GIOVANNA KETLLEN ALVES DE SOUSA
(coautora)
JOÃO JUCATELLI
(orientador)
RESUMO: O presente artigo focaliza apresentar a medida a ser aplicada ao psicopata frente a execução da pena privativa de liberdade e à medida de segurança. Para isso, será introduzido o conceito e as características dominantes do indivíduo com transtorno mental antissocial, partindo de uma visão geral de doutrinadores e especialistas da área da psiquiatria. Na oportunidade, é importante a distinção dos inimputáveis, semimputáveis e dos imputáveis para que seja compreendido de forma clara qual será o enquadramento de cada um diante à aplicação da pena privativa de liberdade. Será abordado também, a possibilidade de ressocialização do psicopata e analisado os entendimentos doutrinários do STF e STJ sobre o prazo máximo de duração da medida de segurança. Ademais, como forma de exemplificação, o caso real de Francisco Costa Rocha, conhecido como “Chico Picadinho” será examinado sobre a ótica jurídica a fim de identificar se existe a possibilidade de cura e ressocialização do psicopata e sobre a probabilidade de reincidência ao serem submetidos o sistema penal elaborado para “criminosos comuns”.
Palavras-chaves: Psicopata. Medida de Segurança. Pena Privativa de Liberdade. Ressocialização. Chico Picadinho. Punibilidade.
ABSTRACT: This article focuses on introducing the measure to be implemented to psychopathic during the enforcement of a custodial sentence and the detention order. In order to get this, it will be introduced the concept and the dominant characteristics of the antisocial mental disorder individual, by a general vision of doctrinators and specialists from the psychiatry field. Therefore, is important the distinction between not imputable, semi imputable and imputable, to allow understand which frame will be apply in the custodial sentence. It will be, also, approach the possibility of the psychopath re-socialization, as well as the doctrinal understandings from STF and STJ about the duration of the detention order. Furthermore, as exemplification method, it will be reviewed, from the legal point, the real case Francisco Costa Rocha, known as “Chico Picadinho”, in order to identify if there is the possibility of psychopath recovery and re-socialize. Also, it will be analyzing the possibility of the recidivism when they are submitted into the penal system, made for “common criminals”.
KEYWORDS: Psychopath. Detention order. Enforcement of a custodial sentence. Resocialization. “Chico Picadinho”. Punishment.
A psicopatia é considerada como um transtorno de personalidade antissocial, estando presente na Classificação Internacional de Doenças (CID-10), o indivíduo que detém tal condição possui uma anormalidade na psique, na qual o impede de sentir emoções à sentimentos alheios (AGUIAR, 2015).
Atualmente no Brasil existem três classificações para as penas, sendo elas privativas de liberdade, restritivas de direitos e multa. A pena privativa de liberdade, na qual falaremos neste artigo, possui como objetivo a ressocialização do indivíduo, sendo ele submetido ao sistema prisional evitando a sua reincidência delituosa e integração do condenado à sociedade.
Quando indivíduos portadores de psicopatia cometem ilícito penal o Código Penal Brasileiro dispõe em seu art. 26, que por possuírem doença mental ou desenvolvimento mental incompleto estes estarão isentos de pena. Dessa forma, em casos de comprometimento da capacidade cognitiva do indivíduo psicopata esse será declarado semi-imputável, podendo o juiz converter sua pena em medida de segurança (MORANA, 2006).
Já as medidas de segurança, de acordo com Juarez Cirino dos Santos (2012), são fundadas no grau de periculosidade do autor do fato delituoso e possui como objetivo o tratamento individual e a proteção social.
Atualmente no Brasil há entendimento consolidado no Supremo Tribunal Federal (STF), através do julgamento do habeas corpus nº 107432/RS, na qual a medida de segurança não poderá ultrapassar o tempo da pena cominada em abstrato ou não poderá ser superior a 30 anos, posteriormente dilatado para 40 anos pela Lei 13.964/19, sendo que após tal período o indivíduo deve ser posto em liberdade.
Todavia, os indivíduos diagnosticados com psicopatia possuem uma característica peculiar, esses não podem ser curados, pois não possuem sensibilidade a sentimentos e emoções (PALOMBA, 2010).
Conforme Ana Beatriz Barbosa Silva, renomada psiquiatra, em entrevista para o Correio Braziliense em 2012, o Código Penal é falho ao aplicar sanções para pessoas portadoras da psicopatia.
