RESUMO: O crime de estupro de vulnerável encontra-se tipificado no artigo 217-A do Código Penal Brasileiro. Trata-se de um crime absoluto quando se falar de um menor de 14 anos, sendo considerado irrelevante apesar do consentimento da vítima. Estuda como o crime em questão tem tomado cada dia mais relevância na sociedade, visto que nesses momentos os olhos se viram mutualmente para quem é a vítima, para quem cometeu o crime e, principalmente, para quem irá conduzir o procedimento em busca de uma sentença, visto que este último terá apenas o testemunho da vítima para fins de comprovação do ato. Demonstra o assunto com relação a palavra da vítima, trazendo respostas para sua importância e consequências. Busca entender o valor do testemunho da vítima, em que poderá gerar condenações que não condizem com a realidade, em outro ponto, destacar os principais mecanismos probatórios, como por exemplo: exames periciais. Analisa possíveis traumas desencadeados nas vítimas, que possam vir a prejudicar na identificação do autor do ato. Aborda sobre os princípios da presunção de inocência e o princípio do in dubio pro reo.
Palavras-chave: Estupro de Vulnerável. Vítima. Condenação. Provas.
ABSTRACT: The crime of rape of a vulnerable person is typified in article 217-A of the Brazilian Penal Code. It is an absolute crime when talking about a minor under 14 years old, being considered irrelevant despite the victim's consent. It studies how the crime in question is becoming more and more relevant in society, since at these moments the eyes turn mutually to who is the victim, to who committed the crime and, mainly, to who will conduct the procedure in search of a sentence, since the latter will only have the victim's testimony to prove the act. It demonstrates the subject in relation to the word of the victim, bringing answers to its importance and consequences. It seeks to understand the value of the victim's testimony, which can generate convictions that do not correspond to reality, and to highlight the main evidential mechanisms, such as expert examinations. It analyzes possible traumas triggered in the victims, which may harm the identification of the author of the act. Addresses the principles of presumption of innocence and the principle of in dubio pro reo.
KEYWORDS: Rape of Vulnerable. Victim. Conviction. Evidence.
1 INTRODUÇÃO
O crime de estupro sempre existiu nas sociedades e, assim como inúmeros outros tipos penais, no Brasil, sofreu um longo processo de evolução de interpretação, conotação e valoração no ordenamento jurídico. Observar, com os conhecimentos, ideias e valores contemporâneos, a primeira lei que trouxe a tipificação do estupro no país, o Código Penal do Império, a reação de fato será assustadora, haja vista que em muito, desde àquela época, a sociedade progrediu em seus valores socioculturais, o que permitiu que hoje se imprimisse a interpretação ao crime de estupro de vulnerável que a Lei nº 12.015/2009 conferiu. Isto não significa que, como cidadãos, o ápice do conhecimento fora atingido e que o crime de estupro não mais sofrerá mutações no Código Penal, afinal as leis acompanham, em um regime democrático de direito, as necessidades da comunidade em que estão inseridas e estas, com o decorrer do tempo, sofrem transformações.
Não é novidade para ninguém, tendo se tornado fato público e notório, que condenados por estupro, diversas vezes, acabam por morrer, durante o cumprimento de suas penas, assassinados pelos próprios presidiários, tamanha repulsa moral que o delito possui perante a sociedade brasileira. Quando não morrem, são vítimas do seu próprio crime e, geralmente, são estuprados na prisão.
Seguindo essa linha de raciocínio, estudasse a necessidade do direto das ciências penais, além do poder legiferante, pensando no uso de ferramentas e profissionais adequados, ou seja, conferir maior aparato aos julgamentos desta natureza, que visem proporcionar maior segurança nas decisões tomadas pelos jurados e magistrados.
Na modalidade de estupro em situação de vulnerabilidade, etapa deste artigo, ainda subsista a figura da criança facilmente manipulável pelo meio social em que está inserida, podendo até ser objeto de alienação parental, tema que será abordado discutido ao longo do artigo. Isso obriga os jurados e juízes a redobrar o cuidado na coleta de provas a partir das palavras da criança a suposta vítima, pois há o risco de manchar o perpetrador e, portanto, cair no conceito de perjúrio.
