RESUMO: O presente trabalho visa comparar dados da violência doméstica no município de Rio Preto da Eva, no período de 2020 a 2022, isto é, os três últimos anos, inclusive em meio à pandemia de COVID-19. A pesquisa tem como enfoque principal verificar o quadro de violência doméstica na localidade, apresentando-a estatisticamente. Inicialmente, a pesquisa disserta sobre as origens de tal violência e o procedimento da Lei Maria da Penha (Lei n. 11.340 de 2006), demonstra as políticas públicas utilizadas na prevenção e no combate à violência doméstica e familiar e aborda acerca dos crimes cometidos sob a égide da Lei Maria da Penha. No percurso da pesquisa, analisou-se as notícias de crime por parte de vítimas ou familiares, fazendo-se um levantamento. Após, analisou-se tais ocorrências com crimes patrimoniais e demais, o que, metodologicamente, a representatividade de tais crimes domésticos. O objetivo, assim, é trazer à academia um panorama de um município com baixa densidade demográfica que possibilite a averiguação da ocorrência dos crimes de violência doméstica, apresentando, ao final, um estudo sobre as políticas públicas direcionadas à matéria.
Palavras-chave: Violência Doméstica; Lei Maria da Penha; Políticas Públicas; Rio Preto da Eva/AM.
ABSTRACT: The present work aims to compare data on domestic violence in the municipality of Rio Preto da Eva, from 2020 to 2022, that is, the last three years, including in the midst of the COVID-19 pandemic. The main focus of the research is to verify the situation of domestic violence in the locality, presenting it statistically. Initially, the research discusses the origins of such violence and the procedure of the Maria da Penha Law (Law n. 11,340 of 2006), demonstrates the public policies used in the prevention and combat of domestic and family violence and addresses the crimes committed under the aegis of the Maria da Penha Law. During the course of the research, crime news from victims or family members was analyzed, and a survey was carried out. Afterwards, such occurrences with property crimes and others were analyzed, which, methodologically, the representativeness of such domestic crimes. The objective, therefore, is to bring to the academy an overview of a municipality with low demographic density that allows the investigation of the occurrence of crimes of domestic violence, presenting, in the end, a study on the public policies directed to the matter.
Keywords: Domestic Violence; Maria da Penha Law; Public Policy; Rio Preto da Eva/AM.
SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. 1. LEI Nº.11.340/06 E VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR. 2. POLÍTICAS PÚBLICAS DE PROTEÇÃO ÀS MULHERES VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR. 3. VIOLÊNCIA CONTRA MULHERES NO AMAZONAS E NO MUNICÍPIO DE RIO PRETO DA EVA. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.
INTRODUÇÃO
Durante séculos, na maioria das sociedades, eram governadas por homens, que criavam as leis, administravam as famílias e o estado, ou seja, ocupavam todos os setores da sociedade, desde os mais simples, até os mais altos escalões da sociedade.
Assim, durante muitos anos a mulher passou a ter um papel social “secundário”, muitas vezes jogadas para os cantos sociedade, não possuindo, portanto, qualquer outro papel que não fossem os cuidados domésticos e a reprodução.
Com o passar do tempo, com cada vez mais as mulheres impondo sua introdução nas mais diversas esferas da sociedade, foi ficando cada vez mais visível e claro as inúmeras agressões sofridas por elas, em todas as formas possíveis e imagináveis, indo muito além da agressão física.
Tardiamente, como parte desse processo histórico, é que surge a Lei nº 11.340/06 batizada popularmente como Lei Maria da Penha.
A Lei Maria da Penha, é a primeira legislação brasileira elaborada visando a criação de mecanismos de proteção e defesa das mulheres vítimas de violência doméstica e familiar.
A referida lei supre uma lacuna legislativa histórica, bem como reflexo da luta daquela a quem lhe concedeu o nome, a enfermeira Maria da Penha Maia Fernandes, vítima de duas tentativas de homicídio.
A Norma define as formas de violência, bem como o que é violência doméstica e familiar, além de definir quem pode ser o sujeito passivo (vítimas) e ativo do crime.
Quanto a violência doméstica e familiar no Brasil, destacam-se os dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o qual destaca que entre março de 2020 e dezembro de 2021, foram registrados 2.451 feminicídios e 100.394 estupros de vulneráveis, sendo as vítimas mulheres.
