RESUMO: A presente monografia aborda importante instituto de valor democrático instalado no país, qual seja o Tribunal do Júri previsto na Constituição da República Federativa do Brasil, em seu artigo 5º, XXXVIII, sendo esse competente para julgar os crimes dolosos contra a vida e conexos, tanto na modalidade consumada quanto tentada. Essa poderosa garantia, traz a participação da população ao poder judiciário onde o acusado não será julgado por juiz togado ou tribunal cuja decisão detém imprescindível conhecimento técnico e submissão aos princípios da legalidade, e sim por pessoa leiga que decide pautado em suas crenças, senso de justiça, imparcialidade e de acordo com sua consciência, aproximando o acusado de uma decisão mais justa. Dentre os princípios constitucionais igualmente previstos na Carta Magna e conferidos ao Júri Popular, encontra-se a soberania dos veredictos que busca a imutabilidade da decisão emanada do Povo. A presente dissertação objetiva uma análise acerca do referido princípio e seus mecanismos de controle garantidos na legislação processual vigente, considerando que o duplo grau de jurisdição tem por objeto a revisão da decisão por outro órgão pertencente também ao Poder Judiciário, de modo que a decisão soberana garantida na constituição poderia perder sua essência. No entanto, os referidos princípios devem ser observados concomitantemente, sem que haja hierarquia e desde que coexistam harmonicamente.
Palavras chave: Direito processual penal. Soberania dos Veredictos. Tribunal do Júri. Duplo grau de jurisdição.
SÚMARIO: Introdução. 1. O INSTITUTO DO TRIBUNAL DO JÚRI. 1.1. Aspectos históricos. 1.2. Procedimento do Tribunal do Júri. 2. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO JÚRI. 2.1. Plenitude da defesa. 2.2. Sigilo das votações. 2.3. Soberania dos veredictos. 2.4. A competência do Tribunal do Júri. 3. COEXISTÊNCIA HARMÔNICA ENTRE A SOBERANIA DOS VEREDICTOS E O DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO. 4. MECANISMOS DE CONTROLE À ATUAÇÃO DOS JURADOS. 4.1. Recurso de Apelação. 4.2. Revisão Criminal. 4.3. Reformatio in pejus indireta. 5. EXCEÇÃO À PERSUASÃO RACIONAL. Conclusão. Referências.
Introdução
Sabe-se que o Tribunal do Júri é um órgão judicial diferenciado, e expõe como uma de suas maiores particularidades a característica de que o acusado seja julgado por seus pares, de modo a aproximar-se ao máximo de uma decisão mais justa.
Trata-se também de um dos mais importantes instrumentos de democracia presente no ordenamento jurídico brasileiro. De tal sorte que a própria Constituição da República Federativa do Brasil dispensa um tratamento especial a este instituto, trazendo explicitamente seus princípios e impondo, dessa forma, a total observância à Plenitude de Defesa, ao Sigilo das votações, à competência mínima para julgamento de crimes dolosos contra a vida e à Soberania dos Veredictos.
Todos os princípios do Júri são extremamente relevantes e, por isso, devem ser fielmente respeitados. Todavia, o presente trabalho objetiva aprofundar-se nos estudos com relação à Soberania dos Veredictos, tendo em vista que este é o mais polêmico devido aos inúmeros questionamentos que o cercam, tais como, possíveis violações a tal princípio, exceção à persuasão racional e aplicação ou não à reformatio in pejus indireta.
O referido princípio é um dos principais sustentáculos do instituto do Tribunal do Júri, considerando que a decisão dos juízes leigos deve ser soberana, de modo que não haja modificação por juiz togado ou tribunal, conforme disciplinado pela lei maior.
Diante disso, o presente trabalho tem por propósito apresentar os principais mecanismos de controle à atuação dos jurados, assim como sua correlação e sincronia com o princípio constitucional da Soberania dos Veredictos, verificando o posicionamento doutrinário e jurisprudencial quanto a possíveis violações ao princípio em comento.
Para tanto, parte-se dos aspectos históricos do Tribunal do Júri no Brasil e no mundo, demonstrando sua origem e a relevância dada ao estudado instituto ao longo do tempo, e sua permanência e considerável relevância na Constituição Cidadã.
Por conseguinte, será brevemente explanado o Procedimento bifásico do Júri, que aborda em sua primeira fase o juízo de formação de culpa (judicium accusatione), e em sua segunda fase o julgamento do réu pelo Conselho de Sentença (judicium causae), procedimento esse complexo e com características próprias disciplinados na norma processual regente.
Posteriormente, será realizada uma explanação acerca dos princípios constitucionais do Júri, expressos no artigo 5º, XXXVIII, da Constituição Federal, quais sejam a Plenitude de Defesa, o Sigilo das votações, a competência mínima para julgamento de crimes dolosos contra a vida e a Soberania dos Veredictos, a fim de evidenciar sua importância no ordenamento jurídico pátrio ao ponto de ser conferido o status de cláusula pétrea e garantia de direito fundamental.
Parte-se então para a coexistência harmônica especificamente entre o princípio da soberania dos veredictos e o duplo grau de jurisdição assegurado aos litigantes, seguindo para os mecanismos de controle à atuação dos jurados que evidencia o não absolutismo do princípio estampado na Carta Magna. No capítulo aludido será abordada ainda a importância do duplo grau de jurisdição para o ordenamento jurídico brasileiro, de modo a propiciar ao vencido a revisão do julgado.
Por fim, chega-se à conclusão do tema onde será verificado se há ou não violação à soberania dos veredictos diante dos mecanismos de controle à atuação dos jurados, tais como a apelação e a revisão criminal, analisando ainda sobre a in(aplicabilidade) da reformatio in pejus indireta nas decisões do Conselho de Sentença.
O aprofundamento do referido tema faz-se necessário ante a importância do instituto para o direito constitucional e processual adotado no país, assim como as decisões conflitantes e complexas emanadas das Cortes Estaduais de Justiça no país e Tribunal Superiores.
A metodologia adotada para a presente pesquisa foi construída através de revisão bibliográfica, normativa e jurisprudencial acerca do assunto.
1. O INSTITUTO DO TRIBUNAL DO JÚRI
O Tribunal do Júri é um órgão do Poder Judiciário responsável por julgar os crimes dolosos contra a vida, previsto na Carta Magna no art. 5º, XXXVIII, estando assim no rol dos Direitos e Garantias Fundamentais, assegurada sua existência como cláusula pétrea conforme mencionado alhures.
Atualmente, trata-se de uma instituição respeitada e consolidada no ordenamento jurídico brasileiro, mas nem sempre foi assim.
(...) o caminho percorrido pelo Júri, desde 1822 assemelha-se a uma Guerra Santa: ora avançando, ora compelido a recuar, ora deformado em sua competência material, resistiu galhardamente a tudo isso, inclusive dois períodos ditatoriais. (TUBENCHLAK, 1994, p. 4)
Revela-se como um claro instrumento de democracia, pois, ao permitir que o acusado seja julgado por seus iguais, garante a participação popular também no Poder Judiciário, de modo a efetivar o Estado Democrático de Direito, além de objetivar alcançar decisões menos técnicas e mais justas.
Nesse sentido, Bonfim & Parra Neto (2009, p. 1) prescrevem:
Por sua posição topográfica no texto constitucional, contemplado entre as garantias fundamentais dos cidadãos, vê-se, de logo, o estreito liame da instituição do júri com os ideais democráticos acolhidos pela nação, a um tempo servindo de garantia ao acusado, de ser julgado por seus pares, e permitindo a participação popular na administração da justiça criminal.
Assim, aos jurados leigos é garantido a liberdade para o julgamento da causa, de modo que após a apreciação do processo e suas provas, decidam como lhes aprouver, possibilitando a apreciação com fundamento em suas crenças e opiniões.
Nas palavras de GRAU (2001, p. 48), a livre participação do cidadão ao governo, neste ato representado pelo jurado leigo no judiciário, define a amplitude da democracia ao regime constituído no país, “funcionando como uma simbiose o regime democrático e a participação do cidadão”.
Desse modo, conforme leciona ainda Paulo Rangel (2007, p.42), o Tribunal do Júri é um instituto que possui relevante caráter democrático, considerando que o julgamento nasce e emana exatamente do povo, neste caso sendo retirado das mãos dos magistrados o poder de decisão.
Nesse sentido, leciona CAPEZ:
Sua finalidade é a de ampliar o direito de defesa dos réus, funcionando como uma garantia individual dos acusados pela prática de crimes dolosos contra a vida e permitir que, em lugar do juiz togado, preso a regras jurídicas, sejam julgados pelos seus pares (CAPEZ, 2011, p. 632).
Esse importante instituto, é reconhecido como uma instituição histórica no ordenamento jurídico, sendo imperioso destacar os aspectos relevantes de sua origem.
1.1. Aspectos históricos da origem do Tribunal do Júri.
Embora o Tribunal do Júri ou Tribunal Popular seja um instituto milenar no ordenamento jurídico, inexiste exatidão doutrinária no que se refere a sua origem. Nesse sentido, o doutrinador Carlos Maximilliano apud TUCCI (1993, p. 12), após diversas pesquisas sobre o tema, chegou à conclusão de que “as origens do instituto, vagas e indefinidas, perdem-se na noite dos tempos”.
Para José Frederico Marques (1997, p. 20) o Júri nasceu na Inglaterra, consignando o seguinte:
Nascido na Inglaterra, depois que o Concílio de Latrão aboliu as ordálias e o juízo de Deus, ele guarda até hoje a sua origem mística, muito embora ao ser criada retratasse o espírito prático e clarividente dos anglo-saxões. Na terra da common law onde o mecanismo das instituições jurídicas, com seu funcionamento todo peculiar, tanto difere dos sistemas dos demais países onde impera a tradição romanística, é o júri um instituto secular e florescente, cuja prática tem produzido os melhores resultados.
