Prof(a) CRISTIANE DUPRET
(orientadora)
RESUMO: Este trabalho é o resultado de pesquisa realizada a fim de traçar a linha temporal legislativa, passando por todos os grandes marcos, mulheres e casos emblemáticos que contribuíram e contribuem de forma significativa no combate a violência política de gênero. Durante a história diversas leis foram editadas para que as mulheres tivessem seu acesso ao ambiente político garantido. Entretanto, as representantes eleitas ou aquelas indicadas a cargos, esbarram em diversas situações que impedem o pleno exercício de seus mandatos, não só vivenciados na política, mas que nela ganham ainda mais força pelo histórico depreciativo do país durante toda sua existência. Depois de inúmeros escândalos de desrespeito e crimes políticos das quais essas mulheres vem sendo vítimas, foi promulgada a lei 14.192/21 criminalizando essas condutas que impeçam, obstaculizem ou restrinjam os direitos políticos das mulheres. O objetivo é de demonstrar a eficácia não só para as políticas públicas femininas, mas sim, na construção de um país mais democrático e representativo a partir da igualdade de gênero.
Palavras-chave: política, mulheres, violência, histórico
INTRODUÇÃO
O presente trabalho é um estudo referente a luta para a garantia dos direitos políticos femininos ao longo da história, até o advento da lei 14.192/21.
Em razão das mulheres terem diversos de seus direitos suprimidos pela sua condição de gênero, principalmente aqueles que sugeriam alguma independência de pensamento e tomada de decisões, e por na política acontecer a mesma situação, com o crescimento em escala dos ataques sofridos por essas mulheres e a relação histórica que tenta ser rompida com a implementação de políticas públicas.
Nesse sentido, foi promulgada a lei 14.192/21, que criminaliza as condutas de qualquer natureza que restrinjam, obstaculizem ou oprimam de quais forma à participação das mulheres na política, em razão de seu sexo.
O principal objetivo desse trabalho é a partir de uma análise histórica de casos de grande notoriedade, por meio da revisão bibliográfica, demonstrar que em diferentes regimes ou séculos, sempre houve a necessidade de que esse tipo de violência fosse duramente reprimido.
A importância da nova lei para as mulheres é equiparada também a importância para a manutenção da democracia e como pode contribuir de uma maneira eficaz para a aplicação de sanções penais aos crimes políticos de maneira mais especificada.
A matéria é justamente a existência de conceituação e estudo do avanço trazido pelas políticas públicas voltadas para as mulheres, para além dessas serem em favor da inserção no cenário político, mas também garantirem a permanência por meio da proteção enquanto representantes de uma minoria, estendendo-se aos crimes virtuais e participações em debates, abrangendo os direitos fundamentais e humanos.
Nasce dessa necessidade na proteção dos direitos, muito específicos à aquelas que estão ou pretendem ocupar algum cargo, ou se apresentam como lideranças sociais, a necessidade também de leis que protejam seu livre exercício.
2. DESENVOLVIMENO
2.1 O que é violência política de gênero
A lei 14.192/21, trouxe dentre diversas modificações, a conceituação de violência política de gênero, de acordo com o art.3: “Considera-se violência política contra a mulher toda ação, conduta ou omissão com a finalidade de impedir, obstaculizar ou restringir os direitos políticos da mulher.” (BRASIL, Planalto, 2021).
Importante ressaltar que dentro do conceito de direito político, podemos relacionar ao conjunto de regras referente a participação popular no processo político, desde o direito ao voto, ao de ocupar cargo público.
“Também conhecidos como direitos de cidadania, os direitos políticos podem ser definidos como o conjunto dos direitos atribuídos ao cidadão que lhe permitem – por meio do voto, do exercício de cargos públicos ou da utilização de outros instrumentos constitucionais e legais – ter efetiva participação e influência nas atividades de governo.” (LAURIS HASHIZUME,2020, p.49).