O Estado do Amazonas é um dos que possui altos índices casos envolvendo violência doméstica e familiar contra a mulher, ainda mais se formos comparar a taxa por cada 100 mil habitantes.
Delimitando ainda, quando chegamos ao Município de Rio Preto da Eva, segundo pesquisas realizadas, que se tem é um número cada vez mais crescente de inquéritos instaurados e de medidas protetivas concedidas no município.
Assim, é importante compreender que efeitos as políticas públicas de proteção as mulheres vítimas de violência doméstica e familiar, no Estado e no município, tem sido importante que haja um aumento cada vez maior das denúncias.
1 LEI Nº.11.340/06 e violência doméstica e familiar
A Lei nº. 11.340/06, popularmente conhecida como “Lei Maria da Penha”, é a primeira legislação brasileira de proteção às mulheres no âmbito das relações familiares, bem como das relações intimas de afeto.
A Lei Maria da Penha, é o instrumento jurídico que visa coibir todas as formas de violência contra mulher no âmbito familiar e nas relações de afeto, bem como cria mecanismos de proteção e amparo às vítimas.
Art. 1º Esta Lei cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher, da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher e de outros tratados internacionais ratificados pela República Federativa do Brasil; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; e estabelece medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar.
A referida Legislação é fruto das recomendações da Corte Interamericana de Direitos humanos, a qual, determinou ao Brasil dar continuidade e fortalecer o processo de reforma legislativa que evite/coíba a tolerância estatal e o tratamento discriminatório em relação à violência doméstica contra mulheres no país, bem como da Convenção Interamericana Para Prevenir, Punir E Erradicar A Violência Contra A Mulher “Convenção De Belém Do Pará”, introduzida ao sistema jurídico interno através do Decreto Nº 1.973, de 1º de agosto de 1996.
Além das normas internacionais aderidas pelo Brasil, a lei Maria da Penha visa cumprir a determinação constitucional do artigo 226, §8º da Constituição da República do Brasil.
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
(...)
§ 8º O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.
Assim, a lei Maria da Penha, visa proteger às mulheres de violências ocorridas: “no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas; no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa; em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação” (BRASIL. 2006).
Além disso, conforme parágrafo único do artigo 5º da Lei Maria da Penha, o sujeito ativo do crime, independe de orientação sexual, ou seja, pode ser um homem ou até mesmo outra mulher.
Art. 5º Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:
(...)
Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual.
A referida lei nos apresenta as formas de violência nas quais as mulheres podem ser vítimas. Para ocorrer alguma dessas formas de violência, independe do sexo do sujeito ativo, podendo ser tanto um homem, como outra mulher.
Cabe reforçar, que segundo a legislação, são considerados sujeitos ativos (aqueles que cometem o crime) tanto homens, quanto mulheres.
Como sujeito passivo, no que lhe concerne, é pessoa do sexo feminino. Todavia, é entendido e pacificado pelo Superior Tribunal de Justiça,no REsp 1977124 / SP, que mulheres trans também podem ser sujeitos passivo para aplicação da lei Maria da Penha, podendo ser beneficiada com as medidas protetivas de urgência.
RECURSO ESPECIAL. MULHER TRANS. VÍTIMA DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. APLICAÇÃO DA LEI N. 11.340/2006, LEI MARIA DA PENHA. CRITÉRIO EXCLUSIVAMENTE BIOLÓGICO. AFASTAMENTO. DISTINÇÃO ENTRE SEXO E GÊNERO. IDENTIDADE. VIOLÊNCIA NO AMBIENTE DOMÉSTICO. RELAÇÃO DE PODER E MODUS OPERANDI. ALCANCE TELEOLÓGICO DA LEI. MEDIDAS PROTETIVAS. NECESSIDADE. RECURSO PROVIDO.
1. A aplicação da Lei Maria da Penha não reclama considerações sobre a motivação da conduta do agressor, mas tão somente que a vítima seja mulher e que a violência seja cometida em ambiente doméstico, familiar ou em relação de intimidade ou afeto entre agressor e agredida.
2. É descabida a preponderância, tal qual se deu no acórdão impugnado, de um fator meramente biológico sobre o que realmente importa para a incidência da Lei Maria da Penha, cujo arcabouço protetivo se volta a julgar autores de crimes perpetrados em situação de violência doméstica, familiar ou afetiva contra mulheres. Efetivamente, conquanto o acórdão recorrido reconheça diversos direitos relativos à própria existência de pessoas trans, limita à condição de mulher biológica o direito à proteção conferida pela Lei Maria da Penha.