O doutrinador Guilherme de Souza Nucci (2008, p. 731), pactua do entendimento de Marques, pois leciona que o Tribunal do Júri encontra origem na Constituição da Inglaterra, datada de 1215.
Ainda no que se refere a gênese do Júri Popular, acompanhando a maioria dos autores, o doutrinador Angelo Ansanelli Júnior (2005, p. 19 e 20) também acredita que o instituto teve sua origem na Inglaterra, pois em decorrência de ser o berço da democracia mundial, visava efetivar garantias em favor da sociedade.
Já para Nestor Távora e Rosmar Rodrigues Alencar (2013, p. 825), com posicionamento divergente da grande maioria dos autores, acreditam que a criação do Tribunal do Júri deu-se tanto na Grécia como em Roma, e que o referido instituto fora inspirado no julgamento de Jesus Cristo.
No Brasil, o Tribunal do Júri surgiu a partir de uma iniciativa do Senado do Rio de Janeiro, que encaminhou ao Príncipe Regente, Dom Pedro de Alcântara de Bragança, uma proposta de criação de um instituto nomeado de “Juízo de Jurados”. Através da referida proposta, o Príncipe Regente por intermédio de um decreto imperial, datado de 18 de junho de 1822, criou o primeiro Tribunal Popular no Brasil chamado de Juízes de fato (LIMA, 2012, p. 858).
Entretanto, a competência do referido tribunal limitava-se aos crimes de imprensa. Assim, o Tribunal do Júri era composto por 24 cidadãos escolhidos entre os homens bons, honrados, inteligentes e patriotas.
Paulo Lúcio Nogueira (1995, p. 293) traz ainda em sua obra Questões processuais penais controvertidas, que a única forma de recorrer da decisão que absolvesse ou condenasse o Réu era a clemência real, direcionada diretamente ao Príncipe Regente que era o único competente a alterar a sentença proferida pelos Juízes de fato.
Somente na Constituição Imperial de 1824, o instituto fora introduzido no capítulo destinado ao Poder Judiciário, aumentando sua competência para julgar não somente crimes, como abrangeu as causas cíveis. A mencionada Constituição dispôs ainda em seu art. 152 que “Os Jurados pronunciam sobre o facto, e os Juizes applicam a Lei”, que em sua tradução literal significa “os jurados pronunciam sobre o fato e os juízes aplicam a Lei”.
Por conseguinte, com o fim da ditadura militar, na Constituição de 1946, o Tribunal Popular foi inserido no capítulo destinado aos direitos e garantias individuas, cuja competência agora seria para julgar os crimes dolosos contra a vida, sendo mantido na Carta Magna de 1967, entretanto, essa foi silente no que se refere aos princípios da soberania dos veredictos, sigilo das votações ou plenitude da defesa.
A Constituição de 1967 representa relevante marco na história do Tribunal do Júri, pois essa buscava institucionalizar e legalizar o regime militar. Ainda assim, o importante instituto do Júri Popular foi mantido no capítulo destinado aos direitos e garantias fundamentais, conforme art. 150, §18, veja-se:
Art. 150. A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[...]
§ 18. São mantidas a instituição e a soberania do júri, que terá competência no julgamento dos crimes dolosos contra a vida.
No período compreendido entre a ditadura militar (1964 a 1985), mais precisamente a partir da Constituição de 1967, o Tribunal do Júri sobreviveu como direito individual, embora o cenário político de sucessivos governos militares indicava o cerceamento de expressão da vontade popular.
Passado o período ditatorial, adveio em 05 de outubro de 1988 a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil, que chancelou em seu art. 5º, XXXVIII, o Júri Popular como pilar da democracia, sendo de sua competência o julgamento dos crimes dolosos contra a vida.
A Constituição de 1988 vigente até os dias atuais, conferiu ainda nobre importância ao instituto do Tribunal do Júri, pois o disciplinou entre as garantias e direitos fundamentais, o que o eleva ao patamar de cláusula pétrea, conforme § 4º do artigo 60, in verbis:
Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:
[...]
§ 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
I - a forma federativa de Estado;
II - o voto direto, secreto, universal e periódico;
III - a separação dos Poderes;
IV - os direitos e garantias individuais.
O dispositivo concernente ao Tribunal do Júri elencou ainda nas alíneas a, b, c e d, princípios norteadores e invioláveis a serem observados quando do procedimento e rito do Tribunal do Júri, que serão melhor abordados em tópico próprio.
Nesse sentido, ressalta-se a importante evolução no tempo do estudado instituto, o qual passou por diversas modificações, mantendo-se sólido e preservando sua essência até os dias atuais.
Para consolidar o Tribunal do Júri, a Constituição da República Federativa do Brasil e demais previsões legais que regem o tema, no intuito de preservar as formalidades e garantir ao acusado a plenitude de defesa assegurado na Lei maior, instaurou procedimento e rito próprio conforme estabelecido abaixo.
1.2. Procedimento do Tribunal Júri
A priori, imperioso destacar que o procedimento do Tribunal do Júri detém procedimento bifásico, quais sejam a judicium accusatione e a judicium causae.
A primeira delas está prevista nos artigos 406 a 421 do Código de Processo Penal referindo-se à fase de formação da culpa ou juízo de acusação, assemelhando-se ao procedimento sumário, iniciando com o oferecimento da denúncia ou queixa e finalizando com a sentença.
Neste contexto, José Frederico Marques (1963, p.348) contextualiza como sendo a:
formação da culpa, um procedimento preliminar da instância penal em que se examina a admissibilidade da acusação. Desde que o crime fique provado, e que se conheça o provável autor da infração penal, prossegue a relação processual para que se instaure a fase procedimental em que vai realizar-se o judicium causae.
A decisão nessa fase do procedimento do Tribunal do Júri é realizada por juiz togado, sentença essa que será de pronúncia, impronúncia, desclassificação ou absolvição sumária.
Conforme artigo 413 do Código de Processo Penal a sentença de pronúncia é aquela que o magistrado entende pela materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou participação do acusado. Ao decidir pela pronúncia, os autos são remetidos para julgamento perante o Tribunal do Júri. Na oportunidade, o juiz deve indicar o dispositivo legal em que julgar incurso o acusado e especificar as causas de aumento da pena bem como as qualificadoras.
Ressalta-se por oportuno que nessa fase da pronúncia, ao revés do ordenamento jurídico pátrio que vigora o princípio do “in dubio pro reo”, a regra é o “in dubio pro societate”, o que significa que havendo dúvida o processo deverá ser remetido ao plenário, sob pena de violação à competência do plenário.
O referido entendimento é pacificamente aplicado nas Cortes Estaduais de Justiça do país. Conforme Acórdão da 1ª Câmara Regional de Caruaru – PE - 2ª Turma, emanado do Recurso de Apelação 0012240-37.2013.8.17.0480, publicado 31 de agosto de 2017, necessário somente indícios da autoria e materialidade do crime para que se possibilite a aplicação do “in dubio pro societate”:
PENAL E PROCESSO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. HOMICÍDIO. FASE DO JUDICIUM ACCUSATIONES. INDÍCIOS DE AUTORIA DO CRIME EXISTENTES. IN DUBIO PRO SOCIETATE. MATERIALIDADE COMPROVADA ATRAVÉS DO EXAME PERICIAL. QUALIFICADORAS. ADMISSIBILIDADE. EMENDATIO LIBELLI EM RELAÇÃO AO MOTIVO TORPE. EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS PARA O CRIME ADEQUADO AO MOTIVO FÚTIL. SENTENÇA REFORMADA. ACUSADOS PRONUNCIADOS.
1. Tratando-se de análise sob o âmbito da fase judicium accusationes, prestigia-se a in dubio pro societate, de modo que a pronúncia não requer juízo de certeza, sendo mera fase de admissibilidade da acusação, fulcrada nos indícios de autoria e materialidade do crime, a teor do que prevê o caput do artigo 413 do CPP.
2. Cotejando os depoimentos prestados durante a fase inquisitorial e a instrução judicial, surgiram dúvidas razoáveis a respeito da autoria do crime, capazes de submetê-los a julgamento pelo Conselho de Sentença, na medida em que os indícios apontam os réus como prováveis autores do crime, os quais teriam agido em comunhão de desígnios, mormente porque José Flávio teria se envolvido em briga com a vítima momentos antes do delito, enquanto que pairava o boato de que a esposa de José Inácio mantinha relacionamento extraconjugal com o de cujus.
3. Materialidade do crime comprovada através do Exame Pericial realizado no corpo da vítima.
4. Incursão dos réus no artigo 121, § 2º, II e IV c/c artigo 29 do CP, bem como no artigo 2º da Lei de Crimes Hediondos, já que presentes, em tese, o motivo fútil e a prática de crime mediante recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido. 5. Sentença de impronúncia reformada. 6. Apelo provido.
(TJ-PE - APL: 3844099 PE, Relator: Humberto Costa Vasconcelos Júnior, Data de Julgamento: 31/08/2017, 1ª Câmara Regional de Caruaru - 2ª Turma, Data de Publicação: 21/09/2017)
Já a sentença de impronúncia é aquela que o juiz motivadamente se convence da ausência de materialidade do fato ou de indícios suficientes de autoria e participação, nos termos do artigo 414 do Código de Processo Penal. Entretanto, a referida decisão não se confunde com a declaração de inocência do réu, mas sim pela constatação da fragilidade das provas anexadas ao processo, de modo que não reúna elementos mínimos a ensejar a pronúncia.
