JÉSSICA CAVALCANTI BARROS RIBEIRO[1]
GUILHERME SABINO NASCIMENTO SIDRÔNIO DE SANTANA[2]
RESUMO: O objetivo deste artigo é conectar a obra literária “Capitães da Areia”, de autoria de Jorge Amado, a qual narra a vida de um grupo de crianças e adolescentes que vivem em situação de rua, na cidade de Salvador/BA, com o Direito. A principal relação dessa obra literária com a ciência jurídica são os pontos da narrativa que refletem a dignidade da pessoa humana, princípio que é constantemente desrespeitado. Com efeito, este trabalho consiste em uma Pesquisa Descritiva e Bibliográfica, realizada precipuamente na área dos Direitos Humanos. Esse Trabalho surge a partir de estudos direcionados ao Projeto de extensão “Direito & Literatura” da FACAPE – Faculdade de Petrolina. Ao final, conclui-se que, a partir da leitura do aludido livro, é possível observar que essas crianças e adolescentes não têm a sua dignidade respeitada, além de que seus direitos não são resguardados pela família, pela sociedade e nem pelo Poder Público.
Palavras-Chave: Direitos Humanos. Situação de rua. Crianças. Adolescentes.
Analysis of the work “Capitanes da Areia”, by Jorge Amado: childhood and adolescence neglected by family, society and public power
ABSTRACT: The objective of this article is to connect the literary work “Capitães da Areia”, by Jorge Amado, which narrates the life of a group of children and adolescents who live on the streets, in the city of Salvador/BA, with the Law . The main relationship of this literary work with legal science are the points of the narrative that reflect the dignity of the human person, a principle that is constantly disrespected. Indeed, this work consists of a Descriptive and Bibliographic Research, carried out mainly in the area of Human Rights. This work arises from studies directed to the extension project “Law & Literature” of FACAPE – Faculdade de Petrolina. In the end, it is concluded that, from the reading of the aforementioned book, it is possible to observe that these children and adolescents do not have their dignity respected, and that their rights are not protected by the family, society or the Government.
Keywords: Human Rights. Street situation. Children. Teens.
1. INTRODUÇÃO
O Projeto de extensão Direito & Literatura se destina ao estudo e difusão da interdisciplinaridade entre Direito, Literatura, Arte e Cinema. Demonstra-se que com o desenvolvimento de propostas para reflexão acerca do Direito e dos contextos sociais relevantes, expostos através da Literatura e da Arte, os juristas possuem papel de revolução social. Assim, a interdisciplinaridade e interligação de fontes de conhecimento, possibilitam uma compreensão mais eficaz do fenômeno jurídico no seio social.
A aproximação entre Direito, Literatura, Arte e Cinema motivam a reflexão e os seus impactos se dão sobre o âmbito jurídico, de forma que há ênfase nas novas formas de pensar acerca do Direito. Tal persecução deve ter amplitude de preocupação, pois, apesar da formação do jurista se basear no conhecimento técnico-legal, não se pode ignorar o contexto cultural. Busca-se, em suma, uma análise dinâmica, holística e sensível do Direito.
O Direito & Literatura possibilita a abertura de um novo campo para a realização de estudos e pesquisas jurídicas e difunde, mediante o diálogo entre as comunidades acadêmicas, a reflexão acerca da capacidade da narrativa literária auxiliar os juristas na árdua tarefa de compreender/interpretar/aplicar o Direito, relacionando a ficção com a realidade social e jurídica.
A importância da atividade se materializa na expansão dos horizontes culturais e na ampliação da capacidade interpretativa, bem como da habilidade da escrita (elaboração de textos) de todos os que participarem dos eventos. Também possibilita, uma comunicação entre diferentes disciplinas, sob diferentes olhares, a partir do diálogo entre docentes e discentes da FACAPE – Faculdade de Petrolina, e de outras instituições e interessados em geral.
3. OBJETIVOS
3.1. OBJETIVO GERAL
Este relatório tem o objetivo principal de comunicar as atividades desenvolvidas pelos alunos integrantes do Projeto de Extensão à Coordenadora.