Em suma, esta pesquisa enfrenta os seguintes problemas: "no ordenamento jurídico brasileiro, sejam utilizados os meios mais adequados e devidamente dotados
de máxima segurança jurídica possível na tomada de decisões sobre julgamentos, principal alegação é estupro de uma pessoa vulnerável? Existem riscos de se ter uma condenação injusta em casos de crime de estupro de vulnerável, caso o julgador tenha como subsídio apenas a palavra da vítima? Os juízes e magistrados brasileiros prestam atenção para as características de fragilidade da prova do crime, neste caso pesquisas para que eles estejam convencidos de que os meios utilizados e disponíveis são adequados por convicção?". Entre as questões colocadas, este artigo visa analisar, refletir, pesquisar e desenvolver postos-chaves envolvendo o crime de estupro de vulnerável, para, desta forma, evitar as falsas condenações que o assolam, conferindo maior segurança jurídica às decisões tomadas pelos jurados e magistrados.
O trabalho aqui apresentado está relacionado com a lei e a própria sociedade brasileira, na medida em que busca evitar que uma pessoa seja condenada por um crime que não cometeu. Tal objetivo tem implicações não apenas para a esfera individual dos cidadãos, mas para a comunidade como um todo, uma vez que a segurança jurídica nas decisões relacionadas ao estupro de pessoas vulneráveis está ao alcance de qualquer pessoa, por qualquer motivo, acusada de crimes conexos. Além disso, vale ressaltar que, ao eliminar a ocorrência de condenações injustas, o sistema prisional brasileiro também se beneficia, pois menos pessoas serão presas, o que constitui um importante remédio para a atual superlotação carcerária do país.
Portanto, demonstra-se um estudo sobre estupro de pessoas vulneráveis. Em seguida, vai ao cerne das questões relativas à pesquisa social e psicológica necessária para a compreensão dos crimes, e comenta possíveis melhorias na formação de condenações por tais crimes por parte de jurados e magistrados, com o objetivo de dar segurança jurídica às decisões.
2 DO CONCEITO DE VULNERABILIDADE
Vulnerável, termo de origem latina, vulnerabilis, em sua origem vem a significar a lesão, corte ou ferida exposta, sem cicatrização, feridas sangrentas com sérios riscos de infecção.
Em primeiro plano, o legislador atribui a condição de vulnerável ao menor de 14 (quatorze) anos ou a quem, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não possa oferecer resistência.
É indiscutível que toda pessoa humana é vulnerável, é por este motivo a existência da própria lei para que possa ser realizada a tutela necessária. A partir desse ponto que a proteção legal passa a ser lente pela qual possa ser visualizado aquele que se apresente como o mais frágil, necessitando de cuidados especiais.
2.1 O legislador e o conceito de vulnerabilidade
Para o legislador a vulnerabilidade trata-se da absoluta e da relativa. Segundo Bitencourt (2012, p. 95) o questionamento é totalmente diferente, ou seja, não se trata da presunção absoluta ou da relativa, trata-se do pressuposto da vulnerabilidade, que se entende que existe, mas não se sabe o grau, intensidade ou extensão.
As leis editadas após a Constituição Federal de 1988 carregam um comprometimento diferenciado, não só na sua estrutura legislativa como também nas tutelas anunciadas. As proteções são as mais variadas dentro da esfera dos direitos fundamentais, como a vida, a saúde, a cidadania, a segurança, educação, cultura, moradia, alimentação, esporte, lazer, trabalho, liberdade, dignidade e acesso à justiça, independentemente de classe social, de origem, raça, orientação sexual, cultura, renda, idade, religião ou qualquer outra forma de discriminação, além do que, num só artigo, a Lei Maior resume a isonomia que deve prevalecer no Estado Democrático de Direito.
A Lei nº 11.340/2006, conhecida por Maria da Penha, é exemplo dessa “nova” tarefa legislativa. Apresenta claramente seus objetivos, as políticas públicas voltadas para o combate à violência doméstica e os mecanismos para atingir seus fins, além dos tipos penais específicos. Dentre tantas, existem outras leis, tais como a Lei nº. 11.343/2006 e a Lei nº. 12.015/2009 que tratam da “nova” tarefa legislativa.
