RESUMO: O presente trabalho trata do conflito entre a possibilidade processual de restrição da liberdade antes da condenação definitiva do acusado e o princípio da presunção de inocência. Desta forma, o presente trabalho tem como objetivo analisar a aplicação do princípio da presunção de inocência relacionado a prisão preventiva, sendo que, a decretação dessas medidas importa na restrição da liberdade do acusado. A conclusão que é possível tirar, com maior relevância, é relacionada ao rigor e o comprometimento com os critérios justos e adequados para o decreto de uma prisão preventiva. Por esse motivo, a análise, além de outras garantias, precisa ter realização à luz da presunção de inocência. Por fim, é possível dizer que a prisão preventiva precisa estar pautada nas garantias com previsão na Constituição e nos seus princípios. O magistrado precisará ter sua atuação como um real guardião da Carta Magna, encarando o princípio da presunção de inocência como garantia eficaz para tratar o acusado. Toda prisão preventiva que sofrer violações na presunção de inocência e que não tenha sido decretada por exigências cautelares absolutas não terá legitimidade.
Palavras-chave: Presunção de Inocência; Prisão Cautelar; Prisão Preventiva.
1 INTRODUÇÃO
O princípio da presunção de inocência tem sua expressividade em consagração dentro da Constituição Federal de 1988, pois no artigo 5º, LVII, está estabelecido que: ninguém será consideração culpado até o trânsito em julgado de penal de condenação.
Mesmo que essa preceituação não se trata de uma inovação no ordenamento jurídico brasileiro, conquanto cartas das constituições anteriores faziam a previsão de direitos e garantias com compatibilidade com o princípio, o destaque que acabou recebendo dos constituintes aponta uma clara e visível opção por um processo penal com a preocupação com os direitos e garantias das pessoas.
Não existem dúvidas de que o texto da Constituição fez a opção por elencar os direitos fundamentas do indivíduo como maneira de fazer sua transformação em alicerces fundamentais do ordenamento jurídico. O princípio da presunção de inocência torna-se uma das principais garantias da pessoa acusada no processo penal. No entanto, a realidade social que vive o país acaba colocando em xeque a eficiência do princípio. A criminalidade assolada cada vez mais o país de forma implacável, fazendo estímulo no indivíduo uma sensação de grande insegurança. Em consequência deste sentimento de medo em generalização, a sociedade faz protestos para reforçar o aparato de repressão do Estado.
O clamor relacionado com as políticas criminais com maior eficácia e especialmente pelas punições mais severas, acabou conduzindo o legislador a fazer a adoção de um discurso político em prol da repressão, por causa das garantias processuais e constitucionais da pessoa acusada. Com isso, parece que, a elevação da presunção de inocência a um contexto constitucionalista corre risco de cumprir somente uma natureza política-retórica, aludindo o indivíduo com a ideia de que a pessoa acusada será, todavia, considerada inocente antes do trâmite de condenação definitiva.
Do contraste evidente entre os anseios da sociedade por uma repressão eficaz contra a criminalidade e o direito do acusado à realização do devido processo legal surge a proposta de apresentação deste trabalho. Uma análise do conflito entre a possibilidade processual de restrição da liberdade antes da condenação definitiva do acusado e o princípio da presunção de inocência.
Assim, pretende-se com o presente trabalho responder a seguinte questão problema: Como é dada a aplicação do princípio de inocência em relação a prisão preventiva?
Desta forma, o presente trabalho tem como objetivo analisar a aplicação do princípio da presunção de inocência relacionado a prisão preventiva, sendo que, a decretação dessa medida importa na restrição da liberdade do acusado.
Para tanto, foi utilizada a pesquisa bibliográfica, onde foi buscado investigar o maior número de conhecimento técnico à disposição nessa área e em posicionamento sobre o tema. A pesquisa bibliográfica consiste no exame da bibliografia, para o levantamento e análise do que já foi produzido sobre o assunto que foi assumido como tema de pesquisa científica (RUIZ, 1992).
2 DESENVOLVIMENTO
2.1 A Prisão Preventiva
O cerceamento relacionado com a liberdade individual, antes do trânsito em julgado da sentença penal de condenação, torna-se uma medida grave. Sendo que, esta medida ao longo dos tempos, acabou se tornando alvo de diversas críticas por diversos estudiosos. Entretanto, onde pese a indiscutível gravidade deste processo, em várias situações, a adoção torna-se inevitável e com necessidade ao regular andamento do processo investigatório policial e do processo criminalista (WEDY, 2013).