As violências políticas de gênero, podem se dar de diferentes maneiras, se apresentando em questões patrimoniais, sexuais, psicológicas, físicas ou simbólicas, que seguem a regra das demais violências de gênero.
Em levantamento realizado pela Justiça Global, enquanto as mulheres representam a parcela mínima de agressores, quando se trata da quantidade de vítimas de cada sexo à situação é bem diferente, “nos casos em que foi possível identificar o sexo do autor da violência, os homens aparecem em 100% dos casos de assassinatos, atentados e agressões e em mais de 90% dos casos de ameaças e ofensas.” (GLOBAL, 2020).
A dinâmica de não reconhecimento da mulher como igual, faz com que sua dignidade seja o principal alvo dos ataques, que como aspecto importante dessa análise é a consideração de que cada grupo social de mulheres, tem uma trajetória diferente que implica no quanto e como são atingidas por esses ataques.
As mulheres são principalmente atingidas pela maneira como se apresentam, na maioria das vezes ridicularizadas por seu corpo, vestimenta ou maneira de agir e se portar. O julgamento se estende até mesmo as tidas como dentro do padrão de beleza estabelecido socialmente, em razão de seu gênero sempre terá quem aponte algum “defeito” e a desqualifique por conta disso.
Recentemente temos visto cada vez mais serem noticiados, algumas dessas muitas maneiras de atingir a presença feminina na política, mas é importante compreender que sempre existiram durante toda história.
A era digital, com a informação na palma da mão, faz com que esses casos sejam cada dia mais expostos, mas em contrapartida onde qualquer um pode ser um criador de conteúdo, a disseminação de falsas notícias em redes sociais, tanto a respeito da vida pública quanto a vida particular de muitas candidatas e parlamentares, que se tornam verdadeiros pesadelos e terminam não só por dificultar o êxito das campanhas, quanto afetar toda estrutura familiar dessas mulheres. Essa inclusive, exemplifica que uma só conduta pode resultar em diversos tipos de violência.
O tema de discussão dentro do âmbito da legislação é novo, mas os malefícios e práticas que agora vem por ele sendo coibidas não são, por isso, a grande importância da lei que traz especificidades as sanções quando ocorre tal crime.
A criminalização da violência de gênero, traz o reconhecimento da extensão de problemas já muito conhecidos pelas mulheres, que se deparam com essas questões durante toda a vida, agravados pelo ambiente historicamente ocupado em sua maioria por homens e ainda pouco repreendidos de maneira eficaz, mesmo havendo sanções para crimes eleitorais bem semelhantes, mas que não tão específicos.
Nesse tipo de violência muitos direitos são colocados a prova, de maneira velada ou não, isso ocorre porque antes da conceituação trazida pela nova lei, muitos desses, abusos eram interpretados convenientemente, somente como uma acirrada concorrência de candidatos ou pequenas desavenças políticas, aborrecimentos cotidianos, acarretados pelo exercício da influência. Entretanto, a condição determinada das vítimas, nesse caso, a de gênero, ficou clara como motivação para tais práticas.
A violência política é espécie pertencente ao gênero das Violências contra as mulheres, que tem por base atacar a participação da mulher e reprimir, mantendo os velhos conceitos de subjugamento feminino.
De acordo com a Convenção de Belém do Pará (Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher, adotada pela OEA em 1994) violência contra a mulher é qualquer ação ou conduta, baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto no âmbito público como no privado.[1]
Nesse mesmo seguimento, se encontra a violência política, que tem os mesmos efeitos para as vítimas e se apresentam de diferentes formas, semelhante à violência doméstica as vítimas tendem a ser expostas a situações que as fazem vulneráveis perante seus agressores.
Muito se fala das lideranças e representatividade da mulher na política partidária, mas precisamos ressaltar que as líderes ou participantes de movimentos sociais também estão sujeitas a serem vítimas desse tipo de violência.
As perseguições e ameaças nesses casos, geralmente são as mais comuns, mulheres líderes de determinados povos, categorias ou localidades são constantemente intimidadas por terem a capacidade de influenciar.