Desse modo, lentamente, a palavra vulnerabilidade foi ganhando espaço nas ordenações brasileiras. A lente do legislador voltou seu foco para a perspectiva do fraco, aquele que, por razões das mais diferenciadas matizes, não reúne condições iguais à do cidadão comum, tendo como fonte de referência a figura do homo medius.
De forma direta ou indireta, a vulnerabilidade ingressou no Código Penal, exigindo um espaço para explorar sua dimensão. No entanto, a realidade é que o legislador utiliza o termo vulnerabilidade para diversos enfoques, sendo assim, entende-se que há concepções distintas de vulnerabilidade.
2.1.1 A doutrina e o conceito de vulnerabilidade
Para a doutrina, o conceito de vulnerabilidade é capaz de influenciar praticas sociais. Segundo Costa (2012, p. 13) são conceituados como vulneráveis aqueles que:
Vivem à margem da lei, crianças, idosos, mulheres, deficientes, analfabetos, menores de quatorze anos órfãos ou abandonados e dependentes químicos estes correm o risco de sofrer ataques, roubos, golpes e até violência sexual. Vulnerável é um termo presente no código penal que tipifica um tipo de violência a indivíduos considerados vulneráveis. Este termo dedica-se ao direito como uma expressão que qualifica grupos sociais ou indivíduos mitigados juridicamente ou politicamente no que se refere a efetivação da promoção, da proteção ou garantia de direitos. O Estado assume um papel importante para preservar a dignidade da pessoa humana dos vulneráveis no que concerne a promoção do desenvolvimento físico, intelectual, moral e social.
Já Carmo e Guizardi (2017, p. 05) vulnerabilidade é:
característica de quem é incapaz, inferior, frágil ou delicado, é mais susceptível a danos físicos, morais e sociais. Neste caso, a vulnerabilidade pode ser permanente ou passageira, o que também indica fraqueza no comportamento social quando expostos a determinados aspectos como: desigualdades econômicas, étnicas, culturais e outros.
Houaiss, por sua vez, assim o define: "que pode ser fisicamente ferido; sujeito a ser atacado, derrotado, prejudicado ou ofendido".
Assim, o indivíduo é visto como um bem que deve ser conservado para a própria perpetuação da humanidade. As imperfeições fazem parte da natureza humana, mas se apresentam como obstáculos a serem superados. Do contrário, não se justifica a grandiosidade do ser humano.
3 DO CONCEITO DE ESTUPRO
Toda pessoa tem o direito e a liberdade de escolher com quem quer se relacionar, deste modo o estupro mostra-se como um crime que atinge diretamente este direito, na medida em que o agressor coage e força a vítima à conjunção carnal, ou à prática de atos libidinosos, sendo estes últimos entendidos pela doutrina como todo o ato destinado a satisfazer a lascívia e o apetite sexual, incluído neste conceito o beijo lascivo, e que independe do contato entre genitálias.
Segundo Salim e Azevedo (2017, p. 461), o tipo penal busca a proteção do bem jurídico liberdade sexual, consistente na faculdade de disposição do próprio corpo (a pessoa possui liberdade de escolha dos parceiros sexuais). Em uma dimensão mais ampla, tutela-se a própria dignidade do ser humano.
Ao adentrarmos no conceito de estupro, entende-se que sua característica nada mais é do que se encontra expresso no caput, ocorre quando há prática de conjunção carnal ou qualquer ato libidinoso. Nesse sentido, Masson (2014, p. 132) diz que:
A conjunção carnal consiste na introdução total ou parcial do pênis na vagina [...]. Ato libidinoso é o revestido de conotação sexual, a exemplo do sexo oral, do sexo anal, dos toques íntimos, da introdução de dedos ou objetos na vagina ou no ânus, da masturbação etc. A propósito, a conjunção carnal constitui-se em ato libidinoso, mas foi expressamente destacada pelo legislador. Nesse caso, a relação entre agente e vítima pode ser heterossexual ou homossexual.
De modo geral, o crime de estupro encontra-se tipificado no artigo 213 do Código Penal, que traz a seguinte redação:
Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso:
Pena – reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.
§ 1º Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de 18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos:
Pena – reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos.