O instituto relacionado com a prisão preventiva é constituinte de uma das maneiras de limitar a liberdade antes do processo em julgamento, encontrando regulamentação em especificidade nos artigos 311 e 316 do Código de Processo Penal. Além disso, vale destacar que, a reforma com instituição pela Lei nº 12.403/2011 acabou proporcionando grandes alterações neste interim, principalmente em relação à excepcionalidade dessa modalidade de prisão sem pena, que apenas tem cabimento quando não existir possibilidade de impor outras medidas de cautela ao cárcere (MARCÃO, 2012).
Para Fernandes (2005), a prisão preventiva é considerada a hipótese classista de prisão cautelar. Já Lopes Junior (2012), considera-a como uma espinha dorsal do sistema de cautelas. Assim, pontua-se que, no universo das prisões cautelares, este tipo de prisão é considerado o sol, e as outras prisões seriam os planetas que acabam o cercando e procuram nele sua fonte de luz. Para Renato Brasileiro, cuida-se de “prisão cautelar decretada pela autoridade judiciária competente, mediante representação da autoridade policial ou requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, em qualquer fase das investigações ou do processo criminal” (BRASILEIRO, 2020).
Como visto, a prisão preventiva é considerada uma forma de prisão provisória, ficando ao lado da prisão em flagrante e temporária. É possuinte de natureza acautelatória, e não de um provimento final de condenação, sendo que, possui em seu escopo de tutela, valores com relação à persecução penal, bem como interesses voltados a sociedade, podendo acabar sofrendo risco se o autor criminal fica solto (CAPEZ, 2012).
E relação à sua conceituação, Mirabete (2003) pontua que, este tipo de prisão em contexto estrito, torna-se a medida cautelar, possuindo em sua constituição a privação de liberdade da pessoa acusada e com decreto pelo juiz no processo do inquérito ou instrução criminalista, com a existência de pressupostos legais para a asseguração dos interesses socialistas de segurança.
Mirabete (2003) ainda pontua que, tem consideração como um mal necessário, pois acaba suprimindo a liberdade da pessoa acusada antes mesmo de uma sentença de condenação com trânsito em julgado, mas é possuinte do intuito de garantir a ordem pública, preservando a instrução crimina a fiel execução penal. Apenas tem justificativa em situações em especificidade, nos casos especiais onde a custódia provisória não seja dispensável e haja perigo na liberdade do acusado.
Nucci (2013) afirma que este tipo de prisão se torna uma medida de cautela que priva a liberdade e que é possuinte do intuito da asseguração do intuito útil do processo criminalista, seja em relação a instrução ou a segurança pública e aplicação da lei.
Já para Marcão (2012), esse tipo de prisão é considerado uma modalidade de prisão cautelar de caráter processualista, decorrendo da decisão judicial, podendo ter seu decreto em qualquer que seja etapa da investigação criminal ou do processo penal, e mesmo no momento da decisão de pronúncia ou da sentença penal de condenação, desde que tenha presença os requisitos legais. À luz da reforma do Código de Processo Penal, após a Lei n°. 13.964/19, firmou-se o entendimento de que é vedado a decretação de medidas cautelares, inclusive a prisão, pelo juiz de ofício, tanto na fase investigatória, como na fase processual (Brasileiro, 2020).
Assim, a prisão preventiva por ser considerada uma medida em exceção, com imposição apenas em última instância, precisa ter interpretação de forma restritiva para sua compatibilização com o princípio da presunção de inocência, pois, o estigma do encarceramento da cautela é por demais deletérios à figura do infrator (TÁVORA E ALENCAR, 2011).
2.1.1 Hipóteses de Cabimento
A decretação da prisão preventiva depende da demonstração da presença do fumus comissi delicti e periculum libertatis, consoante disposto na parte final do art. 312 do CPP: prova da existência do crime e indício suficiente de autoria e de perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado (Brasileiro,2020). A presença relacionada com os pressupostos voltados à prisão preventiva torna-se uma condição fundamental, mas não tem suficiência para decretar a prisão preventiva. Precisam estar presentes as hipóteses de cabimento que fazem a definição das circunstâncias e crimes que há a possibilidade do cerceamento da liberdade, no intuito de causar impedimento que a medida em deferimento tenha maior gravidade e intensidade que a pena a ter aplicação na ação penal no final do processo (OLIVEIRA, 2011). Para que a prisão preventiva seja decretada, não é necessário que o perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado esteja evidenciado com a presença concomitante de todas as hipóteses do art. 312 do CPP.