3. A vulnerabilidade de uma categoria de seres humanos não pode ser resumida tão somente à objetividade de uma ciência exata. As existências e as relações humanas são complexas e o Direito não se deve alicerçar em argumentos simplistas e reducionistas.
4. Para alicerçar a discussão referente à aplicação do art. 5º da Lei Maria da Penha à espécie, necessária é a diferenciação entre os conceitos de gênero e sexo, assim como breves noções de termos transexuais, transgêneros, cisgêneros e travestis, com a compreensão voltada para a inclusão dessas categorias no abrigo da Lei em comento, tendo em vista a relação dessas minorias com a lógica da violência doméstica contra a mulher.
5. A balizada doutrina sobre o tema leva à conclusão de que as relações de gênero podem ser estudadas com base nas identidades feminina e masculina. Gênero é questão cultural, social, e significa interações entre homens e mulheres. Uma análise de gênero pode se limitar a descrever essas dinâmicas. O feminismo vai além, ao mostrar que essas relações são de poder e que produzem injustiça no contexto do patriarcado. Por outro lado, sexo refere-se às características biológicas dos aparelhos reprodutores feminino e masculino, bem como ao seu funcionamento, de modo que o conceito de sexo, como visto, não define a identidade de gênero. Em uma perspectiva não meramente biológica, portanto, mulher trans mulher é.
6. Na espécie, não apenas a agressão se deu em ambiente doméstico, mas também familiar e afetivo, entre pai e filha, eliminando qualquer dúvida quanto à incidência do subsistema da Lei n. 11.340/2006, inclusive no que diz respeito ao órgão jurisdicional competente - especializado - para processar e julgar a ação penal.
7. As condutas descritas nos autos são tipicamente influenciadas pela relação patriarcal e misógina que o pai estabeleceu com a filha. O modus operandi das agressões - segurar pelos pulsos, causando lesões visíveis, arremessar diversas vezes contra a parede, tentar agredir com pedaço de pau e perseguir a vítima - são elementos próprios da estrutura de violência contra pessoas do sexo feminino. Isso significa que o modo de agir do agressor revela o caráter especialíssimo do delito e a necessidade de imposição de medidas protetivas.
8. Recurso especial provido, a fim de reconhecer a violação do art. 5º da Lei n. 11.340/2006 e cassar o acórdão de origem para determinar a imposição das medidas protetivas requeridas pela vítima L. E. S. F. contra o ora recorrido.
Assim, destaca-se o que diz a própria lei Maria da Penha sobre as formas de violência.
Art. 7º São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:
I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal;
II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;
III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;
IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;
V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.
Nessa linha, estão os ensinamentos de Damásio de Jesus:
Entende-se por violência familiar, intrafamiliar ou doméstica toda ação, ou omissão cometida no seio de uma família por um de seus membros, ameaçando a vida, a integridade física ou psíquica, incluindo a liberdade, causando sérios danos ao desenvolvimento de sua personalidade. No fenômeno da violência familiar existem três variáveis (o gênero, a idade e a situação de vulnerabilidade) que são decisivas na hora de estabelecer a distribuição de poder e, consequentemente, determinar a direção que adota a conduta violenta, bem como quem são as vítimas mais frequentes.”(JESUS,pág.07)
Outro ponto que merece destaque sobre a referida lei, é o fato de esta deixar claro toda forma de violência contra mulher, compreende formada de violação aos direitos humanos.
Art. 6º A violência doméstica e familiar contra a mulher constitui uma das formas de violação dos direitos humanos.
2 Políticas públicas de proteção às mulheres vítimas de violência doméstica e familiar
Visando efetivar as determinações legais, o estado desenvolve políticas públicas que buscam trazer ao mundo “real” aquelas que são, até em tão apenas normas abstratas.
Compreende-se políticas públicas como conjunto de ações desenvolvidas pelo Estado, objetivando o atendimento de determinados interesses da sociedade, protegendo grupos vulneráveis e oprimidos.
Nesse trilhar, destaca Elenaldo Celso Teixeira.
