CRISTIANE DORST MEZZAROBA[1]
(orientadora)
RESUMO: Não há dúvidas que os avanços na medicina caracterizam um dos principais fatores responsáveis pela sobrevivência e longevidade da espécie humana. Atualmente não somente na prevenção e cura de doenças, como também para melhorar a autoestima através da estética. Com o aumento de procedimentos e complexidades destes, há mais procedimentos malsucedidos, provocando discussão relacionada à ciência jurídica. Nesse contexto, o presente estudo tem como objetivo geral analisar os contornos do erro médico e as características da conduta profissional inadequada sob a ótica jurídico-penal. Especificamente, conceituar o erro médico no ordenamento jurídico brasileiro; caracterizar a responsabilidade penal decorrente de erro médico; por fim, apresentar exemplos reais de judicializações envolvendo erro médico na seara criminal. A metodologia, de ordem qualitativa, buscou fundamentos na doutrina, jurisprudência e legislação vigente no país. Verificou-se, sob a ótica jurídico-criminal, a possibilidade de responsabilizar a conduta médica de erro médico conforme a lesão causada, considerando a subjetividade penal envolvida, seja culpa ou dolo eventual do médico infrator, com penas de até 30 anos de reclusão. Todavia, mesmo com aumento de demandas judiciais sobre o tema, a Justiça brasileira se mostra extremamente conservadora, reconhecendo apenas como erro médico condenável criminalmente os casos onde a situação é irrefutável.
Palavras-chaves: Erro Médico. Responsabilidade Penal. Direito Médico.
SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO; 2 ERRO MÉDICO: aspectos conceituais; 3 RESPONSABILIDADE PENAL POR ERRO MÉDICO; 3.1. Contextualização histórica da punição penal por Erro Médico; 3.2 Tipificação penal por erro médico no ordenamento brasileiro: conduta culposa ou dolosa; 3.3 RESPONSABILIDADE PENAL: incidência; 4 DEMANDAS JUDICIAIS PARA RESPONSABILIZAÇÃO PENAL DO MÉDICO; 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS; 6 REFERÊNCIAS.
Nos últimos anos têm aumentado o número de denúncias no judiciário atribuindo ao médico o insucesso de procedimentos envolvendo procedimentos clínicos e, consequentemente, a responsabilidade tanto no âmbito criminal, quanto civil, o dano supostamente causado ao paciente, seja por culpa ou mesmo dolo.
É indiscutível que a medicina tem avançado a passos largos ao longo dos anos. Os avanços tecnológicos têm desenvolvido novos procedimentos e aprimorado os antigos, sempre com o objetivo de beneficiar os pacientes, seja na cura de uma doença, seja na correção de pequenas deficiências, seja no ganho estético. Entretanto, por vezes, os procedimentos são complexos e invasivos e, consequentemente, mais perigosos sob a ótica de recuperação do paciente pós-procedimento.
Na esfera criminal, a imperícia, classificada juridicamente como conduta comissiva positiva, é aquela em que o médico não possui o conhecimento técnico, teórico e prático para realizar determinada procedimento e mesmo assim o faz. A imprudência, também uma conduta positiva, ocorre quando o médico não observa o seu dever de cuidado, causando um ato lesivo que era previsível, consistindo na prática de um ato perigoso sem os cuidados que o caso requer. Enquanto, a negligência é caracterizada pela conduta negativa, e consiste no ato de deixar de fazer aquilo que a diligência impunha (GRECO, 2021).
Embora, por definição, o erro médico se caracterize essencialmente pela culpa, pode existir situações em que o erro cometido pelo médico seja juridicamente caracterizado pelo dolo, nestes casos, o dolo eventual. Fala-se em dolo eventual quando o médico “embora não querendo diretamente praticar a infração penal, não se abstém de agir e, com isso, assume o risco de produzir um resultado que por ele já havia sido previsto e aceito” (GRECO, 2021).
No que tange a responsabilidade penal, em ambas as situações, o erro médico é criminalmente punível, seja por culpa ou por dolo, a conduta do profissional deve ser apurada e os atos referentes ao dano, autoria, materialidade e causalidade devem ser considerados.
Esse estudo tem como objetivo principal analisar os contornos do erro médico e as características da conduta profissional inadequada sob a ótica jurídico penal. Ademais, pretende-se de forma específica, conceituar o erro médico no ordenamento jurídico brasileiro; caracterizar a responsabilidade penal do médico pelo cometimento de erro médico; por fim, apresentar exemplos reais referentes às judicializações envolvendo erro médico na seara criminal.
Metodologicamente, utilizando-se de um contexto doutrinário, jurisprudencial e legislativo, este estudo será, especialmente, de ordem qualitativa, tendo por premissa analisar e interpretar aspectos mais profundos, descrevendo a complexidade do comportamento humano e ainda fornecendo análises mais detalhadas sobre as investigações, atitudes e tendências de comportamento, ou seja, com ênfase nos processos e nos significados (MARCONI; LAKATOS, 2010).
