RESUMO: Os impactos negativos em virtude da inércia do poder legislativo, mais precisamente do congresso nacional ao se omitir em legislar uma lei especifica a fim de tutelar os direitos básicos da comunidade LGBTQIA+ são considerados imensuráveis em razão de não haver dados oficiais acerca da contabilização dos números tanto das violências em face dessas pessoas, quanto as mortes. Partindo dessa ideia, da proteção dos direitos fundamentais dessa comunidade o poder judiciário se viu na necessidade em intervir para que os direitos básicos fossem respeitados. A intervenção do poder judiciário se deu a partir da ADO nº 026, ato pelo qual o STF por meio de decisão uniforme declarou a criminalização da Homofobia e da Transfobia, por meio de analogia a lei de racismo nº 7.716/89. Diante da relevância social quanto ao objeto em questão, é evidente a necessidade da problematização, afim de assegurar o devido amparo legal específico a essas pessoas, para que dessa forma a sociedade entenda que não se pode banalizar a violência contra essa comunidade, demonstrando que a violência em face dessas pessoas se dão de formas espantosas, cabendo ao Estado analisar essa questão para que possa revisar os instrumentos já existentes, assim como propor uma elevação na criação de outros dispositivos legais almejando proporcionar uma maior segurança dessa população, afim de diminuir a violência, e consequentemente reduzir os números de mortes, garantindo proteção igualitária a todos sem distinção de qualquer natureza, preservando, dessa forma a dignidade enquanto pessoa humana.
PALAVRAS-CHAVE: Criminalização. Transfobia. Dignidade da Pessoa Humana. Poder Legislativo. Ativismo Judicial.
ABSTRACT: The negative impacts due to the inertia of the legislative power, more precisely of the national congress when it omits to legislate a specific law in order to protect the basic rights of the LGBTQIA+ community, are considered immeasurable because there is no official data about the accounting of numbers both violence against these people, as well as deaths. Based on this idea, the protection of the fundamental rights of this community, the judiciary saw the need to intervene so that basic rights were respected. The intervention of the judiciary power took place from the ADO n. Faced with the social relevance of the object in question, the need for problematization is evident, in order to ensure the proper legal support specific to these people, so that society understands that violence against this community cannot be trivialized, demonstrating that the Violence against these people occurs in appalling ways, and it is up to the State to analyze this issue so that it can review the existing instruments, as well as propose an increase in the creation of other legal provisions aiming to provide greater security for this population, in order to reduce violence , and consequently reduce the number of deaths, guaranteeing equal protection to all without distinction of any kind, thus preserving dignity as a human person.
KEYWORDS: Criminalization. Transphobia. Dignity of human person. Legislative power. Judicial activism.
1 INTRODUÇÃO
A criminalização da homofobia e da transfobia se deu por meio do julgamento do STF da ADO nº 026, no entanto, apesar de tal previsão, observa se que ainda existem vastos números de violência, em frente a população LGBTQIA+, logo, é notório que apesar de já existir a criminalização, ainda existem falhas na legislação. Dessa forma, cabe ao Estado uma reformulação dos instrumentos já existentes, bem como a criação de outros mecanismos legais mais eficazes para garantir amparo a essa parcela da população, para que dessa forma a sociedade entenda que não se pode naturalizar a violência contra essa comunidade.
De acordo com diversos doutrinadores, assim como órgãos e entidades que aludem sobre o assunto, apontam sobre os altos índices de violências e assassinatos, bem como sobre a descriminalização em face dos agressores das pessoas que fazem parte da comunidade LGBTQIA+. Ademais, os dados apresentados nos relatórios e pesquisas feitas pelas ANTRA - associação nacional de Travestis e Transexuais, demonstram que o Brasil continua ocupando o primeiro lugar no ranking em registro de homicídios de pessoas transgêneros, se tornando o país que mata assassina pessoas transexuais. Diante de tais dados, é explicito quanto a importância do entendimento admitido pelo Supremo Tribunal Federal, frente à omissão do poder legislativo, uma vez que proporciona amparo legal, para esse grupo de minorias que fazem parte da sociedade.
Por fim, apesar da criminalização da homofobia e da transfobia, ter sido incluída na lei de racismo, através do julgamento do STF realizado em 2019, no qual trouxe o reconhecimento dos direitos inerentes à população LGBTQIA+, este tem se demostrado deficiente quanto ao seu objetivo, necessitando dessa maneira de uma legislação específica, afim de tratar dos crimes apenas dessa natureza, assim como a ampliação dos mecanismos vigentes, para que dessa forma seja possível uma redução desses dados, que decorrem de violências e agressões sofridas pela comunidade trans, e consequentemente seja evitada mais assassinatos.