Políticas públicas - São diretrizes, princípios norteadores de ação do poder público; regras e procedimentos para as relações entre poder público e sociedade, mediações entre atores da sociedade e do Estado. São, nesse caso, políticas explicitadas, sistematizadas ou formuladas em documentos (leis, programas, linhas de financiamentos) que orientam ações que normalmente envolvem aplicações de recursos públicos. Nem sempre, porém, há compatibilidade entre as intervenções e declarações de vontade e as ações desenvolvidas. Devem ser consideradas também as “não-ações”, as omissões, como formas de manifestação de políticas, pois representam opções e orientações dos que ocupam cargos.
As políticas públicas, são, portanto, o “braço” do Estado que alcança esses grupos, tornando-os sujeitos visíveis, trazem, tornam suas lutas mais claras e perceptíveis, os fazendo parte efetivamente integrante da sociedade.
Além disso, estas políticas públicas podem ser desenvolvidas em parceria com entidades não governamentais, bem como as sociedades privadas, visando alcançar o maior número de pessoas, bem como integrar toda a sociedade na luta do direito desses grupos.
Ao que se referemà proteção da mulher, algumas ferramentas estatais foram desenvolvidas, mesmo, que não tenham sido desenvolvidas pelos órgãos de gestão da administração pública (executivo municipal, estadual e federal), porém representam um passo importante nessa luta contra a violência doméstica e familiar contra as mulheres.
Sem dúvida alguma, uma das mais importantes ações do Estado, nesse caso desenvolvida através do poder legislativo federal, tem-se a criação da Lei nº 13.104, de 9 de março de 2015, que cria a qualificadora do feminicídio ao artigo 121 do Código Penal/40.
A qualificadora do feminicídio, além de dar um tratamento mais gravoso os casos de homicídio envolvendo mulheres, também nos ajuda a compreender melhor os dados de violência que envolvem mulheres, bem como tornam os dados mais claros e objetivos.
O próprio tipo penal, por meio do parágrafo 2º, nos apresenta o que o código penal compreende como “razões da condição do sexo feminino”.
Outro ponto que merece destaque, é a previsão do feminicídio como crime hediondo, segundo determina o Art. 1º, I da Lei 8.072/90 (Lei de crimes Hediondos), que tem como uma de suas consequências, o período maior para progressão de pena.
Art. 1o São considerados hediondos os seguintes crimes, todos tipificados no Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, consumados ou tentados
I - homicídio (art. 121), quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que cometido por um só agente, e homicídio qualificado (art. 121, § 2º, incisos I, II, III, IV, V, VI, VII, VIII e IX) (negrito nosso)
Com forma de tornar mais rigorosa a aplicação da Lei Maria da Penha, esta traz em seu artigo 41, que não são aplicados aos crimes envolvendo a lei Maria da Penha, os institutos da Lei nº 9.099/95.
Art. 41. Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995.
Assim, não são aplicados aos casos envolvendo a Lei Maria da Penha os institutos da Suspensão Condicional do Processo e a Transação Penal. Nesse sentido, tem-se a Súmula 536 do Superior Tribunal de Justiça.
A suspensão condicional do processo e a transação penal não se aplicam na hipótese de delitos sujeitos ao rito da Lei Maria da Penha
(Súmula n. 536, Terceira Seção, julgado em 10/6/2015, DJe de 15/6/2015.)
Além disso, outra importante ferramenta trazida pela lei Maria da Penha, é a previsão de concessão de medida protetiva de urgência.
Art. 38-A. O juiz competente providenciará o registro da medida protetiva de urgência.
Parágrafo único. As medidas protetivas de urgência serão, após sua concessão, imediatamente registradas em banco de dados mantido e regulamentado pelo Conselho Nacional de Justiça, garantido o acesso instantâneo do Ministério Público, da Defensoria Pública e dos órgãos de segurança pública e de assistência social, com vistas à fiscalização e à efetividade das medidas protetivas.
As medidas protetivas de urgência, representam uma importante ferramenta de proteção às mulheres vítimas de violência doméstica e familiar, visto, que cria ao agressor a obrigação de não se aproximar da vítima e não manter com esta, qualquer tipo de contato.
Ainda, visando estender essa proteção aos locais, quem que não um juiz de plantão, por não se considerado comarca, a Lei Maria da penha, através do artigo 12-C, destaca que a medida protetiva de urgência poderá ser concedida pelo Delegado de polícia, desde que, comunicada à autoridade judiciária no prazo de 24 horas.
