1 APRESENTAÇÃO DO PROBLEMA
O presente estudo propõe-se a analisar a realidade jurídica e social acerca do Sistema Penitenciário Brasileiro e a real aplicação do caráter ressocializador do cárcere, bem como possíveis soluções à crise penitenciária.
Pretende-se adentrar nas medidas utilizadas no Brasil para assegurar a função social da pena, e se de fato essa função ressocializadora é exercida, expondo determinados conceitos, características, problemas e posicionamentos de alguns juristas.
A justiça brasileira prende muito e prende mal, temos que prender apenas em casos estritamente necessários e buscar outras formas de pena, que admitam e julguem o delito praticado, ressocializar é a única forma eficaz para diminuirmos a população carcerária existente no Brasil.
A aplicação da função social da pena será o ponto principal de discussão e análise da presente pesquisa.
2 FUNÇÕES DO DIREITO PENAL
Do estudo referente às funções do Direito Penal, extraem-se duas teorias capazes de demonstrar as mais íntimas finalidades a respeito das penas. São elas, a Teoria Absoluta, também conhecida como retributiva, e a Teoria Relativa, que prevê um condensado entre prevenção especial e prevenção geral.
2.1 Teoria Absoluta:
Para a teoria absoluta, a pena tem uma finalidade retribucionista, um fim em si mesmo. Justifica-se pelo fato do agente ter cometido um crime, que deve ser punido independente de considerações utilitárias ou preventivas, significa punir tal agente com a mesma intensidade com a qual ele teria infringido uma determinada obrigação legal. Percebe-se que não há uma função específica da pena, é uma espécie de compensação, cumprindo o papel de reparação ou retribuição, mas se esgotando em tais funções. Portanto, para os adeptos da teoria absolutista, não é necessário descobrir uma finalidade para pena, ela se justifica ainda que não tenha uma finalidade preventiva.
De acordo com Paulo Queiroz, os principais defensores da Teoria Absoluta são Imannuel Kant e Georg Wilhelm Friedrich Hegel, que a partir de diversas ideias e pensamentos tentam justificar o direito de punir. Para os dois pensadores, a justificação da pena é idealista. (QUEIROZ, 2008)
Para Imannuel Kant, a pena advém de uma necessidade absoluta de justiça, uma busca pela moral, independentemente de considerações preventivas ou utilitárias. Não há espaço para a busca de um fim socialmente útil, mas sim a retribuição de um mal anteriormente cometido. (KANT, 1993). Kant vê a pena como um imperativo categórico, sem que haja nenhuma finalidade ou fins políticos. O agente que comete um crime deve ser necessariamente castigado, "porque é preferível que morra um homem a perder todo um povo, pois, ao se desprezar a justiça, já não terá sentido a vida dos homens sobre a terra.". (KANT, 1993).
Georg Wilhelm Friedrich Hegel ao contrário de Kant, não entende que a pena resulte de um mandato absoluto de justiça, mas sim da necessidade da razão. Para Hegel “o delito é uma violência contra o direito, a pena uma violência que anula aquela primeira violência, a pena é assim a negação da negação do direito representada pelo delito (segundo a regra, a negação da negação é a sua afirmação)" (HEGEL, 1997). Portanto, para Hegel, a pena é necessária para a validade do direito, o que considera como uma necessidade lógica. Ele entende que toda violência ou coação é injusta, uma vez que atenta contra o direito de liberdade. O ato injusto é uma violência contra a existência da liberdade, sendo que manter essa violência como ação exterior é uma violência que suprime a primeira. Dessa forma, Hegel afirma que "a primeira coação, exercida pelo ser livre que lesa a existência da liberdade no seu sentido concreto, que lesa o direito como tal, é o crime - juízo negativo em todo o seu sentido".(HEGEL, 1997)
Portanto, para a teoria Absoluta o fim da pena é desvinculado de qualquer efeito social, é independente. Porém a pena deve ser justa, é a retribuição de um mal que deve ser proporcional ao mal praticado.
2.2 Teoria Relativa
A teoria relativa se baseia no critério de prevenção e possui claramente um cunho finalista, uma vez que não vê a pena como um fim em si mesmo, e sim como um instrumento que leva a um determinado fim. A finalidade da pena seria, principalmente, a prevenção de novos delitos de caráter geral ou especial. Dessa forma a teoria relativa se baseia no critério da prevenção, que se subdivide em: prevenção geral (negativa e positiva) e prevenção especial (negativa e positiva).
· Prevenção Geral
Negativa: é a prevenção que pode ser vista como uma intimidação geral, a qual pretende anular os impulsos que possam levar um cidadão a cometer um delito. É, portanto, uma prevenção por intimidação, uma vez que a pena aplicada a um determinado agente reflete em toda a sociedade. Por tal teoria, a finalidade da pena seria a prevenção de delitos por meio da coação psicológica, levando certo temor àqueles que devem respeito às normas penais, quais sejam, toda a coletividade.
Positiva ou integradora: tem o propósito de espalhar na sociedade a necessidade de respeito ao ordenamento jurídico, com o fim de promover a integração social.
a pena se presta não à prevenção de delitos, demovendo potenciais infratores, nem tampouco dissuadindo aqueles que já praticaram delito; seu propósito vai além: infundir na consciência coletiva a necessidade de respeito a determinados valores, exercitando a fidelidade ao direito, promovendo a integração social finalmente. (QUEIROZ, 2008)
· Prevenção Especial
Busca-se pela prevenção especial evitar a reincidência, através da ressocialização ou reintegração social do agente. Dessa forma, a coletividade não é o destinatário final do direito penal, mas sim os infratores. Basileu Garcia entende que a finalidade do direito penal é conversão do criminoso em homem de bem (GARCIA, 2008). De acordo com Rogério Greco, a prevenção especial também se divide em negativa e positiva, sendo que para a primeira vertente, existe a "neutralização daquele que praticou a infração penal, com a sua segregação no cárcere" (GRECO, 2011). Dessa forma, a segregação do apenado do convívio social o impossibilita, ao menos momentaneamente, de praticar novos ilícitos penais. Já para a corrente positiva, que possui adeptos como Roxin, a finalidade da pena consubstancia na tentativa de fazer com que o agente desista de cometer futuros delitos. É a partir de tal teoria, que encontra-se "o caráter ressocializador da pena, fazendo com que o agente medite sobre o crime, sopesando suas consequências, inibindo-o ao cometimento de outros." (GRECO, 2011)
2.3 Função do Direito Penal no Brasil
É a teoria relativa de prevenção especial que possui a maior influência nas legislações contemporâneas, exercendo influência também legislação brasileira, visto que a Lei de Execução Penal preceitua em seu primeiro artigo, que a "execução penal tem por objetivo efetivar as disposições da sentença ou decisão criminal ou proporcionar condições para a hamonica integração social do condenado e internado".
Porém de acordo com o art. 59 do Código Penal, percebe-se a adoção de uma Teoria Mista ou Unificadora da Pena, conforme o dispositivo legal:
Art. 59 - O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime.
Assim o legislador, na parte final do caput, conjuga a reprovação e prevenção do crime, acreditando que a união dos critérios de retribuição e de prevenção seria necessária para atender as finalidades da pena.
3 Das Penas
3.1 Conceito de Pena – Histórico
De acordo com Gilberto Ferreira da Silva (1995) não há uma origem certa da palavra pena, existindo diversas possibilidades a cerca da origem:
para uns, viria do latim poena, significando castigo, expiação, suplício ou ainda do latim punere (por) e pondus (peso), no sentido de contrabalançar, pesar, em face do equilíbrio dos pratos que deve ter a balança da Justiça. Para outros, teria origem nas palavras gregas ponos, poiné, de penomai, significando trabalho, fadiga, sofrimento e eus, de expiar, fazer o bem, corrigir, ou no sânscrito punya, com a idéia de pureza, virtude. Há quem diga que derive da palavra ultio empregada na Lei das XII Tábuas para representar castigo como retribuição pelo mal praticado a quem desrespeitar o mando da norma. Apud CARVALHO NETO, 2003, pág. 4.
O conceito de pena é amplo, abre margem a diversas interpretações, sem que para isso exista um conceito correto, certo. A pena vem sido aplicada desde a antiguidade, a primeira noção de pena que se tem notícia tem origem bíblica, logo no início, em Gênesis, Adão e Eva são punidos por terem comido do fruto proibido.