2 ORIENTAÇÃO SEXUAL E IDENTIDADE DE GÊNERO
2.1 Orientação Sexual
A orientação sexual do ser humano faz referência a singularidade de cada pessoa em ter uma atração emocional, afetiva ou sexual por pessoas de gênero diferente, do mesmo gênero ou por mais de um gênero. Segundo Thales Nobre Quaresma Araújo (2020), a orientação sexual é dividida em diversas dimensões, entretanto, as mais conhecidas são: a heterossexualidade, bissexualidade e a homossexualidade, nos seguintes termos:
Heterossexualidade: Consiste na pessoa que se sente atraída pela representação de gênero diferente da sua.
Bissexualidade: São pessoas que se sentem atraídas pelas duas representações clássicas de gênero: homem e mulher.
Homossexualidade: São pessoas que se sentem atraídas pela representação de gênero igual à sua.
2.2 Identidade de Gênero
Além da orientação sexual, temos a identidade de gênero, que é entendida como a forma que o indivíduo se identifica, que pode ou não corresponder ao sexo adquirido no nascimento, incluindo o senso pessoal do corpo e outras expressões de gênero.
Destaca-se que, o fator determinante da identidade de gênero é a forma pela qual a pessoa deseja ser reconhecida, bem como pela maneira em que o indivíduo se veja e se sente.
No que consiste a identidade de gênero existem quatro principais tipos de categorias: os cisgênero que são indivíduos que se reconhecem com seu sexo biológico conferido no nascimento; os transgênero se tratam das pessoas que fazem a transição para um gênero diverso ao sexo biológico; os não-binário são os indivíduos cuja identidade de gênero não está limitada às definições de masculino ou feminino e por fim o Intersexual que consiste nas variedade de condições genéticas e/ou somáticas com que uma pessoa nasce. (WESLEY SILVA MEIRELES (2020, p. 10 apud YOGYAKARTA, 2006).
3 DA TRANSFOBIA
A transfobia é determinada como discriminação em face de uma pessoa em virtude da sua identidade de gênero, isso quer dizer que as vítimas desses atos são em desfavor de travestis, mulheres transexuais e homens transexuais, e em grande parte, essas violências são acompanhadas de expressiva crueldade, e é a partir dessa peculiaridade que a transfobia se caracteriza como um crime de ódio, isso porquê, diferente de outros crimes, a identidade de gênero é um elemento determinador para a agressão, tem como principal finalidade atacar a minoria social, e não apenas a pessoa em si. (BRUNA BENEVIDES, 2018).
Vale destacar que a transfobia não se limita apenas a discriminação, pois se trata a todo e qualquer tipo de desprezo, ódio ou preconceito contra as pessoas trans, podendo se manifestar, de forma notória ou disfarçada, por meio de violências.
As vítimas desses atos discriminatórios compõem um grupo minoritário de pessoas vulneráveis, e em virtude da transfóbica distinção que sofre em razão de sua identidade de gênero merecem especial proteção do Governo, pois são sofredores de intolerância, e em decorrência disso sofrem com constantes violências marcadas pela crueldade, diferentemente das pessoas cisgêneros, que desconhecem tal prática. (BRUNA BENEVIDES, 2018).
É importante destacar que a violência, em especial a física em face a esses indivíduos é cercada de agressões, e muitas das vezes são apenas um início de uma terrível prática, chegando ao ápice da violência, isto é, a morte. Em razão disso, a busca pelo direito à vida tem se tornado a principal luta dessas pessoas, haja vista, ser o direito mais atacado dada a significativa violência contra eles em virtude de ficarem mais expostas e sujeitas a violências e a morte pois grande parte são profissionais do sexo, negras e em situação de vulnerabilidade social.
A Violência em frente a essas pessoas vítimas desse crime desumano tem sempre o mesmo perfil, isto é, negras/pretas e pobres, e grande utilizam a prostituição como fonte de renda, devido à dificuldade de inserção no mercado formal de trabalho e a deficiência na qualificação profissional causada pela exclusão social, familiar e escolar. E em decorrência dessa exposição em busca de renda aumenta cada vez mais a violência, uma vez que estão em mais vulneráveis aos agressores.
