MÁRCIO SÉRGIO MONTEIRO BACURAU
(orientador)
RESUMO: O presente trabalho tem como objetivo abordar o instituto da Tutela Provisória e sua inter-relação com os Princípios do Devido Processo Legal e da Razoável Duração do Processo no âmbito do Direito Processual Civil Brasileiro. Sua origem, espécies, requisitos e repercussões. A relevância do estudo consiste em perceber a evolução do instituto ao longo do tempo, a compatibilidade com sobreditos princípios e suas implicações no mundo real, notadamente para as partes do processo. A metodologia utilizada foi a análise descritiva. Este artigo objetiva contribuir para o estudo deste importante instituto do Direito Processual Civil.
Palavras – Chave: Tutelas Provisórias. Princípios do Devido Processo Legal e da Razoável Duração do Processo.
ABSTRACTY: This paper aims to address the Provisional Guardianship Institute and its interrelation with the Principles of Due Legal Process and Reasonable Duration of the Process under Brazilian Civil Procedural Law. Its origin, species, requirements and repercussions. The relevance of the study is to understand the evolution of the institute over time, the compatibility with the above principles and its implications in the real world, especially for the parts of the process. The methodology used was the descriptive analysis. This article aims to contribute to the study of this important Civil Procedural Law institute.
Key – words: Provisional Guardianships. Principles of Due Process and Reasonable Duration of the Proces.
INTRODUÇÃO
O presente trabalho aborda o instituto da tutela provisória e sua inter-relação com os Princípios do Devido Processo Legal e da Razoável Duração do Processo, haja vista sua inegável importância como ferramenta de concretização do direito.
A partir da pesquisa doutrinária e jurisprudencial, o estudo tem como objetivo analisar a evolução do instituto tutela provisória no ordenamento jurídico pátrio ao longo do tempo, suas principais espécies, requisitos, características, bem assim suas repercussões práticas, notadamente para as partes do processo.
Também será estudada a relação existente entre os princípios do devido processo legal e da razoável duração do processo com o sobredito instituto.
O objetivo principal é que, ao final deste trabalho, seja possível concluir se há compatibilidade entre a tutela provisória e supramencionados princípios.
1. TUTELAS PROVISÓRIAS
1.1. BREVE HISTÓRICO NO DIREITO PROCESSUAL CIVIL BRASILEIRO, CONCEITO, PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS E FINALIDADE
Inicialmente, emerge oportuna a realização de um breve histórico da disciplina legal das tutelas “diferenciadas” a partir da redação original do Código de Processo Civil de 1973 (CPC/1973).
O CPC/1973 previa a existência de três tipos de provimentos jurisdicionais: a) o de conhecimento, onde o juiz, após a devida instrução, dizia o direito aplicável ao caso concreto; b) o de execução, estruturado para entrega efetiva do bem da vida à parte vencedora no processo, caso o sucumbente assim não o fizesse voluntariamente; e c) o cautelar, que, de natureza acessória, se destinava a garantir os dois primeiros diante de ameaças resultantes da morosidade da Justiça. Os doutrinadores da época entendiam que para cada uma das espécies de provimento havia um tipo de processo correspondente. Assim, de acordo com o texto original do CPC/1973, se uma parte pretendesse lançar mão de uma medida de natureza cautelar não era possível requerê-la no bojo do processo de conhecimento, mas sim teria que ajuizar uma ação cautelar, autônoma em relação à demanda principal.
Em resumo, nesse momento inicial do CPC/1973, em regra, não se admitia a possibilidade de provimento de tutelas provisórias satisfativas no âmbito do então procedimento comum ordinário. O que havia era a possibilidade de concessão limiar de algumas medidas antecipatórias previstas em certos procedimentos especiais, como, por exemplo, nas ações possessórias.
Apenas com o advento da Lei nº 8.952/94, que deu nova redação ao art. 273 do CPC/1973, foi que restou positivada a possibilidade de deferimento de tutelas antecipadas genéricas, de forma mais abrangente, desde que, por óbvio, fossem observados os requisitos legais. A partir de então, o ordenamento jurídico pátrio passou a admitir dois tipos de tutelas diferenciadas, a cautelar (assecuratória) e a antecipatória (satisfativa).
