DHANDARA CHRISTINY VELOSO ABTIBOL [1]
(coautora)
VERÔNICA ACIOLY DE VASCONCELOS [2]
(orientador)
RESUMO: O trabalho apresentado a seguir tem como principal objetivo discorrer sobre os impactos trazidos após a alteração introduzida na Lei Maria da Penha, pela Lei 13.641/2018, na Lei 11.340/2006, implementando o primeiro tipo incriminador que é o Artigo 24-A. No que concerne ao bem jurídico tutelado, uma vez expedida a medida protetiva de urgência, o seu eventual não cumprimento fere, primeiramente, a Administração da Justiça, pois as medidas que devem ser cumpridas emanam de decisões judiciais, e, de forma subsidiaria, a mulher. Vale ressaltar que o consentimento da vítima não afasta a punibilidade e, consequentemente, não garante a absolvição do acusado, validando ainda mais a eficácia das medidas descritas na Lei Maria da Penha. Esse trabalho busca analisar, primeiramente, os impactos da tipificação do descumprimento de medida protetiva como um novo tipo penal, quais as intenções por parte do legislador e os efeitos jurídicos que já se podem observar.
Palavras-chave: Descumprimento. Medida Protetiva. Reflexos Jurídicos. Direito Penal Simbólico.
Sumário: 1. Introdução; 2. Medidas Protetivas De Urgência; 2.1 Conceito; 2.2 Natureza Jurídica; 2.3. Espécies De Medida Protetiva; 2.3.1 Medidas Que Obrigam O Agressor; 2.3.2 Medidas Que Tutelam A Integridade Da Vítima; 2. Descumprimento De Medida Protetiva De Urgência Antes Da Vigência Da Lei N° 11.641/181; 2.1 Crime De Desobediência; 2.2 Descumprimento De Medidas Protetivas – Artigo 24 –A; 2.3 Bem Jurídico Tutelado18; 2.4 Tipo Objetivo E Subjetivo; 2.5 Ação Penal; 3. Descumprimento De Medida Protetiva Como Meio Simbólico Do Legislador; 3.1 Instituto Penalizador; 3.2 Registros Do Crime De Descumprimento De Medida Protetiva; Conclusão; Referências.
1 INTRODUÇÃO
A pesquisa desenvolvida possui como tema a criminalização do descumprimento de medida protetiva de urgência, fruto de uma alteração da Lei n° 13.641/2018, introduzida na Lei n° 11.340/2006 (Lei Maria da Penha).
Dessa forma, uma vez ocorrendo qualquer tipo de desacato no que confere na legislação constitucional e especial em relação aos direitos de proteção a mulher, como é o caso de violência doméstica e familiar, é imprescindível a atuação do Estado, que deve intervir de forma direta na conduta praticada pelo sujeito, fazendo valer as sanções que estão previstas no combate à violência de gênero.
No contexto de violência doméstica, questiona-se: quais são os principais impactos que podem ser identificados com a influência do descumprimento de medida protetiva de urgência?
Com base na problemática do ato de descumprir, que, anteriormente, não tinha previsão legal como crime, objetiva-se demonstrar as mudanças trazidas após a implementação do art. 24 - A da Lei 13.340/06 (LMP), em contexto geral, para a nossa sociedade, já que o nosso cotidiano vem se mostrando em um estado constante de mudança.
Observa-se que a Lei 13.641/2018 provoca grandes divergências por parte dos doutrinadores e tribunais acerca da sua aplicação, porém, pode-se afirmar que, após a sua tipificação, muitos desses discursos caíram por terra tendo o seu tipo penal em lei.
Especificadamente principal objetivo é discorrer sobre alguns impactos trazidos após à alteração introduzida na Lei Maria da Penha pela Lei 13.641/2018, que traz mudanças significativas em relação ao descumprimento de medida protetiva de urgência, na qual apresenta a previsibilidade de um novo tipo penal que criminaliza as ações de descumprimento de medida protetiva.
Dentro desse trabalho também será abordada a temática do bem jurídico tutelado que é a Administração da Justiça, órgão responsável por expedir decisões judiciais, o não cumprimento das medidas protetivas de urgência age primeiramente contra a Administração da Justiça e de forma subsidiaria contra a mulher, uma vez que as medidas que devem ser cumpridas emanam de decisões judiciais, dessa forma o consentimento da vítima não afasta a punibilidade e, consequentemente, não garante a absolvição do acusado.
Para tanto, será realizado um estudo bibliográfico, partindo de um método narrativo dedutivo, em razão dos fundamentos que foram levados em consideração até chegar à criação de legislações especificas que tratam da proteção da mulher em situação de violência doméstica. A análise partirá da trajetória da violência doméstica até a promulgação da Lei n° 13.340/06 (Lei Maria da Penha), abordando o tema de medidas protetivas e como elas são enquadradas nos sujeitos, tomando como marco teórico deste trabalho o crime de descumprimento de medida protetiva desde o crime de desobediência até as características do crime em seus aspectos objetivos e subjetivos.
O Descumprimento de Medida protetiva é um tema de bastante relevância, não só como uma inovação para o ordenamento jurídico, por ser a sua fonte, mas, sim por sempre buscar e clamar por uma sociedade justa para todos, sem discriminação de gênero, objetivando coibir a violência doméstica e familiar, criando mecanismos que visem trazer segurança jurídica.
2 MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA
2.1 Conceito
Segundo Ávila (2019), o objetivo central das medidas protetivas, presentes na Lei Maria da Penha, busca conceder proteção para as mulheres, não se enquadrando como instrumento de punição para o agressor. As denominadas medidas protetivas de urgência são vistas como um rol de medidas de natureza positiva.
As denominadas medidas protetivas de urgência estão enquadradas dentro de uma corrente que não está inserida em uma natureza acadêmica, mas que apresenta vários reflexos jurídicos. Para Dias (2013) se a medida for de natureza criminal se dará dentro do procedimento criminal ao passo que se a medida for de natureza civil o procedimento será cível, fora dessa linha, existem aqueles que veem as medidas como algo acessório e que perduram somente enquanto durar o processo civil ou criminal.