A pena também aparece durante a Era primitiva, tinha função reparatória, com a finalidade de uma suposta retratação com certa divindade. Posteriormente na Lei Mosaica foi introduzida a chamada "Pena de Talião", que pode ser considerada uma evolução no sistema penal, uma vez que certa noção de proporcionalidade foi inserida naquela legislação. A expressão Talião vem do latim talis, que significa tal, semelhante, igual, demonstrando que a pena deve ter igual retaliação ao mal causado. A pena possui ainda papel fundamental no Direito Romano e Idade Média, caracterizado pela crueldade na execução das penas, que na maioria das vezes eram corporais, objetivando tão somente uma espécie de intimidação e vingança social.
Na época do Iluminismo, a pena, de igual maneira, teve papel fundamental. Passou a ter um fim utilitário, conforme Cesare Beccaria, a pena só é justa quando necessária, afirmando que:
Toda pena que não derive da absoluta necessidade, diz o grande MONTESQUIEU, é tirânica, proposição esta que pode ser assim generalizada: todo ato de autoridade de homem para homem que não derive da absoluta necessidade é tirânico. Eis, então, sobre o que se funda o direito do soberano de punir os delitos: sobre a necessidade de defender o depósito da salvação pública das usurpações particulares (...)
(...) Por justiça entendo o vínculo necessário para manter unidos os interesses particulares, que, do contrário, se dissolveriam no antigo estado de insociabilidade. Todas as penas que ultrapassarem a necessidade de conservar esse vínculo são injustas pela própria natureza. BECCARIA, 2005
Há ainda a noção de pena na Escola Positiva, que coloca o homem como centro do Direito Penal e que dá à pena a finalidade de ressocialização. A pena era um instrumento de reintegração do delinquente à sociedade.
3.2 A Pena no Brasil:
A história do direito penal brasileiro iniciou-se desde a época do descobrimento, quando se passou a utilizar as regras do direito português. Até a proclamação da independência vigoravam no Brasil as Ordenações Afonsinas. Em 1824, com a edição da primeira Constituição, houve a criação de um Código Criminal, que declarou expressamente o fim das penas injustas e cruéis. Já com Código Criminal do Império, publicado em 1830, foi reduzido o número de crimes punidos com morte, de setenta crimes com penalidade sujeitas a enforcamento, ficaram apenas três, quais sejam: insurreição de escravos, homicídio com agravante e latrocínio.
A partir da Proclamação da República, as normas penais foram se tornando, ainda que paulatinamente, mais humanas e justas. A Constituição de 1946 se preocupou em restaurar direitos e liberdades individuais, proibiu a pena de morte, prisão perpétua, banimento e confisco. Vejamos no art. 141 da Constituição de 1946:
Art. 141 - parágrafo 31: Não haverá pena de morte, de banimento, de confisco nem de caráter perpétuo. São ressalvadas, quanto à pena de morte, as disposições da legislação militar em tempo de guerra com país estrangeiro. (...)
Já em 1984, com a reforma na parte geral do Código Penal de 1940, foi abolido o sistema chamado "duplo binário", as penas acessórias e a pena de publicação de sentença. Atualmente são três os tipos de penas previstos no ordenamento jurídico: pena de multa, pena restritiva de direitos e pena privativa de liberdade.
Diante do histórico da aplicação das penas, percebe-se que, ainda que tenuamente, a pena de prisão é um avanço considerável diante de tamanha crueldade e injustiças ao longo da história. Não que o modelo punitivo atual esteja perfeito, ao contrário, longe disso, mas certamente, em comparação aos tempos passados, houve sim uma melhoria, ainda que singela.
3.3 Espécies de Penas
De acordo com o art. 32 do Código Penal Brasileiro, as penas são:
I - privativas de liberdade;
II - restritivas de direitos;
III - de multa.
Porém ao analisar o disposto na Constituição Federal a respeito das espécies de penas, observa-se um rol maior do que aquele previsto no código penal. Prevê o art. 5º, nos inciso XLVI e XLVII que:
XLVI - a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes:
a) privação ou restrição da liberdade;
b) perda de bens;
c) multa;
d) prestação social alternativa;
e) suspensão ou interdição de direitos;
XLVII - não haverá penas:
a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX;
b) de caráter perpétuo;
c) de trabalhos forçados;
d) de banimento;
e) cruéis;
Conforme preceitua Inácio de Carvalho Neto, quanto à análise do inciso XLVI, observa-se que desde já, há um certo descompasso entre a Constituição Federal e o Código Penal, porque, como é de fácil percepção, o Código não estabelece todas as penas arroladas no rol constitucional mínimo, que é um dispositivo programático, carecendo de regulamentação infraconstitucional.(CARVALHO NETO, 2013). Ele ainda entende que pela redação de tal inciso, nada impede que a lei venha criar outras penas que não as previstas constitucionalmente, desde que, obviamente, não incidam na proibição do inciso XLVII.
3.3.1 Pena de Multa
A pena de multa é uma espécie de pena pecuniária que teve origem na antiguidade do direito penal. Julio Fabbrini Mirabete afirma que a pena de multa pode ser vista como um instrumento destinado a evitar o encarceramento, por prazo de curta duração, dos autores de ilícitos penais que não apresentem maior gravidade. (MIRABETE, 2011).
A pena de multa pode ser aplicada isoladamente, alternativamente ou cumulativamente. Poderá ser uma alternativa à pena privativa de liberdade ou ainda, poderá ser cumulada a ela.
Conforme disposto no do art. 49 do Código Penal Brasileiro:
Art. 49 - A pena de multa consiste no pagamento ao fundo penitenciário da quantia fixada na sentença e calculada em dias-multa. Será, no mínimo, de 10 (dez) e, no máximo, de 360 (trezentos e sessenta) dias-multa.
§ 1º - O valor do dia-multa será fixado pelo juiz não podendo ser inferior a um trigésimo do maior salário mínimo mensal vigente ao tempo do fato, nem superior a 5 (cinco) vezes esse salário.
§ 2º - O valor da multa será atualizado, quando da execução, pelos índices de correção monetária.
Calcula-se a pena de multa pelo sistema de dias-multa, que será equivalente a certo valor pecuniário, variável de acordo com a situação econômica do condenado. No cálculo do valor devido, leva-se em conta não só o salário, mas sim toda e qualquer renda, bens e capitais apurados na data do fato. De acordo com Luis Regis Prado, a principal vantagem do sistema de dias multa está no fato dele servir para graduar a gravidade da pena e calcular uma possível pena privativa de liberdade, caso o condenado não efetue o pagamento da multa. (REGIS, 2011). Tal critério é ainda vantajoso por não se sujeitar ao grave problema gerado pela inflação.
3.3.2 Pena Restritiva de Direitos
Pode se dizer que as penas restritivas de direito são, na verdade, alternativas à prisão, evitando-se assim os efeitos negativos intrínsecos ao cárcere. A pena restritiva de direitos é, portanto, a restrição de outros direitos que não o direito de liberdade.
As penas restritivas de direitos não são acessórias, mas autônomas. Podem ser aplicadas independente de outras (art. 44 do CPB) e possuem a mesma duração da pena privativa de liberdade substituída (art. 55 do CPB). De acordo com o art. 44 do Código Penal Brasileiro, as penas restritivas de direitos substituem as penas privativas de liberdade fixadas em quantidade não superior a quatro anos se o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa, ou, qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for culposo.
O inciso II do art. 44 do Código Penal também pressupõe que é necessário que o réu não seja reincidente em crime doloso. Caso o condenado seja reincidente em crimes culposos ou pela prática de crimes doloso e culposo, o magistrado poderá optar pela substituição, se a medida for socialmente recomendável, desde que a reincidência não se tenha dado em virtude da prática de mesmo crime. É ainda necessário que tal substituição seja suficiente, conforme esclarece o inciso III do mesmo artigo, para que os critérios de reprovação e prevenção do crime sejam atingidos.
Os crimes Hediondos e nos a ele equiparados exigem o cumprimento integral da pena em regime fechado, o que se torna impossível sua substituição por qualquer uma das medidas restritivas de direitos, ainda naqueles crimes cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa.
Os tipos definidos em lei das penas restritivas de direitos serão mais detalhadamente abordadas no presente estudo no tópico referente às alternativas penais.