A discussão sobre o relevante tema se mostra pertinente e indispensável, podendo auxiliar na compreensão dos aspectos judicantes/punitivos da responsabilidade médica diante da sua obrigação no contrato médico e paciente, a partir da análise da trilogia culpa, dano e nexo de causalidade, como forma de fomentar a discussão sobre o valor ético, jurídico e social da saúde e da vida humana.
Buscando atender aos objetivos propostos este estudo está dividido em três capítulos. Além da introdução, o capítulo dois intitula-se erro médico: aspectos conceituais, discorrendo também da evolução histórico-conceitual; o capítulo três trata especificamente da responsabilidade penal por erro médico, sendo dividido contextualização histórica da punição penal por erro médico, tipificação penal por erro médico no ordenamento brasileiro: conduta culposa ou dolosa e, responsabilidade penal: incidência. O quarto e último capítulo é intitulado demandas judiciais para responsabilização penal do médico, no qual o objetivo é apresentar exemplos de demandas judiciais onde se visualiza a responsabilização penal do médico decorrente de erro médico. Por fim, tem-se as considerações finais e as referências utilizadas no desenvolvimento deste estudo.
2 ERRO MÉDICO: aspectos conceituais
A atividade do profissional da área médica é, sem dúvidas, uma atividade de risco, pois diariamente lida com questões relacionadas à saúde e a vida das pessoas, sendo que um ato equivocado nessa atuação pode suscitar em morte do paciente ou no comprometimento de sua integridade física ou de sua saúde, por conduta culposa (negligência, imperícia ou imprudência) ou dolosa, especificamente, em casos de dolo eventual.
Quando o resultado do procedimento não é o esperado pelo paciente, levanta-se a discussão sobre o erro médico ou mesmo a responsabilidade do médico face ao insucesso do procedimento.
Nessa toada, a definição de erro médico também está, de forma mais ampla, no Manual de Orientação Ética e Disciplinar do Conselho Regional de Medicina do Estado de Santa Catarina (2000):
A falha do médico no exercício da profissão. É o mau resultado ou resultado adverso decorrente da ação ou da omissão do médico, por inobservância de conduta técnica, estando o profissional no pleno exercício de suas faculdades mentais. Excluem-se as limitações impostas pela própria natureza da doença, bem como as lesões produzidas deliberadamente pelo médico para tratar um mal maior. Observa-se que todos os casos de erro médico julgados nos Conselhos de Medicina ou na Justiça, em que o médico foi condenado, o foi por erro culposo.
Também a doutrina de Gomes e França (1999, p. 25) conceitua como:
Erro Médico é a conduta profissional inadequada que supõe uma inobservância técnica, capaz de produzir um dano à vida ou à saúde de outrem, caracterizada por imperícia, imprudência ou negligência". O Código de Ética Médica não traz nenhuma definição a respeito do tema, entretanto, o art. 1º do Capítulo III destaca que é vedado ao médico “causar dano ao paciente, por ação ou omissão, caracterizável como imperícia, imprudência ou negligência.
Essas definições têm em comum a atribuição de culpa ao profissional, caracterizada, juridicamente como um ato ilícito cometido pelo médico por imperícia, imprudência ou negligência.
Contudo, se revela uma evolução conceitual acerca do tema, diante do pensamento místico e religioso que revestia o exercício da medicina. Por muitos séculos, perpetuou-se a ideia que atribuía o exercício da função aos desígnios de Deus quanto a saúde e a morte. Como ponderou Reale (1997) se estabeleceu a cultura do “médico da família”, que era o responsável por atuar integralmente junto aos pacientes de uma mesma família, sendo a garantia de um amigo, conselheiro, e figura de uma relação social que não admitia dúvida sobre a qualidade de seus serviços, e, menos ainda, a litigância sobre eles.
O ato médico se resumia na relação entre uma confiança (a do cliente) e uma consciência (a do médico). Por tradição deduz-se que aquele que cura absolve a culpa, desfazendo o erro de origem do semelhante. Por isso, era inconcebível que o médico também poderia errar, especialmente no exercício da cura.
Entretanto, com o passar dos anos, sob a ótica de uma sociedade de consumo, as relações sociais se alteraram, gerando uma distância na relação médico-paciente, de modo que os pacientes se tornaram usuários conscientes de seus direitos, reais ou fictícios, exigindo também mais resultados positivos. Isso se dá, pela consciência de que a população é detentora de direitos, sendo lícito o questionamento, a apuração de responsabilidades, bem como a compensação dos prejuízos que vier a sofrer.
Em contrapartida, ainda que a ciência tenha evoluído de forma consideravelmente prodigiosa, essa mudança trouxe à tona uma onda de demandas judiciais, versando sobre diversos temas, gerando sobrecarga nos serviços judiciários, sendo que há aumento nos litígios a serem resolvidos. Sobretudo, há também casos em que o profissional da medicina se torna alvo de questionamentos e demandado para se responsabilizar por insucessos, sem que o erro médico seja, de fato, configurado.
A ocorrência dos erros médicos tem tomado grandes proporções, principalmente pela influência da mídia, que desencadeia uma forte pressão para se descobrir o culpado e a causa do erro, deixando em segundo plano, ou mesmo de lado, a dimensão experiencial da própria vítima do erro médico.
