para Cunha (2012) ainda, “depois que o indivíduo está socializado, integrado à sociedade, se sofrer isolamento durante longo período poderá ocorrer: diminuição das funções mentais ou mesmo loucura”. Entretanto existem muitos casos em que os prisioneiros acabaram enlouquecendo na própria prisão ou após sua saída ou que quando de lá saíram já não eram os mesmos.
A individualização do cumprimento das penas, o tratamento humanitário dos detentos, a aplicação de terapia laboral, a assistência religiosa e familiar são exemplos de como fazer da prisão uma possibilidade de egresso da vida delituosa. O simples confinamento forçado, a privação da autonomia de vontade, de recursos, de bens de natureza pessoal, de relações heterossexuais, da família, da segurança, mediante um regime de controle quase total, não permite, ou até mesmo, impede a ressocialização do preso (BICCA, 2015).
Deste modo, o processo de ressocialização deve permitir ao preso, durante o cumprimento da pena e desde o seu ingresso no estabelecimento penal, o acesso a programas educacionais e profissionais, além de assistência médica, jurídica, social e religiosa, buscando-se o retorno destes indivíduos à convivência social. Deve-se buscar um modelo prisional em conformidade com os princípios do direito penitenciário, quais sejam: a proteção dos direitos humanos do preso, a efetiva colaboração da comunidade no tratamento penitenciário, o preso como membro da sociedade, a participação ativa do sentenciado na questão da reeducação e na sua reinserção social e a formação dos encarcerados de modo que reaprendam o exercício da cidadania e o respeito ao ordenamento legal.
O dinamismo penal se representa da seguinte forma: cominação, aplicação e execução das penas. Por esta razão, há uma trajetória a ser percorrida até que a pena seja efetivamente cumprida. A crise só ocorre depois de conectado o fato delituoso em concreto com a norma abstrata, ocorre no momento da aplicação da pena, pois extirpa-se mais que a liberdade do condenado ou condenada, extirpam-se seus direitos (BATISTA,2020)
A execução da pena longe está de apenas aprisionar-se o homem ou a mulher, mas mais que isso, inclina-se para uma diminuição gradativa de valores, direitos – e não obstante, da dignidade da pessoa humana. Preocupada com o sentido da pena nas prisões Irene Batista Muakad escreve que a pena:
Mantém o homem afastado da coletividade, mas não cria nele condições para uma vida em sociedade; e sua futura liberdade representa para ele, em vez de segurança, uma incógnita. Assim, o homem é preparado para continuar no presídio, não para a vida livre. A reforma das prisões não é um conceito nem uma aspiração. Trata-se de uma necessidade inadiável. A prisão não deve segregar apenas. (BICCA, 2015,p.3).
Precisa-se preparar a execução da pena com o sentido sim de reprovabilidade da conduta ofensiva do violentador da paz social, mas precisa-se ainda mais, criar nesse indivíduo uma mente pensante, produtiva e capaz de direcioná-lo a escolhas conscientes (BATISTA, 2020)
O autor Cezar Roberto Bittencourt tratando sobre a crise da pena privativa de liberdade questiona a validade da pena de prisão não só no campo teórico, como também nos princípios propostos, os fins ideias ou abstratos da privação de liberdade. Conclui ainda que a pena privativa de liberdade atua como fator criminógeno:
Um dos argumentos que mais se menciona quando se fala na falência da prisão, é o seu efeito criminógeno. Muitos autores sustentam essa tese que, aliás, já tinha sido defendida pelos positivistas e que se revitalizou no II Congresso Internacional (Paris, 1950). Considera-se a prisão em vez de frear a delinquência parece estimulá-la, convertendo-se em um instrumento que oportuniza toda espécie de desumanidade. Não traz nenhum benefício ao apenado, ao contrário, possibilita toda sorte de vícios e degradações (BATISTA, 2020, p.146).
Há um paradoxo entre a necessidade de se intervir no aumento da criminalidade e a utilização da pena privativa de liberdade no Brasil, tendo em vista que os muros visíveis e invisíveis das prisões além de coibirem a liberdade de locomoção, acentuam a marginalidade. Partindo disso, o auxílio da sociedade se mostra cada vez mais necessário (BICCA, 2015).