§ 2º Se da conduta resulta morte:
Pena – reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos
Vale ressaltar que, o termo “alguém” transcrito no artigo acima, evidencia o fato de que qualquer pessoa pode ser o sujeito ativo ou passivo no crime de estupro, inexistindo no ordenamento jurídico contemporâneo, a ideia ultrapassada e de cunho machista de que apenas a mulher pode ser vítima e o homem agressor no tipo penal em comento.
Além disso, Sanches (2017, p. 482) diz que:
Tutela-se a dignidade sexual da vítima, constrangida mediante violência ou grave ameaça. O vocábulo estupro, no Brasil, se limitava a incriminar o constrangimento de mulher à conjunção carnal. Outros atos libidinosos estavam tipificados no artigo seguinte, que protegia, também, o homem. Resolveu o legislador, com a edição da Lei 12.015/2009, seguir a sistemática de outros países (México, Argentina e Portugal), reunindo os dois crimes num só tipo penal, gerando, desse modo, uma nova acepção ao vocábulo estupro, significando não apenas conjunção carnal violenta, contra homem ou mulher (estupro em sentido estrito), mas também o comportamento de obrigar a vítima, homem ou mulher, a praticar ou permitir que com o agente se pratique outro ato libidinoso.
Hoje a lei unificou os dois crimes e se os atos libidinosos forem praticados em momentos distintos ou ao mesmo momento terá o réu que responder por vários estupros em concurso material, ou seja, mais de um crime similar ou não, tornando como diz o direito continuidade delituosa, e dependente da circunstância a qual foi cometido o crime a pena poderá ser majorada.
3.1 Do estupro de vulnerável
Segundo o dicionário, vulnerável é aquele que tende a ser danificado, derrotado, ou aquele que detém a condição de frágil. No que condiz ao crime de estupro, a legislação diz que a condição de vulnerável é concedida: aos menores de 14 (quatorze) anos de idade; às pessoas portadoras de enfermidade ou doença mental, que não tenham o necessário discernimento para a prática do ato e, por fim às pessoas impossibilitadas de oferecer resistência.
O Código Penal dispõe da seguinte redação:
Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos: Pena - reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos.
Estando o sujeito condicionado a mesma pena se praticar conduta tipificada no §1° do mesmo artigo, o qual dispõe:
§1º Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência.
Neste caso, o tipo penal traz dois verbos principais: o verbo ter e praticar. Logo, não é necessário que ocorro a violência, conforme o caput do artigo 217-A que vem prevendo a configuração do crime, seja no ato sexual quanto a pratica de qualquer ato libidinoso com pessoal vulnerável. Para Masson (2014, p. 125) “o Código Penal tem em vista a integridade de determinados indivíduos, fragilizados em face da pouca idade ou de condições específicas, resguardando-as do início antecipado ou abusivo na vida sexual.”
Para Delgado (2009, p. 10) a lei com todas as controvérsias acerca dos crimes de estupro e estupro de vulnerável se enquadravam na hediondez, o artigo 1º da Lei 8.072/90 inseriu em seu texto que esses dois delitos se tratavam de crimes hediondos:
Em síntese, o abuso sexual deve ser entendido como uma situação de ultrapassagem (além, excessiva) de limites: de direitos humanos, legais, de poder, de papéis, do nível de desenvolvimento da vítima, do que está sabe, compreende, do que o abusado pode consentir, fazer e viver, de regras sociais e familiares e de tabus. E que as situações de abuso infringem maus tratos às vítimas. (FALEIROS, 2000, p. 7 apud BREMM e BIDARRA, 2008)
Portanto, se busca a penalização do agente que pratica a conduta delitiva com vulnerável, sendo menor de 14 anos, ou que tenha enfermidade ou deficiência mental, por exemplo, e que não possua discernimento.
Tratando do discernimento e a impossibilidade de resistência da vítima, que o tipo penal traz em seu bojo, no §1° sobre a prática do ato libidinoso ou da conjunção carnal, que está relacionada com a vítima que não tenha discernimento mental ou que não ofereça resistência, trazemos o que Silva (2008, p. 481) diz a respeito:
[...] pode derivar-se de desenvolvimento mental incompleto ou retardado, ou de doença mental. Como é presumida da idade da pessoa, quando absolutamente incapaz, é esta indicada como sem discernimento para compreender o valor ou caráter do ato que venha a praticar [...]