O objetivo da violência política de gênero é silenciar as influências femininas, calar a voz das que chegaram lá para que outras não pretendam fazer o mesmo, implantar o medo e a percepção de que aquele não é um ambiente feminino.
O perfil do agente nesse tipo de crime pode ser dos mais variados, não somente aqueles que também ocupam cargo público semelhante, mas seus apoiadores, eleitores. O ponto em comum é o incômodo com a presença feminina no poder.
2.2 O histórico de violência política de gênero no Brasil
Para falar de violência política no Brasil é preciso também compreender o contexto histórico que levou a necessidade da criação de mecanismos de combate, o caminho percorrido que levaram a reflexão de meios para garantir o pleno exercício desses direitos.
A partir dessa reflexão, trata-se essa seção, traçando uma linha temporal de opressão e avanços nos direitos femininos em sua totalidade, considerando que diferentes momentos da história contribuíram para o avanço dos direitos políticos especificamente.
Durante anos, em todos os regimes políticos, desde a colonização, pelos quais o país passou, diversas mulheres foram importantes nessa luta. Mulheres brancas, negras, indígenas, de diferentes classes sociais passaram por caminhos bem distintos de discriminação, mas que sempre convergiam na sua condição feminina.
O objetivo desta seção é justamente abordar a violência política de gênero nos diferentes períodos, sob a ótica da exemplificação na história de grandes nomes femininos em cada época, que de alguma forma foram importunadas devido a suas opiniões políticas.
O tratamento de casos concretos, que leva a uma observação sistemática dos processos pelos quais a legislação passou até o presente momento, avanços e retrocessos do cenário político e da participação feminina.
2.2.1 A violência e a participação política feminina no Brasil colônia
No Brasil Colônia não existem muitos registros de participação das mulheres de maneira direta em relação à política, isto porque, a mulher não era considerada sujeito de Direitos, entretanto várias delas tiveram participação importante no processo de colonização, diferentes movimentos que vieram a contribuir para a independência e avanços em pautas na época ainda pouco discutidas. Importante ressaltar, que a participação era restrita as mulheres brancas e da elite, enquanto as demais estavam, obviamente, longe dessa condição.
Nesse período algumas delas tiveram destaque, seja entre os colonizadores ou com os povos colonizados, dentre elas podemos destacadas Bárbaras Heliodora, Chica da Silva e Dandara.
Todas essas, mulheres que muito embora tenham sofrido grande opressão dos meios sociais machistas e escravocratas da época, exerceram grande influência na presença da mulher na sociedade, que fez evoluir todos os direitos.
Além disso ao longo da história as mulheres e seus feitos sofreram um boicote, foram apagados ou não foram dadas a devida importância, não atribuir o crédito a quem é devido em razão de seu sexo é também uma maneira de violência.
A exemplo de grande participação política na época, foi a da Imperatriz Leopoldina, que presidiu o conselho de Estado na ausência de seu marido, assinou uma carta de recomendação ao Imperador para que fosse declarada a independência do Brasil.
A mulher letrada é poliglota, que tinha consciência do cenário político da época e as intenções dos colonizadores, exerceu seu poder político para emancipar o país. Ainda sim, a atitude é pouco lembrada, quando se fala em independente sempre se lembra somente do grito de D. Pedro I às margens do Ipiranga, mas pouco ou nada se fala sobre a influência política de Leopoldina e outras mulheres nesse período.
As mulheres, mesmo sendo exigida postura recatada e com uma figura que deveria agradar aos homens, ainda muito subjugadas a eles, conseguiram ter participado significativa na luta contra a escravidão e outros absurdos.
Após a abolição da escravatura, no novo regime, os homens negros passaram a ser reconhecidos como cidadão para fins eleitorais, enquanto todas as mulheres, negras ou brancas, permaneceram impedidas de votar e serem votadas
2.2.2 As sufragistas e o direito ao voto
Com o surgimento de grupos femininos organizados, ainda pela elite, começam a surgir os primeiros registros de participação mais ativa das mulheres com as sufragistas.