A temática tem ainda regulação no artigo 313 do Código de Processo Penal. O texto em expressividade no artigo 313, inciso I, não acaba fazendo nenhuma distinção perante crime apenado com reclusão e detenção, somente faz a adoção com parâmetro pena máxima do delito, de maneira que apenas torna-se com cabimento a prisão preventiva nos crimes dolosos, e desde que a pena máxima do delito tenha superioridade a 4 anos.
O conteúdo com incerteza no presente inciso, não fazendo admissão da decretação da prisão preventiva em crimes dolosos, onde a pena cominada tenha inferioridade ou igual a 4 anos, acaba sendo vista pela parte doutrinária como correta, sendo que encontra uma perfeita harmonia com o artigo 33, inciso I, do CP, que faz a previsão de substituir a pena privativa de liberdade pela pena restritiva de direitos para crimes com pena até esse contexto. Para Giacomolli (2013), ser processado preso e ser colocado em liberdade após a condenação torna-se uma situação com incongruência.
Além disso, acabam surgindo várias outras medidas para o cárcere, previstas no artigo 319 do CPP, com destinação para atendimento das vastas infrações penais com menor relevância. De maneira igualitária, é afastado o cabimento da prisão preventiva para os crimes de culpa e para as contravenções penais, ainda que com presença nos pressupostos presentes no artigo 312 do CPP, pois existe um juízo prévio de proporcionalidade, com emissão através do legislador, pela falta de adequação e necessidade da prisão nestes casos (NUCCI, 2013). Importante também considerar a novidade trazida pela Lei n°. 13.964/19 ao inserir no parágrafo 2° do artigo 312 o princípio da atualidade, já que a prisão deve ser motivada e fundamentada em receio de perigo e existência de fatos novos ou contemporâneos que justifiquem a aplicação da medida adotada (Brasileiro, 2020).
Relacionado ao inciso II, é preciso ter entendimento que, a decretação da preventiva apenas terá autorização quando o réu acabar sendo reincidente em crime doloso, ou seja, condenado em um primeiro momento por crime doloso, tornando-se a ser apenados por outro crime doloso, desde que a primeira condenação não tenha experimentação do período de 5 anos, de acordo disposto no artigo 64, inciso I, do CPP. Essa hipótese torna-se uma exceção à regra do inciso I, sendo que, ao reincidir o crime doloso, a pena com previsão para esse tipo de delito poderá ter igualdade ou inferioridade a 4 anos. Assim, a reincidência precisa ser dolosa, não fazendo admissão da reincidência para os fins de decretar a preventiva, quando ter envolvência crime culposo (MENDONÇA, 2011).
Com relação ao inciso III, este faz previsão da possibilidade de decretar a prisão preventiva para os crimes que acabarem envolvendo violência doméstica e familiar contra mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa possuinte de deficiência, no intuito da asseguração que seja executada as medidas de proteção de urgência. Este inciso também excepciona a regra geral presente no inciso I, o que permite que seja decretada a prisão preventiva mesmo que a infração seja possuinte de pena máxima em igualdade ou inferioridade a 4 anos. Entretanto, não é uma exceção relacionada com a necessidade de se tratar de crime doloso (TÁVORA E ALENCAR, 2011).
O intuito do dispositivo com inserção no inciso III é a proteção dos hipossuficientes no contexto familiar de maneira sem restrição à mulher. Todavia, porque as medidas protetivas acabaram não sendo suficientes ou não adequadas, principalmente em detrimento do risco de seu descumprimento, haverá a possibilidade de decretar a prisão preventiva (TÁVORA E ALENCAR, 2011). No entanto, para alguns doutrinadores, o inciso III deve ser lido em conjunto com o teor do caput do art. 313 do CPP, que expressamente faz menção aos termos do artigo 312 do Código. Isso significa que mesmo nos casos de violência doméstica, a decretação da prisão preventiva também está condicionada à demonstração da necessidade da imposição da custódia para garantia da ordem pública, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal (Brasileiro, 2020).