Contudo, Lima (2011) assegura que essa discussão não possui fundamentos, pois as medidas protetivas são instrumentos para resguardar os direitos fundamentais da vítima que sofre de violência doméstica, e não para garantir processos. De acordo com o autor, a Lei Maria da Penha é segura em afirmar que as medidas protetivas servem para trazer proteção para a ofendida e devem ser aplicadas sempre que o caso concreto insultar a segurança da vítima. Dessa forma, conclui o entendimento que as medidas protetivas possuem natureza cautelar, uma vez que tem como objetivo assegurar os direitos fundamentais.
2.2 Natureza Jurídica
Há uma discussão doutrinária acerca da natureza jurídica das medidas protetivas, sobre isso, Bianchini (2011, p. 241) afirma que “as medidas protetivas da Lei Maria da Penha possuem natureza jurídica distinta das cautelares do CPP”, pois essas buscam assegurar os direitos que as mulheres possuem dentro da Lei Maria da Penha. Assim como também existem conflitos entre correntes que entendem que essas medidas são de natureza cível e autônomas das medidas protetivas, ou uma espécie de cautelar criminal, sustenta-se nesse trabalho que a natureza das medidas protetivas que estão elencadas no artigo 22 da Lei Maria da Penha possuem natureza cível, muito embora tenha espelho nas cautelares criminais.
Ávila (2019) conclui que as medidas protetivas de urgência são claramente cíveis, pois uma vez reconhecido o direito fundamental, que é a vida das mulheres, e levando em consideração que nem todas essas medidas refletem em natureza penal, determina-se que a abrangência de tutela civil é maior que a de penal, mas não é um fator determinante, pois muito embora exista essa balança que pende mais para o lado cível, as medidas protetivas não são cautelares civis ou criminais e, sim inibitórias ou reintegratórias de conteúdo satisfativo.
Essa ideia de natureza cível se funda a partir do direcionamento de que essas medidas são solicitadas por mulheres vítimas de violência doméstica, e pelo fato do descumprimento dessas medidas ser causa para que seja decretada a prisão preventiva do agressor. Dessa forma, percebe-se o fato de que, ocorrendo a prisão preventiva, em face do descumprimento de medida, não é uma característica suficiente para que elas sejam transformadas em cautelares criminais.
As medidas protetivas de urgência podem ser de natureza substitutivas ou cumulativas em qualquer que seja o tempo, e o magistrado poderá autorizar a concessão de novas medidas protetivas de urgência, ou fazer uma revisão daquelas que já foram concedidas, quando houver requerimento por parte do Ministério Público ou a pedido da vítima, procedimento que ocorre de forma célere e é inseto de burocracia, uma vez que busca urgência quanto ao resultado da solicitação.
Segundo o autor Greco Filho (1989), a medida cautelar é uma precaução jurídica e voltada para proteger um bem jurídico tutelado dentro do processo, e, dessa forma, o procedimento cautelar se enquadra dentro de uma relação jurídica que, uma vez instaurado, serve para que as medidas cautelares sejam concedidas.
As medidas protetivas de urgência não possuem um prazo de duração estabelecido, porém, essa ausência de definição é motivo para alguns preconceitos, pois existem doutrinadores que entendem que as medidas protetivas possuem duração até o término do processo, porém, outros entendem que as medidas protetivas duram com ou sem processo criminal, pois o prazo delas perdura enquanto for necessária a proteção à mulher (BELLOQUE, 2011).
Tal ideia reflete a redação do artigo 4° da Lei n° 3.689/41, combinado com o artigo 19, §3°, também do CPP, que entende que se deve manter a medida enquanto a vítima estiver em situação de risco.
A real pretensão das medidas protetivas é um mero requerimento da vítima, em que não são exigidas determinadas formalidades, porém, isso não significa que não se precisem demonstrar pressupostos de admissibilidade.
Assim menciona Theodoro Júnior (1998, p. 73):
Para a tutela cautelar, portanto, basta “a provável existência de um direito” a ser tutelado no processo principal. E nisto consistiria o fumus boni juris, isto é, “no juízo de probabilidade e verossimilhança do direito cautelar a ser acertado e o provável perigo em face do dano ao possível direito pedido no processo principal.
Dessa maneira, os artigos 22 e 23 da Lei Maria da Penha preveem medidas que são voltadas para a proteção da mulher e que possuem natureza cautelar inibitória, o que deseja assegurar é a integridade da vítima.
2.3 Espécies de Medida Protetiva
O rol de medidas protetivas encontra-se no artigo 22 da Lei Maria da Penha, e lá são estabelecidas três espécies de medidas, sendo esse rol considerado meramente exemplificativo, ou seja, dando abertura para que o juiz possa determinar outros tipos de medidas, e tal afirmação é considerada a partir do §1 do artigo 22.
A Lei 11.340/2006 tipificou, nos artigos 22 ao 24, as medidas protetivas, por onde distingue as que são direcionadas para o agressor (artigo 22), as elencadas em favor da vítima (artigo 23) e as que possuem intuito de resguardar os bens patrimoniais da vítima (artigo 24). Todas possuem o objetivo de prevenir contra atos ilícitos de violência doméstica ou do eventual dano que venha resultar de tais condutas, e, em razão disso, podem ser solicitadas a qualquer tempo, basta a vítima achar que está sendo violada sua segurança ou integridade.
Segundo Dias (2013), ainda existem outros tipos de medidas protetivas que beneficiam a vítima que não estão presentes no artigo 22 ao 24 da Lei Maria da Penha, e um deles é o que prevê o artigo 9, §1 da mesma lei, que é o de incluir a vítima em programas de assistência ou de intimar pessoalmente está para que esteja ciente do andamento dos autos processuais.
2.3.1 Medidas que obrigam o Agressor
Essa primeira modalidade de medida foi criada de acordo com as constantes atitudes, condutas e comportamentos usadas pelo agressor para criar obstáculos que dificultavam a vítima de poder se defender. Dessa maneira, entende-se que essas medidas se caracterizam como uma forma de proteção às integridades material, moral, física e psíquica da mulher.