3.3.3 - Pena Privativa de Liberdade
As penas restritivas de liberdade são aquelas que restringem a liberdade do condenado, sendo lhe imputado a obrigação de permanecer em determinado estabelecimento prisional. O código penal prevê duas penas privativas de liberdade, quais sejam: Reclusão e Detenção.
O art. 33 do Código Penal dispõe:
DAS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE
Reclusão e detenção
Art. 33 - A pena de reclusão deve ser cumprida em regime fechado, semi-aberto ou aberto. A de detenção, em regime semi-aberto, ou aberto, salvo necessidade de transferência a regime fechado.
§ 1º - Considera-se:
a) regime fechado a execução da pena em estabelecimento de segurança máxima ou média;
b) regime semi-aberto a execução da pena em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar;
c) regime aberto a execução da pena em casa de albergado ou estabelecimento adequado.
§ 2º - As penas privativas de liberdade deverão ser executadas em forma progressiva, segundo o mérito do condenado, observados os seguintes critérios e ressalvadas as hipóteses de transferência a regime mais rigoroso:
a) o condenado a pena superior a 8 (oito) anos deverá começar a cumpri-la em regime fechado;
b) o condenado não reincidente, cuja pena seja superior a 4 (quatro) anos e não exceda a 8 (oito), poderá, desde o princípio, cumpri-la em regime semi-aberto;
c) o condenado não reincidente, cuja pena seja igual ou inferior a 4 (quatro) anos, poderá, desde o início, cumpri-la em regime aberto.
§ 3º - A determinação do regime inicial de cumprimento da pena far-se-á com observância dos critérios previstos no art. 59 deste Código.
§ 4o O condenado por crime contra a administração pública terá a progressão de regime do cumprimento da pena condicionada à reparação do dano que causou, ou à devolução do produto do ilícito praticado, com os acréscimos legais.
3.3.4 Regimes Prisionais
O regime inicial para a execução da pena privativa de liberdade é estabelecido na sentença de condenação. É o juiz que, observando a natureza, quantidade da pena e reincidência, estabelece o regime inicial de cumprimento de pena, de acordo com os artigos 33 do Código Penal e 110 da Lei de Execuções Penais.
Como estabelecido na lei (parágrafo 2º do art. 33 do CPB), o regime inicial para os condenados à pena de reclusão reincidentes será sempre o fechado, mas a jurisprudência dominante entende que, não havendo proibição expressa, pode ser fixado o regime inicial semi-aberto ao condenado reincidente, desde que sua pena não ultrapasse a 04 (quatro) anos. Se não for o condenado reincidente, mas a pena aplicada superior a 8 (oito) anos, o regime inicial também será fechado, obrigatoriamente.
Poderá ser fixado o regime inicial semi-aberto se a pena arbitrada for entre 4 (quatro) e 8 (oito) anos, e será o regime aberto se a pena não exceder a 4 (quatro) anos. Observe-se que o juiz só deve optar pelo regime semi-aberto ou aberto se as condições do condenado forem compatíveis com o tratamento menos severo. Ou seja, o magistrado não é obrigado a fixar o regime aberto a um condenado a pena inferior a 4 (quatro) anos, se as condições pessoais do agente não forem adequadas ao tipo de regime mais brando. Por exemplo, se for o agente de alta periculosidade, possuir desvio de comportamento moral, perversão, dentre outros, poderá ser ele direcionado ao regime fechado. Observe-se, porém, que a decisão do magistrado deverá sempre ser fundamentada, informando expressamente os motivos que o levaram a fixar determinado tipo de regime incial. Dessa forma, fica claro que o regime inicial não depende exclusivamente da quantidade de pena fixada, mas sim das circunstâncias judiciais da fixação da pena-base, previstas no art. 59 do Código Penal.
3.3.5 Aspectos da Prisão
A prisão, segundo Guilherme de Souza Nucci é "a privação da liberdade, tolhendo-se o direito de ir e vir, por meio do recolhimento da pessoa humana ao cárcere.". (NUCCI, 2013, p. 31).
De acordo com Rodrigo Tôrres de Oliveira e Virgílio de Mattos (2009), a prisão teve diferentes funções de acordo com o momento político vivido. Para eles, três são os períodos:
· Até o século XVIII: Punir
· Século XIX: Vigiar
· Século XX: Controlar
Antigamente as punições visavam o corpo, os mais cruéis castigos corporais foram registrados em séculos passados. Sérgio Sobrinho, preleciona que a pena de prisão começa a surgir com a alteração do foco da punição. Para ele os castigos corporais são substituídos pela privação do tempo do condenado, pois desde o ponto de vista das idéias, a partir do século XVI se começa a valorizar a liberdade e se impõe progressivamente o racionalismo. Extrai-se ainda da obra de Sérgio Sobrinho que:
A partir do Século XX, o aprisonamento passou a ser forma prioritária de distribuição de castigos. Para Bentham, a prisão era o castigo ideal porque a perda da liberdade seria sentida por todos. O ideal de liberdade estava começando a se implantar, e esta se tornava um dos bens mais preciosos para os homens. Com o aprisonamento, seria possível extrair esse bem de todos, com a vantagem de ser possível calcular essa extração em anos, meses e dias. Por isso, Bentham também considerava que, em termos de exemplo para a sociedade, a prisão tinha mais utilidade. (SOBRINHO, 2007, p.64)
Há doutrinadores que não acreditam na efetividade do aprisionamento. Para eles a prisão apenas possui efeitos maléficos tanto para a sociedade quanto para o condenado. Cezar Roberto Bitencourt afirma que "a prisão, em vez de frear a delinquência, parece estimulá-la, convertendo-se em instrumento que oportuniza toda espécie de desumanidade. Não traz nenhum benefício ao apenado; ao contrário, possibilita toda sorte de vícios degradações". (BITENCOURT, 2011)
4 Sistema Progressivo: busca pela reinserção social
O Código Penal de 1940 adotou o sistema progressivo, que previa um período inicial de isolamento absoluto por um prazo não superior a três meses na pena de reclusão, posteriormente era dada a possibilidade de trabalho em estabelecimento penal ou em obras de serviço público, ou, ainda, de transferência para colônia penal e, finalmente, seguia-se ao livramento condicional. Após diversas mudanças no código, a Lei nº 7.209 excluiu todo o período inicial de isolamento, estabelecendo as três espécies de regime (fechado, semi-aberto e aberto), determinando que as penas devem ser executadas de maneira progressiva, segundo as condições do condenado, não impossibilitando que as penas fossem iniciadas em algum regime mais brando.
A progressão nada mais é do que um dos meios que o legislador encontrou na tentativa de aplicar a verdadeira finalidade da pena, ou seja, a reinserção social. Julio Fabbrini Mirabete afirma que "o processo de execução deve ser dinâmico, sujeito a mutações ditadas pela resposta do condenado ao tratamento penitenciário". (MIRABETE, 2000, p.327)
Sérgio Francisco Carlos Graziano Sobrinho aduz que:
A progressão de regime, de acordo com a legislação penal vigente, faz parte do processo de readaptação do indivíduo à sociedade livre. Para tanto é necessário o tratamento pessoal do condenado (processo de individualização da pena), a fim de que as funções da prisão sejam atendidas, principalente a da ressocialização. Assim, deve-se perceber que mesmo dentro da ideologia penal dominante, e seus pressupostos fundamentais, a pessoa criminalizada deve receber tratamento adequado para sua readaptação social, e que a progressão de regime (...) faz parte da promessa de se alcançar a reinserção social. (SOBRINHO, 2007)
Sérgio Sobrinho entende, ainda, que o sistema progressivo caracteriza-se pela "adoção da ideologia do tratamento da "cura" dos criminosos".
O art. 112 da Lei de Execuções Penais estabelece a progressão nos seguintes termos:
Art. 112. A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos um sexto da pena no regime anterior e ostentar bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do estabelecimento, respeitadas as normas que vedam a progressão.
§ 1º A decisão será sempre motivada e precedida de manifestação do Ministério Público e do defensor.
§ 2º Idêntico procedimento será adotado na concessão de livramento condicional, indulto e comutação de penas, respeitados os prazos previstos nas normas vigentes.
Dessa forma, a progressão é a transferência do condenado de regime mais severo a outro menos severo, desde que seja demonstrada a existência de condições de adaptação ao regime menos rigoroso. Observe-se que a lei também prevê o contrário, ou seja, a regressão, quando o condenado demonstra inadequação ao regime mais brando, sendo necessário sua transferência de regime menos rigoroso para outro mais rigoroso.