3.2. OBJETIVOS ESPECÍFICOS
I. Realizar reuniões para a manutenção do projeto e o aprofundamento nos temas tratados, através da discussão de textos, livros e materiais ofertados;
II. Auxiliar na formação crítica e interpretativa dos alunos;
III. Promover a integração dos estudantes de Direito com a comunidade acadêmica da região.
IV. Produção de artigos, capítulos de livros e outros trabalhos acadêmicos.
V. Participação em Congressos e eventos diversos.
4. METODOLOGIA OPERACIONAL
Leitura de material bibliográfico pertinente, identificação de instituições públicas de ensino superior que concordem em viabilizar visitas para promover encontros com seus discentes e atividades voltadas para o incentivo à leitura. As reuniões também podem acontecer de forma remota, conforme necessidade.
A forma de avaliação será a presença nas reuniões, o estudo dos temas levantados para formação humanística relativa ao tema e a participação nos encontros nas instituições públicas (ensino superior).
5. AÇÕES REALIZADAS PELA DISCENTE THAYLLA OLIVEIRA DOS SANTOS
I. Reuniões periódicas entre os alunos partícipes do projeto de extensão, a fim de discutir sobre as Obras Literárias escolhidas;
II. Leitura da Obra Literária Capitães da Areia, de autoria de Jorge Amado;
III. Palestras, seminários e rodas de conversa realizadas:
a) No dia 09/05/2022, os participantes do projeto de extensão reuniram-se, com o objetivo de discutir sobre o filme “Animais Noturnos”;
b) No dia 22/08/2022, ocorreu um encontro para determinar a entrega do Relatório final do Projeto Direito & Literatura.
6. RESUMO DA OBRA LITERÁRIA ESCOLHIDA
A Obra Literária escolhida foi o Livro “Capitães da Areia”, de autoria de Jorge Amado, a qual narra a vida de um grupo de crianças e adolescentes que vivem na cidade de Salvador/BA, especificamente, em um trapiche abandonado na praia.
A obra literária é divida em 4 (quatro) partes, quais sejam: a primeira parte do livro chama-se “cartas à redação”, a segunda “sob a lua, num velho trapiche abandonado”, a terceira “noite da grande paz, da grande paz dos teus olhos” e, por fim, “canção da Bahia, canção da liberdade”.
O livro inicia-se com várias cartas destinadas ao “Jornal da Tarde”, segundo as quais existe um grupo de meninos assaltantes que aterrorizavam a cidade de Salvador, sendo um número superior a 100 crianças e adolescentes, entre 8 e 16 anos. Acrescentando-se que essas crianças e adolescentes tão cedo dedicaram-se à vida do crime. Ocorre que, houve mais um assalto, desta vez roubaram a casa do Comendador José Ferreira, devido a isso solicitaram providências do Juiz de Menores e do Chefe de Polícia.
Contudo, o Chefe de Polícia alega que a polícia deve agir em obediência a um pedido do Dr. Juiz de Menores. Em resposta, o Juiz de Direito, aduz que não procedem as afirmações feitas pelo Chefe de Polícia, pois não compete ao Juizado de Menores perseguir e prender os menores delinquentes e, sim, indicar o local em que devem cumprir pena, nomear curador para acompanhar qualquer processo contra estes instaurados, etc. Ante o exposto, observa-se que ambos se esquivam de atuar na situação em comento, além de que empurram as responsabilidades um para o outro.
Concomitantemente, uma mãe relata o que o seu filho viveu no reformatório, acrescentando-se que prefere vê-lo entre os Capitães da Areia do que naquele local, devido aos poucos cuidados que recebem, bem como ao trabalho escravo que são expostos e aos maus-tratos que sofrem. Por sua vez, o Padre José Pedro confirma o que foi relatado pela Sra. Maria Ricardina, complementando que os que vão para o reformatório são tratados como verdadeiras feras.
Na oportunidade, o Diretor do Reformatório Bahiano de Menores Delinquentes e Abandonados, envia uma carta à redação, por meio da qual defende-se das acusações que lhe foram feitas. Por fim, foi publicada na segunda edição de terça-feira do Jornal Tarde, uma reportagem com o seguinte título: UM ESTABELECIMENTO MODELAR ONDE REINA PAZ E TRABALHO - UM DIRETOR QUE É UM AMIGO - OTIMA COMIDA - CREANÇAS QUE TRABALHAM E SE DIVERTEM - CREANÇAS LADRONAS EM CAMINHO DA REGENERAÇÃO - ACUSAÇÕES IMPROCEDENTES - SÓ UM INCORRIGIVEL RECLAMA - O ‘’ REFORMATORIO BAHIANO’’ É UMA GRANDE FAMILIA - ONDE DEVIAM ESTAR OS ‘’CAPITÃES DA AREIA’’. A partir da qual, observa-se os elogios que foram feitos ao diretor e ao local.