O Brasil está muito ultrapassado em questão de Código Penal e de Código de Execução Penal. Por conta de a Constituição dizer que a lei tem que ser igual para todos, a gente não distingue o criminoso psicopata do não psicopata. Os psicopatas representam cerca de 25% da população carcerária e os outros 75% não são psicopatas. Ou seja, três quartos dos criminosos são recuperáveis. Em países como a Austrália e o Canadá, e em alguns estados americanos, há diferenciação dos criminosos psicopatas e dos não psicopatas. Nesses lugares, não importa o ato em si, mas se aquela pessoa é uma psicopata ou não. Se houver esse diagnóstico, os códigos Penal e o de Execuções Penais são totalmente diferentes. O autor de determinados crimes com certo grau de perversidade tende a repetir. Um exemplo clássico é o pedófilo. Não existe pedófilo que não seja psicopata, ele fica maquinando de forma maquiavélica o ataque ao que há de mais puro e usa a criança como objeto de poder e diversão. E ele sempre volta a cometer o mesmo crime. (SILVA, 2012).
Nesse contexto, é possível observar que a aplicação da pena privativa de liberdade perde sua finalidade de ressocialização e a limitação de tempo máximo da medida de segurança não garante o tratamento individual e a proteção social.
Indivíduos psicopatas são aqueles que detêm transtorno de personalidade antissocial na qual as impedem de sentir sensibilidade a sentimentos alheios, tal conceito é levantado pela DSM-V (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais) do ano de 2013.
A palavra psicopatia significa doença da mente, sendo do grego, psyche (mente) e pathos (doença), no entanto, o conceito dessa palavra sofreu diversas modificações, sendo no século XIX caracterizado como apenas um transtorno mental, sendo aperfeiçoado no século XX para um transtorno de personalidade, até chegar ao conceito atual de um transtorno de personalidade antissocial específico e persistente (AGUIAR, 2015), ou seja, pessoas detentoras de psicopatia possuem pensamentos padronizados e indiferentes diante das consequências da violação dos direitos dos indivíduos e descaso com seus sentimentos.
Em 1941 o psiquiatra estadunidense Hevey Cleckley, em seu livro “The Mask of Sanity” (A Mascara da Sanidade) a fim de traçar definições mais concisas a respeito das características dos psicopatas, enumerou as particularidades desses indivíduos, sendo: (1) Atração superficial e boa inteligência; (2) Inexistência de delírios e de outras manifestações de pensamento irracional; (3) Ausência de nervosismo ou de manifestações psiconeuróticas; (4) Falta de confiabilidade; (5) Ser inverdadeiro e não sincero; (6) Falta de remorso ou vergonha; (7) Comportamento antissocial inadequado; (8) Raciocínio pobre e falha em aprender com as experiências; (9) Egocentrismo patológico e incapacidade para amar; (10) Pobreza geral nas principais relações afetivas; (11) Perda específica de intuição; (12) Incapacidade para responder às relações interpessoais em geral; (13) Comportamento fantasioso e pouco convidativo independente de ingestão de bebidas alcoólicas; (14) Ameaças de suicídio raramente cumpridas; (15) Vida sexual impessoal, trivial e pouco integrada e (16) Incapacidade para seguir qualquer plano de vida (Livre tradução).
Já para Robert D. Hare (2013) o conceito de psicopatia estaria ligado a um “conjunto de traços de personalidade e também de comportamentos sociais desviantes” e diante disso, os psicopatas possuem um transtorno emocional e de afetividade na qual os impedem de sentir qualquer tipo de remorso ou culpa.
Tal divergência no conceito entendido por Hare o levou, em 1991, à criação do teste PCL-R (Psychopathy Checklist-Revised), também chamado de Escala de Hare, sendo aprovada sua utilização no Brasil pelo Conselho Federal de Psicologia em 2005, através da adaptação, tradução e validação da renomada psiquiatra forense Hilda Morana.
O teste possui uma série de vinte itens que abrange a vida pessoal e interpessoal do indivíduo, sendo utilizado atualmente na caracterização desses indivíduos quando cometem ilícito penal, uma vez que os psicopatas são estratégicos, inteligentes e conseguem facilmente mascarar e manipular os fatos, possuindo um forte poder de convencimento.
É importante destacar que os psicopatas não se enquadram como portadores de doença mental, uma vez de suas características principais é a inexistência de delírios e de outras manifestações de pensamento irracional, possuindo perfeito conhecimento de suas infrações praticadas e das suas possíveis consequências, no entanto, não lhe é gerado qualquer sentimento de culpa e piedade, além disso, por possuírem níveis de ansiedade abaixo do normal, agem com naturalidade diante de tais ações.