A progressão deve ser efetuada por etapas, não se permitindo que o condenado passe do regime fechado para o aberto, sendo necessário, obrigatoriamente, a passagem pelo regime intermediário, qual seja, o semi-aberto. Pressupõe a Lei ainda, que é necessário um cumprimento mínimo de pena no regime inicial fixado pelo juiz.
A Lei de Execuções Penais, ao prever a progressividade, entendeu ser inviável a ressocialização do condenado dentro do ambiente completamente isolado. Com a progressão, foi viabilizado ao condenado a possibilidade de se conquistar uma certa confiança do Estado, a partir da demonstração de sinais de modificação de comportamentos.
É o que diz a Exposição de Motivos da Lei de Execução Penal, ao se referir à progressividade de regime:
119. A progressão deve ser uma conquista do condenado pelo seu mérito e pressupõe o cumprimento mínimo de um sexto da pena no regime inicial ou anterior. A transferência é determinada somente pelo juiz da execução, cuja decisão será motivada e precedida de parecer da Comissão Técnica de Classificação. Quando se tratar de condenado oriundo do sistema fechado, é imprescindível o exame criminológico (art. 111 e parágrafo único).
120. Se o condenado estiver no regime fechado não poderá ser transferido diretamente para o regime aberto. Esta progressão depende do cumprimento mínimo de um sexto da pena no regime semi-aberto, além da demonstração do mérito, compreendido tal vocábulo como aptidão, capacidade e merecimento, demonstrados no curso da execução.
Assim, a progressão é alcançada a partir do próprio interesse do delinquente, que deve demonstrar a capacidade de adequação em um regime menos rigoroso. Porém, é necessário destacar que o próprio Estado deve se utilizar de artifícios a fim de que essa mudança de comportamento seja alcançada, tais como ensinamentos e aperfeiçoamento profissionalizantes.
4.1 Estabelecimentos Penais
Os estabelecimentos penais devem cumprir com as obrigações dispostas em lei no que diz respeito à adequação do estabelecimento e da necessidade da pena aplicada. Dessa forma, é dever do Estado propiciar uma estrutura adequada para que se tenha garantia que as sanções penais sejam efetivamente aplicadas.
É no art. 82 da Lei de Execução Penal que se trata a respeito dos estabelecimentos penais.
Art. 82. Os estabelecimentos penais destinam-se ao condenado, ao submetido à medida de segurança, ao preso provisório e ao egresso.
§ 1° A mulher e o maior de sessenta anos, separadamente, serão recolhidos a estabelecimento próprio e adequado à sua condição pessoal.
§ 2º - O mesmo conjunto arquitetônico poderá abrigar estabelecimentos de destinação diversa desde que devidamente isolados.
O Ministério da Justiça conceitualiza as variadas espécies de estabelecimentos penais existentes em nosso ordenamento jurídico, são eles:
a) Estabelecimentos Penais: todos aqueles utilizados pela Justiça com a finalidade de alojar pessoas presas, quer provisórios quer condenados, ou ainda aqueles que estejam submetidos à medida de segurança;
b) Estabelecimentos para Idosos: estabelecimentos penais próprios, ou seções ou módulos autônomos, incorporados ou anexos a estabelecimentos para adultos, destinados a abrigar pessoas presas que tenham no mínimo 60 anos de idade ao ingressarem ou os que completem essa idade durante o tempo de privação de liberdade;
c) Cadeias Públicas: estabelecimentos penais destinados ao recolhimento de pessoas presas em caráter provisório, sempre de segurança máxima;
d) Penitenciárias: estabelecimentos penais destinados ao recolhimento de pessoas presas com condenação à pena privativa de liberdade em regime fechado;
d.1) Penitenciárias de Segurança Máxima Especial: estabelecimentos penais destinados a abrigar pessoas presas com condenação em regime fechado, dotados exclusivamente de celas individuais;
d.2) Penitenciárias de Segurança Média ou Máxima: estabelecimentos penais destinados a abrigar pessoas presas com condenação em regime fechado, dotados de celas individuais e coletivas;
e) Colônias Agrícolas, Industriais ou Similares: estabelecimentos penais destinados a abrigar pessoas presas que cumprem pena em regime semi-aberto;
f) Casas do Albergado: estabelecimentos penais destinados a abrigar pessoas presas que cumprem pena privativa de liberdade em regime aberto, ou pena de limitação de fins de semana;
g) Centros de Observação Criminológica: estabelecimentos penais de regime fechado e de segurança máxima onde devem ser realizados os exames gerais e criminológico, cujos resultados serão encaminhados às Comissões Técnicas de Classificação, as quais indicarão o tipo de estabelecimento e o tratamento adequado para cada pessoa presa;
h) Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico: estabelecimentos penais destinados a abrigar pessoas submetidas a medida de segurança. (BRASIL,2014)
5 DIREITOS DOS PRESOS
De acordo com Luis Regis Prado, "sempre que existir um direito que assista ao condenado, este representará um dever a ser cumprido por parte do Estado". (PRADO, 2011, p.70). É a própria lei que determina os direitos pertencentes aos condenados, sendo que tais direitos constituem uma obrigação, um dever, que devem ser respeitados pelo Estado e autoridades públicas. É bem verdade que, o condenado possui todos os direitos que lhe pertenciam antes de sua condenação, exceto os direitos que forem atingidos pela privação de sua liberdade, conforme disposto no art. 38 do Código Penal Brasileiro “o preso conserva todos os direitos não atingidos pela perda da liberdade, impondo-se a todas as autoridades o respeito à sua integridade física e moral”. A mesma idéia é ainda reafirmada no art. 3º da Lei de Execuções Penais, “ao condenado e ao internado serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei.”
Tais direitos são, portanto, os que naturalmente emanam do ser humano em razão da dignidade humana. São direitos como integridade física, moral, segurança, igualdade, justiça e paz, em que toda pessoa faz jus, necessariamente. Dessa forma, por estar privado de sua liberdade o preso é impossibilitado de usufruir da totalidade dos direitos previstos constitucionalmente e legalmente, porém, não significa que ele perde, além dos direitos inerentes à liberdade, sua condição de pessoa humana e todos os demais direitos não atingidos pelo encarceramento.
O art. 41 da Lei de Execução Penal traz o rol de direitos do preso:
Art. 41 - Constituem direitos do preso:
I - alimentação suficiente e vestuário;
II - atribuição de trabalho e sua remuneração;
III - Previdência Social;
IV - constituição de pecúlio;
V - proporcionalidade na distribuição do tempo para o trabalho, o descanso e a recreação;
VI - exercício das atividades profissionais, intelectuais, artísticas e desportivas anteriores, desde que compatíveis com a execução da pena;
VII - assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa;
VIII - proteção contra qualquer forma de sensacionalismo;
IX - entrevista pessoal e reservada com o advogado;
X - visita do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos em dias determinados;
XI - chamamento nominal;
XII - igualdade de tratamento salvo quanto às exigências da individualização da pena;
XIII - audiência especial com o diretor do estabelecimento;
XIV - representação e petição a qualquer autoridade, em defesa de direito;
XV - contato com o mundo exterior por meio de correspondência escrita, da leitura e de outros meios de informação que não comprometam a moral e os bons costumes.
XVI – atestado de pena a cumprir, emitido anualmente, sob pena da responsabilidade da autoridade judiciária competente.
Parágrafo único. Os direitos previstos nos incisos V, X e XV poderão ser suspensos ou restringidos mediante ato motivado do diretor do estabelecimento.
Todos os direitos previstos no art. 41 da Lei de Execução Penal são imprescindíveis para que o preso possa cumprir sua condenação com dignidade, com o intuito de ser, futuramente, reintregrado no convívio em sociedade.
5.1 Fé e Religião - Um direito do preso
O acesso à fé, através da religião, não é uma mera prerrogativa de determinados presos. Ao contrário, é um direito como outro qualquer, o de assistência religiosa. A fé é um dos direitos do preso que mais contribuem para a sua ressocialização e à consequente desvinculação de atitudes criminosas, que dificultam seu retorno ao crime.