Grande parte dos estudos desenvolvidos pelos Conselhos Regionais de Medicina (CRMs) está voltada para a análise e levantamento do perfil profissional do denunciado e para características relacionadas com o erro médico, como as especialidades envolvidas, processos disciplinares julgados e penas aplicadas (MENDONÇA E CUSTODIO, 2016).
3 RESPONSABILIDADE PENAL POR ERRO MÉDICO
3.1 Contextualização histórica da punição penal por Erro Médico
A obrigação dos médicos de responderem pelas falhas resultantes do exercício de sua função nem sempre foi aceita como ocorre nos tempos atuais. Por ser a Medicina uma das profissões mais antigas do mundo, a incidência do erro de quem a exerce é igualmente antiga. Inicialmente, cumpre destacar que os povos da Antiguidade e da Idade Média já puniam os médicos que cometiam erros durante seus procedimentos (MENDONÇA E CUSTÓDIO, 2016).
Documentalmente, o primeiro dado histórico acerca do erro médico foi o Código de Hamurabi da Babilônia, no século XVIII a.C, onde se passou a responsabilizar esse tipo de conduta, podendo atribuir também uma compensação. O texto apontava que o médico que matasse alguém livre no tratamento ou cegasse um cidadão livre, teria suas mãos cortadas. Outrora, se morresse o escravo, pagasse seu preço, e se ficasse cego pagaria metade do preço (GOMES, 1994). Certamente, a punição de corte das mãos se refere à aplicação da Lei de Talião, que previa “olho por olho e dente por dente”, pois a mão do médico era considerada o órgão agressor, merecendo ser punida.
Na Mesopotâmia, a medicina arcaica manteve a penalidade de amputação das mãos do médico, em caso de operação resultante na perda de um olho, sendo que em caso de morte de paciente nobre, o médico também teria de perder sua própria vida. Enquanto na Grécia, o médico das campanhas militares gregas que realizasse tratamento sem sucesso em um general ou na cura de um auxiliar favorito pagaria com a própria vida por seu erro (GOMES, 1994).
Em contrapartida, no Antigo Egito, as regras do Livro Sagrado deveriam ser seguidas pelos médicos − que, assim procedendo, estariam livres de qualquer punição, mesmo com a morte do paciente. Os ostrogodos e visigodos entregavam o médico para a família do doente, falecido por suposto erro daquele, para que o justiçassem como bem entendessem. Da composição voluntária à critério da vítima, e que envolvia um “resgate” – soma em dinheiro ou entrega de um objeto − passou-se à composição tarifada (CORREIA-LIMA, 2012).
Quanto ao Direito francês, findou-se com a responsabilidade civil dos médicos em 1929, quando foi proclamada a exclusiva responsabilidade moral dos profissionais da medicina. Em 1936, entretanto, firmou-se solidamente nos meios forenses, por meio do arresto de Dupin, a jurisprudência sobre a responsabilidade médica e a possibilidade do erro médico ao afirmar que “cada profissão encerra em seu seio homens dos quais ela se orgulha e outros que ela renega”, o que também foi ratificado nas concepções de Adelon: “O médico e o cirurgião não são indefinidamente responsáveis, porém o são às vezes; não o são sempre, mas não se pode dizer que não o sejam jamais” (CORREIA-LIMA, 2012).
Sobreveio, então, na Roma antiga, a Lei Aquilia, datada de 285 a.C., que traçou os primeiros elementos acerca da responsabilidade dos médicos, prevendo indenizações e abolindo a pena de morte por imperícia e negligência. Exigia, entretanto, que o dano contrariasse o Direito e que fosse derivado de falta in committendo, ou seja, com imprudência (CORREIA-LIMA, 2012).
Outrossim, a Lei Aquilia dificultou a responsabilização dos médicos por seus atos, pois, desta feita, eles não eram sancionados, a não ser que por falta grave e essa falta deveria ser comprovada pelos próprios pacientes. Essa necessidade de comprovação tornou a punição quase impossível, pois demandava conhecimentos específicos de medicina que os pacientes não detinham (RIBEIRO, 2012).
Um breve e importante parênteses, é destacar que no ordenamento brasileiro, considerando que os pacientes se enquadravam na categoria de consumidores de um serviço e não detém conhecimentos técnicos suficientes para construir provas contra os fornecedores do serviço – médicos – o Código de Defesa do Consumidor (1990) instituiu a inversão do ônus da prova, nas questões envolvendo a judicialização pela responsabilidade civil dos médicos.
Em todas as legislações primitivas, é possível identificar a atenção dispensada ao erro médico desde os primórdios da medicina. Atualmente, por óbvio, as penas não são comparadas as de antigamente, mas podem ser atribuídas de acordo com a lesividade causada pela prática médica, se comprovado, que o médico agiu por imprudência, imperícia, negligência e de forma mais severa se comprovada a existência do dolo, contudo sempre respeitando os direitos humanos e reconhecendo que a medicina assim como as demais áreas é suscetível ao erro. Diante disso, é imprescindível a classificação desde o primórdio, do que se trata o erro médico e características que o identificam.