Quando se analisa a prisão sob a ótica dos presos, vê-se que em sua maioria, são jovens oriundos das camadas sociais mais pobres, já marginalizados socialmente, filhos de famílias desestruturadas, que não tiveram e não têm acesso à educação nem à formação profissional.
O positivismo criminológico de Lombroso, criador da figura do criminoso nato, reafirma essa concepção e, desse modo, deu nascimento ao que poderíamos chamar de Direito penal estático ou racista. Lombroso visitou cárceres, examinou seus habitantes (cerca de 25.000) e concluiu: os mais feios são indiscutivelmente os que delinquem. A prisão, em síntese, cumpre bem esse papel de retransmitir as idéias de que o crime pertence às classes baixas (BARATA 2022, p.158).
Converge assim esse pensamento no ideário comum da sociedade sobre o sistema penal brasileiro, a crença de que os mais pobres, feios e excluídos são os que pertencem a este submundo, isto é, ao mundo prisional (BARATA, 2022).
Interessante também a análise que Irene Batista Mukuad faz sobre a pena privativa de liberdade no livro Prisão Albergue, além de muito detalhado, é bem esclarecedor. Na mesma obra a autora indica como sendo algumas das causas da falência da pena privativa de liberdade: o tratamento carcerário que não atinge o objetivo de recuperação e readaptação social do condenado; a superlotação carcerária; a impossibilidade de individualização administrativa da pena; a falta de preparo específico do pessoal penitenciário; e a falta de colaboração da sociedade para a reintegração social do egresso.
3.2 A religião como instrumento de ressocialização
Os homens são um ser éticos e como tais, possuem necessidades de sustentar uma espiritualidade, conscientes disso ou não. Assim, se o homem aprisionado apresentar tal consciência e deseja colocá-la em prática, o Estado que tem sua guarda precisará designar forma de atendimento. Assim sendo, existe na legislação brasileira e de outras nações a previsão de auxílio espiritual no sistema penitenciário (MORAES, 2019).
Acredita-se que a perseverança das religiões como elementos relevantes da vida social ainda que posteriormente a tão intensas mudanças evidenciadas pela sociedade desde as profecias do “fim da religião” formuladas no século XIX, especialmente quando esta perseverança se dá de formas conflituosas, justificam as existências de normatização penal voltada à tutela não de um ou outra denominação religiosa, ou ainda daquela ou desta forma de se comportar, contrariando as convicções religiosas de alguém , entretanto, pela simples expressão das liberdades religiosas de exercer a fé plenamente, compreendendo tanto o livre-arbítrio de pertencer quanto assumir uma crença, igualmente a de não professá-la, de acordo com a consciência de cada um, assim sendo, garante a Constituição Federal da República Brasileira de 1988 (REALE, 2019).
A Constituição Federal de 1988 antevê no Art. 5º, inciso VI 38, que a consciência de credo é inviolável, garantindo o franco exercício de atividades religiosas e assegurando o amparo aos templos onde acontecem esses eventos. Para além disso, a CF delibera no Art. 5º, inciso VII, o direito basilar a prestação de auxílio religioso nos institutos militares e civis de internações coletivas (MIRABETE, 2016).
Assim sendo, a amparo religioso, baseado em sua fé e libre vontade é de grande relevância para o indivíduo que professa uma crença e manifesta desejo de praticá-la, mesmo que este indivíduo esteja sob a tutela do Estado, ainda que quando este individua não a praticava outrora. Pois as práticas religiosas tem se mostrado uma ferramenta de cooperação na diminuição de rebeliões e motins em ambientes prisionais.
5 CONCLUSÃO
A história das prisões constrói-se a cada dia, nesse processo de evolução o sistema prisional se mostra cada vez mais relevante. Verifica-se que esse crescimento carcerário populacional não vem acompanhado de planejamentos. Há, na verdade, uma divergência entre as garantias asseguradas e a sua eficácia.