Isso demonstra o reflexo que a discriminação que existe em face a eles, e é diante dessa indiferença que essas pessoas se sujeitam a trabalhos decadentes, pois não são aceitos como pessoas detentoras de direitos, dessa forma se encontram em alta vulnerabilidade social e por consequência serão expostas aos maiores índices de violência. (BRUNA BENEVIDES, 2020).
A ANTRA (2021) - Associação Nacional de Travestis e Transexuais chamou atenção ao fato de que:
Pelo menos 78% dos assassinatos foram direcionados contra travestis e mulheres trans profissionais do sexo, que são as mais expostas à violência direta e vivenciam o estigma que os processos de marginalização impõem a essas profissionais.
Seguindo o critério de classe social, raça ou gênero, no que tange os assassinatos em face das pessoas trans, a ANTRA em 2021 reafirma que:
Em 2021 pelo menos 78% dos assassinatos foram direcionados contra travestis e mulheres trans profissionais do sexo, que são as mais expostas à violência direta e vivenciam o estigma que os processos de marginalização impõem a essas profissionais.
81% eram travestis/mulheres trans negras - pretas e pardas (de acordo com o Estatuto da Igualdade Racial), explicitando ainda mais os fatores da desigualdade racial nos dados de assassinatos contra pessoas trans.
Em 2021, das 140 vítimas de homicídios, 135 eram travestis/mulheres trans, deixando nítido que a motivação, assim como a própria escolha da vítima tem relação direta com a identidade de gênero (feminina) expressa pelas vítimas, que representam 96% dos casos.
Cumpre destacar que as violências e violações de direitos humanos contra a população trans se intensificaram ao longo dos anos, apesar das constantes lutas para o combate. Vale ressaltar que, muitas das vezes as pessoas pertencentes a comunidade não consegue resistir a ausência do acesso a direitos básicos, e diante de casos intensos recorrem a ações extremas, como os suicídios. Destaca-se que há diversos fatores precisam ser enfrentados, tais como:
1. Proibição das discussões sobre gênero, sexualidade e diversidade nas escolas;
2. Interferência no Estado de uma ideologia religiosa em detrimento do Estado laico;
3. Falta de campanhas de educação/prevenção da violência transfóbica;
4. Ausência de projetos, ações e campanhas sobre educação e empregabilidade para a população trans;
5. Dificuldade no acesso ou negação de atendimento de pessoas travestis e mulheres transexuais nas Delegacias da Mulher e demais aparelhos de proteção às vítimas de violência doméstica;
6. Dificuldade no acesso à saúde, especialmente no acesso aos procedimentos previstos no processo transexualizador e cuidados com a saúde mental;
7. Ausência de casas-abrigo para LGBTI+ que são expulsos de casa, em retorno de migração forçada ou tráfico de pessoas, perseguidos politicamente, em situação de rua ou que, por algum outro motivo, não tenha acesso a moradia/local para viver.
8. Omissão frente às violações de direitos humanos e a necessidade de mapeamento, acompanhamento e controle quantitativo sobre a população trans privada de liberdade;
Assim, é evidente a existência de políticas públicas, dentro e fora do âmbito de segurança pública, a fim de assegurar o acesso à saúde, à educação, ao emprego digno, à segurança, e a dignidade, tornando eficaz o combate à violência.
Dessa forma, viver buscando pela sobrevivência é intolerável, além do mais, os avanços das mortes direcionada a população trans, tem apresentado um aumentado significativo. Essa realidade se agrava a partir da inexistência de uma legislação especifica que criminalize a LGBTfobia, como meio de coibir e dar um melhor amparo a essa população. Os assassinatos representam apenas o início de algo extremamente assustador, e dessa forma, conviver com a vulnerabilidade à morte é uma realidade com a qual pessoas trans têm que lidar de forma singularizada, já que não há políticas públicas próprias de proteção para essas pessoas que se encontram no Brasil. (BRUNA BENEVIDES, 2018).
3.1 Proteção dos transgêneros dentro da CIDH
A Comissão Internacional de Direitos Humanos – CIDH define a violência contra as pessoas LGBTQIA+ como uma violência social contextualizada, na qual a motivação do agressor deve ser entendida como um fenômeno enigmático e de várias facetas, e não apenas como um ato individual.