Segundo Silva, (2008):
Os psicopatas em geral são indivíduos frios, calculistas, inescrupulosos, dissimulados, mentirosos, sedutores e que visam apenas o próprio benefício. Eles são incapazes de estabelecer vínculos afetivos ou de se colocar no lugar do outro. São desprovidos de culpa ou remorso e, muitas vezes, revelam-se agressivos e violentos. Em maior ou menor nível de gravidade e com formas diferentes de manifestarem os seus atos transgressores, os psicopatas são verdadeiros "predadores sociais", em cujas veias e artérias corre um sangue gélido. (SILVA, 2008, p. 32).
Os psicopatas, para a maior parte dos pesquisadores, adquirem tal transtorno através de um conjunto de fatores genéticos, psicológicos e biológicos, diferenciando-se dos sociopatas que são levados pelos meios sociais em que vivem e pelas suas experiências na infância. No entanto, para Hare, nos casos dos psicopatas, tanto o lado genético e biológico, quanto o meio social em que o indivíduo é inserido contribuem para modelar a expressão do transtorno (HARE, 2013).
Conforme Silva (2008), a região de tomadas de decisão morais do cérebro humano é dividida em três partes, sendo a amígdala (neurônios responsáveis pela resposta emocional dadas pelo comportamento social, também presente no sistema límbico), córtex dorsolateral pré-frontal (relacionadas a ações corriqueiras) e córtex anterior cingulado (possui mais atividade quando é necessário a resolução de um problema mais difícil). Nos psicopatas, o funcionamento cerebral sofre alterações, sendo que para esses indivíduos o sistema límbico, onde há o processamento de emoções, e o córtex pré-frontal possui baixa conexão entre si, gerando assim um comportamento antissocial.
Ainda nessa temática, indivíduos com psicopatia são seres impossíveis de serem ressocializados ou curados uma vez que seus atos, sentimentos e sensações imorais são justificados por seus próprios prazeres, dotados de seu comportamento narcisista, não possuindo qualquer tipo de arrependimento ao mal gerado ao outro (SILVA, 2008, p. 159).
Uma das características dos psicopatas citadas acima, é que eles possuem raciocínio pobre e falha em aprender com as experiências, desse modo, são resistentes aos tratamentos e terapias, se torna impossível a cura e a devida ressocialização dos criminosos portadores desse transtorno.
Concomitante a isso, Silva (2008) dispõe que:
Sem conteúdo emocional em seus pensamentos e em suas ações, os psicopatas são incapazes de considerar os sentimentos do outro em suas relações e de se arrependerem por seus atos imorais ou antiéticos. Dessa forma, eles são incapazes de aprender através da experiência e por isso são intratáveis sob o ponto de vista da ressocialização. (SILVA, 2008, p. 158).
Ainda através do Psychopathy Checklist, é possível comprovar que o nível de reincidência, isso é, capacidade de cometerem novos crimes, das pessoas com psicopatia são duas vezes maior que os demais criminosos normais. Já se tratando de crimes cometidos com violência, tal nível de reincidência aumenta para três vezes, quando comparados com os demais detentos, firmando ainda mais a impossibilidade das pessoas portadoras desse transtorno de conviverem pacificamente em sociedade.
3. DAS PENAS NO DIREITO BRASILEIRO
Rogério Greco (GRECO, 2021, p.105) cita o artigo 59 do Código Penal ao descrever a finalidade das penas no direito brasileiro, levantando o entendimento de seu caráter de reprovação e prevenção do crime frente à má conduta do agente.
Conforme expresso no artigo 32 do Código Penal, o direito penal brasileiro é abrangido por três espécies de pena (BRASIL, 1940): I - privativa de liberdade, II - restritivas de direito, III- multa. Porém, para fins de conhecimento do presente artigo, será abordado apenas a pena privativa de liberdade.
No atual Código Penal, o sistema adotado é o vicariante, em respaldo ao princípio do ne bis in idem, que estabelece que ninguém poderá ser julgado duas vezes pelo mesmo delito, situação que era recorrente na vigência do sistema do duplo binário.
Antes da reforma da Parte Geral do Código Penal, pela lei 7.209/1984, o agente que havia cometido um crime e que era considerado perigoso, deveria ser submetido à pena de privação de liberdade, e após o cumprimento, à medida de segurança também poderia ser aplicada.
Segundo Guilherme de Souza Nucci, (2021):
Afinal, o sistema do duplo binário (aplicação de pena e medida de segurança) foi abolido em 1984, de forma que, se o réu foi condenado, por ter sido considerado imputável à época do crime, recebendo a reprimenda cabível, por tempo determinado, não pode ficar o resto dos seus dias submetido a uma medida de segurança penal. (NUCCI, 2021, p. 349).