A primeira medida adotada é a de restrição quanto ao uso de arma de fogo de forma restrita ou até mesmo suspensa, essa medida foi criada com o intuito de não facilitar que o agressor use a arma de fogo para intimidar a vítima.
A segunda medida aborda o afastamento do lar, local em que convive ou residência da vítima, e busca resguardá-la sobre possível ato de submissão do agressor, caso continue sob o mesmo teto da ofendida. Destaca-se nessa medida que ela não se enquadra apenas para os casados, mas, também para aqueles que possuem união estável ou qualquer relação que faça com que eles estejam no mesmo lar.
A última espécie se refere à proibição de determinadas condutas, e a primeira delas é quanto à aproximação do agressor da vítima e de seus familiares, sendo necessário que o juiz determine uma média de distância, olhando para a realidade essa é considerada a medida mais adotada. Assim, Mello e Paiva (2019) são claros ao não tratar tais medidas como constrangimento ilegal ao direito de ir e vir do agressor. Pois na realidade, deve-se considerar que a liberdade de locomoção encontra limite no direito do outro à integridade física, moral e psíquica, com vistas a garantir, no caso mais extremo, o direito à vida.
A próxima que aduz o inciso III do artigo 22 da Lei Maria da Penha é quanto ao distanciamento dos familiares e testemunhas da ofendida, possuindo o intuito de garantir a segurança das demais pessoas que estejam envolvidas e evitando que haja entre estes a comunicação.
A terceira medida imposta pelo inciso III é parecida com a primeira, porém, nesta o legislador proíbe o agressor de frequentar determinados lugares, sendo um tanto menos abrangente do que a primeira porque serão estabelecidos e listado quais os lugares que o agressor deverá frequentar, em especial aqueles que a vítima mais frequenta.
Quanto a essa medida, os doutrinadores Mello e Paiva (2019) acreditam que possuem pouca possibilidade, aconselhando, assim, ao juiz que seria mais viável que este tome o partido de proibir que o agressor deixe de frequentar a rua que a ofendida mora ou até mesmo o próprio quarteirão.
A quarta medida se refere a visitas aos filhos menores, sendo considerada como a menos deferida pelos juizados, pois aqui entra não apenas a questão entre o casal, mas que envolve os dependentes. Para isso, o legislador recomenda que seja realizado um atendimento de caráter multidisciplinar com o menor.
Essa medida apenas é adotada quando os menores acabam presenciando as agressões, ou sendo vítimas quando o agressor se utiliza do menor para poder intimidar a genitora. Nesses casos, cerca de metade dos agressores de mulheres também agride fisicamente crianças, utilizando-se também de atos de violência psicológica. A aproximação dos filhos é por vezes abusivamente utilizada como instrumento para a vigilância e controle das atividades das mulheres (ÁVILA, 2019).
A última medida estabelecida no artigo 22 é quanto à prestação de alimentos provisórios ou provisionais, essa possibilita está ligada à subsistência da vítima, onde, em parte dos casos, esta fica submetida economicamente ao agressor, e isso o impede de denunciar as agressões.
2.3.2 Medidas que tutelam a integridade da vítima
Esse rol está disciplinado no artigo 23 da Lei Maria da Penha, estão intimamente relacionadas às integridades física e psicológica da vítima.
Tanto a vítima como os seus dependentes, uma vez prejudicados em razão das agressões do acusado, são direcionados aos programas de atendimento e de proteção que possuem o intuito de proporcionar segurança física, como também de um tratamento psicológico adequado.
Outra medida de suma importância para a vítima é o afastamento do lar, bem parecida com a medida elencada no inciso II do artigo 22, e ambas possuem o mesmo fim, porém, nessa ocasião, é por decisão da própria vítima se afastar do lar que convivia com o agressor.
A célebre doutrinadora Dias (2015) esclarece a tendência em considerar que a separação de corpos tem eficácia meramente jurídica, pois desconstituiria o vínculo jurídico entre agressor e ofendida. No entanto, o afastamento temporário de um dos cônjuges da morada do casal tem eficácia material, representando a separação de fato, e por isso, com força a coibir atos de violência.
E, por fim, se destaca a possibilidade da vítima de colocar seus dependentes menores para estudar em locais próximos de sua residência. Esse rol é meramente exemplificativo, portanto, abre-se a possibilidade para que sejam decretadas novas medidas que visam essa proteção para a mulher.
3 DESCUMPRIMENTO DE MEDIDA PROTETIVA DE URGÊNCIA ANTES DA VIGENCIA DA LEI N° 11.641/18
3.1 Crime de Desobediência
Anteriormente à tipificação do crime de descumprimento de medida protetiva, aplicava-se o crime de desobediência, tipificado no art. 330 do Código Penal, antes de 2018. Pois era considerado como o instrumento hábil para o enquadramento das condutas dos agentes que descumpriram ordem judicial. Bem como a expedição da medida protetiva por ser ordem judicial acabaria por culminar em crime pelo seu não cumprimento. Onde o agressor ao descumprir medida protetiva estaria incorrendo em mais um crime. Entretanto, com o nascimento do Crime de Descumprimento de medida, onde já tem a sua força própria e sua sanção específica.
Após o Superior Tribunal de Justiça (STJ) firmar entendimento de que o crime de desobediência se caracteriza como subsidiário, restando configurado apenas quando desrespeitada ordem judicial for ausente de uma sanção em específico ou se não houver expressamente ressalvas quanto à cumulação com o Código de Processo Penal (BRASIL, 1941).
Com isso, o entendimento foi firmado acerca da “atipicidade” em imputar o crime de desobediência ao descumprimento de medida protetiva, visto que a Lei Maria da Penha já possuía sanção específica, o que, segundo o entendimento majoritário dos Tribunais, apenas era cabível o crime de desobediência em relação à Lei Maria da Penha não era cabível pois na própria lei prever sanção específica.