3.2 TIPIFICAÇÃO PENAL POR ERRO MÉDICO NO ORDENAMENTO BRASILEIRO: conduta culposa ou dolosa
Primordialmente, na seara penal faz-se necessário distinguir os crimes dolosos e culposos. O crime é considerado doloso quando o agente prevê objetivamente o resultado e tem intenção de produzir o resultado (dolo direto) ou assume o risco de produzi-lo (dolo eventual), como preceitua o artigo 18, inciso I, do Código Penal. Outrora, crimes culposos consubstanciam-se naqueles onde o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia, de acordo com o artigo 18, inciso II, do Código Penal.
De acordo com Mirabete (1989, p. 148):
A imprudência é uma atitude em que o agente atua com precipitação, inconsideração, com afoiteza, sem cautelas, não usando de seus poderes inibidores. [...] A negligência é a inércia psíquica, a indiferença do agente que, podendo tomar as cautelas exigíveis, não o faz por displicência ou preguiça mental. [...] A imperícia é a incapacidade, a falta de conhecimentos técnicos no exercício da arte ou profissão, não tomando o agente em consideração o que sabe ou deve saber.
Especificamente, no campo da medicina, as três formas possíveis do erro médico são definidas por França (2014, p. 259):
Imprudente é o médico que age sem a cautela necessária. É aquele cujo ato ou conduta são caracterizados pela intempestividade, precipitação, insensatez ou inconsideração. A imprudência tem sempre caráter comissivo. Por exemplo, o cirurgião que, podendo realizar uma operação por um método conhecido, abandona essa técnica e, como consequência, acarreta para o paciente um resultado danoso. [...] A negligência também é um ato omissivo e caracteriza-se pela inação, indolência, inércia, passividade. É a falta de observância aos deveres que as circunstâncias exigem.
Estritamente na negligência, França (2014) pormenoriza algumas eventualidades nas quais se configura a negligência. A primeira situação seria a de abandono do doente. Esse tipo é o tipo mais clássico de negligência médica, pois quando estabelecida a relação médico-paciente, a obrigação da continuidade de tratamento é absoluta, a não ser em casos especiais, como no acordo mútuo entre as partes ou por força maior. O conceito de abandono deve ficar bem claro, como no exemplo, em que o médico é certificado de que o paciente ainda necessita de tratamento, e, mesmo assim, deixa de atendê-lo.
Outra modalidade de negligência ainda citada por França (2014) seria a omissão de tratamento, pois o médico que omite um tratamento ou retarda o encaminhamento de seu doente a outro colega para os cuidados necessários comete uma negligência. Um exemplo comum desse evento é se um clínico ao tratar de um enfermo portador de apendicite não o transfere de imediato para um cirurgião, preferindo fazer o tratamento conservador, ou o faz tardiamente, quando as complicações estão presentes.
Há também a negligência de um médico pela omissão de outro. Para França (2014) isso ocorre quando certas tarefas de exclusiva responsabilidade de um são entregues a outros, e o resultado não é satisfeito. Um exemplo seria quando um médico deixa o plantão confiando na certeza da pontualidade de um colega, o que não vem a se verificar. Em consequência, um paciente vem a sofrer graves danos pela ausência de um profissional naquele local de trabalho. Nessa situação, o Código de Ética Médica atual considera que ambos os médicos são infratores.
Outro exemplo de negligência bastante comum é referente a letra do médico. Popularmente, em geral, atribui-se aos médicos a característica de possuir escrita que os médicos têm letra ilegível. Esse fato pode resultar, na verdade, na troca de medicamentos, com risco de o paciente tomar um remédio diferente daquele prescrito. E, se dessa situação resultar um prejuízo ao paciente, a responsabilidade seria do médico e do farmacêutico. Do farmacêutico, por imprudência, pois não devia fornecer um medicamento quando não tem certeza do que se trata. Do médico, por negligência e imprudência, pela previsibilidade de seu ato poder acarretar dano ao seu paciente (FRANÇA, 2014).
Por fim, França (2014) ainda expõe o exemplo de esquecimento de corpo estranho em cirurgia. Destaca que o simples fato de esquecimento de um corpo estranho num ato operatório por si só não constitui, moral ou penalmente, um fato imputável, a menos que essas situações se repitam em relação a um determinado profissional, configurando-se negligência médica. Tal fato é imprevisível e, até certo ponto, impossível de ser evitado, ainda que se empreguem os mais modernos meios e as maiores atenções. Inclusive, porque esses cuidados não dependem apenas do cirurgião e de sua habilidade, mas, também, dos participantes direta ou indiretamente do ato operatório, e inclusive do tipo de material utilizado nessa forma de trabalho.
A terceira forma possível de erro médico na modalidade culposa, além de imprudência e negligência, trata-se da imperícia é também chamada de culpa profissional, pois somente pode ser praticada no exercício de arte, profissão ou ofício, sendo que se ocorrer fora destes âmbitos, deverá ser tratada, sob o ponto de vista jurídico, como imprudência ou negligência. Assim, por exemplo, se um médico, realizando um parto, causa a morte da gestante, será imperito. Entretanto, se a morte for provocada pelo parto mal efetuado por um curandeiro, não há falar em imperícia, mas em imprudência (MASSON, 2020, p. 257).