Art. 12-C. Verificada a existência de risco atual ou iminente à vida ou à integridade física ou psicológica da mulher em situação de violência doméstica e familiar, ou de seus dependentes, o agressor será imediatamente afastado do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida:
II - pelo delegado de polícia, quando o Município não for sede de comarca; ou
III - pelo policial, quando o Município não for sede de comarca e não houver delegado disponível no momento da denúncia.
§ 1º Nas hipóteses dos incisos II e III do caputdeste artigo, o juiz será comunicado no prazo máximo de 24 (vinte e quatro) horas e decidirá, em igual prazo, sobre a manutenção ou a revogação da medida aplicada, devendo dar ciência ao Ministério Público concomitantemente.
§ 2º Nos casos de risco à integridade física da ofendida ou à efetividade da medida protetiva de urgência, não será concedida liberdade provisória ao preso.
No âmbito do poder executivo federal, destaca-se a Política Nacional De Enfrentamento À Violência Doméstica Contra Mulher, que estabelece o II Plano Nacional de Políticas Para As Mulheres, que visa enfrentar as diversas formas de agressão aos direitos das mulheres a partir de uma visão de gênero e de uma visão integral deste fenômeno.
Nessa linha, destaca o II Plano Nacional de Políticas para as mulheres:
Ampliar e aperfeiçoar a Rede de Prevenção e Atendimento às mulheres em situação de violência (assistência); Garantir a implementação da Lei Maria da Penha e demais normas jurídicas nacionais e internacionais. (combate e garantia de direitos); Promover ações de prevenção a todas as formas de violência contra as mulheres nos espaços público e privado (prevenção); Promover a atenção à saúde das mulheres em situação de violência com atendimento qualificado ou específico (assistência); Produzir e sistematizar dados e informações sobre a violência contra as mulheres (prevenção e assistência); Garantir o enfrentamento da violência contra as mulheres, jovens e meninas vítimas do tráfico e da exploração sexual e que exercem a atividade da prostituição (prevenção, assistência e garantia de direitos); Promover os direitos humanos das mulheres encarceradas (assistência e garantia de direitos). Além das prioridades mencionadas, a Política Nacional incorporará ações voltadas para o tráfico de mulheres, para a garantia de direitos das mulheres em situação de prisão e para o combate à feminização da AIDS.
Já no Estado do Amazonas, uma das principais políticas públicas de proteção às mulheres vítimas de violência doméstica e familiar, é a criação do Serviço de Apoio Emergencial à Mulher (SAPEM) que possui 4 unidades na capital Manaus, e visa amparar mulheres vítimas de violência, bem como oferecer os suportes necessários para que estas possam viver com dignidade.
O Serviço de Apoio Emergencial à Mulher (SAPEM) integra a rede de atenção em defesa dos diretos da mulher, objetivando em caráter emergencial, executar ações que viabilizam o combate e enfrentamento à violência doméstica e familiar contra a mulher.
Além disso, de forma ostensiva, tem-se a criação da Ronda Maria da Penha, que visa garantir o cumprimento das medidas protetivas de urgência, bem como oferecer apoio e acompanhamento a vítima, além de proteger e resguardar a segurança física das vítimas.
3 Violência contra mulheres no amazonas e no município de Rio Preto da Eva
O Estado do Amazonas possui aproximadamente 4.356.470 habitantes, sendo 49,82% dessa população mulheres. Todavia, o Amazonas é um dos Estados mais violentos do país, especialmente em crimes contra mulheres.
Somente entre os meses de agosto e setembro de 2022, 864 pessoas foram presas por crimes contra mulheres na Região Norte e 1.249 boletins de ocorrência registrados apenas durante este período no Amazonas (ROCHA. 2022)
Os dados são ainda piores se compararmos com outros anos, conforme destaca o II Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2022), quando analisados os dados em relação à violência contra mulheres no Estado do Amazonas.