Contudo, considerando que na Lei 11.340/2006 existem medidas protetivas próprias, e a devida cominação prevista especificadamente no artigo 313, III do Código de Processo Penal, assegura-se que o descumprimento de medida protetiva não configura crime de desobediência. (BRASIL, 2006)
Os Tribunais Superiores, em especial a 6ª turma do Tribunal Superior de Justiça (STJ) em decisão do HC n° 338.613, do Relator, o Ministro Antônio Saldanha Palheiro, publicado no dia 19/12/2017 se manifestou através de jurisprudência sobre o referido tema, alegando que o descumprimento de medidas protetivas não configura crime de desobediência, uma vez que essa conduta já tem previsibilidade processual.
De acordo com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, o crime de desobediência apenas se configura quando, desrespeitada ordem judicial, não existir previsão de outra sanção em lei específica, ressalvada a previsão expressa de cumulação. Precedentes. A Lei n. 11.340/2006 prevê consequências jurídicas próprias e suficientes a coibir o descumprimento das medidas protetivas, não havendo ressalva expressa no sentido da aplicação cumulativa do art. 330 do Código Penal, situação que evidência, na espécie, a atipicidade da conduta.
O artigo 20 da Lei Maria da Penha, que discorre sobre a possibilidade de prisão preventiva em qualquer fase do inquérito policial ou instrução criminal, prevê a possibilidade do juiz, por requerimento do Ministério Público, ou da vítima, ou de ofício, decretar a prisão preventiva do agressor, além de aplicação de multa diária em casos de descumprimento de medidas protetivas, redação prevista no artigo 22, §4° da Lei Maria da Penha.
Assim, caso seja decretada a prisão preventiva ou a multa, não poderá incidir caracterizado o crime de desobediência, previsto no artigo 359 da Lei n° 3.689/41, pois resta configurada uma cumulação de sanções: de um lado de natureza penal e de outro a natureza administrativa, obedecendo a regra do princípio da intervenção mínima (BRASIL, 1941).
Entretanto, essa posição do Superior Tribunal de Justiça foi totalmente incompatível com os objetivos que a Lei Maria da Penha possui, sendo o principal deles a necessidade de criar mecanismos que tratem de coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. Sendo assim, percebendo que havia uma ausência de penalidade mais rigorosa diante de casos de descumprimento de medida protetiva de urgência, foi tipificada a Lei 13.641 de 2018 (BRASIL, 2018).
Dessa maneira, pode-se afirmar que a implementação do artigo 24 - A na Lei Maria da Penha vai de total encontro com o que menciona a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), pois, antes de sua tipificação, o entendimento era de que em casos de descumprimento de medida protetiva, não se configurava crime de desobediência (CUNHA, 2018).
Para o Relator Jesuíno Rissato, no Acordão nº 1139501, quanto a essa discussão entre predominância ou não do crime de desobediência em face do descumprimento de medida protetiva, entende-se que o descumprimento de medida protetiva era caracterizado como crime de desobediência, previsto no artigo 330 do ‘Código de Processo Penal, por não existir um tipo normativo incriminador na Lei Maria da Penha. Porém, em razão da pacificação do Superior Tribunal de Justiça (STJ) em entender sobre a atipicidade da conduta, por entender que existe sanções especificas de natureza civil, processual e administrativa.
De acordo com os moldes da Lei 11.340/2006, existem decisões acerca do tema que podem ser decretadas pelo juiz da cara cível. Consoante o § 1º do art. 24-A, a natureza da competência do juiz que decretou as medidas protetivas, não interessa para configurar o crime de desobediência, ou seja, comete o crime o agente que descumpre uma medida protetiva decretada no bojo de um procedimento civil tanto quanto se descumpre uma medida resultante de um procedimento criminal (CUNHA, 2018).
Isso porque, não seria razoável desprestigiar uma medida protetiva apenas por não ter sido decretada por um juiz criminal.
A doutrina predominante atualmente é de que não resta caracterizado crime de desobediência por descumprimento de medida protetiva de urgência que foi decretada por decisões judiciais antes de entrar em vigor a Lei 13.641/18, que alterou a Lei Maria da Penha com a implementação do artigo 24-A, uma vez que disciplina especificadamente as consequências do descumprimento (BRASIL, 2018).
3.2 Descumprimento de Medidas Protetivas – Artigo 24 -A
A Lei Maria da Penha, segundo Calazans e Cortes (2011), representa um dos mais emblemáticos e interessantes exemplos do aperfeiçoamento da democracia, pois consiste na reunião e na participação ativa de organizações não Governamentais Femininas, Secretaria de Polícia para Mulheres, academia e operadores do direito e do Congresso Nacional.
Primeiramente, é de suma importância para entender o que seja “descumprir”, compreender a que veio esse novo instituto e todo o seu contexto por trás da violência de gênero. Segundo o art. 5º da Lei 11.340/06, está centralizado em um conceito e os aspectos de vulnerabilidade da violência de gênero.
No entanto, um conceito ainda restrito o Legislador adotou também como um referencial a Convenção Internacional para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher, mais conhecida como Convenção de Belém do Pará, que diz em seu art. 1º: “entender-se-á por violência contra a mulher qualquer ato ou conduta baseada no gênero, que cause morte, dano físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública quanto privada” (BRASIL, 1996).
Em 04 de março de 2018, entra em vigor a segunda alteração da 13.340/06, na qual introduz o art. 24-A, assim, criando o tipo penal. Segundo Ávila (2019), a proposta do projeto foi apresentada em 2015 pela Coordenação Nacional da Campanha Compromisso e Atitude, juntamente à Secretaria de Políticas as Mulheres. O presente esforço é resultado da cooperação entre o Poder Judiciário, Ministério Público, a Defensoria e o Governo Federal, objetivando a aplicação efetiva da Lei Maria da Penha.
Toda uma articulação entre organizações que combatem a violência contra a mulher, em prol de seja encaminhada a Secretaria da Mulher da Câmara dos Deputados. Observando todo o contexto em que nasceu a presente lei, mostra-se um grande esforço de todos os envolvidos para que ela nascesse. O forte argumento da fraqueza Legislativa, pelos inúmeros casos de reincidência na quebra das protetivas já aplicadas ao agressor.