De maneira diversa, há também o erro médico por dolo eventual, onde o médico assume o risco de produzir o resultado danoso. De acordo com Masson (2020, p. 244):
Dolo eventual é a modalidade em que o agente não quer o resultado, por ele previsto, mas assume o risco de produzi-lo. É possível a sua existência em decorrência do acolhimento pelo Código Penal da teoria do assentimento, na expressão “assumiu o risco de produzi-lo”, contida no artigo 18, I, do Código Penal. [...] Prevalece no Brasil o entendimento favorável ao cabimento da tentativa nos crimes cometidos com dolo eventual, equiparado pelo art. 18, I, do Código Penal, no tocante ao seu tratamento, ao dolo direto.
Milanez (2014) afirma ainda que:
No dolo eventual, o agente prevê a ocorrência de um resultado típico e não o deseja, mas se conforma com a sua eventual ocorrência. O Supremo Tribunal Federal entendeu haver indícios de dolo eventual em hipótese na qual o único médico plantonista de um posto de saúde se recusou, reiteradas vezes, a atender uma criança que veio a falecer, sob a escusa de que não era pediatra.
Contudo, embora haja em todo ato operatório uma responsabilidade que é de todos, a tendência atual é dividir o ônus dos cuidados por determinados agentes, aos quais cabe a tarefa de supervisionar e a responsabilidade em cada procedimento, atribuindo a cada indivíduo um tipo de compromisso e um grau de responsabilidade. A compreensão que se tem no momento é que sempre há uma culpa a ser declarada.
3.3 RESPONSABILIDADE PENAL: incidência
Responsabilidade é a obrigação de reparar o dano que uma pessoa causa a outra. A palavra responsabilidade deve ser entendida como restituição ou compensação de algo que foi retirado de alguém. No âmbito penal, essa responsabilidade é o dever jurídico de responder pela ação delituosa que recai sobre o agente imputável.
De acordo com França (2014), não existe no momento, no mundo inteiro, outra atividade mais vulnerável que a medicina, chegando a ser uma das mais difíceis de se exercer do ponto de vista legal. Todavia, o médico, como qualquer cidadão, responde penalmente quando produz um dano ao seu paciente, a não ser que prove que não houve conduta culpável.
Outrora, alguns doutrinadores entendem que não é fácil identificar um erro médico quando ele ocorre. De acordo com Kfouri Neto (2010), nas ações judiciais que envolvem indenização por erro médico, percebe-se que, de um lado há a tentativa de evidenciar a prática negativa do médico e, por outro, o apoio em laudos técnicos que afaste aquilo que está sendo questionado. Ainda, conforme o doutrinador:
Delineia-se, após, o problema: a existência do dano – lesão, aleijão, morte, etc. - é irrefutável; a intervenção médica realizou-se, e isso também é induvidoso. A ocorrência da culpa e o estabelecimento do nexo de causalidade, então, passam a desafiar a argucia do julgador, que se valerá, nessa etapa final, de tudo quanto as partes trouxeram aos autos e das informações que o próprio juízo determinou fossem prestadas pelas partes e peritos.
França (2014) afirma ainda que na doutrina penal a teoria subjetivista da culpa tem prevalecido, onde o agente não quer o resultado nem assume o risco de produzi-lo, existindo, apenas, uma previsibilidade de dano. Como essa previsão é eminentemente subjetiva, torna-se difícil atribuir ao médico uma responsabilidade criminal.
De forma geral, a Justiça tem se mostrado sempre muito prudente diante de uma suposta culpa, exceto diante de uma situação indiscutível onde se possa impor o princípio da res ipsa loquitur, ou seja, onde a situação fala por si mesma.
Sobretudo, é importante o entendimento de que nem sempre quando um procedimento não obtém o resultado esperado o erro é médico. As péssimas condições dos hospitais públicos favorecem os resultados ruins de qualquer profissional de medicina. Quando o resultado é diverso das expectativas do paciente, não é necessariamente um erro médico. É importante que as pessoas que acreditam terem sido vítimas de erro médico consultem outros especialistas, uma vez que a visão de outro profissional da área é extremamente importante para se ter a confirmação, momento em que se poderá adotar a medida adequada.
Diante da confirmação, há a obrigatoriedade de reparação de danos, que no que se refere às atividades do médico, está expressa no artigo 1.545, do Código Civil, onde estabelece: “Os médicos, cirurgiões, farmacêuticos, parteiras e dentistas são obrigados a satisfazer o dano, sempre que da imprudência, negligência ou imperícia, em atos profissionais, resultar morte, inabilitação de servir, ou ferimentos”.
Na mesma toada, o artigo 14 do Código do Consumidor (Lei 8.078/90) dispõe que “o fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação de serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos”.
De antemão, incluem-se nas verbas de indenização possíveis, os danos pessoais, materiais e morais, consoante previsão constitucional (artigo 5º, X, da Constituição Federal), cuidando-se, ainda, de matéria sumulada (Súmula 37, do STJ).
Acerca dos danos materiais, são estes aqueles sofridos financeiramente. Ou seja, é o gasto financeiro com a cirurgia que não deu certo, ou o gasto com a cirurgia de reparo, com o psicólogo, dependendo do dano estético sofrido, com medicamentos. Nesse ínterim, os danos morais se referem a algo subjetivo, é quando não existe a possibilidade de demonstrar o seu valor, como no caso da honra, dor, sofrimento, saudade, humilhação, vergonha e outras coisas.