Nesse sentido, a CIDH reafirma que os atos de violência contra as pessoas LGBT, originalmente conhecidos como crimes de ódio, atos homofóbicos ou transfóbicos, estão bem especificados sob o conceito de violência por preconceito contra as orientações sexuais e as identidades de gênero não normativas. A violência por preconceito nada mais é do que um fenômeno social, que se destina contra grupos específicos, tais como as pessoas LGBT, e tem um impacto alegórico, causando terror generalizado à comunidade LGBT.
Seguindo essa linha, é imensurável a importância em discorrer quanto os Princípios de Yogyakarta, pois eles constituem um conjunto de princípios que orientam a aplicação do direito internacional dos direitos humanos em relação à orientação sexual e identidade de gênero. Os Princípios de Yogyakarta tratam de forma ampla quanto o espectro de normas de direitos humanos.
3.1.1 Direito ao gozo universal dos Direitos Humanos
O princípio, se encontra no Yogyakarta, e versa sobre todos os seres humanos nascerem livres e iguais em dignidade e direitos, e terem o direito em desfrutar plenamente de todos os direitos humanos.
3.1.2 Direito à igualdade e a não-discriminação
O princípio reafirma que todas os indivíduos têm o direito em desfrutar de todos os direitos humanos livres de discriminação, em virtude de sua orientação sexual ou identidade de gênero. Todos e todas têm amplo direito à igualdade perante a lei e à proteção desta, sem que haja qualquer discriminação.
Destacando que a lei deve proibir qualquer discriminação, garantindo a todas as pessoas proteção igual e eficaz contra qualquer uma, caso venha a ocorrer alguma violação aos seus respectivos direitos.
4 PRINCÍPIO PARA A CRIMINALIZAÇÃO DA TRANSFOBIA
4.1 Dignidade da Pessoa Humana
A constituição federal, em seu artigo 1º, inciso III traz a questão do princípio da dignidade da pessoa humana, que consiste na garantia a todos os indivíduos seus direitos as necessidades vitais de cada indivíduo.
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
III - a dignidade da pessoa humana;
É importante destacar que o fato do indivíduo integralizar o gênero humano, já é por si só detentor de dignidade. Esta é qualidade pertencente a todos os homens, consecutivo da própria condição humana. Ressalta que constitui a dignidade um valor global, não obstante as variedades culturas dos povos. Apesar de todas as suas diferenças físicas, intelectuais, psicológicas, essas pessoas são titulares de igual dignidade. Embora diferentes em sua identidade, apresentam, pela sua humana condição, as mesmas necessidades e faculdades vitais. (ANDRÉ GUSTAVO CORRÊA DE ANDRADE, 2003).
Nas palavras de Alexandre de Morais em sua obra “Direito Constitucional”conceitua dignidade como:
Um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos e a busca ao Direito à Felicidade” .
Diante disso, a proteção constitucional da dignidade humana e ao direito fundamental para uma autodeterminação de gênero, e não reconhecer o direito fundamental dessas pessoas, implicam na violação de direitos fundamentais, que consistem na possibilidade de ser e de existir como se é, afetando fator basilar para o modo único da pessoa, dificultando as condições sem as quais a autodeterminação e a liberdade sexuais e de gênero, simplesmente deixam de ser possíveis.
4.2 Isonomia
O princípio da isonomia foi reproduzido pela Constituição Federal no artigo 5º, caput, que define “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, isso quer dizer que, quando se trata de estabelecer a igualdade para as pessoas transgêneros é necessário promover o bem de todos, sem preconceitos de quaisquer formas de discriminação.
Nesse ponto, é necessário garantir à sua devida proteção, buscando a efetivação dos direitos humanos, elemento fundamental para a construção do respeito das diversidades.
Por fim, a existência de leis que visam a proteção da comunidade LGBTIQ+ se fazem necessárias para que, ao menos, exista uma base legal mais sólida para a garantia dos direitos de comunidade LGBTIQ+, para que exista a efetivação do princípio da igualdade e dignidade estabelecidas na carta magna de 1988.
5 LEI Nº 7.716, DE 5 DE JANEIRO DE 1989
A lei em questão versa sobre os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor, isto é, sobre o crime de Racismo, e destacam em seu artigo 1º e 20º quanto as práticas criminosas, e sua devida punição.
1º Serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.
Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.
Pena: reclusão de um a três anos e multa.