O parágrafo único do referido artigo dispõe ainda que enquanto não ocorrer a extinção da punibilidade, poderá ser formulada nova denúncia ou queixa se houver prova nova, devendo o processo ser reaberto e dado prosseguimento ao procedimento do Júri.
Por sua vez, a sentença de desclassificação é aquela quando o juiz se convence que o crime em questão não é de competência do Tribunal do Júri, ou seja, não é doloso contra a vida. Na decisão de desclassificação os autos são remetidos ao juízo competente.
Por fim, o artigo 415 do Código de Processo Penal elenca as hipóteses de absolvição sumária, onde o juiz fundamentadamente poderá absolver desde logo o acusado ante a prova de inexistência do fato, prova da ausência de autoria ou participação no crime, o fato não constituir infração penal ou caso seja demonstrada causa de isenção de pena ou de exclusão do crime. A sentença de absolvição sumária analisa as provas contidas no processo pois diferente da sentença de impronúncia, tem o condão de inocentar o acusado.
Explanadas as classificações das sentenças nos termos da legislação, a judicium causae é o nome conferido à segunda fase do procedimento do Tribunal do Júri, fase essa iniciada após o trânsito em julgado da sentença de pronúncia acima delineada.
A segunda fase, destinada ao julgamento da causa pelo Tribunal do povo teve relevante mudança advinda da Lei nº 11.689/08, cuja redação alterou dispositivos no Código de Processo Penal atinentes ao Tribunal do Júri. Uma das relevantes alterações trazidas pela última reforma é a possibilidade do acusado ser intimado da decisão de pronúncia por intermédio de edital, o que anteriormente previa tão somente a possibilidade de intimação pessoal.
A nova legislação trouxe ainda a previsão da interposição do Recurso em Sentido Estrito da sentença que pronunciar o réu, nos termos do artigo 581, IV, do Código de Processo Penal.
Efetivada a intimação do réu, seja ela pessoalmente ou por edital, e sendo negado provimento ao Recurso em Sentido Estrito retromencionado ou não havendo a interposição do mesmo, o juiz determinará a intimação das partes a fim de que no prazo de 5 (cinco) dias sejam arroladas as testemunhas que serão ouvidas em plenário, podendo ainda no mesmo prazo requerer diligências e/ou juntar documentos.
Segundo a doutrina de Aury Lopes Júnior:
Como o próprio nome diz, são testemunhas “de plenário”, portanto, não se admite a indicação de testemunhas para serem ouvidas em outra comarca, por carta precatória e, menos ainda, pode ser admitido o argumento de que esses depoimentos colhidos à distância seriam “lidos” em plenário, convertendo essa ginástica jurídica em “testemunhos de leitura em plenário”. Primeiro, porque as testemunhas arroladas nesse momento são para serem ouvidas diante do conselho de sentença, para que os jurados diretamente tomem contato com o depoimento; em segundo lugar, a mera leitura desse depoimento viola, uma vez, os princípios da imediação e da oralidade, constitutivos da prova testemunhal.
Conforme lecionado pelo nobre doutrinador, as testemunhas não poderão ser ouvidas em outra comarca por carta precatória, em atenção aos princípios basilares da produção de prova testemunhal quais sejam a imediação e a oralidade. A referida restrição objetiva ainda dar efetividade ao sistema democrático de participação popular no Juri, considerando que a oitiva das testemunhas deve ser efetuada na presença do Conselho de Sentença.
O artigo 427 e seguintes do Código de Processo Penal traz ainda a hipótese de desaforamento do julgamento para outra comarca da mesma região, dentre eles quando houver interesse da ordem pública, dúvida a respeito da imparcialidade dos jurados ou ameaça à segurança pessoal do acusado. O deslocamento de competência do Tribunal do Júri tem por intenção resguardar a lisura do procedimento.
Calha ressaltar ainda que, o art. 457 do mesmo Codex dispõe que “o julgamento não será adiado pelo não comparecimento do acusado solto, do assistente ou do advogado do querelante, que tiver sido regularmente intimado”, sendo procedido o julgamento a sua revelia.
Diferentemente do acusado solto, na hipótese de não condução do acusado preso à sessão, “o julgamento será adiado para o primeiro dia desimpedido da mesma reunião, salvo se houver pedido de dispensa de comparecimento subscrito por ele e seu defensor.”
Superadas as fases acima, o Código de Processo Penal, na Seção IV atinente ao Alistamento dos Jurados, disciplina como será procedido o alistamento anual nas comarcas para participação no Tribunal do Júri, sendo disciplinada a sua quantidade de acordo com o número de habitantes.
Assim, compõe-se o Conselho de Sentença com 7 (sete) jurados, sendo sorteados entre 25 (vinte e cinco), devendo haver o quórum mínimo de 15 (quinze) jurados para instalação da sessão, nos termos do artigo 463 do Código de Processo Penal. À medida que as cédulas forem retiradas da urna, o juiz-presidente lerá o nome sorteado, e a defesa e, depois dela, o Ministério Público poderão recusar até 3 (três) para cada parte, não sendo necessária a motivação da recusa.
Devidamente sorteados os 7 (sete) jurados que irão compor o Conselho de Sentença, o Código de Processo Penal em seu artigo 472 traz ainda importante redação acerca do compromisso assumido pelo jurado:
Art. 472. Formado o Conselho de Sentença, o presidente, levantando-se, e, com ele, todos os presentes, fará aos jurados a seguinte exortação:
Em nome da lei, concito-vos a examinar esta causa com imparcialidade e a proferir a vossa decisão de acordo com a vossa consciência e os ditames da justiça.
Os jurados, nominalmente chamados pelo presidente, responderão:
Assim o prometo.
Após, receberão “cópias da pronúncia ou, se for o caso, das decisões posteriores que julgaram admissível a acusação e do relatório do processo”, conforme parágrafo único do artigo 472 do Código de Processo Penal.
Iniciada a instrução plenária, serão tomadas as declarações do ofendido, se possível. Em seguida serão inquiridas as testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nessa ordem, sendo permitido aos jurados a formulação de perguntas ao ofendido e às testemunhas através do juiz que estiver presidindo a sessão.
Após, as partes e os jurados poderão requerer “acareações, reconhecimento de pessoas e coisas e esclarecimento dos peritos, bem como a leitura de peças que se refiram, exclusivamente, às provas colhidas por carta precatória e às provas cautelares, antecipadas ou não repetíveis”, sendo em seguida procedido o interrogatório do acusado, sendo válido consignar que enquanto permanecer no plenário do júri, não será permitida a utilização de algemas no acusado, ressalvada a hipótese de ser “absolutamente necessário à ordem dos trabalhos, à segurança das testemunhas ou à garantia da integridade física dos presentes”.
A vedação ao uso de algemas está inteiramente ligada ao princípio da plenitude de defesa, pois além de transmitir uma mensagem corporal negativa ao Conselho de Sentença, impede que o acusado tenha condições de gesticular de maneira apropriada.
Por fim, encerrada a instrução plenária, conforme artigo 476 do Código de Processo Penal, inicia-se a fase de debates orais na seguinte ordem: Primeiro o Ministério Público, segundo o Assistente e ao final a defesa, podendo a acusação replicar e a defesa treplicar. Imperioso destacar que nessa fase é permitida a reinquirição de testemunha já ouvida em plenário, nos termos do parágrafo 4º do mencionado artigo.
Finalizado os debates, será indagado pelo juiz se as partes pretendem produzir alguma outra prova. Em não havendo ou sendo ela indeferida, é feita a leitura dos quesitos em plenário pelo juiz, indagando sobre a materialidade do fato, a autoria e participação, se o acusado deve ser absolvido, se existe causa de diminuição de pena ou se existe circunstância qualificadora ou causa de aumento de pena, nos termos dos incisos contidos no artigo 483 da lei regente.
A votação será realizada em sala especial ou, se não houver, em plenário sem a presença do público. O oficial de justiça recolherá em urnas separadas as cédulas correspondentes aos votos e as não utilizadas, objetivando-se assegurar o sigilo da votação.
Encerrada a votação, o Juiz-Presidente proferirá a sentença que, será lida em plenário antes de encerrada a sessão de instrução e julgamento, podendo ser de absolvição, condenação, desclassificação.
2. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO JÚRI
Os princípios Constitucionais do Tribunal Popular estão disciplinados no art. 5º, XXXVIII, sendo eles: a) a plenitude de defesa; b) o sigilo das votações; c) a soberania dos veredictos, e d) a competência mínima para julgamento de crimes dolosos contra a vida.
2.1. Plenitude de defesa
Sabe-se que o legislador constituinte previu expressamente em duas oportunidades o direito de defesa. A primeira delas encontra-se no inciso LV do artigo 5º da Constituição que disciplina “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.
Por outro lado, especificamente no que se refere ao Tribunal do Júri, na alínea “a” do inciso XXXVIII do mesmo artigo, o constituinte trouxe o direito de defesa, nesse momento o chamando de “plenitude de defesa”.
Embora as duas expressões sejam semelhantes boa parcela dos doutrinadores entendem como diversos os institutos da ampla defesa e da plenitude de defesa.
Nesse sentido, NUCCI (1999. p. 139) leciona que:
Não seria o constituinte tomado de tamanha leviandade e falta de revisão na redação de um único artigo: é evidente que pretendeu inserir – e o fez – os dois princípios, até mesmo com redações diferentes: ampla defesa (inciso LV) e plenitude de defesa (inciso XXXVIII, a).