Atualmente, prevalecendo o sistema vicariante (“que faz as vezes de outra coisa”), o juiz somente pode aplicar pena ou medida de segurança. Caso o réu seja considerado imputável à época do crime, receberá pena; se for inimputável, caberá medida de segurança. (NUCCI, 2021, p. 556).
Para que uma pessoa possa ser punida deverá apresentar em sua conduta os elementos da tipicidade, ilicitude e da culpabilidade (ROSSETTO, 2014). Para Busato (2020), a punibilidade se confirma através de uma sentença condenatória, que no caso concreto não há razões para afastar a aplicação da pena.
Neste diapasão, a pena privativa de liberdade será aplicada ao agente imputável que praticar um crime e à medida de segurança para os agentes inimputáveis. Veja a seguir.
3.1 DA IMPUTABILIDADE, INIMPUTABILIDADE E SEMI-IMPUTABILIDADE
A imputabilidade é à regra, sendo caracterizada pela capacidade de atribuir fato típico e ilícito ao agente (GRECO,2020). Nesse sentido, Mirabete (2021), atribui a teoria da imputabilidade moral (livre-arbítrio), pois o homem é livre e inteligente para distinguir entre o certo e o errado. Por isso, pode responder penalmente pelo fato antijurídico praticado, possuindo grau de capacidade psíquica que lhe permita compreender sobre os atos ilícitos com aptidão para ser culpável.
Em outro viés, Bitencourt (2019), esclarece que quando o indivíduo é ausente de sanidade mental, ou seja, incapaz de discernir e avaliar os próprios atos frente à norma jurídica poderá ser reconhecido a inimputabilidade, uma vez descaracterizada sua culpabilidade.
Ademais, a inimputabilidade é prevista no Código Penal, se presumindo da ausência total ou parcial de sanidade mental do agente. Consoante à isso, há causas de exclusão da culpabilidade, sendo: I- doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado; II-menoridade penal, III-embriaguez, proveniente de caso fortuito ou força maior (BRASIL, 1940). In verbis:
Art. 26 - É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984).
Além do supracitado, segundo NUCCI (2021, p.271) existem três critérios para avaliar à inimputabilidade, quais são: I- biológico; II- psicológico; III- biopsicológico. Veja:
Os critérios para averiguar a inimputabilidade, quanto à higidez mental, são os seguintes: a) biológico: leva-se em conta exclusivamente a saúde mental do agente, isto é, se o agente é ou não doente mental ou possui ou não um desenvolvimento mental incompleto ou retardado. A adoção restrita desse critério faz com que o juiz fique absolutamente dependente do laudo pericial; b) psicológico: leva-se em consideração unicamente a capacidade que o agente possui para apreciar o caráter ilícito do fato ou de comportar-se de acordo com esse entendimento. Acolhido esse critério de maneira exclusiva, torna-se o juiz a figura de destaque nesse contexto, podendo apreciar a imputabilidade penal com imenso arbítrio; c) biopsicológico: levam-se em conta os dois critérios anteriores unidos, ou seja, verifica-se se o agente é mentalmente são e se possui capacidade de entender a ilicitude do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. (NUCCI, 2021, p. 271).
Por fim, a semi-imputabilidade tem o agente como relativamente culpado, uma vez que não era inteiramente incapaz de entender a ilicitude do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. (GRECO, 2020).
Nesse viés, o artigo 26, parágrafo único do Código Penal (BRASIL, 1940), possibilita à redução da pena de um a dois terços caso constatada a perturbação de saúde mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado.
Diante disso, o psicopata poderá ter sua pena substituída pela medida de segurança, caso assim o juiz entenda, uma vez que o agente semi-imputável pratica um fato típico, ilícito e culpável (GRECO, 2020, p.87), sendo condenado, e não absolvido como no caput do artigo 26 do Código Penal.
3.2 DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE
Há três tipos de pena privativa de liberdade na legislação penal. No tocante, duas das espécies têm previsibilidade no artigo 33, caput do Código Penal (BRASIL,1940), sendo: reclusão e detenção. Ademais, à terceira espécie, com fulcro no Decreto-lei nº 3.688/41, art.5º, é denominada como prisão simples, aplicada aos casos de contravenção penal, sem rigor penitenciário.
Bitencourt (2019) explica em sua obra que à pena de reclusão é aplicada aos crimes mais gravosos, podendo ser iniciado o cumprimento em regime fechado, sendo o mais rigoroso do sistema penal brasileiro, considerando que a execução da pena ocorre em estabelecimento de segurança máxima ou média. Ademais, também poderá ter o cumprimento iniciado em regime semiaberto ou aberto.