Entretanto, urge a necessidade de abordar sobre o aumento das cirurgias estéticas no Brasil. Segundo JORGE (2022), um relatório da Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica Estética (ISAPS) revelou que no ano de 2020, foram realizados 1.306.962 procedimentos de cirurgia plástica estética. Isso coloca o país em segundo lugar no ranking global da entidade, atrás apenas dos Estados Unidos. Em razão dessa alta, surgem também os danos estéticos, que são caracterizados quando há uma lesão à fisionomia do paciente. Seja uma cicatriz, uma sequela estética ou outros. No entanto, existe uma grande dificuldade em quantificar esse tipo de dano, considerando que a beleza é algo extremamente subjetivo.
Por outro lado, especificamente na esfera criminal, no exercício da Medicina os erros médicos por condutas culposas são os que têm maiores possibilidades de ocorrer. Os crimes mais comuns são homicídio culposo e as lesões corporais culposas, que integram uma agravante se realizados por médicos no exercício da sua profissão, conforme consta no Código Penal (1940):
Homicídio - artigo 121: Matar alguém
(...)
§ 3o: se o homicídio é culposo
Pena: detenção, de 1 a 3 anos
§ 4o: no homicídio culposo, a pena é aumentada de um terço, se o crime resulta de inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício (...).
Lesões corporais - artigo 129: Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem
(...)
§ 6o: se a lesão é culposa
Pena: detenção, de 2 meses a 1 ano
§ 7o: aumenta-se a pena de um terço, se ocorrer qualquer das hipóteses do artigo 121, § 4º.
Consoante, se da prática de um ato médico resultar a morte ou lesão corporal do paciente, tendo o médico agido com imprudência, negligência ou imperícia, o profissional incorrerá nas penas acima.
Todavia, também é possível a responsabilização do médico pela prática da conduta em dolo eventual, ou seja, quando dolosamente, assumindo o risco do resultado, o médico comete erro médico. Um exemplo dessa possibilidade é o médico habilitado como cirurgião geral realizar cirurgia estética, que exige habilitação específica como cirurgião estético. Nesse caso, não há que se falar em negligência, imprudência ou imperícia, vez que o médico, consciente de suas limitações profissionais, realiza procedimentos não autorizados, colocando a integridade física ou a vida do paciente em risco.
Nesses casos, o médico será responsabilizado com penas muito maiores, chegando a até 30 anos, por exemplo:
Homicídio simples
Art. 121. Matar alguém:
Pena - reclusão, de seis a vinte anos.
Homicídio qualificado
(...)
§ 2° Se o homicídio é cometido:
(...)
IV – (...) outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido;
(...)
Pena - reclusão, de doze a trinta anos.
Lesão corporal
Art. 129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem:
(...)
§ 2° Se resulta:
(...)
IV - deformidade permanente;
Pena - reclusão, de dois a oito anos.
À vista do que afirma Martins (1998), caso do resultado de um procedimento médico, surja uma lesão, uma incapacitação, ou mesmo o óbito do paciente, desde que exista indicação de um possível atendimento equivocado, poder-se-á cogitar de um crime. E no caso de lesão corporal culposa, a investigação dependerá, da manifestação de vontade da vítima (art. 88, da Lei 9.099/95), naquilo que se denomina representação. Via de regra, a apuração de eventual ocorrência do crime ocorrerá perante o Juizado Especial Criminal, onde se verificarão as tentativas de conciliação ou de transação penal, por se tratar de crime de menor potencial ofensivo.
Por outro lado, na hipótese de homicídio culposo, Martins (1998) preconiza que, diferentemente do procedimento anterior, presentes os requisitos legais, será apresentada a denúncia e, concomitantemente, a proposta de suspensão condicional do processo, conforme o art. 61 do Código Penal. Caso não seja aceita ou não se concretize pela ausência da reparação do dano, terá seguimento a ação penal, que tramita no juízo comum. Podendo ser utilizadas como prova na apuração de tais delitos o exame de corpo de delito (verificação da lesão ou comprovação da morte do paciente), na coleta das declarações do acusado, na oitiva de testemunhas, em prova documental, consistente nos documentos elaborados pelo médico durante o período de atendimento (anamnese, prontuário), receituário e outros, como os escritos por médicos assistentes, enfermeiros, anotações da sala cirúrgica, além de perícias.
Além das consequências criminais, ou seja, as penas de detenção ou reclusão impostas, pode ainda ser reclamado na justiça cível o ressarcimento ou responsabilização financeiramente pelo dano causado, na modalidade que for necessária (dano moral, material, estético).
É necessário destacar também que, em matéria penal, só podem ser réus as pessoas físicas, ou seja, o médico em questão, não cabendo processo contra o hospital, seguro saúde ou a empresa que emprega o médico. E também, o acusado só pode ser condenado quando a acusação ficou provada plenamente, porque só a prova plena é que pode gerar certeza.