Destaca-se que entre os anos 2020 e 2021 o Estado do Amazonas registrou um aumento de 61% em relação ao mesmo período em anos anteriores, subindo de 68 para 110 casos. Ainda, houve um aumento de 70% nos casos de tentativas de homicídio, subindo de 30 para 51 casos, conforme o II Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2022),
Sobre os casos de feminicídio, desta II Anuário Brasileiro de Segurança Pública:
Esse número de feminicídios sinaliza uma possível falha do Estado no que tange à garantia de eficácia às medidas protetivas de urgência. Conforme já destacado, a violência doméstica é progressiva, ou seja, tende a começar com agressões verbais, humilhações e constrangimentos, podendo evoluir para agressões físicas e até para o seu ápice, que é o feminicídio. Portanto, até chegar ao extremo de ser assassinada, a vítima muito provavelmente já passou por outros tipos de agressão e, em muitos casos, já buscou ajuda do Estado — o qual, por sua vez, mostrou-se incapaz de assegurar-lhe a devida proteção.
Dentre as principais vítimas de feminicídio no Amazonas, têm-se as mulheres Negras, com faixa etária entre 18 e 24 anos, muitas destas em situação de vulnerabilidade social e/ou econômica.
Ainda segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2022, somente no Amazonas foram concedidas no ano de 2020 um total de 8.220 medidas protetivas de urgência e, em 2021, foram concedidas 8.764 medidas protetivas.
Além disso, em 2020 foram registradas 1.521.140 ligações ao 190 da polícia relacionadas a prática violência doméstica, e em 2021 foram registradas 1.433.936 ligações somente no Estado do Amazonas.
Ao que se refere ao município de Rio Preto da Eva, ao serem analisarmos os dados da delegacia da cidade, percebe-se um número crescente de inquéritos instaurados e medidas protetivas descumpridas.
A premissa da pesquisa partiu do citado aumento do número de casos de violência doméstica e familiar contra as mulheres no período de pandemia da COVID-19, conforme amplamente difundido nos portais de notícias do país a citar.
Pesquisa aponta que violência contra mulher aumentou na pandemia (Rádio Agência Nacional, 2021)
A pesquisa buscou, então, analisar se tal situação era verdadeira em relação ao Município de Rio Preto da Eva, no Amazonas. Para isso, como metodologia, analisou-se Livro de Inquéritos Policiais Remetidos à Justiça Pública do município, no 36° DIP-RPE, onde constatou-se que os casos de violência doméstica no município se dão em números expressivos, e que, no corrente ano até no início do mês de novembro, houve aumento significativo de inquéritos de violência doméstica instaurados, se comparado ao ano de 2020e ano de 2021, ultrapassando inclusive, inquéritos de roubo e furto.
Após isso, segundo a pesquisa realizada sobre a quantidade de inquéritos instaurados no município, chegou-se aos seguintes dados:
Tabela 1 – Inquéritos remetidos à justiça - 2020
Furto |
Roubo |
Violência domestica |
Descumprimento de medida protetiva |
08 |
06 |
64 |
05 |
Fonte: Livro de inquéritos remetidos do 36º DIP – Rio Preto da Eva
Tabela 2 – Inquéritos remetidos à justiça - 2021
Furto |
Roubo |
Violência domestica |
Descumprimento de medida protetiva |
13 |
11 |
53 |
02 |
Fonte: Livro de inquéritos remetidos do 36º DIP – Rio Preto da Eva
Tabela 3 – Inquéritos remetidos à justiça de janeiro a novembro - 2022
Furto |
Roubo |
Violência domestica |
Descumprimento de medida protetiva |
37 |
05 |
105 |
08 |
Fonte: Livro de inquéritos remetidos do 36º DIP – Rio Preto da Eva
Quanto às medidas protetivas, foram descumpridas no ano de 2020 o quantitativo de 05 medidas protetivas, em 2021 apenas duase, em 2022, foram descumpridas 08 medidas protetivas de urgência.
Veja-se que, por delimitação temática, não foram analisados dados relativos aos entornos do Município, os chamados Ramais, os quais não buscam acesso à Delegacia ou ao Poder Judiciário e, nesse sentido, os números podem ser maiores.
Isto porque, por se tratar de área rural e muitas vezes sem acesso a delegacias ou até mesmo internet para registrar o boletim de ocorrência, muitos casos acabam não sendo catalogados e apresentados como estatísticas.
Esses números elevados, não só de inquéritos instaurados, como de descumprimento das medidas protetivas, nos levam a pensar que há uma falha nas políticas públicas de prevenção e nos órgãos públicos responsáveis por desenvolver ferramentas a nível municipal para haver uma colaboração entre todas as esferas de poder, para que esses índices sejam diminuídos.