Por conseguinte, há previsão legal no artigo 33,§1º, ”b” e “c” do Código Penal que destina a execução da pena do regime semiaberto ao cumprido em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar e o regime aberto em casa de albergado ou estabelecimento adequado. (BRASIL, 1940).
Em contrapartida, diferente da reclusão, em regra a detenção será iniciada em regime semiaberto ou aberto, regime este, destinado a crimes de menor gravidade, podendo ser convertido em regime fechado apenas através da regressão (BITENCOURT, 2019, p.149).
Nesse sentido, veja o artigo 118 da Lei de Execução Penal - LEP, in verbis:
Art. 118. A execução da pena privativa de liberdade ficará sujeita à forma regressiva, com a transferência para qualquer dos regimes mais rigorosos, quando o condenado:
I - praticar fato definido como crime doloso ou falta grave;
II - sofrer condenação, por crime anterior, cuja pena, somada ao restante da pena em execução, torne incabível o regime (artigo 111). (BRASIL, 1984).
Ainda, consoante ao entendimento doutrinário de Rossetto (2014), sobre à incapacidade de reeducar o agente submetido ao cumprimento de pena privativa de liberdade, tem-se que:
São multifários os problemas que enfrenta a pena privativa de liberdade: a incapacidade de reeducar, a ineficácia do poder de intimidar, a inconveniência de retirar o réu do meio em que vive e os estigmas que a prisão causa no egresso. A pena privativa de liberdade está em crise quanto ao objetivo ressocializador, não se mostra idônea para prevenir delitos dado o caráter criminógeno das prisões, que funcionam como escolas de delinquência e de recrutamento da criminalidade organizada. (ROSSETTO, 2014, p. 119).
Por tanto, os criminosos com grau de psicopatia, no qual possuem transtorno mental antissocial que necessitam de apoio psiquiátrico, impossibilitando seu cumprimento de pena com presos comuns, uma vez que o papel da pena é retributivo, não cumprindo um caráter curativo.
Para Nucci (2021, p.556), a medida de segurança é uma espécie de sanção penal aplicada ao agente que cometeu conduta criminosa, mas que não pode cumprir pena, sendo ele inimputável ou semi-imputável, dessa forma receberá tratamento adequado ao caráter preventivo e curativo da sanção imposta.
O Código Penal (Brasil, 1940), em seu artigo 96, I e II estabelece duas espécies de medidas de segurança: internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou tratamento ambulatorial.
Segundo Juarez (2012), tanto a internação em hospital de custódia, quanto o tratamento ambulatorial, objetivam proteger a sociedade contra ações antissociais futuras de doentes mentais graves, autores de fato previsto como crime. A grande diferença ao determinar qual o tratamento adequado se funda, no primeiro caso, na cominação de pena de reclusão (fatos puníveis com grave violência ou ameaça) e no segundo caso na aplicação de detenção (criminalidade de bagatela).
De acordo com a Lei n° 10.216/2001, artigo 6°, à internação psiquiátrica poderá ser atestada por laudo médico, podendo ser considerada como internação voluntária, internação involuntária ou internação compulsória. In verbis:
Art. 6°- A internação psiquiátrica somente será realizada mediante laudo médico circunstanciado que caracterize os seus motivos.
Parágrafo único. São considerados os seguintes tipos de internação psiquiátrica:
I - internação voluntária: aquela que se dá com o consentimento do usuário;
II - internação involuntária: aquela que se dá sem o consentimento do usuário e a pedido de terceiro; e
III - internação compulsória: aquela determinada pela Justiça. (BRASIL, 2001).
Tal medida do artigo 6°, III, da lei 10.216/2001, se dá após observância do artigo 26 do Código Penal, sobre a impossibilidade de punir o agente incapaz que não compreenda o caráter ilícito do fato em que atuou ou em que foi omisso. (BRASIL, 1940).
Nesse sentido, Rossetto (2014), expõe que:
A expressão contida no art. 26, caput, CP, o inimputável é isento de pena designa que a sentença que aplica a medida de segurança tem natureza absolutória (art. 386, V, CPP). A doutrina a denomina de sentença absolutória imprópria, pois absolve e impõe medida de segurança, que é uma espécie de sanção penal. (ROSSETO, 2014, p. 298).
Deste modo, à medida de segurança é aplicada com base no grau de periculosidade do agente (art.97,§1, CP), sendo adotada por um prazo mínimo de 1(um) a 3(três) anos, por tempo indeterminado e perdurando enquanto não for averiguada, mediante perícia médica, a cessação de periculosidade (BRASIL, 1940).