A Lei 13.641, publicada em 3 de abril de 2018, alterou a Lei 11.340 de 2006 (LMP) e tipificou o crime de descumprimento de medida protetiva, reflexo do Projeto de Lei n° 173/2015, através da implementação do artigo 24-A. Destaca-se que o primeiro tipo incriminador dessa lei é um crime de natureza dolosa, e a sua prática pode ocorrer tanto de forma comissiva como omissiva, se tratando de uma ação pública incondicionada e tendo como bem jurídico tutelado a própria administração pública.
A Lei que prevê que a implementação desse artigo na lei possui a finalidade de amenizar as controvérsias que existem dentro do ordenamento jurídico sobre a atipicidade do descumprimento de medida protetiva, ofertando maior segurança para a vítima e possibilitando uma sanção mais rigorosa para o agressor.
Porém, essa nova modalidade de crime só será aplicada para os fatos que ocorreram após a data de sua tipificação, bem como foi regulamentada a concessão de medida protetiva de urgência de natureza cível, independente se o processo for ou não criminal.
No que tange a aplicação do artigo 24-A, pois segundo um dos fundamentos usados para a não aplicação do crime de desobediência é justamente o respeito ao princípio da intervenção mínima do direito penal, dando ênfase para que o Estado não extrapole os seus limites quando for interferir na vida dos sujeitos, impondo restrições e regras que retiram a autonomia das pessoas e fazendo com que a lei penal não seja aplicada de forma imediata para qualquer e toda conduta mas, que certa conduta também não deixe de ser considerada ilegal.
Uma vez descumpridas as medidas protetivas de urgência proferidas pelo juiz cível (Juizado de Família ou Juizado de Violência Contra Mulher), o caso será decretado prisão em flagrante do agressor, importante lembrar que o delegado pode arbitrar a fiança em casos de crimes de violência doméstica contra mulher, mas somente o juiz no crime de descumprimento poderá conceder (AMARAL, 2018).
Considera-se que o artigo 24-A visa trazer um fomento para o princípio da legalidade e clarear supostas dúvidas no que tange a tipicidade e enquadramento do crime, fazendo com que seja assegurada a atuação do Estado e ensejando a redução das impunidades, uma vez que é crescente o número de casos de descumprimento de medida protetiva (BIANCHINNI, 2018).
É importante destacar que esse novo crime foi abarcado por dois princípios basilares, o da lesividade e o da ofensividade, dessa maneira, se não houver descumprimento de medida protetiva, não resta configurado crime, mas, por outro lado, essa consideração não deverá ser levada em todos os casos, pois os casos evidentes de desobediência, como o de ingressar na casa da vítima sem permissão, são claramente um ato de descumprimento.
Trata-se de um crime de natureza própria, podendo ser cometido apenas por aqueles que sofrem restrição em respeito a medida protetiva imposta. Dessa forma, é importante mencionar que, muito embora o crime de descumprimento de medida imponha uma pena inferior a 4 (quatro) anos, o delegado não poderá autorizar a concessão de pagamento de fiança, sendo essa competência de exclusividade do juiz.
Ademais, cumpre salientar que independente da concessão de medida protetiva ter sido imposta por juiz civil ou criminal, é necessário que o agressor seja intimidado sobre as medidas protetivas, portanto não basta apenas a decretação, é necessário que haja a comunicabilidade.
Cabe ressaltar que, antes da alteração, os policiais militares, nos casos de flagrantes, não poderiam agir de forma imediata, podendo tomar as providencias somente quando a mulher viesse a sofrer uma nova ameaça, porque um único descumprimento não configurava descumprimento, a partir da nova tipificação é assegurada a possibilidade da prisão em flagrante em casos de descumprimento de medida protetiva de ordem judicial sem que haja pratica de outros crimes em conjunto, como é o caso de buscar os filhos na escola mesmo que esteja vigente a suspensão de visitas.
Assim, após a vigência da Lei 13.641/2018, para que haja descumprimento, não é necessário que tenha ocorrido um novo cenário de violência, basta que seja desrespeitada a ordem judicial concedida, e resta caracterizado o crime e, consequentemente as medidas cabíveis (BRASIL, 2018).
Atualmente, o Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher é o órgão responsável para realizar o processamento de descumprimento de medida protetiva, pois a ideia do legislador não foi de criar uma lei autônoma, mas, sim, alterar a Lei Maria da Penha com a Lei 13.641/2018. Portanto, caso as condutas do agressor venham a descumprir ordem judicial de medida protetiva, cabe ao magistrado agravar a medida ou decretar a prisão preventiva.
Bem como o a art. 14 da Lei 13.340/06 fala da competência dos Juizados de Violência Doméstica contra a Mulher, estes por serem Órgãos da Justiça ordinária, possuem competência cível e criminal. No entanto, existe uma grande discussão doutrinária a respeito da natureza jurídica, tendo em vista os dois lados, sendo este de natureza cautelar satisfativa e cíveis, como a prestação de alimento, e as criminais, como a determinação da prisão preventiva. Sobre esse tema, o Fórum Nacional de Juízes e Juízas de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher, disse:
ENUCIADO 48: A Competência para processar e julgar o crime de descumprimento de medida protetiva de urgência prevista no art. 24-A da Lei Maria da Penha é dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher e, onde não houver, das Varas Criminais com competência cumulativa para processar e julgar as causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher.
Essa criminalização não garante que seja assegurada a criação de políticas públicas e muito menos de instrumentos que monitoram as medidas protetivas de urgência, uma vez que meios de cunho punitivo não são capazes de solucionar problemas que já partem de uma seara cultural e patriarcal que ainda se faz presente na sociedade, o intuito foi implementar no ordenamento jurídico de proteção à mulher, o primeiro tipo incriminador, que é o artigo 24-A, com o intuito de garantir uma possível segurança para a vítima.