Para Mirabete e Fabbrini (2011, p. 408):
[...] a lei deixa claro que aquela condição deve ser aferida no caso concreto, impondo-se, portanto, não somente a constatação da existência da enfermidade ou deficiência mental, mas também a aferição do grau de discernimento em relação às questões sexuais em geral e em particular, diante das especificidades do ato sexual.
No entanto, diante da impossibilidade de resistência prevista na segunda parte do §1°, o doutrinador Sanches (2017, p. 500) sinaliza como exemplo “[...] pessoa que não padece de nenhuma anomalia mental, embriaga-se até a inconsciência e, inerte, é submetida ao ato sexual sem que possa resistir”.
Diante do exposto, nota-se que o crime de estupro vem ganhando novos formatos legais no ordenamento jurídico. Faz-se necessário uma reflexão dos meios que existem para coibir a pratica de estupro de vulnerável, além de pensar em políticas que possam visar a garantia dos direitos fundamentais de quem foi abusado. No entanto, caso a declaração da vítima seja vaga, é importante que seja ouvida novamente, para que possa relatar novamente como ocorreu o crime.
3.1.1 Da lei 12.015/09 e suas alterações
A primeira positiva modificação introduzida pela Lei 12.015/2009 consistiu na alteração do Título VI, que passou à denominação correta: Dos crimes contra a dignidade sexual. Não havia mais sentido, nos dias de hoje, a vetusta nomenclatura de crimes contra os costumes, evidenciando o recato e a moralidade no contexto da sexualidade, incompatíveis com os avanços obtidos nas últimas décadas. Portanto, o que se pretende tutelar é a dignidade sexual, no mesmo prisma da dignidade da pessoa humana, na ótica do Estado Democrático de Direito (art. 1o, III, CF).
Em 2009, a Lei 12.015/09 foi reformulada, sendo assim a conjunção carnal passou a não ser mais obrigatório para se configurar crime de estupro, incluindo o atentado violento ao pudor. Um exemplo muito comum seria “uma mulher que tivesse seios apalpados sem consentimento era apenas considerada atentado violento ao pudor e não crime de estupro, se o acusado no mesmo momento obrigasse a vítima à conjunção carnal ele responderia pelos dois delitos”.
Outra modificação relevante diz respeito à unificação, na mesma figura penal (art. 213), dos crimes de estupro e atentado violento ao pudor. Portanto, a partir da edição da referida Lei, qualquer pessoa pode cometer estupro contra qualquer pessoa. Anteriormente, no caso de estupro, somente a mulher poderia ser sujeito passivo. A partir de agora, homens e mulheres podem ser sujeitos passivos desse delito. A consequência imediata dessa alteração é a criação de um tipo misto alternativo, ou seja, a prática da violência sexual para obter a conjunção carnal e também outro ato libidinoso dá margem à tipificação apenas em um crime: estupro. Não existem mais dois delitos (estupro e atentado violento ao pudor), mas somente o previsto no art. 213 do Código Penal.
Para Guilherme Nucci, cuidando-se a Lei 12.015/09 de lei penal benéfica, deve retroagir no tempo, envolvendo todos os fatos cometidos antes de sua vigência. Por isso, quem foi condenado pela prática de estupro e atentado violento ao pudor, contra a mesma vítima, no mesmo contexto, a uma pena mínima de doze anos, poderá pedir a sua revisão, alterando-se para o mínimo de seis.
Outra novidade legislativa foi a criação do tipo penal do estupro de vulnerável. A anterior previsão do art. 224, referindo-se à presunção de violência, deixou de existir como norma autônoma, passando a integrar a composição do tipo penal. Assim sendo, ter conjunção carnal ou outro ato libidinoso com menor de 14 anos é crime de estupro contra vulnerável, sujeito à pena de reclusão, de 8 a 15 anos. A vantagem dessa mudança é a cessação do debate em relação à existência, no Código Penal, de norma atuando com a denominação de presunção e funcionando contra os interesses do réu. Não mais existe presunção independente, mas incorporada no tipo penal.
Arremata-se a discussão sobre a hediondez do estupro, na forma simples, bem como do estupro, quando ocorrido por presunção de violência. Havia quem dissesse não serem essas formas hediondas. O art. 1o, da Lei 8.072/90, passa a ter nova redação, abrangendo, claramente, a previsão do estupro nas formas simples e qualificadas, bem como o estupro do vulnerável, nas formas simples e qualificadas.