A ideia do uso da religião como uma forma de conscientizar os presos é usada desde a antiguidade e possui lugar até mesmo nas Regras Mínimas da ONU, que asseguram a assistência religiosa nos estabelecimentos prisionais. De acordo com Mirabete:
Em pesquisa efetuada nos diversos institutos penais subordinados à Secretaria de Justiça do Estado de São Paulo por um grupo de trabalho instituído pelo então secretário Manoel Pedro Pimentel, concluiu-se que a religião tem, comprovadamente, influência altamente benéfica no comportamento do homem encarcerado, e é a única variável que contém em si mesma, em potencial, a faculdade de transformar o homem encarcerado ou livre. (grifos nossos) (MIRABETE,2008)
Dessa forma, a fé tem sim um papel forte na luta do Estado pelo fim da reincidência, contribuindo, em grande parte, para a reintegração do preso no meio em que vive principalmente nos ambientes religiosos.
6 FINALIDADES DA LEI DE EXECUÇÃO PENAL - LEI Nº 7.210/84
O direito penal não teria sentido algum se não houvesse uma maneira que viabilizasse sua aplicação. Como já destacado no presente estudo, a prática de um ato delitivo por determinado agente, faz com que nasça para o Estado o dever de punir, e é justamente a Lei de Execução Penal que dá vida à sanção penal.
O objeto da Execução Penal é de suma importância, sendo destacado logo no primeiro artigo da Lei nº 7.210. Eis o teor do dispositivo:
Art. 1º A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado. (grifos nossos)
Dessa forma, a execução penal tem por objetivo, além de cumprir o que foi determinado pelo juiz, tem-se ainda, o objetivo de proporcionar uma integração do condenado ao meio social. Luiz Regis Prado a respeito da finalidade da LEP destaca que:
vê-se, claramente, pela disposição do art. 1º da Lei em comento [LEP], que o legislador brasileiro adotou um dos postulados da Novíssima Defesa Social, ao dispor que o objetivo da execução penal não se limita ao cumprimento de pena, já que também deve propiciar ao condenado condições para seu retorno harmônico à sociedade. (PRADO, 2011, p.32)
Dessa forma, a reinserção do condenado no convívio harmônico em sociedade configura um dos principais objetivos da Execução Penal, sendo que é o Estado quem deve proporcionar os meios adequados para que o verdadeiro objetivo da lei seja alcançado.
Vale ressaltar, ainda, que a busca pela reinserção do condenado ao convívio social não é somente destacado no art. 1º da Lei de Execução Penal, ao contrário, a LEP, por diversas vezes, menciona as condições indicadoras da reinserção e a importância do tratamento humanitário que deve ser dedicado aos presos.
7 APLICAÇÃO DA FUNÇÃO RESSOCIALIZADORA
Como já abordado no presente estudo, a preocupação com a ressocialização do condenado é proveniente da Teoria da Prevenção Social da pena, que visa transformar um criminoso em um não criminoso e reinseri-lo na sociedade.
Ressocializar significa reintegrar uma pessoa novamente ao convívio social, tornar-se sociável aquele que se desviou por meio de condutas reprováveis pela sociedade. Qualquer processo de socialização pode ser considerado ressocialização desde que implique uma mudança por aquele que se deixa ressocializar. O papel ressocializador da pena procura reduzir os níveis de reincidência, ajudando na consequente recuperação do preso, por meio de medidas que auxiliem sua educação e capacitação profissional, visando também sua conscientização psicológica e social.
Dos problemas existentes no Sistema Penitenciário Brasileiro, a carência ressocialização é a principal mazela existente. Evidentemente a "pena" que tem sido atualmente aplicada não ressocializa, ou pelo menos, não tem ressocializado. Afirma Mirabete (2008, p. 26) ao citar Bitencourt que:
A ressocialização não pode ser conseguida numa instituição como a prisão. Os centros de execução penal, as penitenciárias, tendem a converter-se num microcosmo no qual se reproduzem e se agravam as grandes contradições que existem no sistema social exterior. (...) A pena privativa de liberdade não ressocializa, ao contrário, estigmatiza o recluso, impedindo sua plena reincorporação ao meio social. A prisão não cumpre a sua função ressocializadora. Serve como instrumento para a manutenção da estrutura social de dominação. (MIRABETE, 2008, p.26)
Diante dos dados atuais a respeito da prisionização no Brasil, resta evidente que a pena por si só não é capaz de reintegrar o condenado no meio social. Para se alcançar um mínimo de reintegração é necessário conjugar fatores, tais como ações promovidas pelo Estado, pela sociedade e pela própria família do apenado.
O intuito da ressocialização é trazer dignidade, resgatar o detento das profundezas de sua rejeição, aconselhar e dar condições para o seu retorno à sociedade. Certo é que aquele que cumpre uma pena, obviamente está pagando por um mal que cometeu. Porém um criminoso, por mais cruel que seja, ainda assim possui o direito à ressocialização, ainda merece uma chance, um recomeço. Dessa forma, não pode o Estado deixar de cumprir as normas que lhe são impostas, ou seja, se é dever da Administração Pública promover a ressocialização do preso, esta norma, assim como qualquer outra, deve ser cumprida. Rogério Greco preleciona que:
(...) o Estado quando faz valer o seu ius puniendi, deve preservar as condições mínimas de dignidade da pessoa humana. O erro cometido pelo cidadão ao praticar um delito não permite que o Estado cometa outro, muito mais grave, de tratá-lo como um animal. Se uma das funções da pena é a ressocialização do condenado, certamente num regime cruel e desumano isso não acontecerá. (grifos nossos) (GRECO, 2011, p. 125)
Um bom medidor para majorar a aplicação da função ressocializadora no sistema carcerário brasileiro é a averiguação dos índices de reincidência. Ora, reincidência e ressocialização são preceitos que se comunicam. Um egresso que é devidamente ressocializado não se dedica à prática delitiva. E se a lei de execução penal pressupõe que uma das finalidades da pena de prisão é a ressocialização, o Estado fica responsável por ressocializar. Logo, se existem altos índices de reincidência, é ao Estado que se deve atribuir tal responsabilidade.
Augusto Thompson (2000. p. 8) problematiza a questão acreditando ser a causa do insucesso carcerário proveniente do Estado, argumentando que:
Toda vez que um detento consegue escapar das grades será, necessariamente, instaurado um inquérito, visando a descobrir as causas e as responsabilidades referentes ao fato. Nunca ninguém se lembrou em adotar medida semelhante para cada caso em que um indivíduo, posto em liberdade, após submeter-se ao trabalho intimidativo e curativo da prisão, a ela retorna por força de reincidência. Não obstante, há aí prova sobeja de que a instituição fracassou e seria curial averiguar as causas e as responsabilidades do insucesso, se tal é a medida que se toma relativamente a uma falha observada quanto à operação dos meios. (grifos nossos) (THOMPSON, 2000, p. 8)
Dessa forma, incumbe ao Estado adotar medidas capazes de materializar a ressocialização, que tornem viável o retorno do apenado ao convívio social, além de tornar sua estadia no cárcere mais humana e digna.
8 -A CRISE NO SISTEMA PENITENCIÁRIO BRASILEIRO
Conforme já abordado no presente estudo, a finalidade da pena de prisão divide-se em:
· punir o mal causado pelo delinquente
· prevenir a prática de novas infrações
· regenerar o preso, buscando reinseri-lo no meio social
Em que pese o esforço dedicado pelo legislador em elaborar uma norma penal que vise a ressocialização do preso, o Sistema Penitenciário Brasileiro atual não cumpre, sequer um mínimo, das normas definidas pela Lei de Execução Penal. É gritante a distância entre os preceitos da Lei e sua aplicação na prática. No mesmo sentido assevera Julio Fabbrini Mirabete:
São totalmente divergentes o processo de valoração da culpabilidade que é o fundamento jurídico se submeter o condenado ao cumprimento da sanção, necessário à fixação da pena, e a execução desta, teleológicamente destinada a promover aptidão do condenado a uma convivência social sem violação do direito. Assim, o chamado processo penal de execução, e especialmente o das medidas privativas de liberdade, é, na verdade, um procedimento não só afastado essencialmente de muitos princípios e regras de individualização, personalidade, proporcionalidade da pena etc., como também um sistema em que a prisionização modela valores de interesses opostos àqueles cuja ofensa determinou a condenação. (MIRABETE, 2008, p. 27)
Durante muito tempo acreditou-se que a prisão seria o meio mais eficaz para que se alcançasse de fato a reforma do delinquente. Atualmente, em virtude dos resultados insatisfatórios que a pena de prisão tem demonstrado, deixou-se de acreditar na prisão tradicional. A percepção de que o Sistema Penitenciário está em crise é clara, transparente. Essa crise é ainda mais profunda no que diz respeito ao papel ressocializador da pena. Ora, é perceptível o fato de que um condenado, que cumpre sua pena nos estabelecimentos prisionais atuais, retorna à sociedade do mesmo jeito ou ainda pior. Cezar Roberto Bittencourt, tratando do assunto como “Falência da Prisão”, que deu origem a obra de mesmo nome, ressalta a prisão como um "fator criminógeno", aduzindo que:
Um dos argumentos que mais se mencionam quando se fala na falência da prisão é o seu efeito criminógeno. Muitos autores sustentam essa tese, que, aliás, já havia sido defendida pelos positivistas e que se revitalizou no II Congresso Internacional de Criminologia (Paris, 1950). Considera-se que a prisão, em vez de frear a delinquência, parece estimulá-la, convertendo-se em instrumento que oportuniza toda espécie de desumanidade. (grifos nossos) (BITTENCOURT, 2011, p.165)
Assim, é evidente que o sistema do jeito que está não gera nenhum efeito positivo sobre o apenado, ao contrário, o qualifica ainda mais como um delinquente.