No Brasil, os direitos políticos femininos começaram a ganhar força somente por volta do ano de 1922 com Bertha Lutz, organizadora do primeiro congresso feminista e fundadora da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, ela tinha por objetivo de vida, assegurar à mulher os direitos políticos então já conferidos na Constituição.
” Em 25 de outubro de 1927, o movimento sufragista no Brasil alcançou sua primeira vitória: o reconhecimento do alistamento eleitoral feminino no estado do Rio Grande do Norte. O governador do estado na época – José Augusto Bezerra de Medeiros – sancionou a lei nº 660, que determinou que pudessem votar e ser votados, sem distinção de sexo, todos os cidadãos que reunissem as condições exigidas.”( BRASIL, História Colonial, 2020).
Coincidência ou não, a lei 14.192/21, mesmo que passados praticamente um século, tem o mesmo objetivo, assegurar a mulher os direitos que já lhe foram conferidos. Um século de muitas lutas e afirmação feminina.
“Celina Guimarães Viana, professora, foi a primeira eleitora a se registrar no Brasil e na América do Sul. Em 25 de novembro de 1927, aos 29 anos de idade, ela fez um requerimento para obter registro como eleitora da cidade de Mossoró (RN).
Diversas mulheres e registraram no Rio Grande do Norte e votaram nas eleições municiais do dia 5 de abril de 1928, mas os votos foram anulados porque o Senado não reconheceu o direito de voto das mulheres. Mesmo assim, o movimento sufragista do Rio Grande do Norte ganhou repercussão internacional e entrou para a história.” (POLITIZE, 2021).
Ainda sem o direito ao voto, as sufragistas se organizaram em pequenos partidos políticos, fizeram manifestações e participaram de grandes e importantes movimentos populares.
Quando permitido o voto, em 1932 era necessário ser detentora de bens e estarem autorizadas por homem, nesse caso, seu pai ou marido, para votar ou ser eleita, situação impossível as mulheres, que geralmente não trabalhavam e mesmo quando beneficiárias de heranças, seu patrimônio era sempre administrado por seus maridos. Aquelas que trabalhavam, não possuíam a exigida condição.[2]
Somente em 1934, as restrições ao voto feminino foram eliminadas, a partir daí as mulheres, independente de estado civil ou situação econômica, sem a necessidade de autorização de terceiros, poderia exercer seu direito de eleger seus representantes e serem votadas.
O que faltou foi o rompimento cultural de submissão feminina, a partir daquele momento, a mulher caso se apresentasse contrária à vontade da classe que dominava a política, certamente estaria sujeita a repressão.
Durante esse período, os direitos femininos avançaram também em outras áreas, como a educação e trabalho, o que veio a contribuir para a melhor instrução dessas mulheres e a desconstrução dos antigos paradigmas de que estas não teriam capacidade para ocupar cargos políticos.
2.2.3 Da ditadura aos dias atuais
Com a implantação de um regime político ditatorial e junto o aumento da repressão e cassação dos direitos políticos e de manifestação, ainda sim, as mulheres desempenharam papéis significativos, estiveram à frente de grandes movimentos, chegando a se armar para enfrentar o regime militar.
Dentre elas, Dilma Rousseff, aos 22 anos, estudante de economia da Universidade Federal de Minas Gerais, dirigente da VAR- Palmares, foi encarcerada e torturada no presídio Tiradentes por se opor ao regime. Depois, eleita democraticamente a primeira presidente da república, o mais auto cargo do poder executivo do país.[3]
O que espanta é que ainda que um acontecimento e outro tenham sido muito distantes cronologicamente, infelizmente não foram tão distintos assim em relação a presença da violência política de gênero.