É de suma importância ressaltar que apesar de estar expresso no Código Penal de 1940 sobre o prazo indeterminado da medida de segurança para o cumprimento do caráter curativo do sentenciado/paciente, há diversos posicionamentos doutrinários e entendimentos consolidados do Supremo Tribunal Federal - STF e do Superior Tribunal de Justiça - STJ que afirmam sua inconstitucionalidade, uma vez que fere o artigo 5°, XLVII da Constituição Federal, da proibição de penas de caráter perpétuo.
Segundo Rossetto (2014) em sua obra “Teoria e Aplicação da Pena”:
A questão a ser enfrentada é que, como a CF no art. 5o, XLVII, “b”, garante não haver penas de caráter perpétuo, se tal garantia - proibição alcança as medidas de segurança? Ademais disso, as medidas de segurança estão submetidas aos princípios da dignidade da pessoa humana e da proporcionalidade,31 os quais impõem limite na duração máxima da pena privativa de liberdade. Daí́ existirem entendimentos favoráveis à limitação da duração das medidas de segurança. (ROSSETTO, 2014, p. 301).
Nesse diapasão, o Supremo Tribunal Federal fixou entendimento que o prazo máximo de duração da medida de segurança terá respaldo no artigo 75 do Código Penal, ou seja, quarenta anos, frente às modificações promovidas pelo “Pacote Anticrime” através da Lei 13.964/2019. (STF - HC 84219).
Em outra vertente, o Superior Tribunal de Justiça defende que ao substituir a pena de prisão por medida de segurança, o tempo máximo de cumprimento da pena será estabelecido consoante ao prazo determinado na sentença transitada em julgado. (STJ - HC 130.162).
Congruente ao entendimento de Nucci (2021), após o prazo mínimo fixado pelo juiz, o sentenciado será submetido à uma perícia médica para averiguar se ocorreu a cessação da periculosidade, possibilitando a desinternação ou liberação do tratamento ambulatorial.
4. DA ANÁLISE DO CASO “CHICO PICADINHO”
Francisco Costa Rocha ficou nacionalmente conhecido como “Chico Picadinho” em 1976 quando cometeu seu segundo homicídio.
Ele nasceu em 27 de abril de 1942 na cidade de Vila Velha no estado do Espírito Santa, era filho de um exportador de café chamado Francisco e sua amante Nancy. Chico passou grande parte da infância em um sítio onde era constantemente rejeitado por ser fruto de relações extraconjugais, além disso, de acordo com Sacramento (2012) era conhecido na escola como “briguento, desatento, dispersivo, irrequieto, indisciplinado e displicente” e possuía comportamento cruéis com os animais, maltratando, principalmente, gatos.
Aos 16 anos mudou-se para Rio de Janeiro, ingressando no grupo “senta puá” sofrendo então abusos sexuais. Aos 23 anos, mudou-se para São Paulo, exercendo diversas profissões como vendedor, paraquedista e até mesmo corretor de imóveis, passando a frequentar constantemente bares e boates noturnas, abusando das drogas e prostituição tanto feminina, quanto masculina, sendo que o que lhe dava prazer era a agressividade sexual (SACRAMENTO, 2012).
Em 1966, em uma dessas festas noturnas, Chico Picadinho conheceu sua primeira vítima, Margareth Suida, a levando para seu apartamento que há época dividia com seu amigo, para terem relação sexual concedida, porém durante o ato ele a estrangulou. Após, levou o corpo da vítima até a banheira onde a esquartejou com giletes (TJSP, 2016).
Em perícia foi confirmado, através do Tribunal de Justiça de São Paulo (2016) que “ela foi atingida nas regiões dorsal direita, glútea direita, perianal, parte anterior do pescoço, torácica, abdominal, pubiana, coxa esquerda, braço e antebraço esquerdo”. Após o crime, Francisco dormiu no sofá e no outro dia contou o que tinha feito ao seu amigo, pedindo tempo para viajar para ver sua mãe.
Após três dias, nos dia 5 de agosto de 1996, quando retornava da viagem, foi denunciado por seu amigo e preso, confessando o crime, não sabendo descrever os motivos pelos quais o levou ao homicídio.
Em análise ao caso, Sacramento (2012) se posiciona:
Mais uma vez, percebemos que a personalidade dele enquadra-se nos critérios diagnósticos propostos pela CID – 10 para o Transtorno de Personalidade Antissocial: insensibilidade aos sentimentos alheios; atitude flagrante e persistente de irresponsabilidade e desrespeito por normas, regras e obrigações sociais; incapacidade de manter relacionamentos, embora não haja dificuldades em estabelecê-los; baixa tolerância à frustração e um baixo limiar para descarga de agressão, incluindo violência; além de apresentar uma conduta antissocial inadequadamente motivada. (SACRAMENTO, 2012).