4 DEMANDAS JUDICIAIS PARA RESPONSABILIZAÇÃO PENAL DO MÉDICO
De acordo com o médico perito da Justiça Federal, Herberth Marçal Chaves Moreira (2022), nos últimos dez anos, têm se observado um aumento considerável no número de demandas judiciais contra os médicos, dentistas e hospitais, tornando necessária a discussão acerca desses dados. Tendo em vista que o crescimento do número de processos éticos-profissionais nos Conselhos Regionais e Federal de Medicina, foi em torno de 250% em apenas uma década. Não obstante, 60% dos casos sejam julgados improcedentes, existe a obrigação de responder à ação judicial e custear honorários advocatícios, periciais e afins.
MILANEZ (2014) afirma que no dolo eventual, o agente prevê a ocorrência de um resultado típico e não o deseja, mas se conforma com a sua eventual ocorrência. Além de que o Supremo Tribunal Federal possui entendimento jurisprudencial de haver indícios de dolo eventual em hipótese na qual o único médico plantonista de um posto de saúde se recusou, reiteradas vezes, a atender uma criança que veio a falecer, sob a escusa de que não era pediatra.
No caso, conforme aponta MILANEZ (2014), em julgamento do STF, presidido pela Relatora Ministra Ellen Gracie, com número HC 92.304, e, restou consignado que:
[...] para a configuração do dolo eventual não é necessário o consentimento explícito do agente (em relação ao resultado), nem sua consciência reflexiva em relação às circunstâncias do evento. [...] descreveu-se a conduta do médico haver se recusado, por duas vezes, em dias consecutivos, a atender a vítima que já apresentava sérios problemas de saúde, limitando-se a dizer para a avó da vítima que a levasse de volta para casa, e somente retornasse quando o médico pediatra tivesse retornado de viagem. Em tese, o único médico plantonista, procurado mais de uma vez durante o exercício de sua atividade profissional na unidade de saúde, cientificado da gravidade da doença apresentada pelo paciente que lhe é apresentado (com risco de vida), ao se recusar a atendê-lo, determinando o retorno para casa, sem ao menos ministrar qualquer atendimento ou tratamento, pode haver deixado impedir a ocorrência da morte da vítima, sendo tal conduta omissiva penalmente relevante devido à sua condição de garante. [...]
Ato contínuo, um estudo denominado “Judicialização da saúde no Brasil: Perfil das demandas, causas e propostas de solução” realizado pelo Instituto de Ensino e Pesquisa – INSPER e divulgado pelo Conselho Nacional de Justiça – CNJ no ano de 2021, apresentou que entre 2008 e 2017, houve um crescimento de 130% no número de demandas judiciais relacionadas à saúde, sendo que em 2017 havia 95.752 processos de saúde judicializados.
Recentemente, em maio de 2022, o Jornal da Justiça, vinculado à rede de televisão TV Justiça, apresentou em edição do jornal que o Conselho Nacional de Justiça – CNJ registrou quase 35 mil novos processos por erro médico no país no ano passado - 2021, entre os casos: violência obstétrica, cirurgias malfeitas ou no lugar errado, diagnósticos incorretos, infecções hospitalares, radiações inapropriadas e medicamentos errados.
Ainda neste viés, é necessário destacar que a justiça tem tido maior atuação em relação a condenações na esfera cível, nas chamadas ações indenizatórias, do que na esfera penal, ou seja, poucos ainda são os casos de criminalização da conduta médica por erro médico. Por exemplo, no ano de 2022, como noticiou Lima (2022), o Supremo Tribunal de Justiça – STJ condenou uma médica do Rio de Janeiro, pela prática de erro médico, mais especificamente violência obstétrica, durante um parto ocorrido em 2007. O caso de violência no momento do parto fez com que o bebê nascesse com lesão cerebral irreversível. Sendo que em decorrência das sequelas, o bebê faleceu aos três anos de idade. A médica, que ainda exerce a função de pediatra, foi condenada a indenizar a família em R$100.000,00 (cem mil reais).
Nessa toada, vale ressaltar que esse tipo de indenização possui entendimento do STJ, referente à prescrição:
Direito do consumidor – Prescrição. Prescrição. Ação de indenização por erro médico. "[..] a ação proposta para cobrança de indenização por erro médico está submetida ao prazo prescricional de cinco anos, conforme estabelecido no art. 27 do Código de Defesa do Consumidor. Nesse sentido, os seguintes julgados: AgRg no AREsp n. 626.816/SP, Rel. Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, julgado em 07/06/2016, DJe 10/06/2016; AgRg no AREsp n. 792.009/DF, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 1º/03/2016, DJe 7/3/2016." AgInt no AREsp 1.381.799/SP, Rel. Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 06/06/2019, DJe 14/06/2019.
O Ministério Público de Santa Catarina – MPSC, no ano de 2021, também tornou público o caso em que, após uma denúncia do MPSC, protocolada pela Promotoria de Justiça de São Carlos, um médico foi condenado por homicídio culposo, cometido por negligência, imprudência e imperícia em uma cirurgia para corrigir uma obstrução de intestino. No caso, específico, o médico não observou as regras técnicas da profissão e não prestou os atendimentos necessários à paciente, tendo causado a morte dela.