A primeira representante feminina do poder executivo federal foi também a primeira a ser exonerada por um processo de impeachment, que da maneira como foi conduzido, com todos os xingamentos e desrespeitos proferidos fez se agravar a política misógina presente nas casas legislativas, onde tendem a partir do pressuposto que a lei lhes confere imunidade para expressarem aquilo que bem entendem, estendem a condutas criminosas para com os outros.
Contando uma longa e dura jornada até os dias atuais, onde contamos com o recorde de participação feminina, o maior número de representantes na câmara federal, com 77 deputadas, sendo esta a primeira vez que três delas ocupam a mesa da direção, elas ainda são responsáveis por 25% das propostas na área da saúde e 22% das propostas na área da educação, ainda que expressivo, só ocupam 15% do total das cadeiras.[4]
2.3 A violência política como instrumento de cerceamento do livre exercício dos mandatos das mulheres
Infelizmente, a realidade da política brasileira é cercada de preconceitos, por ter uma maioria não representativa das camadas mais vulneráveis do país. Por esse motivo, tornaram-se corriqueiras as violências sofridas pelas “minorias” geradas pelos demais.
Hoje no Brasil, de acordo com pesquisa realizada pela justiça global
“menos expostas a assassinatos e atentados, as mulheres na política são submetidas a um cenário cotidiano de ameaças, (micro e macro) agressões, humilhações e ofensas. Enquanto o corpo físico do homem é um alvo central de ataque, na lógica do oponente político que precisa ser eliminado, a baixa representação de mulheres na política e a estigmatização do seu papel levam a uma dinâmica de não reconhecimento das mulheres como iguais, o que faz com que sua dignidade seja o principal alvo de ataques.” (GLOBAL, 2020).
As mulheres são principal alvo dos ataques, o que as impede de prestar um bom serviço dentro das atribuições de seus cargos, além de prejudicarem diretamente suas campanhas. Quando um direito é frequentemente ignorado, torna-se um grande problema dentro daquele nicho.
Quando conseguem furar os bloqueios das violências eleitorais e chegam a cargos dentro dos poderes, não conseguem dar continuidade a suas propostas e projetos por conta do cerceamento dos seus direitos políticos.
Para que haja um trabalho efetivo, principalmente dentro das casas legislativas, é preciso cooperação entre os representantes. É difícil encontrar quem apoie, tanto nas pautas femininas quanto nas que tratam de outros assuntos, mas defendidas por mulheres. Essas por sua vez, para que haja aprovação, trabalham o dobro ou o triplo nas articulações.
Situação tal qual que é desanimadora, estar sempre engessada por conta de paradigmas antigos e insustentáveis, porém, persistentes.
As ameaças e violências físicas, por sua vez, também afetam o direito de liberdade de locomoção das vítimas, que convivem com o medo, precisam de equipes para sua proteção, entre outros artifícios que garantam sua integridade física e de sua família. Essas intervenções dificultam a atuação das representantes, que ao invés de se preocuparem com seus mandatos, que seria o ideal para estarem em paridade de armas para com os demais colegas. O ambiente hostil é aquele que oprime a situação desde o primeiro segundo.
As mulheres eleitas ou candidatas sofreram, no período de 2016 à 2019, aproximadamente 34% das ameaças registradas, 5,8 vezes mais do que a quantidade de representação em cargos eletivos. Quando o assunto são as ofensas, a situação se torna bem pior, pois são vítimas de 76% dos casos registrados no país.[5]
Um exemplo muito claro desse tipo de violência física foi o assassinato da vereadora do Rio de Janeiro Marielle Franco, no ano de 2018. Um crime político, que até hoje, mesmo com a grande repercussão no Brasil e no mundo, não conseguiu ser totalmente solucionado.
Para Mônica Francisco (PSOL), deputada estadual pelo Rio de Janeiro e ex-assessora de Marielle Franco, o ano começou após a execução da vereadora, um crime que, analisa, teve vários significados.
“O principal é que a democracia no Brasil já era percebida pelas camadas populares como muito frágil e [a morte da Marielle] foi uma resposta dos setores conservadores à presença de uma mulher negra, lésbica favelada, política e mãe ocupando um espaço de poder”. (GLOBAL, 2020).