Corroborando com a maioria dos doutrinadores, Aramis Nassif (1996) utilizou os dicionários da língua portuguesa, de onde se extraiu substancial diferença entre os significados das referidas colocações.
Dentre os doutrinadores que reconhecem a diferença entre os princípios trazidos na Lei Maior está Fernando Capez (2006, p. 557), que reconhece a plenitude de defesa em grau maior que a ampla defesa.
Dessa forma, certo é que o princípio constitucional da plenitude de defesa revela-se essencial nos julgamentos submetidos ao Júri, considerando que mais do que plena, a defesa necessita ser ampla:
A razoável explicação para isso é que o constituinte fez questão de ressaltar que como regra geral, em qualquer processo judicial ou administrativo, tem o acusado o direito à ampla defesa, produzindo provas em seu favor e buscando demonstrar sua inocência, a fim de garantir o devido processo legal, única forma de privar alguém de sua liberdade ou de seus bens. Mas, no cenário do Júri, onde a oralidade é essencial e a imediatidade crucial, não se pode conceber a instituição sem a plenitude de defesa. Portanto, apesar de ser uma garantia de o acusado defender-se com aptidão, é característica fundamental da instituição do júri que a defesa seja plena. Um tribunal popular, onde se decide por íntima convicção, sem qualquer motivação, sem a feição de ser uma tribuna livre, especialmente para o réu, não é uma garantia individual, ao contrário, é um fardo dos mais terríveis.
Portanto, resta evidenciado a importância do referido princípio, cuja finalidade precípua é garantir ao réu no julgamento em plenário a defesa plena, de modo a utilizar de todos os meios previstos na legislação para convencimento dos jurados.
2.2. Sigilo das votações
O princípio de Sigilo das votações refere-se a garantia de incomunicabilidade dos jurados quando da decisão do Conselho de Sentença. O referido princípio almeja que não haja interferência por elementos alheios aos relacionados no processo nas decisões dos jurados leigos, de modo que estes utilizem sua liberdade de convicção e autonomia decisória.
Sobre o tema, é importante trazer os ensinamentos de Guilherme de Souza Nucci, (1999, p.166):
O jurado precisa sentir-se seguro para meditar e votar, quando convocado a fazê-lo pelo juiz presidente, o que jamais aconteceria se estivesse em público, na frente do acusado. Não são raras as oportunidades em que um determinado julgamento atrai multidões ao plenário do Júri, não somente de cidadãos comuns pretendendo acompanhar o regular desenvolvimento dos atos processuais, mas, sobretudo de parentes e amigos do réu ou da vítima, cercados de curiosos de toda a espécie. Forma-se, com isso, uma natural e inafastável torcida na platéia, que pode manifestar-se através de aplausos, risos, vaias, sussurros contínuos, expressões faciais e gestos, todos captados pelos jurados atentos e alertas.
Na visão do doutrinador Andrey Borges de Mendonça (2008, p. 3), o princípio em comento objetiva garantir aos jurados que não seja originado perseguição em razão de sua decisão, e que por isso o procedimento do voto se dá em sala secreta e de modo incomunicável com os demais jurados.
Deste modo, o sigilo das votações é princípio necessário, impedindo que os jurados leigos experimentem qualquer tipo de influência externa que possibilite a modificação de suas convicções e imparcialidade na decisão ser tomada no Júri Popular.
2.3. Soberania dos Veredictos
O princípio constitucional da Soberania dos Veredictos refere-se à impossibilidade de os juízes togados modificarem as decisões do Tribunal do Júri quanto ao mérito.
O professor Tourino Filho, leciona que:
Júri sem um mínimo de soberania é corpo sem alma, instituição inútil. Que vantagem teria o cidadão de ser julgado pelo Tribunal popular se as decisões deste não tivesse o mínimo de soberania? [...] O legislador constituinte entregou o julgamento ao povo, completamente desligado das filigranas do direito criminal e das sumulas e repositórios jurisprudenciais para que pudesse decidir com a sua sensibilidade, equilíbrio e independência, longe do princípio segundo o qual o que não está nos autos não existe.
Assim, conforme NASSIF (2008), a soberania dos veredictos revela-se como um “reflexo de amplo movimento popular e de intensa movimentação política. É fruto de atitudes corajosas e da persistência de um povo inteiro, cansado de arbitrariedade, em busca do resgate de sua integridade político-jurídica”.
Consigna-se ainda que, de nada adiantaria entregar nas mãos de jurados leigos a condenação ou absolvição do acusado por intermédio do Tribunal do Júri para assim promover uma justiça democrática por intermédio de seus semelhantes, se não houvesse um princípio que garantisse a imutabilidade dessa decisão.
Conforme ficará demonstrado adiante, esse importante princípio não é absoluto, de modo que dever ser observado e aplicado em harmonia com os demais princípios constantes da legislação vigente.
2.4. Competência do Tribunal do Júri
O referido princípio contido na alínea “d” do artigo que elenca os princípios do Tribunal do Júri, refere-se à competência deste para julgamento dos crimes dolosos contra a vida, assim entendidos como aqueles que houve a intenção/vontade do acusado em matar a vítima.
Os crimes abarcados pelo dispositivo são (i) homicídio, (ii) induzimento, instigação ou auxílio por terceiro ao suicídio, (iii) infanticídio, (iv) aborto e (v) os crimes conexos, conforme § 1º do artigo 74 do Código de Processo Penal.
No entanto, embora sejam somente 5 (cinco) as espécies de crimes cuja competência é do Tribunal do Júri, a doutrina entende de forma uníssona que o constituinte atribuiu competência mínima ao instituto. Isso significa dizer que, nada impede que outros crimes sejam julgados pelo Tribunal do Júri, desde que respeitada a competência mínima para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida.
Nessa vertente, Alexandre de Morais (1998, p. 97) em sua obra Direito Constitucional entende que “A Constituição Federal prevê regra mínima e inafastável de competência do Tribunal do Júri, não impedindo, contudo, que o legislador infraconstitucional lhe atribua outras e diversas competências”.
Corroborando com o entendimento acima, NUCCI (1999, p. 175) destaca que nos demais países, quando não se estabeleceu uma competência mínima pelo constituinte ao Tribunal do Júri, a tendência foi reduzi-la, de modo a diminuir gradativamente a atuação do instituto no sistema judiciário. Para o doutrinador, o legislador ordinário poderia ainda aumentar as hipóteses de competência do Tribunal do Júri, desde que se evidencie a imprescindibilidade do instituto para o sistema democrático.
3. COEXISTÊNCIA HARMÔNICA ENTRE A SOBERANIA DOS VEREDICTOS E O DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO
A Constituição da República Federativa do Brasil, elencou em seus princípios a soberania dos veredictos que conforme delineado em tópico anterior, trata-se de garantia fundamental. O referido princípio tem por finalidade a estabilização das decisões do Conselho de Sentença, cuja característica é conferir supremacia ao julgamento popular.
No entanto, é importante ressaltar que tal princípio não é absoluto, o que significa dizer que as decisões do Conselho de Sentença não são inatingíveis. E como bem aludido por Augusto Comte “Tudo é relativo, eis o único princípio absoluto”. Esse pensamento também pode ser utilizado na aplicação dos princípios constitucionais, de modo a garantir que eles coexistam em harmonia e que um prepondere em relação ao outro a depender do caso concreto.
Nesse sentido, a Carta Magna prevê ainda o princípio do duplo grau de jurisdição, que confere aos litigantes a possibilidade e o direito de ter uma decisão reexaminada e até reformada por instância superior, que nas lições de Guilherme de Sousa Nucci (2013, p. 868):
Trata-se de garantia individual do duplo grau de jurisdição, prevista implicitamente na Constituição Federal, voltada a assegurar que as decisões proferidas pelos órgãos de primeiro grau do Poder Judiciário não sejam únicas, mas submetidas a um juízo de reavaliação por instância superior.
Esse princípio parte do pressuposto de que toda decisão judicial é possível ser revista por outro órgão pertencente também ao Poder Judiciário. É cediço ainda que a Constituição Federal não dispõe de forma expressa acerca do duplo grau de jurisdição, mas sim de forma implícita. Nessa linha de pensamento, Misael Montenegro Filho (2007, p. 19) destaca que:
O princípio examinado não se encontra escrito em letras na Carta Magna, sendo aplicado através da interpretação gramatical do inciso LV do art. 5.º da CF, com a seguinte redação: “Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.
Conforme exposto, é certo que, a Constituição da República não prevê expressamente o preceito do duplo grau de jurisdição, entretanto, entende-se que está inserido de maneira implícita, uma vez que há previsão expressa do recurso processuais. Também se poderia cogitar sua existência com o fundamento no art. 5°, LV, da CF, visto que este preleciona que é assegurado para as partes o contraditório, a ampla defesa e os meios de recursos a ela inerentes.
Nota-se, que a existência do duplo grau de jurisdição é algo intrínseco ao sentimento do ser humano de inconformismo. Como verbera Sérgio Bermudes: “Ninguém se conforma com um pronunciamento único. Esse inconformismo repousa no conhecimento das imperfeições humanas e certamente não existia, se soubéssemos perfeitos os nossos semelhantes”.
Conforme noticiado alhures, alguns opositores ao princípio do duplo grau de jurisdição justificam os seus entendimentos na premissa de que o julgamento pela instância superior pode ser equivocado o que poderia acarretar na reforma de uma decisão judicial justa.
Não obstante, em tese, a análise da decisão judicial pelo órgão superior permite um índice de certeza maior, uma vez que, conforme lecionado por Hermann Homem de Carvalho Roenick (1997, p. 14) o que se espera é que “o reexame é sempre feito por juízes experientes encanecidos na vivência judiciária, e que assomam aos Tribunais após larga atuação na judicância singular de primeiro grau”.