Francisco foi julgado e condenado pelo crime de homicídio qualificado e por destruição de cadáver em uma pena de reclusão de 18 anos, posteriormente, alterada para 14 anos de reclusão. Teve a liberdade decretada em junho de 1974, cumprindo um total de 8 anos de prisão, recebendo um diagnóstico de personalidade não caracterizado com psicopatia.
Após um tempo em liberdade, com dois filhos e dois casamentos frustados, novamente começou a frequentar a vida de bares, baladas, drogas e prostituição.
Em 15 de outubro de 1976, Chico Picadinho cometeu seu segundo homicídio, desta vez, em face de Ângela de Souza da Silva, utilizando do mesmo modus operandi do crime anterior. Após o retalhamento do corpo, Chico adormeceu no sofá, fugindo do local no dia seguinte e preso pela polícia 28 dias após o crime.
De acordo com o Tribunal de Justiça de São Paulo, a defesa alegou que Francisco sofria de insanidade mental, sendo caracterizado através do laudo pericial elaborado por Wagner Farid Gattaz e Antonio José Eça, como portador de psicopatia e considerado semi-imputável. Diante disso, foi condenado a 22 anos e 6 meses de reclusão pelo Juiz Nilton Vieira de Mello.
Após 18 anos, Francisco foi novamente submetido a exames psiquiátricos e encaminhado para Casa de Custódia e Tratamento de Taubaté. Em 1998 foi decretado o alvará de soltura, no entanto, foi lhe decretado a interdição por força liminar.
A defesa de Francisco ingressou com recurso pedido para sua desinternação, sendo o julgado improcedente sob o argumento de que “a interdição de doente mental com gravíssima patologia não se iguala à prisão perpétua, uma vez que não busca punir pela prática de infrações, mas, sim, privar do convívio social aquele que sofre gravíssima doença mental” (TJSP, 2016).
Francisco Costa Rocha encontra-se internado até o momento, gerando bastante repercussão jurídica, uma vez que, como mencionado acima, os psicopatas não são considerados doentes mentais, pois não possuem existência de delírios e de outras manifestações de pensamento irracional, sendo que sua mentalidade quanto à imoralidade do ato delituoso e suas eventuais consequências se encontram intactos, sendo motivado apenas pelos seus prazeres e insensibilidade aos sentimentos alheios.
Acerca da cura do indivíduo psicopata, visando a sua efetiva ressocialização, até o momento é uma alternativa impossível, uma vez que, as terapias, medicamentos e psicoterapia, não geraram resultados positivos, uma vez que não foi possível a introdução do sentimento de culpa em suas consciências (SILVA, 2008).
Ao longo da abordagem do presente artigo podemos observar que o psicopata é um individual que possui raciocínio pobre e falha em aprender com as experiências e são egocêntricos e incapazes de amar, desse modo, conforme Ana Beatriz Barbosa Silva (2008), não há um tratamento que possa retirar tais sentimentos, uma vez que esses indivíduos não possuem remorso e agem conforme suas vontades.
Já para Robert D. Hare (2013, p. 202), as terapias em grupos para os psicopatas apenas lhes fornecem uma oportunidade para desenvolverem “novas desculpas e racionalização para seus comportamentos e novos modos de compreensão da vulnerabilidade humana”.
Devido essa impossibilidade de cura e ressocialização Silva (2008) sustenta:
É no mínimo curioso, embora dramático, pensar que os psicopatas são portadores de um grave problema, mas quem de fato sofre é a sociedade como um todo. Em função disso, pouquíssimos profissionais se arriscam a essa "empreitada". Quando o fazem, chegam à triste constatação de que contribuíram com uma ínfima parcela ou com absolutamente nada. É importante lembrar que de uma forma geral todos nós estamos vulneráveis às ações desses predadores sociais. Assim, é mais sensato falarmos em ajuda e tratamento para as vítimas dos psicopatas do que para eles mesmos. De mais a mais, só é possível ajudar aqueles que de fato querem e procuram ajuda. Os psicopatas, além de acharem que não têm problemas, não esboçam nenhum desejo de mudanças para se ajustarem a um padrão socialmente aceito. Julgam-se autossuficientes, são egocêntricos e suas ações predatórias são absolutamente satisfatórias e recompensadoras para eles mesmos. (SILVA, 2008, p. 164 e 165).
Em entrevista para a revista Super Interessante (2011), Roberto Oliveira-Souza afirma que é quase impossível curar um psicopata, exceto nos casos em que o tratamento se desenvolva precocemente antes dos 3 anos de vida, nesses casos específicos, o funcionamento cerebral de uma criança pode ser propício para reversão do transtorno de personalidade antissocial.