Finalmente, a ação penal, nos casos de delitos sexuais, passa a ser pública condicionada à representação da vítima, afastando-se a aplicação da Súmula 608 do STF. Por exceção, a ação será pública incondicionada, quando envolver menor de 18 anos ou vulnerável, nos termos da nova redação dada ao art. 225 do Código Penal.
4 O DEPOIMENTO DA VÍTIMA E O VALOR PROBATÓRIO
Tem-se que no âmbito de crimes de estupro, geralmente não se obtém um conjunto probatório vasto, ou seja, é um delito onde a comprovação da autoria e materialidade muitas vezes possuem como subsídio o exame de corpo de delito (em alguns casos), o depoimento da vítima e de testemunhas (em alguns casos). Nesse aspecto, aborda Arraes (2018, p. 45): “Os crimes sexuais não podem ser analisados como os outros crimes, desde o tocante de discutir sobre o crime até a parte processual, por meio da prova”. Dessa forma, tem-se que o mencionado delito merece uma atenção especial e grande cautela por parte do julgador, haja vista tratar-se de um delito praticado às escuras, sem prova material.
De maneira a complementar o que já foi exposto, é importante salientar que a prova pericial se faz necessária para que o Ministério Público elucide a materialidade da infração, no entanto, nem todos os crimes são passiveis de comprovação via prova pericial. Dessa forma, a palavra da vítima, no âmbito de crimes sexuais, adquire maior valoração.
No que se refere ao depoimento da vítima, compreende-se que esse, para fins de relevância e credibilidade, deve pautar-se na verossimilhança e coerência com as demais alegações e provas produzidas. Desse modo, acredita-se que o elemento importante para o crédito da palavra da vítima é o modo firme com que presta suas declarações.
Acerca da relevância e valoração do depoimento da vítima, ainda enfatiza Mirabete (2019, p. 1349):
Embora verdadeiro o argumento de que a palavra da vítima, em crimes sexuais, tem relevância especial, não deve, contudo, ser recebida sem reservas, quando outros elementos probatórios se apresentam em conflitos com suas declarações. Assim, existindo dúvida, ainda que ínfima, no espírito do julgador, deve, naturalmente, ser resolvida em favor do réu, pelo que merece provimento seu apelo, para absolvê-lo por falta de provas.
Esclarece-se, ademais, que o magistrado poderá requerer a condução coercitiva da vítima, caso ela seja devidamente intimada e deixe de comparecer em juízo, sem quaisquer motivos ou justificativas plausíveis.
4.1 Do princípio da presunção de inocência e o princípio in dubio pro reo
De acordo com Alexy (2008), os princípios, de uma forma geral, são considerados “mandados de otimização”, ou seja, estão contidos nas entrelinhas das normas e estabelecem um norte, um caminho a seguir pelos operadores de direito. Dessa forma, tem-se que os princípios podem ser satisfeitos em diferentes graus, possibilidades fáticas e jurídicas:
Princípios são, por conseguinte, mandados de otimização, que são caracterizados por poderem ser satisfeitos em graus variados e pelo fato de que a medida devida de sua satisfação não depende somente das possibilidades fáticas, mas também das possibilidades jurídicas. “O âmbito das possibilidades jurídicas é determinado pelos princípios e regras colidentes” (ALEXY, 2008, p. 90).
Compreende-se, nesse esteio, que os princípios, sobretudo os constitucionais, atuam como verdadeiras bases, representando o ponto de partida daqueles que aplicam as leis e indicando a melhor decisão a ser tomada.
Dentre os diversos princípios existentes, destaca-se o denominado princípio da presunção de inocência e o princípio do in dubio pro reo, no âmbito de análise do crime de estupro de vulnerável.
No contexto apresentado, tem-se que o princípio da presunção de inocência é considerado um princípio fundamental no âmbito do direito penal, onde pressupõe-se que o ente público não poderá prosseguir com a ação penal, caso não existam elementos comprobatórios de culpabilidade do acusado.
Nesse aspecto, observa-se que o mencionado princípio se encontra previsto no artigo 5º, inciso LVII da Magna Carta de 1988, in verbis:
Art. 5. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes.