Dentre as medidas protetivas de urgência, existe um rol que se divide em dois tipos quanto a sua espécie: “as medidas protetivas que obrigam o agressor” elencada no art. 22, e as “medidas protetivas que protegem a Ofendida” elencadas no art. 23, ambas com o intuito de resguardar as vítimas, assim, adequando cada medida ao número máximo de situações a qual se encontrar, pois o cenário de violência pode estar presente de várias formas.
3.3 Bem jurídico tutelado
O bem jurídico tutelado e regulamentado pela norma é a administração da justiça, visto que tem a pretensão de assegurar a autoridade das normas expedidas pelo Poder Judiciário. Assim, de maneira imediata, também busca assegurar a integridade da vítima de acordo com o tipo de violência sofrida ou medida protetiva descumprida, já que tem o dever de medida protetiva.
Observado isso, ressalta-se que há entendimentos de que o mero consentimento da vítima, permitindo a aproximação do agressor, direta ou indiretamente, seria motivo para que fosse revogada a culpabilidade do agressor, a resposta é negativa. Portanto, essa conduta da vítima não afasta a culpabilidade do agressor quando houver decisão judicial que deferiu medidas protetivas.
Constata-se, então, que, se o bem jurídico tutelado de forma primaria é a própria administração da justiça, logo percebe-se que, ao permitir que o agressor tenha qualquer tipo de aproximação, primeiramente quem será afetado é a decisão judicial e, em segundo plano, a vítima de violência doméstica, assim o consentimento da vítima não afasta a culpabilidade do agente.
Nesse sentido, é possível dizer que, por se tratar de verdadeira espécie de crime de desobediência, o bem jurídico tutelado diretamente pelo art. 24-A é a Administração da Justiça, em especial o interesse do Estado no cumprimento das medidas protetivas de urgência. Não deixando de se considerar que o delito tutela a própria mulher vítima dessa violência de gênero. Afinal, também possui interesse no cumprimento das medidas protetivas de urgência que foram impostas de modo a garantir sua proteção (LIMA, 2011).
Pois, segundo o entendimento da maioria dos tribunais dos estados, é que muito a vítima tenha consentido que o agressor permaneça na residência enquanto já possui medidas protetivas de urgência deferidas, não afasta a punibilidade da decisão judicial. Pode-se confirmar a devida afirmação, a partir da decisão no Acordão 1245366, julgado em 23/04/2020, que possuía como Relator Roberval Casemiro Belinati da 2ª Turma Criminal.
(...) b) capacidade para consentir (compreensão do consentimento); e c) disponibilidade do bem jurídico exposto a perigo de lesão (…) E, evidenciados os requisitos, verifica-se, de início, que o bem jurídico tutelado pelo crime do artigo 24-A da Lei nº 11.340/2006 é indisponível, uma vez que se refere, primeiramente, à Administração da Justiça, e apenas secundariamente à proteção da vítima.
Dessa maneira, resta caracterizado que é indisponível o bem jurídico tutelado, a regra é que as medidas protetivas devem ser cumpridas em todas as ocasiões por se tratar de decisão judicial, mas o consentimento, em especial, não é causa de absolvição por se tratar de algo secundário quanto à vítima.
3.4 Tipo objetivo e subjetivo
Na tipologia trazida da lei, tem-se no núcleo do tipo os verbos “deixar de cumprir, contrair, infringir, transgredir”, assim tem-se uma conduta que poderá ser praticada de forma omissiva, como deixar de pagar alimentos provisórios imputados a favor da vítima, ou comissiva, ao exemplo do agressor se aproximar da vítima à distância fora do permitido, atuando o agente de forma expressa para a caracterização da conduta típica.
O artigo 24-A explana expressamente que o crime ocorre quando for descumprida a medida protetiva, na qual descreve qual é a medida protetiva de urgência. Com entendimento, observa-se que somente as medidas protetivas fixadas pela autoridade judicial estarão passiveis de descumprimento, nos termos do art. 24- A na Lei 11.340/06, onde no artigo está elencado um rol de autoridades que podem expedir as medidas protetivas (BRASIL, 2006).
No que tange ao bem jurídico tutelado nos moldes do artigo 24-A, é notório que, primeiramente, haja um respeito quanto à ordem judicial, onde enseja como sujeito ativo apenas o sujeito quem sofre a restrição penal e como sujeito passivo, a própria Administração da Justiça, que de forma secundária, influencia na proteção da mulher que se encontra em estado de violência doméstica (CABETTE; NETO, 2018).
Tratando-se de crime de natureza dolosa, ou seja, a vontade do agente em contrair a conduta dolosa faz obviamente que, para isso, o sujeito tem o dever de estar ciente da existência da decisão judicial que lhe é imputada mediante conduta comissiva. Para tanto, não se caracterizam situações geradas por condutas culposas não fazendo parte do tipo penal do crime de descumprimento de medida protetiva.
3.5 Ação Penal
Diante da tipificação do presente crime, passou a admitir a prisão em flagrante dos sujeitos que estiverem violando a decisão judicial que concedeu a medida de urgência, segundo o art. 24-A. Mesmo se tratando uma medida que não se espera que seja tão habitual, tendo em vista a força da norma já imposta, é possível uma ação imediata das autoridades policiais, após a provocação perante a condutam do tipo penal.
O artigo 24-A, parágrafo 2° da Lei 11.340/06, dispõe que, após ser comunicada a autoridade judicial, apenas ela poderá conceder fiança, usando como regra geral o art. 322 do Código de Processo Penal, sendo possível que a autoridade policial conceda fiança nos crimes que não tenham pena maior que 4 (quatro) anos. Mesmo havendo a regra geral do art. 322 do CPP e estando como pena máxima no crime de descumprimento 2 (dois) anos, somente o juiz poderá conceder a fiança. (BRASIL, 2006)
Segundo a Súmula 536 do STJ, “A suspensão condicional do processo e a transação penal não se aplicam na hipótese de delitos sujeitos ao rito da Lei Maria da Penha”. Ou seja, mesmo que o agressor cumpra as sanções impostas pelo Juiz, este não deixará de responder, nem mesmo será extinta a sua punibilidade.