8.1 Incompatibilidade da Tríplice função da Pena de prisão
Há autores que acreditam que o insucesso do sistema penitenciário brasileiro se encontra na incompatibilidade das próprias funções da execução penal. A tríplice finalidade da prisão não levaria à regeneração do preso, uma vez que nenhuma punição, aliada à intimidação seria capaz de transformar um criminoso em um não criminoso. Ou seja, essa combinação de objetivos (punir, intimidar e ressocializar), trazidas pela Lei de Execução penal, se apresenta um tanto quanto paradoxal. Augusto Thompson assevera que "Punir é castigar, fazer sofrer. A intimidação, a ser obtida pelo castigo, demanda que este seja apto a causar terror. Ora, tais condições são reconhecidamente impeditivas de levar ao sucesso uma ação pedagógica [ação regeneradora]." (THOMPSON, 2000. p. 5)
Porém até mesmo Thompson, ao questionar o motivo de não se criar uma penitenciária que fosse exclusivamente regeneradora, excluindo-se a função punitiva, responde negativamente, entendendo que seria contraditório e inviável pensar em uma prisão não punitiva. E de fato é. Desde a infância aprende-se que não se deve fazer algo errado sob pena de ser castigado, ou mesmo que deve-se comer toda a refeição, caso contrário a sobremesa é restringida. Assim, pode-se dizer que a punição também faz parte do aprendizado. Há sim eficiência naquilo que é punido. A punição é, na verdade, uma necessidade se se quer buscar uma verdadeira regeneração do delinquente.
Outro argumento que indica a ineficácia da pena privativa de liberdade é o fato de ser incongruente buscar ressocialização a partir de um ambiente completamente antissocial. Ora, não existe social em algo que é imanente antissocial, o que torna paradoxal a busca pela ressocialização a partir da prisão.
8.2 Estigmatização dos presos
A pena atualmente mais estigmatiza do que ressocializa, fazendo-se o papel inverso daquele fim que era para ser atingido. Ou seja, ao invés de limpar o condenado, a pena o marca para sempre na figura de um "preso", um criminoso. Na verdade, não é necessário sequer ser condenado, o simples contato que o indíviduo possa possuir com um processo criminal já traz para si uma marca profunda.
Seguindo este mesmo raciocínio, Cezar Roberto Bitencourt na obra Falência da pena de prisão, considera ser tão grande a ineficácia da prisão que não vale a pena sua reforma, pois manteria para sempre seus paradoxos e suas contradições fundamentais. Para tanto, cita um trecho da obra de Stanley Cohen:
Não acredito na bondade da privação da liberdade, porém, enquanto esta for uma realidade necessária, a sua execução, a médio prazo, continua sendo um problema jurídico. No entanto, renunciar atualmente às práticas terapeuticas e perder, sob o ponto de vista criminológico, o tempo de reclusão é, sem dúvida, uma insensatez. Voltar às teorias absolutas e ao retribucionismo mecânico não responde nem às exigências político-penitenciárias nem às condições científico-sociais e estatais... A única solução é, como sustenta Baratta, a drástica redução da prisão àqueles caso em que não há outra resposta possível. (COHEN, 1975)
8.3 Condições Precárias e Superlotação Carcerária
Outro prisma a ser levantado a respeito da crise vivenciada pelo Sistema Penitenciário consiste na precariedade das condições básicas, materiais e humanas, presentes nos estabelecimentos prisionais. Os presos estão submetidos às mais precárias e degradantes situações, o ambiente carcerário chega a ser escatológico e cruel. São várias as deficiências prisionais existentes, que, em conjunto, constroem um sistema carcerário doentio e desumano.
A questão da superlotação talvez seja um dos maiores problemas enfrentados pelo sistema carcerário brasileiro. O excesso de presos impossibilita a aplicação ampla da Lei, violando-se, assim, os direitos legalmente previstos. Com a população excessiva o Estado perde o controle, e reduz extremamente o aproveitamento dos benefícios que o cárcere, teoricamente, poderia trazer. Outro aspecto maléfico trazido pelo problema da superlotação é a falta de privacidade a que o preso é submetida, o que facilita e aumenta em grandes proporções a quantidade de abusos sexuais. É possível perceber até mesmo certo tipo de tráfico sexual, em que, normalmente, são os recém-ingressos que são cruelmente abusados, passando-se pelos mais sórdidos constrangimentos diante do homossexualismo indesejado.
Além da superlotação, problemas como falta de higiene, deficiência nos serviços médicos, farmacêuticos e odontológicos, alimentação precária, ambiente violento originado tanto pelos agentes penitenciários quanto pelos presos, exploração, tráfico de drogas, condições precárias de trabalho, são o que, em conjunto, levam à falência do Sistema Carcerário Brasileiro.
Cezar Roberto Bitencourt, ainda falando sobre o caráter criminológico já citado, o classifica em três fatores: materiais, psicológicos e socias. Para ele, os fatores materiais são causados em virtude da precária situação dos estabelecimentos, celas e alojamentos, em conjunto com péssima alimentação oferecida aos presos e pela falta de higiene, que contribuem fervorosamente para o desenvolvimento em massa de doenças, principalmente a tuberculose. Os fatores psicológicos se resumem na própria natureza da prisão. (BITENCOURT, 2011, p. 165). Bitecourt chega a afirmar que a prisão aprofunda no recluso suas tendências criminosas, em virtude de estar em um ambiente de dissimulação e astúcia. Há ainda os fatores sociais, uma vez que a partir do momento em que o recluso é impedido de conviver no meio social, ele perde sua adaptação no ambiente em liberdade, tornando-se gradativamente inviável seu retorno à sociedade.
8.4 A sociedade e o egresso
Outro aspecto fomentador da crise do Sistema Penitenciário Brasileiro se consubstancia na própria sociedade. Ainda que a prisão fosse de fato ressocializadora, ainda que o Estado fosse capaz de aplicar todas as normas previstas na Lei de Execução penal, ainda assim, a sociedade não estaria preparada para receber um egresso. Uma pessoa, mesmo após ter cumprido toda sua pena, pagando seu débito para com o Estado, ainda continua sofrendo os efeitos segregatórios do cárcere. A prisão eterniza seus efeitos afetando a reconstrução de rotinas simples do dia a dia, afeta o vínculo empregatício, social, familiar e de lazer. Independente do crime cometido, a sociedade não está preparada para receber um ex-detento.