[…] LVII- ninguém será culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.
Observa-se, portanto, que o princípio da presunção de inocência busca, sobretudo, considerar que o direito de liberdade do indivíduo deve ser considerado e defendido, sendo à prisão uma exceção ao direito em comento. Ademais, tem-se que o acusado deve ser considerado inocente durante o trâmite processual e só será considerado culpado após o trânsito em julgado de uma sentença condenatória.
Nesse diapasão, conforme preleciona Lopes Jr., considera-se a presunção de inocência como um “princípio reitor do processo penal e, em última análise, podemos verificar a qualidade de um sistema processual através do seu nível de observância (LOPES JÚNIOR, 2021, p. 182).
Dessa forma, não há de se considerar um indivíduo culpado ou imputar uma culpabilidade a alguém, senão por intermédio de provas que possam subsidiar uma sentença condenatória.
No mesmo prumo, tem-se também o princípio denominado “in dubio pro reo”, ou seja, um princípio fundamental em direito penal onde se prevê que, diante de quaisquer dúvidas acerca da culpabilidade do acusado, preponderará a presunção de inocência, haja vista que a culpa deverá ser comprovada nos autos. Com relação ao termo “dúvida razoável”, pondera Flor (2016) que se trata de um fator incerto com relação ao grau de culpabilidade de alguém, ou seja, a falta de condições de se imputar ao acusado o ônus pelo cometimento de um crime:
Entende-se como dúvida razoável o fator incerto quanto a culpa do acusado. É, em apertada síntese, a falta de condições plenas de imputar ao acusado a ampla responsabilidade pelo cometimento do delito. O fator incerto, aquele que gera determinada dúvida quanto à existência do ato infracional, bate de frente com o princípio da presunção de inocência, e por este é plenamente repelido do campo da capacidade de imputação de responsabilidade penal ao acusado (FLOR, 2016).
No sentido apresentado, vislumbra-se que o in dubio pro reo é considerado um alicerce do processo penal no âmbito do Estado Democrático de Direito. Da mesma forma, considera-se o mesmo como princípio correlato à presunção de inocência, haja vista que, diante de dúvidas com relação à culpabilidade de alguém, presume-se a inocência deste, ou seja, decide-se “em favor do réu”. Urge salientar que tal contexto encontra-se tipificado no artigo 386, inciso VII do Código de Processo Penal, que assim dispõe: “Art. 386. O juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde que reconheça: […] VII – não existir prova suficiente para a condenação […]”
Ademais, conforme Tourinho Filho (2009), o mencionado princípio visa, sobretudo, proteger os denunciados de atos injustos e arbitrários, impossibilitando uma condenação que tenha como subsídio provas falhas. Dessa forma, quando o magistrado incorrer em dúvidas com relação à culpabilidade, deverá recorrer ao princípio do in dubio pro reo. Em caráter complementar ao exposto, preleciona Nucci:
Na relação processual, em caso de conflito entre a inocência do réu- e sua liberdade e o direito- dever de o Estado punir, havendo dúvida razoável, deve o juiz decidir em favor do acusado. Exemplo está na previsão de absolvição quando não existem provas suficientes na imputação formulada (NUCCI, 2020, p. 103).
No mesmo contexto, também aborda Souza Neto (2003) que a aplicação do princípio do in dubio pro reo culmina na absolvição do acusado, ou seja, sem possibilidade de propagação de decisões injustas, sem qualquer violação à legislação vigente, mas interpretando-a da maneira mais plena possível.
É importante salientar, segundo Nucci (2020), que os princípios abordados também são aplicáveis na esfera de crimes sexuais, sendo que o magistrado, diante da inexistência de provas cabais da autoria e culpabilidade, deverá levar em consideração a presunção da inocência e o in dubio pro reo.
5 CONCLUSÃO
Levando em consideração todo o conhecimento detalhado aqui, chegamos ao ponto principal é que os juízes estão dentro dos limites do sistema nacional de justiça criminal. Quando se trata de estupro de pessoas vulneráveis, cuidado extra deve ser tomado ao criar condenações baseadas em baseado inteiramente nas palavras de vítimas vulneráveis. O juiz deve conhecer a vulnerabilidade da criança e sua inocência.