Segundo o MPSC (2021), o falecimento da vítima ocorreu em 2015. E segundo depoimentos, a paciente foi atendida pelo médico após sentir dores abdominais. Depois de dois dias internada, foi liberada e encaminhada para fazer uma colonoscopia, mas o exame não pôde ser feito, pois ela não conseguia ingerir os medicamentos necessários. Em uma nova consulta, o médico informou aos familiares da paciente que Maria tinha uma obstrução no intestino e precisaria passar por uma cirurgia. O réu se baseou apenas em um exame de raios X para definir a necessidade do procedimento.
A cirurgia necessária foi realizada, conforme consta na notícia do MPSC (2021), a paciente ficou internada sem apresentar melhoras, recebeu alta e foi internada mais duas vezes com fortes dores, e os depoimentos de familiares demonstraram que o médico, durante todos os atendimentos, sempre minimizou a gravidade do quadro da paciente. Na sentença, o magistrado enfatizou que o procedimento ocorreu sem problemas, mas que "fora realizado sem que exigidos exames investigativos. Pois, sequer fora coletado hemograma pré-operatório". Considerou, ainda, que a conduta do médico não pode ser analisada como normal, pois atualmente ele é réu em pelo menos outros dez processos judiciais - criminais, de responsabilidade civil e por atos ímprobos.
Diante dos elementos apresentados na denúncia e comprovados no processo judicial, o Juízo da Comarca de São Carlos entendeu que não restaram dúvidas de que o médico foi responsável pela morte da paciente, e o condenou a 2 anos, 7 meses e 3 dias de detenção, em regime inicialmente aberto. Entretanto, a pena foi substituída por serviços à comunidade de uma hora por dia e pelo pagamento de 100 salários-mínimos, no valor vigente à época do fato, para os dependentes da vítima. A sentença foi juntada a um processo ético-profissional do Conselho Regional de Medicina do Estado de Santa Catarina, que também apura a conduta do médico.
Como enfatizado ao longo deste estudo, as condutas médicas no exercício profissional extrapolaram os muros dos julgamentos administrativos dos Conselhos Regionais de Medicina e estão batendo na porta do Poder Judiciário. Contudo, o tema ainda é nebuloso, o acervo probatório de difícil produção, especialmente na esfera criminal, o que acaba por prejudicar a resposta estatal e a efetiva punição de médicos que cometem erros nos procedimentos, acarretando danos à saúde do paciente, muitas vezes de forma irreversível. Ainda é muito tênue a linha que separa a fatalidade do erro médico e, consequentemente, a responsabilização criminal da conduta médica.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo deste artigo foram abordados os contornos do erro médico, desde a conceituação de erro médico e evolução histórico-conceitual, até exemplos desse tipo de conduta profissional inadequada sob a ótica jurídico penal.
Desse modo, caracterizando também a tipificação penal no ordenamento jurídico brasileiro, além da incidência penal decorrente de conduta culposa ou dolosa (eventual) de erro médico. Apresentando também a situação do Brasil quanto às demandas judiciais referentes ao erro médico e percentual de casos registrados anualmente em pesquisas jurídicas.
Entretanto, um ponto necessário a se ressaltar é a necessidade de ponderamento e distinção do que é erro médico, tendo em vista que nem todo resultado adverso na assistência à saúde individual ou coletiva é sinônimo de erro médico. Por isso, o presente trabalhou trouxe conceitos, características e exemplificações, visando que o leitor tenha consciência do que é inadequado na conduta profissional, durante relação médico-paciente.
Por outro lado, é fundamental notar que muito se exige dos médicos, mesmo sabendo que sua ciência é inexata e que sua obrigação é de meios e não de resultados. Muitas situações são judicializadas, mas não são procedentes, por ausência de erro ou de comprovação, em decorrência do ônus da prova dado ao paciente.
Desta feita, esse estudo também teve o objetivo de elucidar os direitos do paciente/cliente e tipos de condutas inadequadas do profissional da medicina, visando também que as possíveis alegações de erro médico carreguem um valor jurídico e fundamentado, para que não se configurem apenas em denúncia inepta, gerando prejuízo ao autor da ação.
Diante do exposto, conclui-se que o tema em questão explorado ainda se encontra em contexto atual e relevante, diante do expressivo aumento de demandas judiciais acerca do tema. Demonstra a necessidade de informação, por parte de médico e de paciente, de forma que essa relação recupere o seu caráter humano médico-paciente e não haja somente um vínculo entre prestador de serviços e cliente, para que ambas as partes tenham ciência de forma clara acerca dos bônus e ônus possíveis de ocorrer em cada procedimento, de modo que se diminuam os desentendimentos e danos oriundos dessa relação.
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[1] Orientadora: Mestra na Universidade Federal do Tocantins, campus de Palmas. Advogada Criminalista.
Graduanda do curso de Direito da Universidade Federal do Tocantins, campus de Palmas.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GOMES, Anna Beatriz Araújo. O erro médico no Brasil: um olhar sobre a responsabilidade penal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 dez 2022, 04:17. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/60377/o-erro-mdico-no-brasil-um-olhar-sobre-a-responsabilidade-penal. Acesso em: 22 nov 2024.
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