Diante da pesquisa, conclui-se que uma das alternativas ao problema vivenciado em cárcere é a construção de novos estabelecimentos prisionais. As alternativas encontradas não são exaustivas, pode-se incluir a efetiva atuação da defensoria pública e do Poder Judiciário na revisão das penas, dentre outros.
A reinserção social é uma garantia legal, inclusive nos diversos tratados ratificados pelo Brasil. A reinserção dos presos se mostra como um dos temas delicados, pois para que haja o equilíbrio entre a sanção penal e o princípio da dignidade humana é necessário uma mudança extraordinária em todo o sistema penal. Procura-se não apenas meios para ilidir essa questão penitenciária abalada, procura-se por políticas públicas mais eficientes, e por uma sociedade envolvida nos problemas sociais.
Reafirma-se que a sanção penal deve levar em consideração a reintegração do condenado e que as políticas públicas devem primar primariamente por isto, uma vez que a reintegração social é tão importante quanto ao próprio cumprimento da pena. Pois o cumprimento da pena sozinho não tem o condão de diminuir a criminalidade nem de “reformar” o infrator.
A pena como um mal necessário deve vir acompanhada inevitavelmente de planejamentos para a reinserção social. Como visto na pesquisa, a educação e a religião são fundamentais nesse processo, posto que de um lado se proporcionará novos valores, conhecimento mais amplo sobre o mundo, e, por outro direcionará a à inserção no mercado de trabalho, o que a condiciona a ter uma economia capaz de suprir a suas necessidades, afastando-a da criminalidade que invariavelmente a atrai pelas facilidades que proporciona.
A história da pena constrói-se até os dias atuais, anseia-se, pois, por um olhar mais agudo sobre o cárcere. Anseia-se que os muros das prisões não aprisionem a liberdade de pensar, de crescer. Anseia-se por uma história da pena contada sob novos prismas.
Diante de discussões sobre a edição de leis que promovam a descriminalização, talvez pareça um tanto retrógrado almejar a identificação de formas de ressocializar infratores. No entanto, desconhece-se por qual lapso temporal o cárcere será o meio basilar de punição, e, assim sendo, como corpo social, deve-se buscar meios eficazes de tratamento, visando suavizar a situação dos indivíduos que se encontram segregados em prisões.
Conclui-se que este trabalho de revisão de literatura tenha alcançado seu propósito que se se destinou, pois ao longo de suas seções demonstrar a importância ressocialização para o preso e consequentemente para a sociedade.
REFERÊNCIAS
BARATA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal. 5º.ed.Rio de Janeiro, Editora Revan, 2022.
BATISTA, Nilo. Punidos e mal pagos: violência, justiça, segurança pública e direitos humanos no Brasil de hoje. Rio de Janeiro: Revan, 2020.
BECCARIA, C. Dos delitos e das penas. São Paulo: Editora Martin Claret, 2003.
BICCA, Alessandro. “A honra na relação entre os crentes e não crentes”. Em: Revista NER (Núcleo de Estudos sobre Religião) do Departamento de Antropologia da UFRG, Porto Alegre No. 8, pp. 21-38, ano 6, 2015.
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BRITO, Alexis Augusto Couto de. Execução Penal. São Paulo: Quartier Latin, 2016.
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[1] O orientador possui graduação em Direito pela Fundação Universidade Federal do Tocantins (2006). Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Penal e Previdenciário. Advogado Previdenciário e Criminal com ênfase em Tribunal do Júri. Possui especialização em Ciências Criminais pela Universidade do Sul de Santa Catarina.
Graduando em Direito pela Unidade de Ensino Superior do Sul do Maranhão – Unisulma. Instituto de Ensino Superior do sul do Maranhão – IESMA.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ALMEIDA, Calebe Silva. A pena como meio de ressocialização do preso com o auxílio espiritual Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 28 out 2022, 04:17. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/59689/a-pena-como-meio-de-ressocializao-do-preso-com-o-auxlio-espiritual. Acesso em: 04 dez 2024.
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