É de importância imensurável frisar que anteriormente a equiparação da lei de Racismo a discriminação do grupo (LGBTQIA+) ao crime de racismo, já havia sido objeto de discursão no congresso nacional acerca da inclusão da criminalização da homofobia através da Projeto de Lei Complementar nº 122/2006), no entanto em decorrência dos regimes internos foi arquivado, além das constantes resistências, principalmente de lideranças religiosas, ao afirmar que a matéria viola o direito à liberdade de expressão e temem ficar sujeitas a penas. Logo, apesar de não tratar diretamente de toda a classe LGBTQIA+, o poder legislativo se manteve omisso, apresentando como homofóbico, logo, transfóbico também, haja vista as pessoas trans fazem parte da classe e tem correlação aos homossexuais.
É de explicita importância discorrer quanto ao momento do posicionamento do STF em seu julgamento da ADO nº 026, onde reconhece de fato à proteção da comunidade LGBTQIA+ como crime de racismo.
Todavia, apesar de ser evidente que tal aplicação não é suficiente, uma vez que a população necessita de um amparo legal próprio para que dessa forma a sociedade entenda que não se pode naturalizar a violência contra essa comunidade, esta trouxe o reconhecimento dos direitos pertencentes à população LGBTQIA+ a sociedade.
6 ATUAÇÃO DO ESTADO E A INÉRCIA DO PODER LEGISLATIVO
O Estado, ao ignorar a existência da população Trans, e os males impostos a ela, se omitindo diante dos números, está chancelando a continuidade das violações e assassinatos, apesar de ele ser o maior detentor de deveres constitucionais, devendo prestar a devida proteção e segurança à população LGBTI+, ainda mais por se tratar de um grupo minoritário, em comparação com os cisgêneros. (BRUNA BENEVIDES, 2018).
A inobservância do Estado é monstruosa que não há dados formais sobre os assassinatos em comento. A ANTRA, a partir desse descaso decidiu difundir e revelar esta discriminação, que persegue e massacra pessoas, apenas por ser quem é, materializando com esses dados os presentes relatórios. (BRUNA BENEVIDES, 2018).
Seguindo nessa dinâmica ANTÔNIO BATISTA (2020), afirma que apesar de já existir na sociedade quantidade de violência suficiente em face da comunidade, a ponto de pertencerem ao ordenamento jurídico o Estado permanece estático, pois se quer, faz um panorama para saber o aumento quanto aos crimes.
Em 2019, o ministro do STF Gilmar Mendes destacou quando a essa inércia do legislativo, destacando que:
A omissão do Congresso é grave por deixar de proteger a comunidade LGBTI. Para o ministro, a falta de uma legislação afronta, ainda, a dignidade humana.
[...] Resta claro que a mora legislativa discutida consubstancia inegável insuficiência na proteção constitucional que determina a criminalização da discriminação atentatória à dignidade humana.
No entanto, é notório que a população trans é invisível diante do Estado, apesar das constantes lutas pela visibilidade e reconhecimento da identidade de gênero, sendo possível de se observar a partir da omissão quanto a existência de instrumentos viáveis, além de possíveis políticas públicas que atendam suas gritantes demandas.
7 JULGAMENTO DA ADO Nº 026
Em 03/06/2019, o plenário do STF em unanimidade entendeu que de fato ouve omissão do congresso nacional por não criar uma lei especifica para criminalizar a homofobia e transfobia visando resguardar direitos básicos da comunidade LGBTQIA+.
E diante disso, os membros por meio de votação reconheceu a criminalização das condutas homofóbicas e transfóbicas reais ou supostas se enquadrariam nos crimes previstos na lei 7.7716/89, garantindo uma qualificadora em homicídios dolosos por configurar motivo torpe, porém, a prática da homofobia e transfobia não alcança e nem restringe o exercício da liberdade religiosa desde que não seja configurada o discurso de ódio.
Dessa maneira, segue o entendimento do STF sobre a ADO 026 e relatado seguinte:
ADO 26 / DF DE MANDADOS CONSTITUCIONAIS DE CRIMINALIZAÇÃO (CF, ART. 5º, INCISOS XLI E XLII), POR TRADUZIREM EXPRESSÕES DE RACISMO EM SUA DIMENSÃO SOCIAL – Até que sobrevenha lei emanada do Congresso Nacional destinada a implementar os mandados de criminalização definidos nos incisos XLI e XLII do art. 5º da Constituição da República, as condutas homofóbicas e transfóbicas, reais ou supostas, que envolvem aversão odiosa à orientação sexual ou à identidade de gênero de alguém, por traduzirem expressões de racismo, compreendido este em sua dimensão social , ajustam-se, por identidade de razão e mediante adequação típica, aos preceitos primários de incriminação definidos na Lei nº 7.716, de 08/01/1989, constituindo, também, na hipótese de homicídio doloso, circunstância que o qualifica , por configurar motivo torpe (Código Penal, art. 121, § 2º, I, “in fine”).