Vale destacar que, embora não haja previsão expressa na legislação brasileira acerca do duplo grau de jurisdição, consta ainda do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, do qual o Brasil é signatário que “Toda pessoa declarada culpada por um delito terá o direito de recorrer da sentença condenatória e da pena a uma instância superior, em conformidade com a lei.”
Por outro lado, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José de Costa Rica) destaca o princípio do duplo grau de jurisdição de modo mais extensivo, pois assegura não somente ao condenado o direito de recorrer, mas amplia em plena igualdade às partes o direito de reexame da decisão pelo juiz ou tribunal superior.
Pelo exposto acima, chega-se à conclusão de que o princípio do duplo grau de jurisdição, está ligeiramente conectado aos princípios da dignidade da pessoa, do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, sendo que esta última está intimamente relacionada ao princípio da plenitude da defesa estampado no artigo 5º, XXXVIII, da Constituição Federal.
Por ampla defesa, no dizer de CELSO RIBEIRO BASTOS (2001, p. 234):
(...) deve-se entender o asseguramento que é feito ao réu de condições que lhe possibilitem trazer para o processo todos os elementos tendentes a esclarecer a verdade. É por isso que ela assume múltiplas direções, ora se traduzindo pela inquirição de testemunhas, ora na designação de um defensor dativo, não importando, assim, as diversas modalidades, em um primeiro momento. (...) A ampla defesa só estará plenamente assegurada quando uma verdade tiver iguais possibilidades de convencimento do magistrado, quer seja alegada pelo autor, quer pelo réu. Às alegações, argumentos e provas trazidos pelo autor são necessários que corresponda uma igual possibilidade de geração de tais elementos por parte do réu. 1 (sem destaque no original)
Assim o princípio do duplo grau de jurisdição assume papel importante no ordenamento jurídico brasileiro, considerando sua imprescindibilidade de dar efetividade e proteção aos demais princípios acima mencionados. Interpretar de outra forma seria desconsiderar princípios como contraditório, ampla defesa, devido processo legal e dignidade da pessoa humana, garantias concedidas aos cidadãos no Estado de Direito.
Destacada a importância do princípio da soberania dos veredictos e do duplo grau de jurisdição, embora em um primeiro momento apresentem aspectos conflitantes, calha ressaltar que esses se harmonizam entre si, de modo a serem observados em conjunto quando da apreciação das demandas.
A doutrina de Barroso (2009, p.329) ensina que:
A colisão entre princípios constitucionais decorre, como assinalado acima, do pluralismo, da diversidade de valores e de interesses que se abrigam no documento dialético e compromissório que é a Constituição. Como estudado, não existe hierarquia em abstrato entre princípios, devendo a precedência relativa de um sobre o outro ser determinada à luz do caso concreto.
Quanto a essa possível colisão de direitos fundamentais, Pedro Lenza (2012, p. 969) dispõe que “(...) indispensável será a ‘ponderação de interesses’ à luz da razoabilidade e da concordância prática ou harmonização. Não sendo possível a harmonização, o Judiciário terá de avaliar qual dos interesses deverá prevalecer.”.
Vale destacar que, diante de uma possível colisão entre direitos fundamentais, faz-se necessário realizar uma ponderação de interesses, pois, a grosso modo, poderia parecer que a soberania do júri ensejaria na irrecorribilidade de suas decisões, desrespeitando o princípio do duplo grau de jurisdição. Todavia, caso existisse tal irrecorribilidade uma das principais finalidades da instituição do Júri não seria observada, qual seja, a proteção do indivíduo, tendo em vista que o impossibilitaria de se opor a uma eventual decisão equivocada.
Nesse sentido, Nucci (2008, p. 367) afirma que:
Não há princípios absolutos e supremos, devendo haver composição entre todos, mormente os que possuem status constitucional. Por isso, afirmar que a soberania dos veredictos populares precisa ser fielmente respeitada não significa afastar a possibilidade de se submeter a decisão prolatada no Tribunal do Júri ao duplo grau de jurisdição.
Nesse sentido, em recente julgado do Superior Tribunal de Justiça, publicado em 15 de junho 2022, o Excelentíssimo Ministro Relator Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região), nos autos do Agravo em Recurso Especial 2029202, reconheceu a coexistência harmônica da soberania dos veredictos e do duplo grau de jurisdição, alegando o seguinte:
[...] Consta dos autos que em sessão de julgamento do Tribunal do Júri, o Conselho de Sentença desclassificou o homicídio qualificado para homicídio privilegiado, previsto no art. 121, § 1º do CP, por entenderem os jurados que o acusado cometeu o delito sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida à injusta provocação da vítima. Sabe-se que a possibilidade do duplo grau de jurisdição, em harmonia com o princípio da soberania dos veredictos visa tão somente à efetiva realização da justiça, podendo, assim retornar o julgamento da ação ao próprio Tribunal do Júri quando este decidir contrariamente à prova dos autos, ou seja, destituídos de qualquer prova produzida ao longo da instrução processual.
No referido julgamento, o Ministro Relator verberou ainda acerca da possibilidade da anulação da decisão proferida no Júri Popular sem que haja inobservância ao princípio da soberania dos veredictos, pois sua reforma é autorizada quando há clara incongruência entre a decisão do Conselho de Sentença e a provas dos autos.
O referido julgamento concede efetividade ao que leciona o Professor Júlio Fabbrini Mirabete (1999, p. 1252), destacando que o princípio da soberania dos veredictos não obsta a recorribilidade das decisões do Tribunal do Júri, mas destaca que caso a decisão do Conselho de Sentença seja cassada, esta deve ser obrigatoriamente submetida a outro julgamento necessariamente por outros Juízes leigos, para que se consagre assim a soberania dos veredictos.
Assim como no decisum acima colacionado, entende-se como cristalino o conceito atribuído ao princípio da soberania dos veredictos, ante seu não absolutismo, sendo compreendido em harmonia com os demais princípios fundamentais constantes da legislação.
4. MECANISMOS DE CONTROLE À ATUAÇÃO DOS JURADOS
Diante do não absolutismo dos princípios visto acima e sua necessidade de aplicação em consonância com os demais princípios, a soberania dos veredictos possui alguns mecanismos de controle à atuação dos jurados, tais como, apelação e revisão criminal.
Trata-se do direito ao princípio do duplo grau de jurisdição, e de oportunizar as partes o direito de alegar e se defender, utilizando todos os recursos dados pela lei, em conformidade com o sistema da persuasão racional e os poderes que lhe são conferidos legalmente para conduzir o processo.
Há quem defenda que o controle judicial se faz ainda necessário, pois tem por finalidade evitar injustiças ou ilegalidades no veredicto. Assim, em tese, a existência do duplo grau de jurisdição é um aliado no qual se busca fazer prevalecer a “melhor” decisão. Nesse sentido, vejam-se os argumentos de Misael Montenegro Filho (2015, p. 19-20):
Não obstante o apontamento, anotamos que a prevalência do princípio do duplo grau de jurisdição assenta-se na necessidade de controle dos atos judiciais, evitando que uma injustiça ou uma ilegalidade prevaleça em vista da ausência de recurso para combatê-la.
A interposição da súplica pelo recorrente destina-se à formação de convencimento do Juiz, que avaliará as informações obtidas através do feito, em consonância com o convencimento livre e imparcialidade garantida em lei e os mecanismos previstos na legislação para dar impulsionamento ao processo.
4.1. Recurso de Apelação
Sobre o apelo contra as decisões do Tribunal do Júri, Lima (2014, p. 1639) esclarece que:
A fim de se evitar uma possível violação à soberania dos veredictos, deve o juízo ad quem ficar atento àquilo que diz (ou não) respeito ao mérito ao julgar uma apelação contra decisão do Júri. Se a matéria devolvida à apreciação do Tribunal disser respeito ao mérito da decisão proferida pelo Júri, só se admite que o Tribunal determine a sujeição do acusado a novo julgamento. Todavia, se a impugnação não estiver relacionada ao mérito da decisão dos jurados, guardando relação com decisões proferidas pelo Juiz-Presidente, é plenamente possível a modificação do teor da decisão pelo juízo ad quem.
Verifica-se, portanto, que apelar das decisões do Conselho de Sentença é plenamente possível, sem, contudo, violar a soberania dos veredictos, obedecendo disposição expressa do Código de Processo Penal:
Art. 593. Caberá apelação no prazo de 5 (cinco) dias:
I - das sentenças definitivas de condenação ou absolvição proferidas por juiz singular;
II - das decisões definitivas, ou com força de definitivas, proferidas por juiz singular nos casos não previstos no Capítulo anterior;
III - das decisões do Tribunal do Júri, quando:
a) ocorrer nulidade posterior à pronúncia;
b) for a sentença do juiz-presidente contrária à lei expressa ou à decisão dos jurados;
c) houver erro ou injustiça no tocante à aplicação da pena ou da medida de segurança;
d) for a decisão dos jurados manifestamente contrária à prova dos autos.
Trata-se de recurso de fundamentação vinculada, ou seja, o apelante deverá comprovar a incidência de pelo menos uma das alíneas anteriores para ter o seu recurso provido.
Com relação à alínea a, vale ressaltar que será objeto de apelação tanto as nulidades absolutas quanto as nulidades relativas, desde que, nessa última situação, não tenha ocorrido a preclusão. Reconhecida a nulidade, o Tribunal ad quem determinará novo julgamento ou o refazimento dos atos eivados de nulidade.