Posteriormente houve outras mini-reformas no texto do CPC/1973, como a trazida pela Lei nº 10.444/02, que entre outros pontos, deu uma nova redação ao §7º do art. 273, que conferiu ao magistrado poderes para, analisando o caso concreto, promover uma espécie de fungibilidade entre os provimentos cautelares e antecipatórios.
Já o CPC/2015, no seu art. 294, consagrou a expressão tutela provisória dispondo que pode “fundamentar-se em urgência ou evidência”. Percebe-se que o diploma legal enumera os possíveis fundamentos da tutela diferenciada, mas não traz seu conceito. Assim, emerge oportuna a transcrição da conceituação do sobredito instituto nas palavras do professor Marcus Vinícius Rios Gonçalves:
(...) é uma espécie de tutela diferenciada, em que a cognição do juiz não é exauriente, mas sumária, fundada ou em verossimilhança ou em evidência, razão pela qual terá natureza provisória, podendo ser, a qualquer tempo, revogada ou modificada. (GONÇALVES, 2017, p. 472)
Do conceito acima é possível extrair-se as duas principais características das tutelas provisórias, quais sejam, ser fruto de cognição perfunctória e sua precariedade.
Se para concessão da tutela diferenciada o magistrado tivesse que instruir todo o processo e realizar uma análise aprofundada de todo arcabouço fático-jurídico não haveria sentido para existência do instituo objeto deste estudo, pois a tutela deferida já poderia ser, desde logo, a definitiva. Assim, seja pela urgência ou pela evidência do direito, exige-se do Estado-Juiz uma resposta mais ágil para resguardar o direito sob afronta, o que autoriza o membro do Poder Judiciário decidir com base numa cognição não exauriente.
Por outro lado, em respeito aos princípios constitucionais do devido processo legal e do contraditório, essa decisão tem natureza precária, podendo ser revogada/modificada a qualquer tempo, haja vista que a parte contrária poderá trazer informações/fundamentos capazes de infirmar as alegações autorais ou, ainda, haver mudança na realidade fática que justificou a concessão da medida diferenciada.
Atente-se que a tutela provisória está sujeita à cláusula rebus sic stantibus, ou seja, depende da manutenção da situação fático-jurídica, conservando sua eficácia na pendência de decisão contrária, mas, repise-se, podendo ser revogada ou modificada a qualquer tempo, por decisão motivada. Tal característica encontra amparo legal no art. 296 do CPC/2015:
Art. 296. A tutela provisória conserva sua eficácia na pendência do processo, mas pode, a qualquer tempo, ser revogada ou modificada.
Parágrafo único. Salvo decisão judicial em contrário, a tutela provisória conservará a eficácia durante o período de suspensão do processo.
Quanto à finalidade da tutela sob análise, é possível resumir em duas alternativas: afastar o perigo a que está sujeita a tutela definitiva em razão dos efeitos do tempo - o que se alcança por meio da antecipação dos efeitos da sentença, ou pela adoção de uma medida assecuratória, que visa não satisfazer, mas preservar o provimento final (cautelar); ou redistribuir os ônus da demora na solução do processo, quando o direito tutelado for evidente.
1.2. PRINCIPAIS DIFERENÇAS PARA A TUTELA DEFINITIVA
A proteção jurisdicional conferida a uma pretensão específica pode ser realizada de diferentes formas e receber várias classificações. Uma delas enquadra a tutela em definitiva ou provisória.
Em regra, para se usufruir de um direito com base em uma decisão judicial há a necessidade de se obter a chamada tutela definitiva. Essa é prestada após a finalização da fase de conhecimento, ou seja, após o trânsito em julgado da decisão de mérito no processo.
Nessa fase, durante a instrução, são produzidas e colhidas as provas, assim como é oportunizado o pleno contraditório, além de ser dada às partes a possibilidade de se manifestarem nos autos processuais em todas as suas fases. Depois de esgotada a fase de conhecimento (tanto em primeira, quanto em segunda instância), há o chamado contraditório pleno, com o exercício da cognição exauriente pelo juiz. O contraditório pleno dá azo à chamada tutela definitiva.