CONCLUSÃO
Ainda hoje, com todo o processo de evolução social e luta das mulheres pelo seu espaço na sociedade, nota-se que processo de inferiorização e de agressão às mulheres está enraizado na cultura social do Brasil.
A Lei Maria da Penha, é uma das ferramentas desenvolvidas pelo estado com o objetivo e erradicar, ou de forma mais emergente, diminuir os casos, criando ferramentas que permitam não só a vítima informar o caso as autoridades, como não ser mais refém do agressor.
Nessa linha, muito bem destaca a lei Maria da Penha, ao deixar claro que as formas de violência contra mulher correspondem à violação os direitos humanos.
Compreendemos, ainda, a importância que outras normas e políticas públicas têm na efetividade da proteção às mulheres vítimas de violência doméstica e familiar, fomentando não só outros canais de denúncia, como criando uma rede de amparo para estas vítimas.
Quanto aos dados do amazonas, o que se tem são números altíssimos em todas as formas de violência doméstica contra mulheres, sejam lesões corporais, ameaças, além de outras formas de crimes previstas na lei Maria da Penha.
Quando analisamos os dados do município de Rio preto da Eva, o que se tem é um aumento nos casos envolvendo violência doméstica e familiar contra mulher, se compararmos aos anos anteriores (2020 e 2021).
Assim, conclui-se que os elevados números de violência contra mulher no Estado do Amazonas, em especial no município de Rio Preto da Eva, muito possivelmente se dão, devido a pouca efetividade das políticas públicas de prevenção e combate à violência contra a mulher.
Destaca-se que é necessário que o Estado, em conjunto com todas as forças públicas, fomente informações acerca dessas políticas públicas, as tornando essas políticas amplamente conhecidas pelo público alvo.
O que não deve ocorrer, toda via, é o abandono por parte do poder público dessa temática, visto, que tal abandono, representa um atraso ao processo evolutivo das políticas de prevenção à violência contra mulher.
Desta feita, para que efetivamente possa ocorrer a diminuição desses índices, é preciso que o Estado, em conjunto com o município de Rio Preto da Eva, desenvolvam novas políticas públicas de enfrentamento à violência contra mulher, bem como tornem mais efetivas as políticas públicas já estabelecidas, visando o fortalecimento e o aprimoramento destas, para que com isso ocorra a diminuição dos índices de violência contra mulher no Município de Rio Preto da Eva, consequentemente no Estado do Amazonas.
REFERÊNCIAS
AMAZONAS. Livro de Inquéritos Remetidos à Justiça Pública. s/n. período: 2020 a 2022. 36° Distrito Integrado de Polícia do Município de Rio Preto da Eva.
AMAZONAS. Policia Militar do Estado do Amazonas. Ronda Maria da Penha. Disponível em <https://pm.am.gov.br/portal/pagina/ronda_maria_da_penha> acesso em 30/11/2022 às 11:46
AMAZONAS. SEJUSC - Secretaria de Estado de Justiça, Direitos Humanos e Cidadania. Serviço de Apoio Emergencial à Mulher – SAPEM. Disponível em: <http://www.sejusc.am.gov.br/servico-de-apoio-emergencial-a-mulher/> acesso em 30/11/2022 às 11:44.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 5 de outubro de 1988. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm> acesso em 30/11/2022 às 09:02
BRASIL. Decreto nº 1.973, de 1º de agosto de 1996.Promulga a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, concluída em Belém do Pará, em 9 de junho de 1994. Brasília, D.O.U. de 2.8.1996. Disponível em <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1996/d1973.htm> acesso em 30/11/2022 às 09:09.
BRASIL. Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006. Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências. Brasília, DOU de 8.8.2006. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm> acesso em 30/11/2022 às 09:06
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FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA. Anuário Brasileiro De Segurança Pública-2022. Coordenadores: Samira Bueno, Renato Sérgio de Lima. ed.2022. Disponível em <https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2022/06/anuario-2022.pdf?v=5> acesso em 01/12/2022 às 15:59
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Graduanda no curso de Direito pelo Centro Universitário Faculdade Metropolitana de Manaus - FAMETRO
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Hianael Samara de Souza e. Violência doméstica no município de Rio Preto da Eva-AM no período de 2020-2022 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 16 dez 2022, 04:18. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/60616/violncia-domstica-no-municpio-de-rio-preto-da-eva-am-no-perodo-de-2020-2022. Acesso em: 21 nov 2024.
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