Nesse sentido, é certo que a psicopatia é um transtorno de personalidade antissocial e não uma doença mental, sendo impossível a sua cura e consequentemente a ressocialização dos criminosos psicopatas, uma vez que mesmo que tal indivíduo seja posto em tratamento e em seguida seja inserido novamente no convívio social, ele voltará a prática de novos crimes.
Com base no conteúdo abordado ao longo do artigo foi possível observar as características peculiares dos indivíduos portadores de psicopatia, caracterizada como um transtorno de personalidade antissocial.
Além disso, identificamos o despreparo da justiça brasileira ao lidar com indivíduos psicopatas que cometem ilícitos penais puníveis de reclusão, uma vez que o sistema penal foi elaborado somente para “criminosos comuns”, não abrangendo aqueles diagnosticados com tal transtorno, visto que quando sentenciados à pena privativa de liberdade, essa perde seu caráter de ressocialização, pois são impossíveis de gerarem sentimento de culpa e remorso, impossibilitando sua cura, sendo certo que quando colocados em liberdade voltarão a cometer os mesmos crimes, podendo ser ainda piores.
Tal fato se comprova pelas estatísticas de reincidência dos psicopatas trazidos ao longo do artigo e pelo caso analisado de Francisco Costa Rocha, conhecido como “Chico Picadinho”, que sendo um indivíduo portador de psicopatia, sentenciado pela prática do crime de homicídio qualificado e por destruição de cadáver, após cumprir a pena em regime fechado e posto em liberdade, voltou à prática e modus operandi do crime anterior.
É certo que os psicopatas não possuem doença mental e por isso quando cometem crimes possuem conhecimento, no mínimo em parte, da conduta ilícita e das suas consequências, mas o faz para satisfação de suas vontades próprias. Com isso, no momento da prática do ilícito, tais indivíduos não podem ser considerados inimputáveis, sendo conceituado por entendimento majoritário como semimputáveis, isso é, não são inteiramente incapazes de entenderem a ilicitude do fato, podendo ser puníveis pelos crimes cometidos.
Para os criminosos semimputáveis o juiz poderá substituir a pena privativa de liberdade pela medida de segurança, podendo assim gerar um tratamento adequado a tais indivíduos.
No entanto, é possível observar que mais uma vez, o ordenamento jurídico brasileiro foi omisso quanto às particularidades dos psicopatas, porquanto, para eles não deveria ser dado a faculdade ao juiz de substituir a pena privativa de liberdade pela medida de segurança, e sim uma obrigação, resguardando tanto a vida dos demais detentos em presídios e garantindo o tratamento adequado para estabilizar e controlar tal transtorno de personalidade antissocial.
Ademais, a medida de segurança para indivíduos portadores de psicopatia também necessita de uma interpretação singular, pois através do entendimento do Superior Tribunal de Justiça, a substituição por tal medida deve-se observar e respeitar, o tempo máximo de cumprimento da pena, sendo consoante ao prazo determinado na sentença transitada em julgado, garantindo assim a não aplicação de sanções em caráter perpétuo. (STJ - HC 130.162).
Não obstante, a medida de segurança para os psicopatas, seja ela internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou tratamento ambulatorial, é coordenada pelos profissionais da saúde, principalmente psiquiatras, que possuem conhecimento técnico para administrar o tratamento adequado de tais indivíduos, sendo eles encarregados pelo acompanhamento e diagnóstico do grau de periculosidade.
Diante disso, caberia modificação do texto constitucional que proíbe penas de caráter perpétuo e da Lei 13.964/19 que prevê o tempo máximo de 40 anos da pena, aplicáveis por analogia à medida de segurança, sendo possível adotar exceções para os psicopatas, tendo em vista a impossibilidade de cura desses indivíduos e o perigo que eles apresentam à sociedade.
É de se ressaltar que levando em consideração o despreparado sistema jurídico brasileiro em face dos psicopatas e o grau de periculosidade, se faz necessário a elaboração de leis que abrangem tal condição mental, sendo certo que, o número de reincidência desses indivíduos diminuirá.
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Graduanda em Direito pelo Centro Universitário UNA de BETIM/MG
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FERREIRA, SARAH POLLYANNE DIAS. A psicopatia frente à execução da pena privativa de liberdade e da medida de segurança no direito brasileiro. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 dez 2022, 04:14. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/60378/a-psicopatia-frente-execuo-da-pena-privativa-de-liberdade-e-da-medida-de-segurana-no-direito-brasileiro. Acesso em: 22 nov 2024.
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