Os magistrados, tanto de primeira instância, quanto de grau recursal (após a finalização da fase de conhecimento), já exauriram todas as possibilidades do contraditório, analisando as alegações trazidas pelas partes e as provas possíveis de serem produzidas no processo. Em decorrência dessa infinidade de provas e alegações, a regra é que a tutela definitiva seja imutável, gerando a chamada coisa julgada.
Entretanto, como visto acima, há outra espécie de tutela em contraponto à tutela definitiva, objeto deste estudo e que se encontra disciplinada nos arts. 294 e seguintes do CPC/2015.
A tutela provisória visa abrandar o ônus do tempo processual, porquanto permite a concessão imediata de um direito ou uma providência que assegure o interesse de uma das partes do processo, desde que haja fundamento suficiente, seja em razão de uma urgência (nos casos em que não será possível esperar o transcurso do processo todo), seja em razão da evidência (situações em que o direito é evidente, embora inexista urgência).
Dessa forma, o provimento é prestado antes do momento final da fase de conhecimento processual, podendo ser concedido liminarmente (no início da ação), durante o curso da fase de conhecimento (incidentalmente) e até, excepcionalmente, na sentença. É possível, ainda, que a tutela provisória seja concedida em sede de recurso, para que sejam antecipados os efeitos da tutela recursal ou para a concessão de efeito suspensivo ao recurso, seja por decisão monocrática do relator, seja por decisão colegiada.
Como dito acima, o contraditório a que o juiz tem acesso para proferir uma decisão de tutela provisória não é o contraditório pleno. No momento de prolação da decisão, o magistrado ainda não teve acesso a todos os elementos probatórios e alegações das partes. Costuma-se dizer que, nessa tutela provisória, a cognição do juiz é sumária ou não exauriente, conduzindo a um juízo de probabilidade.
Destaque-se, por oportuno, que quando a tutela provisória é concedida na sentença há uma exceção ao tipo de cognição que a precede, sendo, neste caso, exauriente. Registre-se que a concessão na sentença possibilita sua execução de imediato, haja vista que, conforme previsto no art. 1.012, §1º, inciso V, do CPC/2015, a sentença que confirma, concede ou revoga tutela provisória começa a produzir efeitos imediatamente após a sua publicação, pois eventual apelação interposta não terá efeito suspensivo automático.
Assim, enquanto a tutela definitiva é, em regra, imutável, a tutela provisória, como visto acima, tem a precariedade como uma de suas principais característica, podendo ser revogada ou modificada. Logo, dada a ausência de contraditório pleno, o magistrado poderá, a qualquer tempo, modificar ou revogar a tutela provisória, desde que o faça em decisão fundamentada, nos termos dos arts. 296 e 298 do CPC/2015.
Em resumo, pode-se dizer que a principal diferença entre as duas espécies de tutela estudadas reside na profundidade e extensão da cognição judicial, se exauriente ou perfunctória, o que repercutirá na possibilidade de mutação (ou não) das respectivas decisões.
1.3. TUTELA DE URGÊNCA E TUTELA DE EVIDÊNCIA: REQUISITOS E PRINCIPAIS DISTINÇÕES
Entre as novidades trazidas pelo CPC/2015 uma das mais relevantes foi a relativa às espécies de tutelas provisórias. Enquanto no CPC/1973 havia apenas a “antecipação de tutela” e a “cautelar”, o novo diploma legal unificou os tipos já existentes como subespécies da “tutela de urgência” e inovou ao positivar a chamada tutela de evidência. O professor Marcus Vinícius Rios Gonçalves assim dispõe sobre o tema:
A expressão “tutela provisória” passou a expressar, na atual sistemática, um conjunto de tutelas diferenciadas, que podem ser postuladas nos processos de conhecimento e de execução, e que podem estar fundadas tanto na urgência quanto na evidência. As tutelas de urgência, por sua vez, podem ter tanto natureza satisfativa quanto cautelar. (GONÇALVES, 2017, p. 468)
Portanto, atualmente, na classificação que leva em conta os fundamentos com base nos quais pode ser deferida, a tutela provisória é o gênero e as tutelas de urgência (satisfativa ou cautelar) e de evidência, as espécies.
Constata-se, pois, que a antiga tutela antecipada do CPC/1973 foi substituída pela tutela de urgência satisfativa - a qual, por sua vez, pode ser requerida de forma antecipada ou incidental -, enquanto que o provimento cautelar deu lugar à tutela de urgência cautelar.