A narrativa ocorre em torno de alguns principais personagens e no decurso é apresentada a história de cada um. No trapiche, todos os meninos eram liderados pelo Pedro Bala, um garoto loiro que teve seu pai assassinado pela polícia, contudo, para assumir a liderança do grupo, Pedro Bala brigou com o caboclo Raimundo, antigo líder, motivo pelo qual tem uma cicatriz no rosto.
Tem-se o Professor, este é o único entre os meninos que sabe ler, é considerado pelos Capitães o líder intelectual, as noites no trapiche lê o jornal para todos. João Grande, o mais alto e protetor do grupo. Dora, a única menina a adentrar o grupo dos Capitães, sendo um pouco mãe e amiga dos garotos e assim como eles, também saia para as ruas e aprendeu capoeira. Sem-Pernas é o garoto mais amargurado, devido a ter sido preso e quando encontrava-se detido foi torturado pelos policiais, essa característica ajuda nos roubos, uma vez que entra na casa das pessoas, passa a residir e ganha a confiança para ajudar os Capitães da Areia a roubarem casa. Boa-Vida o personagem malandro do grupo é considerado o artista. Pirulito é um personagem religioso. Volta-Seca sonhava em entrar para o bando de lampião, de quem dizia ser afilhado. Gato é considerado o menino mais galã do grupo. Barandão, no fim substitui Pedro Bala na liderança dos Capitães.
O livro descreve o dia-a-dia dos Capitães da Areia, desde os furtos aos momentos em que tinham a oportunidade de lembrar como era ser criança de verdade. Evidenciando as histórias de cada personagem e o caminho que encontraram para sobreviver, estes reuniram-se no Trapiche e formaram uma grande família que se apoiavam. No decorrer do livro acontece uma epidemia de varíola que assolou a cidade, circunstâncias em que uma menina, chamada Dora e seu irmão pequeno entram no grupo, devido ter perdidos seus pais, assim encontra no grupo o apoio e a proteção que precisa. Ocorre que, os Capitães vão tomando decisões que definem o seu futuro, outros permanecem praticando atos infracionais, como Volta-Seca que entra para o grupo de lampião.
7. CONHECENDO O AUTOR DA OBRA
O autor da obra Capitães da Areia é Jorge Amado, nascido na Bahia, em 10 de agosto de 1912. Ingressou no curso de Direito, escreveu seu primeiro livro aos 19 anos, qual seja, ‘’O País do Carnaval’’, além de que foi Deputado Federal em 1945, ocasião em que integrava o Partido Comunista Brasileiro, devido a isso sofreu fortes pressões políticas e foi perseguido. Ocasião em que viveu exilado na Argentina, quando retornou ao Brasil em 1955 dedicou-se à literatura. Foi membro da Academia de Letras e recebeu diversas premiações devido às suas Obras Literárias, as quais tratavam sobre temas polêmicos, vindo a falecer em 06 de agosto de 2001.
Suas produções dividiram-se em fases, tendo, a fase proletária, como exemplo a Obra ‘’Capitães da Areia’’, a fase do cacau, como exemplo a Obra ‘’Terras do sem-fim'' e a terceira fase popular, como exemplos as seguintes Obras ‘’Gabriela’’, ‘’Dona Flor’’ e ‘’Tieta’’.
As obras de Jorge Amado escancaram os problemas sociais que a elite lutava para esconder, por isso, Jorge Amado teve seus exemplares da obra ‘’Capitães da Areia’’ queimados em praça pública na cidade de Salvador/BA.
8. RELAÇÃO DA OBRA LITERÁRIA ESCOLHIDA COM O DIREITO
A Obra Literária Capitães da Areia relaciona-se com o Direito, na medida em que a Constituição Federal estabelece a dignidade da pessoa humana como um dos seus fundamentos, com arrimo no art. 1°, inciso III. A partir da leitura do aludido livro é possível observar que essas crianças e adolescentes não têm a sua dignidade respeitada, além de que seus direitos não são resguardados pela família, pela sociedade e pelo Poder Público.