Portanto, é perceptivo quanto a existência do ativismo judicial visando evitar a dependência do legislativo enquanto perdurar o lapso temporal da chegada da lei será equiparado as condutas homofóbicas e transfóbicas nos delitos previstos na lei 7.716/89.
7.1 Ativismo judicial
Segundo Vladimir Passos de Freitas, o ativismo judicial teve a sua origem após a Segunda Grande Guerra Mundial, com a expansão das declarações de direitos na Declaração Universal de Direitos Humanos da ONU (1948) e nas novas Constituições dos países democráticos.
E reafirma que há duas espécies distintas de ativismo: difuso e concreto. A primeira, geralmente exercida pelo Supremo Tribunal Federal, ao apreciar em ações que envolvem discussão sobre a constitucionalidade de determinadas normas. Elas geram resultados sobre um número indeterminado de pessoas. Já a segunda, é exercida pelos juízes na análise de ações judiciais entre partes interessadas (casos concretos), costuma envolver direitos individuais ou coletivos, nesta hipótese através de ações civis públicas.
Logo, a criminalização da transfobia como racismo decidida pelo STF por analogia, traz de forma clara a prática de ativismo judicial consistente em fazer o que o Congresso se negava a fazer.
7.2 Eficácia da ado 026 e os novos dispositivos legais
No que tange aos assassinatos e violências contra travestis e transexuais é evidente quanto ao crescente números, mesmo antes da criminalização já havia dossiês relatando a situação em questão. Até junho de 2019 não havia legislação que pudessem prestar tutela a essa comunidade, no entanto, após a decisão do STF os números não pararam de aumentar. Partindo dessa premissa, a criminalização não tem se apresentado eficaz, uma vez que o Brasil ainda se mantem como o país é ainda o que mais assassina pessoas trans em todo o mundo pelo 13° ano consecutivo. (Ester Pinheiro, 2022).
Caê Vasconcelos afirma que um dos maiores motivos para essa ineficácia da aplicação da lei de racismo é a dificuldade para denunciar esses crimes, uma vez que o sistema de justiça também reproduz a LGBTIfobia. Poucos estados brasileiros possuem delegacias específicas para o atendimento dessa população. Aos Estados que não possuem, garantem que o atendimento pode ser feito nas demais delegacias, mas, quem é LGBTI+, sabe que a realidade é diferente.
No Brasil ainda há barreiras para o reconhecimento institucional da criminalização, conforme já foi publicado em 2021 pelas pesquisas organizadas pela All Out e coordenada pelo Instituto Matizes, e apontam que, passados dois anos da decisão do STF, a criminalização da LGBTfobia ainda não é uma realidade no país.
Para Kaio de Souza Lemos (2022), homem trans, coordenador da IBRAT, ele destaca a falta de boletins de ocorrência é um exemplo da causadora da invisibilidade dessa comunidade, transformando dessa forma em um crime invisível, dificultando o mapeamento de políticas públicas. Por outro lado, integrantes da ANTRA tem plena convicção que os dados analisados nessa pesquisa não representam exatamente todos os assassinatos e a violência contra pessoas trans. No Brasil a falta de dados oficiais são um problema na criação de políticas públicas, são redes como o (IBTE), a Antra e a Rede Trans que fazem o levantamento desses dados.
Por fim, Maria Eduarda Camargo Pereira e Helen Correa Solis Neves (2019) destacam que que a criminalização por si só pode não produzir bons resultados. Assim, apostar no poder do Direito Penal para coibir tal forma de preconceito, no atual contexto brasileiro é um erro. Portanto, criminalizar a LGBTfobia é imensamente necessário, a fim de proteger os direitos imprescindíveis dessa parcela da população, porém, não da forma que está sendo feita no Brasil. Antes de tudo, é fundamental que o Poder Judiciário assuma sua real posição e deixe para o Poder Legislativo a função típica de criar leis e, além disso, a educação deve se tornar pauta principal do Poder Executivo, a fim de que, com uma educação de qualidade, seja possível formar melhores cidadãos, com pensamentos e atitudes mais tolerantes. (2019).