Já a tutela de evidência consubstancia-se em verdadeira inovação do CPC/2015, haja vista que não possuía previsão similar no CPC/1973. Tendo como fundamento principal a grande probabilidade do direito alegado pelo requerente, independentemente da demonstração de perigo de dano.
Conforme abordado superficialmente acima, a tutela de urgência visa evitar o perecimento do direito, seja com a antecipação dos efeitos da sentença, seja pela adoção de uma medida assecuratória, que visa não satisfazer, mas preservar o provimento final (cautelar). Para que seja deferida é imprescindível a comprovação dos requisitos fixados no art. 300 do CPC/2015, quais sejam: a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo. Além dos requisitos positivos, o §3º de referido artigo estabelece o requisito negativo da irreversibilidade dos efeitos da decisão.
Aqui, é possível perceber a principal característica ou a essência da tutela provisória de urgência. Para qualquer de suas espécies (cautelar ou antecipada), é sempre necessário o perigo de dano da não concessão da tutela ou o risco ao resultado útil do processo. Ou seja, frise-se, é utilizada para evitar os males oriundos do transcorrer do tempo na relação jurídico-processual.
Destaque-se que probabilidade e risco são conceitos jurídicos indeterminados; são normas processuais abertas a serem “preenchidas” pelo magistrado no caso concreto. Destarte, quem determina se existe ou não a probabilidade ou o risco ao resultado útil do processo ou o perigo de dano é o juiz, com base nessa moldura traçada pela norma. Ora, não há como prever os casos e as hipóteses de permissão da concessão da tutela de urgência. A opção do legislador processual civil, tanto no atual CPC, quanto no CPC passado, foi colocar duas expressões com os conceitos jurídicos indeterminados para que o juiz, no seu sentir no exame da cognição, verifique se houve ou não seu preenchimento.
Como delineado acima, a tutela de urgência divide-se em cautelar (preventiva) e antecipada (satisfativa). Quanto ao momento processual em que é requerida, a tutela de urgência (cautelar ou antecipada) se divide em incidental e antecedente. A tutela incidental é aquela requerida/concedida no curso do processo. Já a tutela antecedente é concedida em um procedimento prévio ao processo principal, limitando-se à análise das questões relativas à tutela provisória (arts. 303 a 310 do CPC/2015).
Importante frisar que, tanto a tutela cautelar quanto a satisfativa devem, necessariamente, manter uma reação de correspondência com a pretensão final, embora de formas diferentes. Enquanto a cautelar visa resguardar o bem da vida de modo a viabilizar a utilidade do provimento futuro, a satisfativa antecipa o que só seria entregue ao final do processo.
A tutela de evidência baseia-se no princípio da razoável duração do processo e visa redistribuir os ônus da demora na solução do processo, quando o direito tutelado for evidente. Dessa forma, mesmo não havendo perigo de dano, o provimento pretendido poderá ser deferido, pois não é justo que o titular do direito sofra os efeitos deletérios da morosidade processual se há uma grande probabilidade de suas alegações serem verdadeiras. Assim, é mais justo que o provável infrator da norma jurídica arque com as consequências de uma eventual demora na tramitação processual e não a parte que está tendo seu direito violado.
Os requisitos para concessão da tutela de evidência estão previstos no art. 311 do CPC/2015, cuja transcrição emerge oportuna:
Art. 311. A tutela da evidência será concedida, independentemente da demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo, quando:
I - ficar caracterizado o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório da parte;
II - as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante;
III - se tratar de pedido reipersecutório fundado em prova documental adequada do contrato de depósito, caso em que será decretada a ordem de entrega do objeto custodiado, sob cominação de multa;
IV - a petição inicial for instruída com prova documental suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável.
Parágrafo único. Nas hipóteses dos incisos II e III, o juiz poderá decidir liminarmente.
Repise-se que a concessão da tutela de evidência, diferentemente da tutela de urgência, independe da demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo.
A ideia central da tutela da evidência é a presença da alta probabilidade de concretização do direito do autor, nas hipóteses previstas na legislação. Tal premissa permeia todas as hipóteses de cabimento.