Observa-se que no tocante às alíneas b e c o juiz-presidente cometeu algum equívoco, seja referente à decisão contrária à lei expressa ou à decisão dos jurados, ou ainda, na aplicação da pena ou da medida de segurança. Desse modo, o Tribunal ad quem poderá exercer o juízo rescindente (judicium rescindens) e rescisório (judicium rescisorium), cassando e reformando a decisão, respectivamente, sem violar o princípio da soberania dos veredictos, tendo em vista que o mérito da decisão não foi atingido.
Para Rangel (2010) a alínea a trata-se de error in procedendo, vício de procedimento, e as alíneas b e c são casos de error in iudicando, ou seja, vício de julgamento do juiz-presidente, não representando ofensa ao princípio da soberania dos veredictos.
A maior controvérsia gira em torno da alínea d do referido artigo, tendo em vista que ao considerar a decisão dos jurados manifestamente contrária à prova dos autos o mérito da questão, cuja a competência a Constituição da República Federativa atribuiu ao Conselho de Sentença, será atacado. Existem doutrinadores inclusive que sustentam a inconstitucionalidade de tal dispositivo.
Há posição minoritária na doutrina que entende que o disposto no art. 593, III, alínea “d”, do CPP é inconstitucional, sob o argumento de que, por força da soberania dos veredictos, não é possível que um tribunal superior composto por juízes togados determine a realização de novo julgamento, sob a justificativa de manifesto desrespeito à prova dos autos. Prevalece, todavia, a orientação de que é inconcebível que uma decisão manifestamente contrária à prova dos autos não possa ser revista por meio de recurso, o que poderia inclusive caracterizar afronta ao princípio do duplo grau de jurisdição, previsto implicitamente na Constituição Federal, e explicitamente na Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Dec. 678/92, art. 8º, nº 2º, alínea “h”). (LIMA, 2014, p. 1645)
Registre-se que o Tribunal ad quem exercerá tão somente o juízo rescindente (judicium rescindens), sendo-lhe vedado, em tal situação, a reforma do veredicto. Diante disso, a decisão considerada manifestamente contrária à prova dos autos será cassada e um novo julgamento será realizado. A instância superior que julgou o recurso não poderá proferir uma decisão em lugar daquela exarada pelos jurados, sendo resguardada a competência destes no julgamento dos crimes dolosos contra a vida, em atenção ao princípio do juiz natural.
Relativamente à apelação, quando se tratar de decisão manifestamente contrária à prova dos autos, vale ressaltar ainda que, o parágrafo 3º, in fine, do artigo 593, do CPP, veda a interposição de uma segunda apelação fundada no mesmo dispositivo.
Prevalece o entendimento que independe quem tenha recorrido primeiro, ou seja, caso o Ministério Público tenha apelado contra uma decisão absolutória manifestamente contrária à prova dos autos e um novo julgamento venha ser realizado, não poderá a defesa manejar apelação com fundamento no mesmo dispositivo.
Nesse sentido, segundo alertado por Eugênio Pacelli e Douglas Ficher:
Não se poderá pleitear a nulificação do que decidido pelo Júri se houver nos autos provas que amparem tanto a condenação quanto a absolvição. Nesse caso, não se está diante de decisão manifestamente contrária à prova dos autos, mas unicamente de adoção pelo Júri (pelo seu livre convencimento, sequer motivado – uma exceção ao art. 93, IX, CF/88) de uma das teses amparada por prova presentes nos autos. Nessas situações, não de se falar em admissibilidade do recurso de apelação forte no art. 593, III, d, CPP.
Desse modo, as partes não poderão inovar em matéria probatória, devendo o novo Conselho de Sentença proferir sua decisão com base naquilo que já foi produzido anteriormente.
4.2. Revisão criminal
A revisão criminal, prevista no artigo 621 do Código de Processo Penal, é uma ação autônoma de impugnação sendo cabível, após o trânsito em julgado da sentença, nos casos em que houve erro do judiciário ou surgimento de novas provas.
Nesse sentido, NUCCI (2014, p. 870) ensina que a preservação do direito à liberdade é garantia individual mais importante que a soberania dos veredictos do Júri Popular, pois está severamente ligada à ampla defesa e ao contraditório. Leciona ainda que “a soberania do júri não pode sustentar-se na condenação de um inocente, pois o direito à liberdade, como se disse, é superior”.
Nesse sentido, vejamos importante e recente julgado do Superior Tribunal de Justiça, onde fora reconhecida a possibilidade de revisão do veredicto, primando assim pelo direito à liberdade do acusado:
RECURSO ESPECIAL. REVISÃO CRIMINAL ACOLHIDA, COM BASE EM INSUFICIÊNCIA DE PROVAS. VIOLAÇÃO DO ART. 621, I, DO CPP. POSSIBILIDADE DE REVISÃO DO VEREDICTO CONDENATÓRIO ORIUNDO DO TRIBUNAL DO JÚRI. PRIMAZIA DO DIREITO À LIBERDADE. PRECEDENTES DESTA CORTE. INTERPRETAÇÃO DO PRECEITO QUE NÃO COMPORTA A REVISÃO NA HIPÓTESE EM QUE O TRIBUNAL A QUO CONCLUI PELA INSUFICIÊNCIA DE PROVAS. INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA DAS NORMAS DE PROCESSO PENAL E DA PRÓPRIA DICÇÃO LEGAL. RECURSO ACOLHIDO. ACÓRDÃO CASSADO. CONDENAÇÃO RESTABELECIDA. RETORNO DOS AUTOS PARA ANÁLISE DE PRELIMINAR QUE FICOU PREJUDICADA.
1. A jurisprudência desta Corte é uníssona no sentido de admitir o pedido revisional (art. 621, I, do CPP) do veredicto condenatório emanado do Tribunal do Júri, calcada no entendimento de que o direito à liberdade prevalece em confronto com a soberania dos veredictos. Precedentes do STJ.
2. A melhor interpretação da dicção legal sentença contrária à evidência dos autos, é aquela que restringe o acolhimento da revisão às hipóteses de erro judiciário (prova de inocência) ou de inexistência absoluta de prova para a condenação, sendo inviável rescindir o veredicto condenatório com base em uma suposta insuficiência de provas.
3. Ao dispor acerca da cassação do veredicto emanado do Tribunal do Júri, em apelação, por uma única vez (art. 593, III, d), o Código de Processo Penal é taxativo ao limitar tal previsão ao veredicto manifestamente contrário à prova dos autos, ou seja, se há prova para a condenação, ainda que reduzida e controvertida, não é possível cassar o veredicto condenatório em uma apelação, que dirá, então, em uma ação revisional.
4. A expressão em si (sentença contrária à evidência dos autos) exterioriza um julgamento totalmente divorciado dos elementos de convicção (prova), não albergando a hipótese em que o Tribunal conclui pela fragilidade do conjunto probatório, juízo esse de extrema subjetividade, que, caso admitido em uma ação revisional, acabaria por esvaziar por completo a primazia dos veredictos do Tribunal do Júri, com sede constitucional.
5. Recurso especial provido para cassar o acórdão impugnado, restabelecendo a condenação imposta ao recorrido, determinando, ainda, o retorno dos autos ao Tribunal de origem, a fim de que analise a preliminar suscitada na revisão, que ficou prejudicada com o acolhimento da questão de mérito, ora afastada.
(STJ - REsp: 1686720 SP 2017/0178030-1, Relator: Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Data de Julgamento: 23/08/2018, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 04/09/2018)
A doutrina e jurisprudência são pacíficas quanto a possibilidade de interposição de revisão criminal contra as decisões do Tribunal do Júri. Todavia a querela gira em torno de qual órgão jurisdicional será o competente para exercer o juízo rescisório, se o Tribunal togado ou o Conselho de Sentença.
Segundo Renato Brasileiro:
Prevalece na doutrina e na jurisprudência o entendimento de que ao Tribunal de Justiça é conferida a possibilidade de, em sede de revisão criminal, proceder ao juízo rescindente e rescisório. Assim, se o Tribunal togado se convencer que a sentença condenatória se fundou em depoimentos, exames ou documentos comprovadamente falsos, pode, desde já, absolver o acusado, não havendo a necessidade de submetê-lo a novo julgamento perante o júri. Portanto, na ação autônoma de impugnação que é a revisão criminal, o tribunal de segundo grau tem competência tanto para o juízo rescindente, consistente em desconstituir a sentença do tribunal do júri, quanto para o juízo rescisório, consistente em substituir a decisão do júri por outra do próprio tribunal do segundo grau." (LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. Salvador: Juspodivm, 2020, p. 1447)
No mesmo sentido, quanto à revisão criminal contra decisões do Júri “o tribunal de segundo grau é também competente para o juízo rescisório” (GRINOVER, GOMES FILHO, FERNANDES, 2008, p. 316).
Diversamente se posiciona Guilherme de Souza Nucci:
Enfim, a revisão criminal jamais poderia rever, quanto ao mérito, a decisão final do Tribunal do Júri, pois isso significa, em verdade, ofender o preceito constitucional da soberania dos veredictos. A harmonia dos dispositivos constitucionais é o melhor caminho. Deve-se realizar o juízo rescindente, quando for o caso, pelo tribunal togado (revisão criminal) para, depois, encaminhar o feito ao juízo rescisório a ser feito pelo Tribunal do Júri (soberania dos veredictos). (NUCCI, 2008, p. 454)
A celeuma acerca da competência ou não dos tribunais ad quem em realizar o juízo rescisório nas revisões criminais das decisões dos jurados é tão grande que a própria jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça ainda não foi pacificada, decidindo ora pela possibilidade ora pela impossibilidade do Tribunal revisor reformar diretamente a decisão antes proferida pelo Tribunal do Júri. Senão vejamos:
PROCESSO PENAL. CRIME DOLOSO CONTRA A VIDA. CONDENAÇÃO PELO TRIBUNAL DO JÚRI. REVISÃO CRIMINAL JULGADA PROCEDENTE PARA ABSOLVER O RÉU. FUNDAMENTO LEGAL. FRAGILIDADE PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO ESPECIAL PROVIDO PARA DETERMINAR NOVO JULGAMENTO PELO TRIBUNAL POPULAR.