No parágrafo primeiro do artigo 313, é criado uma nova hipótese relacionada com a prisão preventiva, relacionada ao indiciado ou réu, onde identidade civil acabar sendo duvidosa e não ter a existência de elementos para seu esclarecimento, entretanto a prisão faz cessação de seus efeitos no momento que a dúvida for sanada: “§ 1º Também será admitida a prisão preventiva quando houver dúvida sobre a identidade civil da pessoa ou quando esta não fornecer elementos suficientes para esclarecê-la, devendo o preso ser colocado imediatamente em liberdade após a identificação, salvo se outra hipótese recomendar a manutenção da medida.”
Como a lei não acaba fazendo distinção, cabe a prisão preventiva nessa hipótese em caso de crime doloso ou culposo. Isto devido ao fato que, caso a pessoa se recuse a fazer sua identificação perante a autoridade policial, poderá prejudicar a própria aplicação da lei penal. Caso não tem conhecimento do nome ou ainda da quantificação civil, acabará ficando quase que sem viabilidade o processo (BRASILEIRO, 2020).
Vale destacar que, a prisão preventiva nas hipóteses da não identificação apenas precisará ter seu decreto caso não exista outras medidas com menor gravidade com a capacidade de sanar a dúvida, em atenção ao princípio da excepcionalidade e da proporcionalidade. Com isso, caso a condução coercitiva do réu e a identificação criminal ou datiloscópica já tiverem suficiência para a identificação do réu, não terá necessidade a prisão (MENDONÇA, 2011).
Assim, é verificado que, sem preencher os pressupostos relacionados com a tutela cautelar e com ausência da devida comprovação de seu cabimento no processo, despido acabará estando da natureza da instrumentalidade da prisão preventiva, com a consequente afronta ao princípio da presunção de inocência caso tenha decreto.
2.2 Presunção de Inocência
A presunção acaba vindo do latim praesumptio, onde a verbalização é praesumere, que tem em seu significado tomar antes ou por primeiro, prever, imaginar de forma prévia (CRETELA JUNIOR E CINTRA, 1944). Assim, faz indicação ser a presunção uma maneira de se tomar, de maneira em antecipação, algo que ainda não teve ocorrência ou que é esperado que ocorra.
Já inocência também provem do latim, innocentia, onde sua significação é de forma original com ligação as práticas religiosas. A inocência, na área canônica, era uma qualidade com atribuição para aquele que nunca cometeu pecado, que nunca acabou transgredindo as regras da divindade (BENTO, 2007).
Na laicização com pregação no racionalismo iluminista, a terminologia, entretanto, se desvencilhou de sua concepção religiosa e teve inserção no contexto filosófico de um estado ideal a ter conferência ao cidadão (COSTA, 1989).
De forma racional, não é possível tomar, a priori, alguém como culpado perante um fato, sem que antes existisse uma certeza de seu cometimento, empunhando uma necessidade de provas para demonstrar a culpa. A terminologia inocência, com isso, acabou se despindo de todo o conteúdo da religiosidade para, assim, ter utilização num contexto racional, baseado nos ideais iluministas (BECHARA, 2005). No séc. XVIII, Cesar Beccaria, em sua obra Dos delitos e das penas, afirmou que “um homem não pode ser chamado réu antes da sentença do juiz, e a sociedade só lhe pode retirar a proteção pública após ter decidido que ele violou os pactos por meio dos quais ela lhe foi outorgada”.
A preceituação primária dispõe em um mandamento de ordem geral. Se trata da presunção de inocência em si: toda pessoa tem consideração inocente por sua natureza. Assim, é uma característica que tem aplicação a toda pessoa (BENTO, 2007).
A segunda preceituação, faz ligação ao preceito primário através de uma preposição, com indicação da existência de uma excepcionalidade com a capacidade de subverter a ideia original de que a pessoa é de forma natural inocente. Com presença essa circunstância, e apenas após sua superveniência, a pessoa acaba passando a ter reconhecimento com culpa (BENTO, 2007).