A doutrina majoritária entende que o rol do art. 311 do CPC/2015 é taxativo. Dentre os incisos transcritos merece destaque o II, pois parte integrante das várias novidades trazidas pelo CPC/2015 com o objetivo de fortalecer o sistema de precedentes judiciais.
Quanto ao momento de requerimento/concessão há uma diferença que deve ser destacada. As tutelas de urgências podem ser incidentais ou antecedentes, mas a de evidência será sempre incidental, ou seja, a medida será requerida e, eventualmente, concedida no bojo do processo principal. Ora, se não há urgência para esse provimento não há razão para não se aguardar o início do processo.
Aqui, imperativo mencionar a possibilidade de estabilização da tutela provisória de urgência antecipada antecedente, caso não seja interposto recurso contra a decisão que a deferir, nos termos do art. 304 do CPC/2015. Nesse caso o processo será extinto e o provimento satisfativo continuará a produzir efeitos enquanto não revisto, reformado ou invalidado (§§ 1º e 3º do art. 304 do CPC/2015).
Entretanto, mesmo depois de extinto o processo, segundo o § 2º do referido art. 304 “qualquer das partes poderá demanda a outra com o intuito de rever, reformar ou invalidar a tutela antecipada estabilizada nos termos do caput.” Registre-se que o prazo para essa ação é decadencial de 2 (dois) anos, contados da ciência da decisão que extinguiu o processo (§ 5º do art. 304). Oportuno frisar, também, que referida estabilização do provimento provisório não se confunde com a coisa julgada, pois esta só se dá com a decisão de mérito transitada em julgado.
Essa possibilidade de estabilização da tutela provisória, ou seja, de não ser posteriormente substituída por um provimento definitivo é, na verdade, a reprodução de uma técnica processual de mitigação da instrumentalidade presente no direito francês, no “référé provision” , e também no direito italiano, que foi positivada no CPC/2015.
Destaque-se, por fim, que o instituto da estabilização ocorre apenas nas tutelas de urgências antecipada antecedente, não se aplicando às demais espécies.
1.4. LEGITIMIDADE E CABIMENTO
A tutela provisória, ordinariamente, é requerida pelo autor da ação. Contudo, também possuem legitimidade para requerê-la: o réu; terceiros intervenientes; o órgão do Ministério Público, ainda que atuando como fiscal da lei; o substituto processual; e o assistente simples, na omissão do assistido.
Apesar de ser incomum e gerar até um certo estranhamento, é pacífico que o réu pode requerer a tutela provisória, haja vista que não há nenhuma vedação legal quanto a isso. Pelo contrário, se alinha com o princípio da paridade de armas (isonomia no âmbito processual). O demandado pode requerer a antecipação dos efeitos da improcedência do pedido do autor, não apenas nas ações dúplices (em que a própria defesa apresenta o exercício de uma pretensão), mas também em outros casos. Um exemplo clássico é o de uma ação de cobrança movida pelo autor contra o réu em que ele (requerido), ao se defender, requer a antecipação da tutela para que o nome dele seja retirado dos cadastros de restrição ao crédito.
Já no que se refere à concessão de ofício pelo magistrado, tem-se que, em regra, não é possível. Contudo, é importante citar a hipótese de concessão de ofício dos alimentos provisórios como tutela provisória (art. 4º da Lei nº 5.478/1968).
Quanto ao cabimento da tutela provisória, o instituto é admitido em todo e qualquer procedimento, no comum, nos procedimentos especiais, nos processos coletivos, nos que tramitam perante os juizados especiais etc. Deve-se atentar, porém, à existência de requisitos específicos em determinados procedimentos, conforme o caso.
2. PRINCÍPIOS PROCESSUAIS CORRELACIONADOS COM AS TUTELAS PROVISÓRIAS
O Direito Processual Civil brasileiro é regido por um conjunto de princípios que devem nortear o aplicador do Direito. Assim o é porque o CPC/2015 prima pelo Modelo Constitucional de Processo Civil, devendo, portanto, seu regramento ser aplicado e interpretado à luz da Constituição Federal de 1988 (CF/88).
No tópico anterior já foram abordados alguns princípios pertinentes ao instituto da tutela provisória. Neste momento serão um pouco mais detalhados os escolhidos no recorte deste estudo, notadamente o do devido processo legal e da razoável duração do processo.