1. O ordenamento jurídico assegura ao condenado, por qualquer espécie de delito, a possibilidade de ajuizar revisão criminal, nas hipóteses previstas no art. 621, do Código de Processo Penal.
2. In casu, com fundamento na fragilidade do conjunto probatório, foi a revisão criminal julgada procedente para absolver o réu do crime de homicídio.
3. No entanto, tal fundamento não autoriza o Tribunal revisor a proferir juízo absolutório, pois, de um lado, esta situação não está contemplada no art. 621, I, do Código de Processo Penal, de outro lado, a valoração das provas de forma distinta daquela realizada pelo Tribunal do Júri, não autoriza a ação rescisória pela manifesta
contrariedade às provas dos autos, principalmente, levando-se em consideração a soberania dos veredictos na apreciação e valoração dos referidos elementos processuais, pois conforme expressa previsão constitucional, cabe ao Conselho de Sentença, o exame do conjunto fático/probatório.
4. Agravo regimental a que se nega provimento. (STJ AgRg no REsp 1021468 / SP - RELATOR: MINISTRO JORGE MUSSI – DJU 02/08/2011)
(Grifo da subscritora)
PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. CONHECIMENTO. MATÉRIA CONSTITUCIONAL E INFRACONSTITUCIONAL. REVISÃO CRIMINAL JULGADA PROCEDENTE, PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. ART. 621, I E III, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. ERRO JUDICIÁRIO, POR CONTRARIEDADE À PROVA DOS AUTOS. EXISTÊNCIA DE PROVAS DA INOCÊNCIA DO RÉU. ABSOLVIÇÃO, PELO TRIBUNAL DE 2º GRAU. POSSIBILIDADE. INOCORRÊNCIA DE OFENSA À SOBERANIA DO TRIBUNAL DO JÚRI. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E DESPROVIDO.
I. Transitada em julgado a sentença condenatória, proferida com fundamento em decisão do Tribunal do Júri, o Tribunal a quo julgou procedente a Revisão Criminal, ajuizada pela defesa, absolvendo, desde logo, o réu, por ocorrência de erro judiciário, em face de contrariedade à prova dos autos, bem como pela existência de novas provas de sua inocência, a teor dos arts. 621, I e III, e 626 do CPP.
II. Fundamentado o acórdão recorrido em matéria constitucional e infraconstitucional, tendo sido interposto também Recurso Extraordinário, é de ser conhecido o Recurso Especial, por ofensa a dispositivos legais, relacionados, no caso, ao art. 74, § 1º, do CPP e ao cabimento da Revisão Criminal (art. 621, I e III, do Código de Processo Penal). Recurso Especial conhecido.
III. A Revisão Criminal objetiva proteger o jus libertatis, somente podendo ser utilizada pela defesa.
IV. O Tribunal competente para julgar a Revisão Criminal pode, analisando o feito, confirmar a condenação, ou, no juízo revisional, alterar a classificação do crime, reduzir a pena, anular o processo ou mesmo absolver o condenado, nos termos do art. 626 do CPP.
V. Uma vez que o Tribunal de origem admitiu o erro judiciário, não por nulidade no processo, mas em face de contrariedade à prova dos autos e de existência de provas da inocência do réu, não há ofensa à soberania do veredicto do Tribunal do Júri se, em juízo revisional, absolve-se, desde logo, o réu, desconstituindo-se a injusta condenação. Precedente da 6ª Turma do STJ.
VI. "A obrigação do Poder Judiciário, em caso de erro grave, como uma condenação que contrarie manifestamente as provas dos autos, é reparar de imediato esse erro. Por essa razão é que a absolvição do ora paciente (e peticionário, na revisão criminal) é perfeitamente aceitável, segundo considerável corrente jurisprudencial e doutrinária" (STJ, HC 63.290/RJ, Rel. p/ acórdão Ministro CELSO LIMONGI (Desembargador Convocado do TJ/SP), SEXTA TURMA, DJe de 19/04/2010).
VII. Recurso Especial conhecido e improvido. (STJ REsp 1304155 / MT - RELATOR: MINISTRO SEBASTIÃO REIS JÚNIOR– DJU 20/06/2013)
(Grifo da subscritora)
(...) 2. Diante do conflito entre os princípios da soberania dos vereditos e da dignidade da pessoa humana, ambos sujeitos à tutela constitucional, cabe conferir prevalência a este, considerando-se a repugnância que causa a condenação de um inocente por erro judiciário (REsp 964978/SP).
(REsp 1050816/SP, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 01/12/2016, DJe 15/12/2016)
Conforme exposto acima, trata-se de tema polêmico não havendo entendimento pacificado sobre a questão. No entanto, há uma tendência na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça em admitir a realização do juízo rescisório pelo Tribunal ad quem nas revisões criminais das decisões dos jurados.
4.3. Reformatio in pejus indireta
O instituto da reformatio in pejus indireta, vedado no ordenamento jurídico brasileiro, é aquele em que não se admite que a situação do réu no novo julgamento seja agravada, diante da anulação da primeira decisão por meio de recurso exclusivo da defesa.
Consoante prevê o artigo 617 do Código de Processo Penal, o acusado deve ter a segurança de que não poderá “ser agravada a pena, quando somente o réu houver apelado da sentença”. A referida vedação encontra guarida no princípio da ampla defesa e do contraditório, pois se não fosse assim, vislumbrando o acusado a possibilidade de ser prejudicado por seu próprio recurso, poderia se abster de recorrer, não impulsionando o segundo grau de jurisdição por mero receio, o que colidiria frontalmente com os princípios retromencionados.
Embora seja uma aplaudida regra no sistema recursal brasileiro, Grinover, Gomes Filho e Scarance Fernandes (2009, p. 41) na obra Recursos no Processo Penal, criticam veementemente o instituto da reformatio in pejus indireta pois dele podem surgir absurdas decisões:
Tecnicamente não parece correta a posição, ante a falta de texto expresso. Para que a reformatio in pejus se verifique, deve haver diferença para pior entre a decisão recorrida e a decisão no recurso. Sob o ponto de vista prático, a aplicação da tese pode levar a resultados aberrantes: à decisão anulada, proferida, por exemplo, por juiz incompetente, suspeito ou peitado, conferir-se-ia a força de impedir que o verdadeiro julgador pudesse solucionar a controvérsia legalmente e com justiça. E, em qualquer caso, haverá sempre a anomalia de se reconhecer a influência de uma sentença nula sobre a válida.
O referido entendimento é adotado ainda por Paulo Rangel (2014, p. 963), defendendo a não aplicação da regra ao direito processual penal, considerando as seguintes razões:
A uma, por falta de texto expresso proibindo o juiz de dar uma sentença com quantum superior à que foi dada no primeiro julgamento, pois o que se proíbe no art. 617 é a reforma para pior pelo tribunal e não pelo juízo a quo. Assim, o que não é proibido é permitido. Aplica-se o ‘princípio da legalidade’.
A duas, porque deve haver diferença entre a ‘decisão recorrida’ (e anulada) e a ‘decisão proferida’ no recurso. Ora, como haver diferença entre uma decisão que não mais existe (a anulada) e a do recurso? Não se agrava aquilo a que a ordem jurídica não mais confere validade. Assim, agravar o nada é um não senso jurídico.
A três, porque estar-se-ia emprestando força a uma decisão que desapareceu em detrimento de uma que é proferida em perfeita harmonia com a ordem jurídica. Seria o inválido sobrepondo-se ao válido, em verdadeira aberração.
A quatro, porque o recurso, como vimos, é voluntário, ou seja, o réu recorre se quiser. Portanto, carrega o ônus do seu recurso com os resultados que lhe são previsíveis e possíveis: provimento, improvimento ou não conhecimento
Surge ainda a dúvida no que tange a aplicabilidade da vedação da reformatio in pejus indireta nos crimes dolosos contra a vida cuja competência é do Tribunal do Júri, e, portanto, deve-se observar o princípio explicitamente assinalado na Constituição Federal da soberania dos veredictos.
A Suprema Corte tem se posicionado no sentido de que a proibição da reformatio in pejus indireta no Tribunal do Júri não viola a soberania dos veredictos, tendo em vista que será o Juiz-Presidente que ficará vinculado ao quantum da pena imposta no julgamento anterior, não podendo a nova pena ser agravada. Desse modo, os jurados continuam livre para decidir como melhor lhes prouver, em respeito à soberania dos veredictos.
O Superior Tribunal de Justiça parte da premissa que a vedação à reformatio in pejus indireta sofre limitação quando observado o princípio expressamente conferido pelo constituinte:
AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PENAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO.TENTATIVA. JULGAMENTO PELO TRIBUNAL DO JÚRI. ANULAÇÃO EM RECURSOEXCLUSIVO DA DEFESA. REFORMATIO IN PEJUS INDIRETA. DESCABIMENTO.SOBERANIA DOS VEREDICTOS DO TRIBUNAL DO JÚRI. PREVALÊNCIA.FUNDAMENTOS DO DECISUM MANTIDOS. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.
1. Em crimes de competência do Tribunal do Júri, a garantia da vedação à reformatio in pejus indireta sofre restrições, em respeito à soberania dos veredictos.