Observa-se mais uma vez o caráter protecionista, na qual cerca e obtém mecanismos diferenciados para que a norma seja sempre mais cogente, buscando a segurança e guarda das vítimas. O art. 24 - A, §1° da lei 11.340/06 traz que, independentemente do juiz que proferiu a medida, não interferindo ser de natureza cível ou penal será configurado o crime de descumprimento (BRASIL, 2006).
4 DESCUMPRIMENTO DE MEDIDA PROTETIVA COMO MEIO SIMBOLICO DO LEGISLADOR
A Lei tem o papel essencial de regular a vida em sociedade, no entanto, mediante o crescimento e reincidência de problemáticas sociais, com medidas elevadas até mesmo com a criação de novos tipos penais. A Lei Maria da Penha é fruto de um cenário histórico da violência de gênero, diante disso, a evolução histórica vem se amoldando ao crescimento social e à justiça, onde devem buscar a sua adequação com finalidade de vincular o sistema da justiça com a Lei Maria da Penha.
Anteriormente à inserção do artigo 24-A pela Lei 13.641/2018, tinha-se no ordenamento, como infração, o crime de desobediência tipificado no art. 330 do Código Penal. Pois como sujeito passivo o Estado, já que o que está sendo descumprida é a ordem judicial e não propriamente uma violência doméstica. Desde logo uma crítica ao tipo penal por não propriamente a caracterização da violência de gênero, mesmo sendo fruto de tal medida.
A presente Lei é resultado da articulação entre o Poder Judiciário, Defensoria Pública, Ministério Público, com proposta existente desde 2015. Dentre muitas críticas e ataques para sua aprovação tendo em vista um pedido de clamor feio pelo Poder Judiciário, com uma série de críticas feitas sobre a atipicidade de conduta, principalmente coma aplicação de dispositivos do Código Penal, para aplicação de multa e prisão preventiva.
Visto como uma espécie de limitação na proteção das vítimas, ao ser inserido o novo tipo penal, a autoridade policial poderia agir com segurança legal. Ocorre que a criminalização do descumprimento possibilita que as autoridades policiais tenham uma autonomia maior, como autuação em flagrante sobre qualquer descumprimento de ordem judicial, representando uma maior agilidade em coibir e prevenir a atuação de agressores.
A grande questão em torno de toda problemática atrás da expedição de norma mais rígida, a busca muitas vezes incessante pela efetivação da aplicação da Lei Maria Da Penha. Afinal é um conjunto, pois não só medidas mais rígidas para apenar iram completar esse conjunto de colher a vítima, educar e o agressor.
4.1 Instituto Penalizador
Dentre toda a temática e o conjunto no qual se englobam as Medidas Protetivas de Urgência, o Legislador, em um contexto geral, busca, ao que se vê uma rigidez maior para aqueles que descumprem decisões judiciais, visando a tutela das vítimas. Em observância ao que diz a nossa Constituição Federal em seu art. 226, §8, é dever do Estado criar mecanismos para conter a violência no âmbito de suas relações (BRASIL, 1988).
A penalidade descrita no artigo 24-A gerou bastante discussões por ser um crime com pena de até 2 (dois) anos com alegações que recairiam sobre a Lei 9.099/95 – Lei dos Juizados Especiais, visto que a presente lei traz a previsão dos crimes com pena abstrata de até 2 (dois) anos onde as infrações consideradas de menor potencial ofensivo, a Lei de Descumprimento de Medida Protetiva.
Pois o rito dos juizados especiais é mais benéfico ao acusado, sendo mais simples, por buscar a reparação a vítima e aplicação de penas menos severas. Assim o que diz o art. 62 da Lei 9.099/95:
Art. 62. O processo perante o Juizado Especial orientar-se-á pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, objetivando, sempre que possível, a reparação dos danos sofridos pela vítima e a aplicação de pena não privativa de liberdade (BRASIL, 1995).
Tais fundamentos com o crime ser contra a Administração Pública, por estar como sujeito passivo da demanda, no entanto existe uma incompatibilidade entre as práticas da conjuntura da violência doméstica com os procedimentos adotados pelos Juizados Especiais. Deste modo, a ótica da presente lei é uma garantia e, querendo ou não, um novo mecanismo para barrar o avanço da reincidência em casos já existentes, podendo-se dizer usar como um freio a uma progressão da pratica criminal.
Visto que a busca pela proteção da vítima é um fim e não só a um meio ao que se propõe, visando uma efetivação das decisões emanadas que objetivam a sua tutela integral, é perfeitamente possível a aplicação da medida mais restrita, por ter como base o Princípio da Especialidade Penal, no qual diz havendo norma especial, retira a aplicação a lei geral.
Assim passo a observa que no seio de uma relação abusiva e violenta, onde o agressor está munido por se achar sempre em superioridade com relação a vítima. Já com medidas protetivas proferidas e não sendo obedecidas, o agressor continua com as mesmas condutas a fim de descumpri-las. Partindo disso no artigo 24 - A, §2° nos fala da prisão em flagrante na qual só poderá ser concedida fiança por autoridade judicial.
Ocorre que, em muitos casos a prisão preventiva se faz necessária em caráter de urgência, amparada pelo artigo 313, III do Código de Processo Penal e na própria Lei Maria da Penha em seu artigo 20. No entanto, a legislação é específica, e fundamentos que justifiquem tal medida no artigo 312 do CPP, a nova redação com o advento da Lei 13.964/2018 reforça a interpretação e força da Lei Maria da Penha.
Partindo disso, com o surgimento de críticas à finalidade do crime de descumprimento como um instituto de penalizar, já que a Legislação vem reforçando veemente a decretação de prisão e tal medida vem se mostrando ainda incapaz de reduzir índices altos presentes em nosso país. Contudo [contudo] as vítimas em casos singulares que as vítimas continuem com o convivo direto com o agressor em constante ciclo de agressão, um novo tipo sanaria o descumprimento de medida de urgência.