Em conjunto, a preceituação primária e a secundária acabam formando o enunciado do princípio da presunção de inocência, e assim, faz informação dos elementos de sua composição, formando seu conteúdo fundamental de 3 elementos:
1) Toda pessoa acusada tem presunção de inocência, devido ao fato que, assim o nasce;
2) O ônus da prova cabe à acusação, e não à defesa. Não existem motivos para a pessoa acusada provar um estado naturalista que já teve presunção. Incumbe à defesa, somente ter seu posicionamento contra as provas com produção pela acusação;
3) O estado de inocência apenas poderá ter alteração através da declaração do Estado. No Brasil por sentença;
Relacionado com elementos que formam o conteúdo fundamental do princípio, Machado (2005) pontua que, pelo vetor racional com empreendimento pelo iluminismo na expressão “presunção de inocência”, é asseverado a certeza de que a maior parte dos homens é honesta e não criminosa, e que a reconstrução probatória acaba atingindo apenas o provável, nunca a perfeição.
Assim, tendo remanescendo a dúvida perante o cometimento ou não do ato criminal, o razoável é a manutenção do estado de inocência da pessoa, não fazendo o reconhecimento de sua culpa, sendo uma exceção à regra. É nascido então o provérbio de que qualquer um tem presunção boa, até seja provado o contrário, e o ônus da prova, por esta observação da regra dos acontecimentos humanos, já ficava relegado à acusação.
Mesmo que a expressão in dubio pro reo não tenha consideração como sinônimo do princípio da presunção de inocência, é preciso fazer destaque que, sua primeira aparição pode ter verificação desde o direito romano. Já a presunção de inocência acaba figurando como um dos princípios fundamentais da revolução iluminista do século XVIII (GOMES FILHO, 1991).
Com consagração na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão no ano de 1789, com previsão no artigo 9º: toda pessoa tendo presunção de inocência até que tenha tido declaração com culpa, se julgar-se fundamental sua detenção, todo rigor que não tiver necessidade para a garantia de sua detenção precisa ser de forma severa com repressão em lei (BRASILEIRO, 2020).
A presunção de inocência acabou sendo uma das principais conquistas relacionadas com a revolução com o sistema de repressão do antigo regime. Antes disso, cabia a pessoa acusada a demonstração de sua inocência e de forma frequente a tortura acabava figurando como maneira de se extirpar uma confissão. A lógica do sistema pré-revolucionários fazia a transformação dos atos de instrução em punição antecipada do acusado (DELMATO JUNIOR, 2001).
De toda maneira, mesmo com o extremo rigor de repressão do antigo regime, a criminalidade teve crescimento na mesma proporção do desenvolvimento proporcionado através da Revolução Industrial. Com isso, os iluministas acabaram respondendo as exigências socialistas com teorias com foco no direito da pessoa e essas partiam da constatação do elemento de que ao processo criminalista possuem submissão culpados como inocentes, de sorte que à sociedade civilizada é preferível absolver um culpa à condenar um inocente (CABRAL, 2006).
No ordenamento pátrio, até a entrada em vigor da Constituição de 1988, esse princípio somente existia de forma implícita, como decorrência da cláusula do devido processo legal. Com a Constituição ele passou a estar expresso no inciso LVII do art. 5°.: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Com estabelecimento da ideia de que a presunção de inocência trata-se de um princípio, e tendo definição de seu conteúdo fundamental, outra não é a conclusão a que é chegado perante sua função senão a de ter serventia de base à forma da compreensão, administração e construção de um sistema processualista penal para o qual a pessoa, já no começo da persecução penal, tem inocência e com isso precisa ter consideração e tratamento até que o judiciário possua a certeza e faça a declaração de maneira definitiva a sua culpa, baseado na conjuntura probatória mínima e lícita (BECHARA, 2005).
Sua amplitude na extensão e incidência, acaba fazendo com que ela tenha relação de forma direta ou indireta, com cada ponto do sistema, ideário que faz informação e orientação de formar e aplicar todos os atos da persecução penal, sendo que, uma pessoa, todavia terá submissão à constrição do Estado desde o primeiro ato persecutório até sua conclusão em definição e ainda em contexto revisional (FREITAS, 2004).
Com isso, a presunção de inocência faz orientação e direcionamento de toda a conformação legal do sistema jurídico do Estado que a recepciona, fazendo representação da ideia síntese da área criminalista, que advêm da intersecção com formação através dos princípios de igualdade, respeitando a dignidade da pessoa humana e do Estado Democrático de Direito (FREITAS, 2004).