Como fundamento “mãe” para todos os princípios processuais pode-se destacar o do devido processo legal, estampado no inciso LIV do art. 5º da CF/88, segundo o qual “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”.
Segundo o Professor José Herval Sampaoio Júnior:
Essa previsão, mesmo que aparentemente perfunctória, é, sem sombra de dúvidas, umas das maiores garantias que o cidadão tem dentro do Estado Democrático de Direito. É direito que atravessa os séculos, tendo sido prevista a primeira vez, segundo registram os históricos, desde o ano de 1215, na Magna Charta de João Sem Terra, e já àquela época se percebia essa feição de limitação do poder estatal. Com o passar do tempo, assumiu outros contornos, sendo hoje, tanto no sistema civil law como principalmente no comow law, um verdadeiro postulado que deve cingir toda a atividades estatal, mas principalmente o processo jurisdicional. (SAMPAIO, 2009, P. 136)
Tal princípio, além da vertente processual, segundo a qual as partes possuem direito: ao conhecimento sobre eventuais ações ajuizadas em seu desfavor, a exercerem o contraditório, através das defesas pessoal e técnica, bem assim de serem julgados por juiz imparcial; modernamente, abrange também o sentido material, sendo garantido à parte o direito de efetivamente influenciar na formação da convicção do julgador.
Pedro Lenza, citando José Afonso da Silva dispõe que:
(...) o princípio do devido processo legal combinado com o direito de acesso à justiça (artigo 5º, XXXV), o contraditório e a ampla defesa (art. 5º, LV), fecha o ciclo das garantias processuais. Assim, garante-se o processo, com as formas instrumentais adequadas, de forma que a prestação jurisdicional, quando entregue pelo Estado, dê a cada um, o que é seu. (LENZA, 2017, p. 1.204)
Inegável, portanto, a importância de sobredito princípio, bem assim a submissão das tutelas provisórias a ele, de modo que sua concessão não poderá jamais ir de encontro aos ditames do devido processo legal. Lembre-se que não é admitido o deferimento da tutela de urgência de natureza antecipada quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão (§ 3º do art. 300 CPC/2015). Tal preceito se alinha com o princípio ora estudado, bem assim ao princípio da segurança jurídica – que será visto adiante -, pois caso a parte contrária traga aos autos informação ou argumento capaz de infirmar as alegações do requerente da tutela esta poderá ser revertida/modificada.
Além dos princípios basilares acima citados, emerge oportuno citar os princípios da razoável duração do processo e da segurança jurídica como norteadores dos operadores do direito na aplicação das normas jurídicas aos casos concretos. O primeiro, incluído no arcabouço constitucional com a Emenda Constitucional de nº 45 de 2004 (conhecida como Reforma do Poder Judiciário) garante que “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”. Afinal, nas lições do saudoso mestre Rui Babosa “a justiça atrasada não é justiça; senão injustiça qualificada e manifesta.” (BARBOSA, 1921)
Nosso ordenamento jurídico não definiu qual seria o tempo da “razoável duração do processo”. O professor Fredie Didier Jr. pontua que:
A Corte Europeia dos Direitos do Homem firmou entendimento de que, respeitadas as circunstâncias de cada caso, devem ser observados três critérios para se determinar a duração razoável do processo, quais sejam: a) a complexidade do assunto; b) o comportamento dos litigantes e dos seus procuradores ou da acusação e da defesa no processo; c) a atuação do órgão jurisdicional. (DIDIER JT., 2015, p. 95)
É inegável que para grande parte da população a primeira palavra que vem à mente quando se fala em Poder Judiciário é a lentidão. Em levantamento encomendado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) ao Centro de Pesquisas de Opinião Pública da Universidade de Brasília (DATAUnB, 2005), dos 17,8% dos entrevistados que disseram que não vale a pena procurar a Justiça, 42,6% apresentaram a morosidade como principal fator.
O provimento jurisdicional moroso compromete sobremaneira sua eficácia e vai de encontro ao princípio do acesso à justiça sob a sua óptica material, segundo a qual o sobredito princípio não se resume à possibilidade de ajuizamento de ações (sendo esse apenas seu aspecto formal), mas sim uma decisão justa e eficaz. Essa visão está totalmente alinhada com o modelo constitucional de processo, pois este não tem razão de existir isoladamente, senão como instrumento para o alcance do direito material.