4.2 Registros do Crime de Descumprimento de Medida Protetiva
É sabido que a intenção de implementar o primeiro tipo incriminador em casos de descumprimento de medida protetiva foi para tentar inibir a transgressão do crime para eventos mais danosos, assim foi constatado que o número de prisões aumentou a partir do ano de 2019, ou seja, logo após a implantação do artigo 24-A na Lei Maria da Penha.
No ano de 2019, um ano após a tipificação do crime, foi visto que as prisões por crime de descumprimento de medidas protetivas bateram o recorde, e que, de acordo com a polícia civil da DECCM (Delegacia Especializada em Crimes Contra a Mulher), pelo menos 276 homens foram presos por descumprimento de medida protetiva, um aumento proporcional de 11% em relação ao ano de 2018.
No tocante às medidas protetivas de urgência, que são outro ponto muito importante sobre esse trabalho, é necessário explanar os motivos que levam o seu deferimento e indeferimento, o que certamente é motivo de dúvidas, de acordo com uma pesquisa realizada no Distrito Federal, juntamente com as 20 (vinte) Varas Judiciais de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher dentro do Distrito Federal no ano de 2019 é importante salientar que foi nesse ano que as medidas protetivas passaram a tramitar de forma eletrônica, trazendo uma facilidade para o manuseio nos autos dos processos, foi analisado 1.216 (um mil e duzentos e dezesseis) processos que equivalem a pelo menos 12,5% de medidas protetivas que foram solicitadas.
Em suma, é notório que não existe um padrão usado pelos magistrados para o deferimento dessas medidas, mas constatou-se que a maioria dos indeferimentos de medidas protetivas de urgência são por decorrência de insuficiência de provas, ausência de urgência, ausência de violência baseada no gênero e ausência de gravidade ou risco.
De acordo com Bianchinni (2014), há uma ausência e fragilidade quanto à fiscalização e o monitoramento diante do cumprimento das medidas protetivas, ou seja, afirma não existir uma previsão legal para o monitoramento das medidas de “afastamento do lar”, por exemplo. Assim, na falta de monitoramento, acaba criando-se brechas para o não cumprimento da ordem judicial. Dessa forma, a autora cita a ideia do monitoramento eletrônico, uma cautelar diversa da prisão.
5 CONCLUSÃO
A Lei 11.340/06 é o principal instrumento de proteção à mulher em situação de violência doméstica dentro do mundo jurídico, elencando uma série de procedimentos a serem adotados em prol da vítima de gênero feminino, que vão desde o registro do boletim de ocorrência até a restrição de liberdade do agressor.
Destaca-se que um dos principais mecanismos presentes na Lei Maria da Penha são as medidas protetivas de urgência com previsibilidade nos artigos 22 e 23, em que buscam imprimir uma efetiva proteção a mulher em situação de violência doméstica e familiar através de um meio protecionista, já que não possuem uma função condenatória e, sim, de garantia dos direitos fundamentais da mulher.
Dentro do ordenamento jurídico, existem três tipos de medidas protetivas de urgência em um rol meramente taxativo, sendo estas as que obrigam o agressor, as que garantem a integridade da vítima e as de caráter patrimonial. Em suma, não foi mencionado pela Lei se há um prazo de vigência, porém, é assegurado pela doutrina que estas irão perdurar enquanto forem suficientes para a garantia de proteção da mulher.
Quanto a natureza jurídica dessas medidas, existem inúmeros debates acerca, em que muitas correntes acreditam que possuem natureza civil, outros natureza penal e há quem entenda que possuem caráter misto. Porém, a tese que se conclui é que as medidas protetivas de urgência não são cautelares civis ou criminais, e sim inibitórias ou reintegratórias, de conteúdo satisfativo.
Isso se confirma a partir do conceito de tutela inibitória, que é justamente a que pretende impedir que um ato ilícito continue, e esse é o principal intuito das medidas protetivas de urgência. Além disso, defende-se a ideia de medidas de cunho satisfatório, onde estas não dependem de formalidades.
Contudo, essas medidas, apesar de possuírem uma ideia de satisfação de que podem ser descumpridas, e uma vez ocorrendo o descumprimento antes do advento da Lei 13.641/2018 as condutas dos agressores eram submetidas ao crime de desobediência com previsibilidade nos artigos 330 e 359 do Código de Processo Penal.
Em 04 de abril de 2018, o crime de Descumprimento de Medida Protetiva de Urgência – Lei 13.641/18 que alterou a Lei Maria da Penha implementando o primeiro tipo incriminador que é o artigo 24 - A, com pena de detenção de 3 (três) meses a 2 (dois) anos.
Por se tratar de uma ação penal pública incondicionada, ou seja, que não depende de representação da vítima, sendo o Ministério Público o responsável pelo oferecimento denúncia e incumbido de remeter ao juiz para que este no prazo de 48 (quarenta e oito) horas decida pelo deferimento ou indeferimento da medida.
Quanto a isso, observa-se que ainda existem obscuridades quanto aos dados publicados em relação ao número de denúncias oferecidas pelo Ministério Público, esse órgão ministerial que, além de ser um fiscal da lei, é tido como um instrumento necessário de garantia do estado democrático de direito, e, também, é visto como uma instituição fechada, uma vez que não expõe para a sociedade os dados de um tema tão importante.
Conclui-se que, apesar da criminalização da conduta ser vista como necessária para cumprir um vácuo legislativo, ainda não é considerada um meio totalmente inibidor diante dos casos de descumprimento de medida protetiva, porque não se sabe ou tem conhecimento quanto ao número de denúncias ofertadas por parte do Ministério Público, sendo inviável a conclusão de que a lei está sendo ou não eficaz, tornando-se literalmente apenas um meio simbólico para o legislador.
Assim, conclui-se que, diante da ausência de dados por parte do Ministério Público quanto à publicação dos números de denúncias de um tema relevante e que merece ser tratado na integra, pois não se trata somente de decisões judiciais não respeitadas, mas de uma pessoa do gênero feminino que teve sua segurança ameaçada e em razão busca os órgãos competentes e aguarda por um amparo do Estado determinado na legislação.
REFERÊNCIAS
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