2.3 Prisão Preventiva e a Presunção de Inocência
Como foi possível ver, parece bem claro que a presunção de inocência, especialmente após acabar assumindo um contexto constitucionalista, tem relação de forma direta com a prisão preventiva.
Com isso, a decreto da prisão preventiva, onde a previsão não seria admissível em uma interpretação mais radicalista do princípio da presunção de inocência, precisa ter obediência a critérios de forma extrema com rigorosidade situando-se como medida de forma absoluta excepcional, levando em consideração as consequências que uma medida cautelar poderá acabar provocando.
Perante a ótica da presunção de inocência não são concebíveis nenhuma forma de medidas cautelares que tenham implicação na execução em antecipação da pena ou que acabem equiparando o imputado à condição de culpado, mesmo que isso não se faça de forma em expressividade.
2.3.1 Cautela Instrumental
O magistrado tem a possibilidade de abrir mão da prisão preventiva para realizar impedimento que o acusado mantido em liberdade acabe se furtando do comparecimento aos atos instrutórios essenciais para o trâmite do processo, assim como quando faça tentativas da destruição de provas, faça ameaça a testemunhas ou ainda, qualquer maneira de perturbação do regular desenvolvimento do processo. Quando a medida cautelar tem seu decreto para evitar as ações com descrição anteriormente, é dado o nome de cautela instrumental.
Em um primeiro momento, a prisão preventiva de natureza instrumental não acaba ferindo a presunção de inocência, pois não é representante de punição em antecipação. Entretanto, em diversos casos há uma real identificação perante o acusado e o culpado, pois o temor de que o réu fará a obstrução do bom trâmite do processo, mostra que esse não é mais visto através do órgão julgados com inocência (GOMES FILHO, 1991).
Da mesma maneira, há questões problemáticas e com contradição em relação a cautela instrumental, perante o prisma do processo penal de garantia. Em primeiro momento, nada faz garantias que o encarceramento da pessoa acusada fará impedimentos que esse não faça a criação de obstáculos para o processo, fazendo a intimidação das testemunhas e a destruição de provas partindo de terceiros, com isso, de nada acabaria adiantando o sacrifício da liberdade do réu, sendo mais eficiente a cogitação de outras formas para a asseguração da segurança das provas e testemunhas (GOMES FILHO, 1991).
Assim, o encarceramento do réu no trâmite processual é representante de uma clara restrição ao direito de defesa e igualdade processualista, pois para a garantia da produção de provas de acusação, é limitado a possibilidade de a defesa buscar provas para sua inocência. Nesse contexto, a excepcionalidade da medida precisa se tornar critério de harmonia, além da exigência não declinável de um eficaz contraditório.
2.3.2 Cautela Final
O magistrado pode decretar a prisão de forma preventiva o acusado para asseguração que seja aplicada a lei penal. Isto é, como o Estado faz reconhecimento da própria não capacidade de cumprimento com as consequências relacionadas com as decisões por si proferidas, foi criada essa possibilidade de detenção preventiva, revelando uma adesão quanto as concepções absolutas da pena, sem vínculo de conotações utilitárias (GOMES FILHO, 1991).
De outro lado, o decreto da custódia preventiva para a garantia de um dos possíveis resultados relacionados ao processo, não faz ofensa em um primeiro momento, o princípio da presunção de inocência, pois não existe uma identificação perante acusado e culpado, sendo que até mesmo a pessoa inocente poderá acabar fugindo para evitar uma eventual condenação não justa (CAMARA, 1997).
Assim, se trata do cuidado para uma avaliação com maior rigor da necessidade de aplicar a medida. Os indícios voltados a culpabilidade assim como da provável aplicação de uma pena de detenção, de acordo com os princípios de proporcionalidade, necessidade e adequação, precisam ter consistência e desfavor da pessoa acusada (TOURINHO FILHO, 2001).
2.3.3 A Lei dos Crimes Hediondos
Devido à grande escalada da criminalidade, com exploração de forma sucessiva e sem responsabilidade pela mídia sensacionalista, aos clamores socialistas que acabam concebendo o delito como o auge da não satisfação humana, percebendo o Direto Penal como única medicamentação de emergência satisfatória, o legislador fez a edição na década de 90, a lei que faz disposição perante os crimes hediondos. Entre outras providências, faz previsão essencialmente que não possuem fiança e não são suscetíveis de graça, anistia e liberdade provisória crimes de tortura, tráfico ilícito de drogas, terrorismo e os crimes com definição de hediondos.