Atualmente, as situações que versam sobre crianças e adolescentes, deve-se observar o que determina o Estatuto da Criança e do Adolescente concomitantemente à Constituição Federal, esta, por sua vez, dispõe no art. 227 que crianças e adolescentes devido a sua especial condição de pessoa em desenvolvimento devem ter seus direitos atendidos com absoluta prioridade:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão
À vista disso, observa-se no livro a todo momento a negligência da família, da sociedade e do Poder Público para com os Capitães da Areia.
Quanto ao direito à família é um direito inato à própria existência humana, sendo de suma importância para o desenvolvimento infantil, conforme preconizado no art. 226 da Constituição Federal. No que tange à convivência familiar, os Capitães da Areia não tinham a presença destes, à medida em que viviam na marginalidade e em situações precárias tornavam-se crianças adultas como medida de sobrevivência, para isso pediam dinheiro e praticavam atos infracionais nas cidades de Salvador.
Em uma passagem do livro nota-se que para os Capitães da Areia lidar com a falta da família buscavam nas ruas de Salvador suprir a falta do amor e dos cuidados que deveriam recebê-los daqueles que têm o dever legal de protegê-los (AMADO, 1937, p. 61):
Todos procuravam um carinho, qualquer coisa fora daquela vida: o Professor naqueles livros que lia a noite toda, o Gato na cama de uma mulher da vida que lhe dava dinheiro, Pirulito na oração que o transfigurava, Barandão e Almiro no amor na areia do caes. [...].
Os Capitães da Areia eram perseguidos pela polícia e quando apreendidos eram colocados no reformatório, local em que sofriam diversos tipos de violência. À luz do que estabelece o ECA, a criança eo adolescente não pratica crime, mas sim ato infracional análogo a crime. A respeito das consequências, leva-se em consideração se estes são crianças (até 12 anos incompletos) ou adolescentes (12 anos completos a 18 anos incompletos), logo, as crianças são aplicadas as medidas de proteção previstas no art. 105, do ECA e aos adolescentes podem ser aplicadas tanto as medidas de proteção quanto às medidas socioeducativas conforme dispõe o art. 112, do ECA. Além de que, para escolher a medida socioeducativa a ser aplicada será levado em conta a capacidade do adolescente em cumpri-la, as circunstâncias e a gravidade da infração, com espeque no § 1º, do art. 112, do ECA.
A partir das situações descritas pelo autor é possível visualizar como as crianças e os adolescentes na época eram tratados e como à luz da Lei n° 8.069, de 13 de julho de 1990 deveriam ser, tendo em vista o princípio da proteção integral e a absoluta prioridade.
9. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A participação no projeto de extensão: Direito & Literatura, bem como a leitura da Obra Literária escolhida contribuíram para refletir acerca das situações das crianças e adolescentes que encontram-se nas mesmas condições que os Capitães da Areia, vivendo sozinhas e desamparadas de quaisquer cuidados, devido a marginalização que estão expostas são obrigadas a virar uma criança adulta para poder sobreviver ao caos que deparam-se no seu dia-a-dia. Assim como, as violências que sofreram das suas famílias, da sociedade e do Estado.
10. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AMADO, Jorge. Capitães da Areia. 1ª ed. Rio de Janeiro: Jose Olympio, 1937.
FREIRE, Guilherme. Direito da Criança e do Adolescente. 11ª ed. São Paulo: Juspodivm, 2022.
[1] Especialista em Direito Constitucional pela Universidade Cândido Mendes, Especialista em Direito Penal pela Faculdade Damásio, Bacharela em Direito pela Universidade do Estado da Bahia, professora de direito penal e direito constitucional da Faculdade de Petrolina-PE (FACAPE), advogada.
[2] Especialista em Direito Processual Civil pela Faculdade Damásio, Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, advogado. Professor de Direito da Faculdade de Petrolina-PE (FACAPE).
Graduando (a) em Direito na Faculdade de Petrolina-PE (FACAPE). E- mail: [email protected]
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTOS, Thaylla Oliveira dos. Análise da obra “Capitães da Areia”, de Jorge Amado: a infância e adolescência negligênciada pela família, sociedade e poder público Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 13 jan 2023, 04:03. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/60796/anlise-da-obra-capites-da-areia-de-jorge-amado-a-infncia-e-adolescncia-neglignciada-pela-famlia-sociedade-e-poder-pblico. Acesso em: 24 nov 2024.
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