De acordo com Isadora Liz, foi elaborada uma pesquisa pela Fundação Perseu Abramo, que para 21% dos brasileiros, os ex-presidiários são o grupo que as pessoas menos gostariam de encontrar ou ver. Os ex-presidiários despertam repulsa ou ódio em 5% dos brasileiros, antipatia em 16% e recebem a indiferença de 56% dos entrevistados. Isadora afirma ainda que:
As pessoas ficam indiferentes diante dos ex-detentos, outras são repulsivas e algumas possuem até ódio, dados estes comprovados em pesquisas. Mas, a postura diante do ex-detento tem que ser diferente, não se pode ser preconceituoso já que dessa forma não se dá chance para o ex-detento se ressocializar, de se redimir com a sociedade. E a única opção que resta a esse, é voltar a praticar atos ilícitos. Logo, é importante tratar o ex-detento de forma respeitosa como se fosse qualquer outra pessoa, até porque ele está ali, tentando se inserir no convívio social da melhor forma, trabalhando de modo honesto. Não se deve dificultar isto, criar obstáculos, isso não só atrapalha ao ex-detento, mas também a sociedade como um todo. (LIZ, 2011)
8.5 Uso indiscriminado da Prisão Provisória
Um fator também importante que contribui, em muito, para a crise prisional é o número excessivo de prisões provisórias que assolam os estabelecimentos prisionais brasileiros. Hoje em dia, a prisão preventiva tem sido decretada como se fosse a regra do ordenamento jurídico, ao contrário do que preleciona nosso Código de Processo Penal, uma vez que o cárcere provisório é medida excepcional, que deve ser usada em último caso e com a devida fundamentação do juiz.
O abuso da decretação preventiva já vem sido combatida até mesmo pelo Superior Tribunal Federal, uma vez que o Ministro Ricardo Lewandowski apresentou, um projeto ao Ministério da Justiça, que tem como objetivo reduzir a superpopulação nos estabelecimentos prisionais brasileiros. Tal projeto propõe que os magistrados de primeira instância tenham de fundamentar mais especificamente o motivo pelo qual estariam decretando a prisão preventiva, e não a decretação de medidas cautelares, previstas em lei. Lewandowski afirma que o "objetivo do projeto é mudar a cultura do encarceramento".
9 SOLUÇÕES A CRISE PRISIONAL
Diante de todas as mazelas existentes no Sistema Penitenciário, até os mais partidários da pena privativa de liberdade, devem reconhecer que, ao menos até a presente data, cárcere algum atingiu o objetivo da ressocialização. A justificativa mais plausível para a tamanha crise prisional está atrelada à deficiência dos recursos empregados no sistema penitenciário. Augusto Thompson (2000) argumenta que:
(...)até hoje, em nenhum lugar, em nenhum tempo, nem nos países mais ricos e nos momentos de maior fastígio, sistema penitenciário algum exibiu um conjunto de recursos que tivesse sido considerado como, pelo menos, satisfatório. O que parece algo inviável, mesmo porque jamais foram estabelecidos precisamente, especificamente, quais seriam, em qualidade e quantidade, tais recursos ideais. Essa definição garante a perpetuidade à justificativa mencionada, pois permite seja aplicada ad aeternum: se um novo estabelecimento é inaugurado, com mais e melhores recursos do que os existentes, e vem a falhar, vale, quanto a ele, a mesma explicação usada para os outros: carência dos recursos necessários - sem que ninguém se dê ao trabalho de fixar, em quadro definido, os limites de tal necessidade.
Talvez a falta de definição trazida pela Lei nº 7.209 seja, em parte, responsável pelo mal-uso do sistema. Fato é que a Lei ao prever que o Estado é o responsável pela ressocialização do apenado, não estabeleceu meios ou percursos que o levassem ao cumprimento de tal obrigação. Seria necessário, portanto, que fossem fixados definitivamente os meios concretos para a realização da regeneração.
Evidentemente, a definição exata em lei dos caminhos que o Estado deve trilhar com intuito à ressocialização não seria por si só, capaz de solucionar a crise prisional. Porém, diante de uma carência de sugestões e diante da imobilidade na busca de soluções aos problemas prisionais, começar a partir daí seria, com certeza, um bom princípio.
9.1 Livramento Condicional
O livramento condicional é o instituto pela qual se concede a liberdade ao condenado antes que ele cumpra toda sua pena restritiva de liberdade. Não é de fato uma alternativa à prisão, visto que o condenado deve cumprir uma parte de sua pena restritiva de liberdade, porém o livramento condicional é um importante instrumento no processo de readaptação social dos indivíduos egressos da prisão, uma vez que viabiliza uma transição gradual do cárcere para a vida em liberdade.
O livramento Condicional é um benefício concedido pelo juiz da execução, que a partir de pressupostos definidos pelo Código Penal e pela Lei de Execução Penal, poderá conceder ou revogar tal benefício. De acordo com o art. 83 do Código Penal:
Art. 83 - O juiz poderá conceder livramento condicional ao condenado a pena privativa de liberdade igual ou superior a 2 (dois) anos, desde que:
I - cumprida mais de um terço da pena se o condenado não for reincidente em crime doloso e tiver bons antecedentes;
II - cumprida mais da metade se o condenado for reincidente em crime doloso;
III - comprovado comportamento satisfatório durante a execução da pena, bom desempenho no trabalho que lhe foi atribuído e aptidão para prover à própria subsistência mediante trabalho honesto;
IV - tenha reparado, salvo efetiva impossibilidade de fazê-lo, o dano causado pela infração;
V - cumprido mais de dois terços da pena, nos casos de condenação por crime hediondo, prática da tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, e terrorismo, se o apenado não for reincidente específico em crimes dessa natureza.
Parágrafo único - Para o condenado por crime doloso, cometido com violência ou grave ameaça à pessoa, a concessão do livramento ficará também subordinada à constatação de condições pessoais que façam presumir que o liberado não voltará a delinqüir.
O instituto do Livramento Condicional, apesar de ter uma finalidade ressocializadora, tem demonstrado dados que não evidenciam uma alternativa apta a combater a reincidência. Assim, a constatação dos altos índices de reincidência, a partir do livramento condicional, bem como o elevado número de revogação do benefício, indicam a ineficácia de tal instituto.
9.2 Penas Restritivas de Direitos – Verdadeiras alternativas penais
Também conhecidas como alternativas à prisão, as penas restritivas de direitos constituem uma das mais importantes evoluções da reforma penal de 1984, que tem por objetivo minimizar a crise do sistema penitenciário, com o intuito de reduzir a reincidência, fazendo com que a prisão passe a ser vista como última medida do direito penal. As alternativas penais podem ser consideradas como o sistema punitivo brasileiro que tem por base a liberdade, com sanções penais destinadas a infrações de pequeno e médio porte. Diante da falência da pena de prisão as alternativas penais tem sido a tendência dos legisladores. Julio Fabbrini Mirabete preleciona que "atende-se assim à política de impedir a ação criminógena do cárcere nas penas privativas de liberdade de curta duração, deixando-se a prisão reservada aos autores de fatos penais de maior gravidade ou às hipóteses em que a vida pregressa do condenado recomende".(MIRABETE, 2008).
O Ministério da Justiça, através da Portaria nº 153 de 27 de fevereiro de 2002 instituiu o Programa Nacional de Apoio e Acompanhamento de Penas e Medidas Alternativas, que tinha por objetivo, entre outros, estimular a aplicação de medidas alternativas à prisão. Foram as Leis 7.209/84 e 9.714/98 que ficaram responsáveis pela mudança no Código Penal no que tange às penas restritivas de direitos. Conforme redação atual do dispositivo:
Art. 43. As penas restritivas de direitos são:
I - prestação pecuniária;
II - perda de bens e valores;
III - (VETADO)
IV - prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas;
V - interdição temporária de direitos;
VI - limitação de fim de semana.
Dessa forma, aumentou-se o rol de substitutos penais e estendeu-se a incidência das penas restritivas de direitos, possibilitando sua aplicação em condenados de até quatro anos de reclusão ou detenção.
9.2.1 Prestação Pecuniária
Conforme disposto no art. 45, § 1º do Código Penal, consiste no pagamento de dinheiro à vítima, a seus dependentes ou a entidade pública ou privada com destinação social. O valor é fixado pelo juiz, que poderá fixá-lo entre um salário mínimo e até 360 vezes o salário mínimo. Em caso de eventual condenação em ação de reparação civil, o valor pago será deduzido se coincidentes os beneficiários. Ocorrendo o pagamento, a pena será julgada extinta.
9.2.2 Perda de Bens e Valores
Prevista no art. 45, § 3º do Código Penal, "a perda de bens e valores dar-se-á, ressalvada a legislação especial, em favor do Fundo Penitenciário Nacional, e seu valor terá como teto - o que for maior - o montante do prejuízo causado ou do provento obtido pelo agente ou por terceiro, em consequencia da prática de crime". Assim como a pena de prestação pecuniária e a pena de multa, a perda de bens e valores tem natureza pecuniária.