8 CONCLUSÃO
O Presente Trabalho de Conclusão de Curso tem por finalidade abordar acerca do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão - ADO nº 026, momento em que o STF criminalizou a prática de violência em face da população LGBTQIA+ por meio da aplicação da lei de racismo nº 7.716/89 até que haja uma lei específica oriunda do congresso nacional.
Destaca-se que tal ato do Supremo Tribunal Federal foi realizado por unanimidade do plenário, e a decisão foi fundamentada na urgência e necessidade quanto a proteção dos direitos fundamentais dessa comunidade, em razão da inércia do poder legislativo.
Quanto a criminalização da transfobia por meio da aplicação da lei de racismo, é evidente que essa não tem se apresentado como um instrumento eficaz para o combate à violência e consequentemente para a diminuição dos assassinatos dos transgêneros/transexuais. Se formos observar os dados disponibilizados pela ANTRA – associação nacional de travestis e transexuais, é possível observar que os números têm crescido demasiadamente, em razão da ausência de proteção por parte do Estado.
A ANTRA aponta que os dados que compõem as pesquisas, de fato, não representam exatamente toda a complexidade que envolve os assassinatos e as violências contra as pessoas trans. Esses dados encontrados são apenas uma parte desses casos, e servem para demonstrar os altos índices, a fim de dar visibilidade quanto a necessidade de políticas públicas focadas na redução de homicídios contra pessoas trans. (Bruna Benevides, 2021).
Apesar das insistentes lutas das pessoas trans pela busca da proteção dos seus direitos, é nítido que apenas as ferramentas existentes não são suficientes, precisando de outros mecanismos a fim de atender tanta demanda. A ANTRA – 2021 reafirma quanto a necessidade da criação de uma lei especifica, para que a sociedade entenda de uma vez que não se pode banalizar a violência em face dessas pessoas, além de dar enfoque quanto a necessidade de reforçar as políticas sociais e de apoio a comunidade LGBTQIA+ e por fim elaborar meios de fortalecer as instituições já existentes que lutam pelos direitos dessas pessoas, além de garantir a proteção de defensores de direitos humanos que visam assegurar a sobrevivência dos transgêneros/transexuais, em razão deles serem vítimas de constantes violações impactados por fatores sociais. (Bruna Benevides, 2021).
Por fim, salienta-se que o aumento das violências, assassinatos e violações dos direitos fundamentais das pessoas trans traz à tona o reflexo da perseguição por parte dos setores conservadores do Estado, e ataques a existência dessas pessoas, o que acaba por colocá-lo como principal grupo que tem suas vidas precarizadas e expostas a diversas formas de violações, confirmando desse modo que o Brasil vem passando por um método de recrudescimento em relação a maneira com que trata pessoas trans.
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PEREIRA, Maria E. C; NEVES, Helen C. S. Criminalização da LGBTfobia: Uma problematização necessária. Jus.com, 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/75791/criminalizacao-da-lgbtfobia. Acesso em: 25/03/2022.
PINHEIRO, Ester. Há 13 anos no topo da lista, Brasil continua sendo o país que mais mata pessoas trans no mundo. Brasil de Fato: uma visão popular do Brasil e do Mundo. Disponível em https://www.brasildefato.com.br/2022/01/23/ha-13-anos-no-topo-da-lista-brasil-continua-sendo-o-pais-que-mais-mata-pessoas-trans-no-mundo. Acesso em 17/04/2022.
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TEIXEIRA. Carla A. S; AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO Nº 26 E MANDADO DE INJUNÇÃO Nº 4733, 2019. Disponível em https://repositorio.uniceub.br/jspui/bitstream/prefix/13724/1/21500456.pdf. Acesso em 01/11/2022.
Graduanda do Curso do Direito do Centro Universitário Fametro.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: COSTA, VITÓRIA GAMA DA. A transfobia e a aplicabilidade da lei do racismo: Análise do julgamento da ADO 026 e os novos critérios interpretativos do racismo definidos pelo Supremo Tribunal Federal. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 01 dez 2022, 04:05. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/60348/a-transfobia-e-a-aplicabilidade-da-lei-do-racismo-anlise-do-julgamento-da-ado-026-e-os-novos-critrios-interpretativos-do-racismo-definidos-pelo-supremo-tribunal-federal. Acesso em: 23 nov 2024.
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