Sabendo da fragilidade da criança, de sua inocência, de sua capacidade de imaginar os fatos, de sua condição no estágio de desenvolvimento psicológico, o juiz deve buscar os mais diversos meios jurídicos possíveis que o levem a determinar se está na situação dada no momento, se houver aversão por parte de um dos pais, ou se os fatos relatados pela vítima forem compatíveis com seu meio social, dando-lhe a verdade.
Com base nisso, por meio de pesquisas psicológicas aprofundadas sobre o meio social e da divulgação de todos inseridos, uma lei mais ampla pode ser alcançada, tomando decisões destinadas a eliminar com certeza a possibilidade de impor punições injustas para o crime de estupro de vulnerável, levando em conta os crimes mencionados, conforme demonstrado neste artigo, são condenados na sociedade, o que torna as consequências de sua condenação mais graves do que as consequências de condenados comuns.
Desta vez, sabe-se que o tipo de crime envolvido não é suportado por evidências, pois é claramente um crime cometido às escondidas, por isso é difícil encontrar evidências que justifiquem sua importância. No entanto, após as pesquisas iniciadas por esta pesquisa, é certo que mesmo que a possibilidade de inovação em testes de campo seja praticamente impossível, juízes ilustres devem utilizar ferramentas que já lhes são úteis, como somente por meio de estudos especializados em psicologia e até psiquiatria. Conduz estudos de caso, mas ampliou o escopo desses estudos.
Em outras palavras, ao final, como medida processual, o juiz não deve apenas responder ao pedido das partes, mas também realizar a revisão social que o juiz faz sobre elas, o acusado, a vítima e até em toda a família do ciclo em que estão.
Para identificar possíveis falhas e inconsistências nos depoimentos, ainda casos não aparecem nos documentos, pois são naturalmente ocultos, como personalidades parentais alienadas. Essa abordagem do estupro de pessoas vulneráveis é muito diferente do sistema de justiça atual, que tende a investigar apenas as vítimas vulneráveis e os acusados, sem buscar uma compreensão mais profunda de cada um. Isso requer uma busca mais profunda por detalhes e informações que também podem ser cruciais para o desfecho do caso.
É importante destacar que a doutrina e jurisprudência pátria não consideram que apenas a palavra da vítima tenha o condão de condenar alguém pelo crime de estupro de vulnerável. Dessa forma, deve o magistrado atuar com cautela, com a utilização de mecanismos probatórios que permitam maior percepção dos fatos, da verdade real e, consequentemente, possa prolatar uma decisão justa e equânime.
No âmbito do Processo Penal e do Direito Penal, deverá o julgador fazer uma ponderação de valores e buscar, sobretudo, pautar-se por todos os elementos juntados nos autos. Dessa forma, só se prolatará uma sentença condenatória quando as provas deixarem muito claro a autoria delituosa.
Outro ponto de grande destaque, presente na pesquisa científica, refere-se ao denominado “depoimento sem danos”, ou seja, um projeto inicialmente elaborado por um magistrado e que, posteriormente, transformou-se em Lei. O mencionado projeto e Lei buscam tratar sobre os direitos e garantias de crianças e adolescentes e, sobretudo, a possibilidade de ouvi-las, em casos de crimes sexuais, em um ambiente menos formal, com o acompanhamento de psicólogos e também de assistentes sociais. Ressalta-se, nesse aspecto, que a legislação pátria deverá amparar tanto os direitos das vítimas de crimes sexuais (principalmente quando se tratar de pessoas vulneráveis) quanto dos direitos dos acusados (aplicando-se, sobremodo, os princípios da presunção de inocência e do in dubio pro reo).
Portanto, em resposta à questão norteadora, compreende-se, portanto, que se trata de uma ponderação de valores, direitos e garantias, devendo o magistrado analisar cada caso de maneira individual, para que não se tenha a propagação de injustiças.
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Graduando em Direito pelo Centro Universitário Fametro - Manaus
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: QUEIROZ, Andrey Lucas de Souza. Estupro de vulnerável, a palavra da vítima e os riscos de condenação Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 07 dez 2022, 04:19. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/60433/estupro-de-vulnervel-a-palavra-da-vtima-e-os-riscos-de-condenao. Acesso em: 22 nov 2024.
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