2. Os jurados componentes do segundo Conselho de Sentença não estarão limitados pelo que decidido pelo primeiro, ainda que a situação do acusado possa ser agravada, em face do princípio da soberania dos veredictos, disposto no art. 5.º, inciso XXXVIII, alínea c, da Constituição Federal.
3. Não há como reconhecer a existência da prescrição, uma vez que a pena ainda não foi definitivamente fixada. Pois, in casu, é possível que seja fixado um quantum superior a 8 anos, por motivo de eventual reconhecimento de qualificadora que não fora admitida no primeiro julgamento.
4. Nos termos do art. 109 do Código Penal, os prazos prescricionais, antes do trânsito em julgado de eventual sentença condenatória, são determinados pela pena máxima cominada abstratamente ao delito, que, no caso, é de 20 anos, isto é, 30 anos, diminuída pelo percentual menor da tentativa (1/3), por se tratar de delito tentado. 5. Agravo regimental desprovido.
(STJ - AgRg no REsp: 1290847 RJ 2011/0222380-9, Relator: Ministra LAURITA VAZ, Data de Julgamento: 19/06/2012, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 28/06/2012)
(Grifo da subscritora)
Pelo exposto, evidencia-se que a incidência da vedação da reformatio in pejus indireta no Tribunal do Júri não tem o condão de abolir a soberania dos veredictos, devendo ser aplicada a técnica da ponderação dos princípios constantes do ordenamento jurídico brasileiro, defendida por Robert Alexy.
5. EXCEÇÃO À PERSUASÃO RACIONAL
Sob influência do princípio da soberania dos veredictos, tem-se que as decisões dos jurados não precisam ser motivadas, sendo esta uma exceção ao sistema de avaliação da prova denominado como persuasão racional (livre convencimento motivado), adotado como regra pelo sistema jurídico pátrio.
As decisões do Tribunal Popular se enquadram, desse modo, no sistema da íntima convicção do magistrado, pois, além de não estar vinculado às provas dos autos, podendo formar sua própria convicção, não necessita fundamentar as decisões que proferir. Este tem sido o entendimento doutrinário:
No tocante às decisões proferidas pelo Tribunal do Júri, todavia, vigora o sistema da íntima convicção do juiz (ou da certeza moral do juiz), que confere ampla liberdade aos juízes leigos para avaliação das provas, dispensando-os de fundamentar a decisão. Fala-se que, em tal hipótese, há valoração secundum conscientiam da prova, pois o julgador decide de acordo com sua íntima convicção, pouco importando sobre quais fatores ela se sustenta. (REIS, 2012, p. 251)
Entretanto, alguns doutrinadores defendem a ideia de que a exceção à persuasão racional esbarra no preceito da ampla defesa e do contraditório, pois a previsão de fundamentação das decisões tem por objetivo principal resguardar ao acusado o exercício pleno de sua defesa.
Ademais, suscita-se também possível ofensa a norma constante da Constituição da República Federativa do Brasil, artigo 93, IX, que transcreve que todas as decisões dos órgãos do Poder Judiciário serão públicas e fundamentadas.
Todavia, o Superior Tribunal de Justiça no Habeas Corpus 175.993/RJ, relatado pelo Ministro Jorge Mussi da Quinta Turma, assentou jurisprudência no sentido da não obrigatoriedade da motivação nas decisões do Conselho de Sentença, dando efetividade ao nobre princípio da soberania dos veredictos, conforme colacionado abaixo:
HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO. ALEGADA CONDENAÇÃO COM BASE EM PROVA COLHIDA EXCLUSIVAMENTE NA FASE INQUISITORIAL. ART. 155 DO CPP. TRIBUNAL DO JÚRI. SOBERANIA DOS VEREDICTOS. SIGILO DAS VOTAÇÕES. ÍNTIMA CONVICÇÃO DOS JURADOS. DESNECESSIDADE DE FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO. IMPOSSIBILIDADE DE IDENTIFICAÇÃO DE QUAIS PROVAS FORAM UTILIZADAS PELA CORTE POPULAR AO DECIDIR PELA CONDENAÇÃO DO PACIENTE. AUSÊNCIA DE DOCUMENTAÇÃO ESSENCIAL AO DESLINDE DA QUESTÃO. NECESSIDADE DE PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO.
1. Conquanto seja pacífica a orientação segundo a qual nenhuma condenação pode estar fundamentada exclusivamente em provas colhidas em sede inquisitorial, tal entendimento deve ser visto com reservas no âmbito do procedimento dos crimes dolosos contra a vida.
2. A Constituição Federal, em seu art. 5º, inciso XXXVIII, alíneas 'b' e 'c', conferiu ao Tribunal do Júri a soberania dos seus veredictos e o sigilo das votações, tratando-se de exceção à regra contida no inciso IX do art. 93, razão pela qual não se exige motivação ou fundamentação das decisões do Conselho de Sentença, fazendo prevalecer, portanto, como sistema de avaliação das provas produzidas a íntima convicção dos jurados.
3. Após a produção das provas pela defesa e pela acusação na sessão plenária, a Corte Popular tão somente responde sim ou não aos quesitos formulados de acordo com a livre valoração das teses apresentadas pelas partes. Por esta razão, não havendo uma exposição dos fundamentos utilizados pelo Conselho de Sentença para se chegar à decisão proferida no caso, é impossível a identificação de quais provas foram utilizadas pelos jurados para entender pela condenação ou absolvição do acusado, o que torna inviável a constatação se a decisão baseou-se exclusivamente em elementos colhidos durante o inquérito policial ou nas provas produzidas em juízo, conforme requerido na impetração.
4. Não fosse isso, cumpre ressaltar que a impetração não trouxe à colação cópia da ata da sessão do julgamento realizado pelo Tribunal do Júri, cuja apreciação é primordial para se aferir se os depoimentos das testemunhas citados no acórdão objurgado de fato foram colhidos em Plenário com o respeito ao contraditório.
5. O rito do habeas corpus pressupõe prova pré-constituída do direito alegado, devendo a parte demonstrar, de maneira inequívoca, por meio de provas documentais que evidenciem a pretensão aduzida, a existência do aventado constrangimento ilegal suportado pelo paciente.
[...]
3. Writ parcialmente conhecido e, nesta extensão, denegada a ordem".
( HC 175.993/RJ, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 06/09/2011, DJe 21/09/2011)
(Sem grifo no original)
Destarte, observa-se que a Soberania dos veredictos é uma exceção à regra da persuasão racional, motivo pelo qual não se exige que a decisão dos jurados seja motivada, prevalecendo, nesse caso, o sistema da íntima convicção dos jurados.
Conclusão
Sustentou-se neste trabalho acadêmico a essência do instituto Tribunal do Júri, importante garantia no sistema democrático de direito, cuja decisão é verdadeiramente emanada do povo que obtém livre acesso de participação ao Poder Judiciário. Nesse sentido pode-se afirmar que os mecanismos de controle à atuação dos jurados não implicam em violação ao princípio constitucional da soberania dos veredictos.
Isto porque, embora o princípio traga como garantia ao jurado leigo a soberania no que for decidido, ele deve ser observado em harmonia com as demais normas constantes do ordenamento jurídico brasileiro, não podendo ser tido por absoluto ao ponto de sobrepor aos demais princípios e regras importantes.
Nesse sentido, o princípio do duplo grau de jurisdição não implica em relativização da soberania dos veredictos pois, conforme exposto em linhas volvidas, as hipóteses do recurso de apelação, como regra, não atingem o mérito da decisão do Conselho de Sentença, mas sim a decisão do Juiz-Presidente, quando eivada de vícios ou nulidades processuais.
Na hipótese de atacar-se o mérito da decisão dos jurados, caso o recurso seja julgado procedente, será necessária a devolução dos autos para realização de um novo tribunal do júri, sendo proferido novo julgamento necessariamente por juízes leigos, garantindo assim a efetividade do princípio do duplo grau de jurisdição em harmonia com o princípio da soberania dos veredictos.
É claro que a revisão judicial por uma corte superior, não necessariamente acarreta num “melhor” julgamento, porém, essa razão não é suficiente para derrogar o princípio do duplo grau de jurisdição. Pois, conforme visto nos parágrafos anteriores, a existência do duplo grau de jurisdição propicia muitas benesses para os jurisdicionados, a saber: insurgir contra uma decisão injusta e ilegal e maiores cautelas dos juízes de primeiro grau, nesse caso representado pelo Povo.
Observa-se ainda que, nenhum princípio é absoluto, de modo que todos devem ser observados em equilíbrio, não havendo violação à Soberania dos Veredictos diante dos mecanismos de controle à atuação dos jurados.
Destarte, conforme arestos colacionados acima, onde os Tribunais Superiores já vêm sedimentando entendimento jurisprudencial, no sentido de harmonizar os princípios que regem a legislação processual, de modo que a soberania dos veredictos convive harmonicamente com o sistema processual vigente.
Todavia, não obstante os envidados esforços, a matéria ainda irá causar muitas discussões doutrinárias, sobretudo na jurisprudência, visto a profundidade do tema Tribunal do Júri e, em especial, o princípio da Soberania dos Veredictos.
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Pós-Graduada em Direito Constitucional
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MESSIAS, Dálethe Borges. Tribunal do Júri – soberania dos veredictos e seus mecanismos de controle à atuação dos jurados Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 26 dez 2022, 04:13. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/60705/tribunal-do-jri-soberania-dos-veredictos-e-seus-mecanismos-de-controle-atuao-dos-jurados. Acesso em: 21 nov 2024.
Por: Gabrielle Malaquias Rocha
Por: BRUNA RAFAELI ARMANDO
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