Devido ao caos e a violência nas cidades, o legislador acabou ignorando a problemática voltada aos direitos e garantias individualistas, sufocou a história relacionada aos avanços da democracia da legislação infraconstitucional e acabou transcendendo os autorizativos constitucionalistas para se imiscuir em terreno em proibição. A crítica relacionada ao diploma tem sua tradução uníssona partindo da doutrina, de maneira que Tourinho Filho (2001) teve pronunciamento, pontuando que, uma leitura de todo o diploma legal demonstra em evidência que, as pessoas com responsabilidade por elaboram não tinham preparo.
Tem evidência que, o texto da denominada lei faz violações no princípio da presunção de inocência. A não possibilidade da liberdade provisória, medida que acaba colocando a pessoa acusada em custódia durante o trâmite do processo, é certo que faz colisão com o estado de inocência, pois tem implicações em cumprir de forma antecipatória a pena e equiparação da pessoa acusada à condição de culpa.
Fazendo uma suposição que há indícios com veemência de inocência da pessoa acusada e tem a manifestação da colaboração do réu com o bom trâmite do processo, em relação a esses elementos, a pessoa acusada precisará acabar respondendo em cárcere a todo o trâmite, devido a previsão legal (BATISTI, 2009, p.112).
O grande engano que foi cometido através do legislador em elaborar a lei de crimes hediondos foi o esquecimento que não é lançado mão de legislação infraconstitucionalista que faça a imposição, de forma abstrata, medidas de restrição da liberdade, fazendo a retirada do juiz o poder da jurisdição com aplicação em caso concreto. Nesse contexto, a legislação do processo penal não deve fazer a restrição dos bens jurídicos, a não ser quando de forma absoluta de fundamental. Para evitar que as presunções e banalizações acabem provocando situações jurídicas absurdas, é preciso a permissão que o magistrado, perante ao caso concreto, faça a análise e o impedimento que em nome de uma presunção falha tenha o sacrifício dos bens jurídicos.
O Supremo Tribunal de Justiça fez apreciação em caso em especificidade a não possibilidade do mantimento em custódia provisória a pessoa acusada de forma exclusiva pelo delito ter configuração de crime hediondo. A segregação provisória não tem justificativa de forma única pelo fato imputado ter sido elencado como crime hediondo, fundamental que tenha presença os pressupostos que autorizam a prisão preventiva.
Com isso, tem evidência a violação da presunção de inocência com causa através da redação da presente lei. A proibição de liberdade provisória, com ausência dos requisitos cautelares da prisão preventiva, com base nas hipóteses taxativas da lei, hipóteses com fixação com plano em critério de gravidade do delito através do legislador, não acabam deixando nenhuma dúvida que tenha desprezo a garantia constitucionalista da presunção de inocência em prol de uma norma de emergência que solapa os direitos individualistas da pessoa.
2.3.4 O Estatuto do Desarmamento
Relacionada as outras inconstitucionalidades que acabam permeiam o contexto relacionado com o estatuto do desarmamento, ao se tratar tema objeto de estudo do presente trabalho, fala-se na previsão que foi trazida através do estatuto no art. 21, tornando não suscetíveis de liberdade provisórias os crimes com descrição nos arts. 16, 17 e 18 do referido diploma.
Pelos mesmos motivos já tratados anteriormente, tem evidência que essa prisão faz ofensa ao estado de inocência com previsão na Carta Magna do país.
Não é possível fazer a admissão da alteração de uma previsão legal que venha a comprometer de forma direta as garantias do indivíduo na determinação que a pessoa acusada acabará respondendo, independente das circunstâncias, em custódia o trâmite de todo o processo. O legislador que faz previsão desse absurdo, de forma certa não conhece as condições do sistema carcerário do país, que da mesma forma como as delegacias, acabam apresentando condições subumanas (GIACOMOLLI, 2013, p.99).