9.2.3 Prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas
Conforme definição do art. 46, § 1º do Código Penal, a prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas consiste na atribuição de tarefas gratuitas ao condenado, que deverá prestá-las em entidades assistenciais, escolas, orfanatos, hospitais, dentre outros. Entende-se que com a prestação de serviços desta natureza o condenado tomará consciência das dificuldades humanas que assolam a sociedade, além de fazer com que o apenado se sinta útil aos que precisam de seus serviços, possibilitando o reconhecimento pela comunidade e a consequente reincorporação ao meio social.
O serviço a que o apenado está obrigado terá duração de oito horas semanais, e será realizado, preferencialmente, aos sábados, domingos e feriados, ou em dias úteis, desde que não prejudique a jornada normal de trabalho. A execução da pena terá início a partir do primeiro comparecimento, que deverá ser informado nos autos pela entidade beneficiada com a prestação, sendo que a partir daí contará os dias trabalhados para efeito do cômputo da pena.
9.2.4 Interdição Temporária de Direitos
As interdições temporárias de direitos estão taxativamente previstas no art. 47 do Código Penal, são restrições que impedem o gozo de determinados direitos do condenado, são elas:
Art. 47 - As penas de interdição temporária de direitos são:
I - proibição do exercício de cargo, função ou atividade pública, bem como de mandato eletivo;
II - proibição do exercício de profissão, atividade ou ofício que dependam de habilitação especial, de licença ou autorização do poder público;
III - suspensão de autorização ou de habilitação para dirigir veículo.
IV - proibição de freqüentar determinados lugares.
V - proibição de inscrever-se em concurso, avaliação ou exame públicos.
Julio Fabbrini Mirabete entende que "essa espécie de sanção atinge fundo os interesses econômicos do condenado, sem acarretar os males representados pelo recolhimento à prisão por curto prazo, e que os interditos sentirão de modo muito mais agudo os efeitos da punição do tipo restritivo ao patrimônio". (MIRABETE, 2008)
9.2.5 - Limitação de fim de semana
Previsto no art. 48 do Código Penal, a limitação de fim de semana consiste em um recolhimento em local determinado, durante sábados e domingos, por cinco horas diárias, em casa de albergado ou outro estabelecimento adequado. Sem perder o carátel punitivo, tal medida possui a finalidade de reestruturação social e intelectual do condado. É uma alternativa que visa a ressocialização a partir de sua permanência no estabelecimento, local onde serão ministrados cursos, palestras e outras atividades educativas.
9.3 - Alternativas à prisão: Economia e Resultado
Dados do Ministério da Justiça evidenciam que a aplicação de penas restritivas de direitos, além de trazer benefícios aos condenados, diminuem em muito o gasto público com as penas privativas de liberdade. O Estado brasileiro gasta, em média, entre R$1.500,00 reais e R$1.800,00 reais, por mês, com apenas um preso em uma cadeia do sistema prisional comum, sendo que com um sentenciado a pena alternativa, o gasto gira em torno de R$70,00 reais mensais. Outro dado do Ministério da Justiça que causa espanto é o fato de que cada vaga em presídio custa, em média R$ 25 mil reais.
Ou seja, é notório que as penas restritivas de direitos são mais eficazes em todos os sentidos, pelo fato de cumprir a função social da pena de maneira mais intensa e ainda pelo fato de ser mais econômico aos cofres públicos.
9.4 APAC – Associação de Proteção e Assistência aos Condenados
O método Apac, idealizado por Mario Ottoboni, é um modelo de penitenciária que possui alternativas reais de ressocialização do preso. A diferença se encontra logo na maneira de chamar o condenado, uma vez que para Ottoboni os presos devem ser chamados de “recuperandos”. Ele afirma ainda que o delito cometido por um recuperando deve ser deixado do lado de fora do estabelecimento, sendo que na Apac somente entra o homem que um dia fora esquecido e se perdeu no ambiente criminoso. Um dos mecanismos utilizados no método é a religião, que permite ao recuperando uma transformação moral e sua consequente ressocialização. Para Ottoboni, “(...) os crimes que [os recuperandos] cometeram na vida, tiveram origem, não na coragem e na força, mas na fraqueza gerada pela falta de religião e de Deus (...).
A vigilância dentro dos estabelecimentos da Apac é feito pelos próprios recuperandos, por meio do Centro de Reintegração Social (CRS). São eles também quem tomam grande parte das decisões, por meio do Conselho de Solidariedade e Sinceridade (CSS). Assim, utiliza-se uma técnica determinada por auto-gestão e auto-análise, com atividades desempenhadas diariamente pelos recuperandos. Não há armas na Apac, não existe a figura do agente penitenciário fardado, não há violência. Ao contrário, os recuperandos tem liberdade o suficiente para fugirem, mas possuem consciência de que, caso fujam, não podem voltar para a Apac.
De acordo com Natália Martino, em um artigo publicado no site da BBC, enquanto no sistema penitenciário comum, 70% dos egressos voltam a cometer crimes, segundo dados do Conselho Nacional de Justica (CNJ), na Apac esse número não ultrapassa 15%. E ainda, em 50 anos de existência, nunca foi registrado qualquer espécie de rebelião ou assassinato. (MARTINO, 2014)
Sem dúvida alguma, principalmente pela comprovação dos dados, o método Apac tem funcionado. E funciona não pelo fato de ser um método menos severo ou mais brando, e sim porque nele simplesmente a Lei de Execuções Penais é aplicada. A Apac é o sistema que mais se aproxima ao modelo ditado pela LEP, ao modelo todos os estabelecimentos penais deveriam seguir, mas que, como demonstrado no presente estudo, não seguem. Assim, a Apac não é uma inovação do Sistema Penitenciário Brasileiro, mas sim a aplicação da lei ao mundo concreto, o que desde a promulgação da lei deveria acontecer.
A Apac, portanto, é método onde a Lei de Execuções Penais é aplicada de forma mais abrangente, com a verdadeira busca à recuperação do preso, suprindo, em parte, a deficiência do Estado no que tange à ressocialização, sem perder de vista as finalidades da pena. A proposta é evitar a reincidência e oferecer alternativas eficientes para que o condenado possa, verdadeiramente, se recuperar.
CONCLUSÃO
O presente estudo abordou as funções da pena e da prisão, discorreu sobre a real aplicação da função social no sistema prisional brasileiro, e demonstrou a realidade acerca da falência da pena de prisão, evidenciando que única solução para a crise são as medidas alternativas à prisão.
Apesar da questão penitenciária parecer estar longe de uma solução, o que realmente está, não se pode tratar as alternativas penais com descaso, uma vez que elas constituem a principal saída para a crise penitenciária. A falha do Estado em manter as condições dignas nos estabelecimentos prisionais é evidente, o que caracteriza um desrespeito à lei como outro qualquer, uma vez que a Lei de Execução Penal estipula as regras que, teoricamente, o Estado deveria cumprir. Dessa forma, ainda que o encarceramento tenha sido merecido por parte do condenado, tal merecimento não gera para o Estado o direito de puní-lo de forma desumana.
A falta de estrutura e a excessiva população carcerária fazem com que a pena de prisão tenha efeito contrário, se tornando uma verdadeira escola para o crime. A função ressocializadora da pena, exigida por lei, que teria o condão de reinserir o condenado ao mundo social, não passa, sequer perto, dos estabelecimentos prisionais.
As penas restritivas de direitos assim como o método APAC se tornaram as alternativas que mais tem demonstrado resultados positivos, no que tange à ressocialização, recuperação do condenado e níveis de reincidência.
Assim, ainda que não seja de fato uma solução para a crise vivenciada no sistema penitenciário brasileiro, as penas alternativas e o método APAC são os meios que mais evidenciam uma futura superação à tal crise. Dessa forma, em uma busca pela solução da crise, magistrados devem ser encorajados a aplicação das alternativas penais bem como novas APAC's devem ser criadas ao longo do Brasil.
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acadêmica de Direito
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FERREIRA, JÉSSICA KAROLINE PENA. A função ressocializadora da pena e sua aplicação no sistema carcerário brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 08 dez 2022, 04:26. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/60476/a-funo-ressocializadora-da-pena-e-sua-aplicao-no-sistema-carcerrio-brasileiro. Acesso em: 22 nov 2024.
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