Por outro lado, é inegável que, do ajuizamento da ação até a sentença, o processo demanda um tempo de maturação, a fim de que possa ser realizada a instrução do feito, respeitando-se os princípios do devido processo legal e seus corolários, do contraditório e da ampla defesa, perseguindo-se a decisão mais justa possível e, observando-se, em última análise, o princípio da segurança jurídica.
Segundo o Professor José Afonso da Silva:
(...) a segurança jurídica consiste no ‘conjunto de condições que tornam possível às pessoas o conhecimento antecipado e reflexivo das consequências diretas de seus atos e de seus fatos à luz da liberdade reconhecida.’ Uma importante condição da segurança jurídica está na relativa certeza que os indivíduos têm de que as relações realizadas sob o império de uma norma devem perdurar ainda quando tal norma seja substituída. (SILVA, 2006, p. 133)
Sobredito princípio também encontra amparo constitucional, especialmente no inciso XXXVI do art. 5º que diz: “a lei não prejudicará o direito adquirido, a coisa julgada e ato jurídico perfeito.” A estabilidade das relações jurídicas, constitui-se no aspecto subjetivo deste princípio, ao passo que à proteção à confiança (ou confiança legítima) na sua faceta subjetiva. Portanto, leva em consideração a boa-fé do jurisdicionado, o qual acredita que as decisões (e os atos em geral) proferidas pelo Estado sejam lícitas e respeitadas pelo próprio Poder Público e por terceiros.
Assim, na apreciação das demandas judiciais o julgador deve encontrar o ponto de equilíbrio para que possa proferir decisões em tempo razoável, a fim de que o direito em questão não pereça, mas sem deixar observar o devido processo legal.
É nesse ponto que o instituto das tutelas provisórias se inter-relaciona com os princípios da razoável duração do processo, do devido processo legal e, consequentemente, do contraditório e da ampla defesa.
Registre-se, por oportuno, que os princípios que regem o Direito Processual Civil brasileiro não se restringem aos acima citados. Entretanto, o recorte epistemológico realizado para o presente trabalho selecionou os supramencionados.
CONCLUSÃO
Diante do acima expendido, conclui-se que as tutelas provisórias não só são compatíveis com os princípios da razoável duração do processo e do devido processo legal (e seus corolários, contraditório e ampla), como vão ao encontro de seus preceitos.
A tutela provisória é um consectário do devido processo legal.
Primeiro, como tutela de urgência, ela responde à inafastabilidade da jurisdição do artigo 5º, XXXV, que diz que o Poder Judiciário deve evitar lesão a direito ou a ameaça de lesão. É exatamente aí que está o provimento de urgência, o provimento cautelar, sob pena de ineficácia da jurisdição, sob pena de infrutuosidade, como diz Calamandrei (1971), do provimento definitivo.
A título de exemplo, se não se concede logo a limitar para realização de procedimento cirúrgico, o requerente pode vir a óbito, sendo ineficaz a tutela posterior. O provimento definitivo não terá eficácia, não será mais útil.
Dessarte, há necessidade de um provimento provisório com base na tutela de urgência. Então, o fundamento constitucional para a tutela provisória de urgência é a proteção da jurisdição, a inafastabilidade da jurisdição e devido processo legal.
Por outro lado, os provimentos provisórios da evidência se justificam pela duração razoável do processo, também presente na nossa Constituição e nos diversos Tratados e Convenções de proteção de direitos humanos, como o Pacto de São José da Costa Rica. Ela é um temperamento, uma redistribuição do ônus processual. Ora, o autor sempre tem aí uma desvantagem temporal, porque o bem da vida, muito provavelmente, está com o réu. Ele propõe uma ação para retomar ou toma-lo para si e fica aguardando todo o trâmite processual para que a sua tutela definitiva, então, venha ser executada e ele venha a ter seu direito observado.
Logo, se o autor tem um direito evidente, um direito que se prova bem de plano, quem deve suportar o ônus temporal do processo é exatamente o demandado. Então, a tutela da evidência prescinde da urgência, mas redistribui o custo, esse ônus temporal do processo, entregando a quem de direito o bem da vida e deixando ao réu as consequências do ônus temporal. É o fundamento constitucional da tutela de evidência.