O juízo perante a custódia cautelar faz ultrapassagem dos critérios de gravidade ou de forma taxativa certos delitos. Sem uma fundamentação com base nos princípios da proporcionalidade, adequação, e acima de tudo, necessidade não existe como a admissão de uma prisão preventiva. E assim o faz esse diploma legal, que permite que a pessoa acusada tenha tratamento como culpado antes que o processo tenha seu deslinde de condenação que faz determinação de culpa ao réu.
2.3.5 A Reparação da Prisão Cautelar Injusta
Tem evidência que o tempo que foi transcorrido em detenção não pode ter compensação de maneira alguma, entretanto, o patrimônio torna-se passível de ser restaurado.
Quando a prisão preventiva ter configuração em evidência de erro judiciário em constatação que tratou-se de medida não legal ou injusta, é certo que caberá seu ressarcimento de indenização. Entretanto, em diversos casos a absolvição não faz a indicação de que a prisão cautelar acabou sendo errônea; as medidas cautelares possuem decreto baseado em juízos prováveis e não de certeza, além do que o julgamento definitivo posterior pode ter realização contando com outras provas que vierem a surgido após o decreto de custódia, ou do contrário, diante do desaparecimento dos elementos que tiveram serventia para a decisão cautelar.
De toda maneira, perante a égide do estado de inocência, e em conjuntura com a disposição do artigo 5º, LXXV 89 da CF 88, todas as hipóteses de prisão cautelar seguidas de absolvição precisariam ter reparação, pois é preciso levar em consideração o dano que foi sofrido pelo réu, onde sua inocência o próprio Estado fez reconhecimento.
3. CONCLUSÃO
Como foi possível ver, é na análise crítica que o estudo precisa ter seu foco, evitando que a manualística tenha predominância e a utilização de medidas cautelares como é o caso da prisão preventiva tenha multiplicação como maneira de expressão de um Direito Penal do inimigo, fazendo atropelo às garantias e fazendo a exclusão daqueles que acabam se enquadrando na visão quase nazista de ameaça à ordem pública.
A conclusão com maior relevância que é possível tirar, é relacionada ao rigor e o comprometimento com os critérios justos e adequados para o decreto de uma prisão preventiva. Por esse motivo, a análise, além de outras garantias, precisa ter realização à luz da presunção de inocência.
Com soma a isso, não se deve deixar em esquecimento que, a solução para os problemas que são ocasionados pela violência não se encontra no inchaço do sistema penal com causa através da produção de normas em emergência que deixam de lado as garantias, mas sim nas políticas sociais que venham a colocar o “outro”, o elemento com consideração perigoso dentro do sistema. Assim, o mesmo sistema de poder que faz a fabricação da pobreza é o que faz a declaração de guerra sem um quartel aos não preparados que acaba gerando.
Por fim, é possível dizer que a prisão preventiva precisa estar pautada nas garantias com previsão na Constituição e nos seus princípios. O magistrado precisará ter sua atuação como um real guardião da Carta Magna, encarando o princípio da presunção de inocência como garantia eficaz para tratar o acusado. Toda prisão preventiva que violações na presunção de inocência e que não tenha decreto por exigências cautelares absolutas não terá legitimidade.
As leis devem ser criadas pelo Poder Legislativo, de modo que, o Poder Judiciário tem o dever de julgar e aplicar a lei consoante está prevista no ordenamento jurídico, devendo respeitar o princípio da presunção de inocência, princípio do in dubio pro réu, devido processo legal, do contraditório e ampla defesa. Sendo assim, a decisão das ADCs 43, 44 e 54 pela maioria dos Ministros do Supremo Tribunal Federal que entenderam como violação à Constituição Federal a prisão de um cidadão antes do trânsito em julgado de uma sentença condenatória foi uma vitória para um país democrático de Direito, no qual deve respeitar os direitos e garantias de qualquer cidadão.
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Delegado de Polícia Civil do Espírito Santo, mestre em Teologia e Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Janeiro (PUC-RJ) e pós-graduando em Ciências Penais e Segurança Pública pela Universidade de Vila Velha (UVV) e em Direito Constitucional e Direito do Consumidor pela Faculdade Legale.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ARAUJO, CLAUDIO RODRIGUES. Prisão preventiva e o princípio da presunção de inocência Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 04 jan 2023, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/60748/priso-preventiva-e-o-princpio-da-presuno-de-inocncia. Acesso em: 21 nov 2024.
Por: Gabrielle Malaquias Rocha
Por: BRUNA RAFAELI ARMANDO
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