Especificamente quanto ao princípio do contraditório pode ser de suas espécies: postecipado ou antecipado, de acordo com a regra do artigo 9º do CPC/2015. Importante deixar claro que as tutelas provisórias não prescindem do princípio do contraditório. Pelo contrário, ele será sempre observado, sendo apenas diferido, nos casos das tutelas de urgência deferidas de forma antecipada.
Não é outro o entendimento da jurisprudência majoritária. Aqui, emerge oportuna a transcrição de excerto jurisprudencial nesse sentido:
Trata-se de agravo de instrumento interposto pelo SINDICATO ESTADUAL DOS TRABALHADORES EM EDUCAÇÃO DO TERCEIRO GRAU DO ACRE SINTEST, visando a concessão de antecipação de tutela de urgência com o fim de garantir o direito à percepção dos adicionais de insalubridade e periculosidade, pelo fato dos substituídos estarem trabalhando remotamente, em face de medida implementada excepcionalmente, decorrente do contexto atual da pandemia pela Covid-19. Sustenta a ilegalidade do ato da Universidade Federal do ACRE, consubstanciado na Instrução Normativa nº 28/2020, que determinou a supressão de adicionais, verbas de natureza alimentar, de servidores que estão em pleno exercício de suas funções, sem observância aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa e da irredutibilidade de vencimentos, causando-lhes prejuízos, por situação que não deram azo. II (...) Também não se vislumbra, em tese, ofensa ao devido processo legal, contraditório e ampla defesa, haja vista que a impugnação por parte do substituído prejudicado não resta vedada ou cerceada, já que este poderá veicular seu inconformismo, com todos os meios de defesa que lhe são assegurados pela lei que regula o processo administrativo. Não há que se falar em ofensa à irredutibilidade do vencimento prevista na Constituição Federal, uma vez que essa garantia de irredutibilidade não alcança vantagem de natureza temporária e precária, passível de concessão ou supressão, conforme expresso no art. 68, § 2º, da Lei 8.112/90. Ressalte-se que a instrução normativa somente orientou e uniformizou o entendimento da Administração sobre o tema, bem como detalhou o procedimento a ser seguido pelas unidades de recursos humanos dos seus diferentes órgãos. Assim sendo, não se vislumbra o alegado vício de legalidade na supressão dessas vantagens, porquanto o ato impugnado resta amparado pela mencionada Lei 8.112/90. Importante salientar, por fim, que a restrição ao direito ao adicional de insalubridade ou periculosidade deve ater-se ao período em que os substituídos executarem suas atividades remotamente ou estejam afastados de suas atividades presenciais. Nesse contexto, não caracterizada probabilidade do direito, torna-se despicienda a análise do periculum in mora. III Pelo exposto, indefere-se o pedido de tutela de urgência. Intime-se a parte agravada para apresentar contrarrazões (art. 1.019, II, do CPC). Publique-se. Intimem-se. Comunique-se ao juízo de origem. (TRF 1ª Região. Agravo de Instrumento. Proc. 1020914-05.2020.4.01.0000. Relator DESEMBARGADOR FEDERAL WILSON ALVES DE SOUZA. Data da publicação: 01/09/2020. Fonte: PJE 01/09/2020 PAG) Grifo Nosso
Relembre-se que não se poderá deferir a tutela de urgência se houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão, justamente em consonância com o princípio do devido processo legal e do contraditório sob seu enfoque material, haja vista que, se nas alegações trazidas pela parte contrária ficar demonstrado que a tutela não deveria ter sido deferida, será possível a reversão da decisão.
Resta evidenciado, pois, a total compatibilidade do instituto das tutelas provisórias com os princípios que regem o direito processual civil, notadamente o do devido processo legal e o da razoável duração do processo, caracterizando-se como importante instrumento de concretização de justiça.
REFERÊNCIAS
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Especialista em Direito pela Universidade Regional do Cariri (URCA)
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RIBEIRO, José Yuri Pinto. Tutelas provisórias e sua inter-relação com os princípios do devido processo legal e da razoável duração do processo Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 22 nov 2022, 04:21. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/60148/tutelas-provisrias-e-sua-inter-relao-com-os-princpios-do-devido-processo-legal-e-da-razovel-durao-do-processo. Acesso em: 04 dez 2024.
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