Após a sua execução, os ataques a sua imagem não cessaram, buscando manchar a trajetória da deputada, diversas notícias falsas foram disseminadas. Durante as eleições, quando o discurso de ódio virou palanque político nesse ano, dois candidatos filiados ao PSL rasgaram a placa de rua que homenageava a deputada, personificando a violência. Entretanto, meses depois, os mesmos deputados, Rodrigo Amorim e Daniel Silveira, foram eleitos com 140 mil e 30 mil votos, respectivamente, demonstrando à institucionalização da violência por parte também da população.[6]
Marielle é o exemplo de que o próprio discurso e a opinião política, se você está nas camadas vulneráveis como estão as mulheres, pode fazer com que você seja morta. Para além disso, independente do seu “lado”, independente daquilo que você julga como correto e da sua ideologia, se você for mulher e estiver na política, está sujeito a sofrer por essa condição.
No que tange à violência política de gênero no âmbito sexual, temos um exemplo recente, que por ter sido registrado por vídeo, foi bastante reproduzido e influenciou, causando uma pressão positiva na promulgação da nova lei. A deputada estadual de São Paulo, Isa Penna, sofreu assédio de um de seus colegas de plenário, quando este passou a mão no seu seio durante uma sessão.
Em decisão histórica, a câmara suspendeu o mandato do deputado por 180 dias, entretanto, houve uma grande resistência por parte de demais parlamentares na aplicação da punição. Nesse ponto é que se dá a importância da discussão dessas condutas, porque ainda que registrada à violência e possível de reconhecimento a qualquer pessoa, houve a resistência para se aplicar as medidas cabíveis ao agressor.
Esses acontecimentos demonstram a necessidade de discussão das pautas que envolvem não só a repressão à violência, mas aquelas que remetem a educação e conscientização, para que não se repitam os mesmos episódios no futuro.
2.3.1 A era dos discursos de ódio e a violência política de gênero
Com cada vez mais a atualidade e esferas das mais diferenciadas se ligando as redes sociais e meios de comunicação digital, se difundiu a cultura do cancelamento, que como já era esperado em um país tão desigual em questões de gênero, tem as mulheres como maiores vítimas, reverberou também no ambiente político. Os discursos de ódio em redes sociais e as falsas notícias se tornaram cada vez mais frequentes e passaram a exercer papel impeditivo do direito de manifestação e liberdade das mulheres que tem algum tipo de participação política.
De acordo com a iniciativa TretAqui, canal desenvolvido por organizações da sociedade civil para facilitar a denúncia de discursos de ódio, 24% dos casos registrados contra campanhas tiveram como motivo discriminação contra a mulher. Os números refletem um momento de maior intensidade do discurso que ataca minorias políticas.[7]
No mesmo ano, Manuela D’avila, candidata a vice presidência, que em episódio anterior, quando deputada, já havia sido julgada por uma foto que rodou o mundo onde amamenta sua filha na sessão do plenário da Câmara do Rio Grande do Sul. A foto virou um símbolo de resistência política feminina e maternal, mas também foi duramente criticada pelos mais conservadores.
Com o exemplo do que ocorreu nas eleições, Manuela foi ainda mais atacada, evidenciando com esses dois episódios de sua trajetória, que toda violência eleitoral é também política, mas que nem toda violência política é eleitoral.
Passadas as eleições de 2018, a violência política que foi palanque, virou maneira de governar com o considerado governo autoritário, que passou a afetar não só a oposição, mas as mulheres aliadas.
Como meio de manipulação, instaura-se o medo, à violência psicológica tem muitas vezes os ataques morais a aquilo que possivelmente seria a ferida aberta. Basta discordar daqueles que a décadas dão as ordens para se tornar mais uma vítima.
A então líder do governo na câmara, Deputada Joice Hasselmann, depois de ter feito criticas ao partido do qual era filiada (PSL) teve sua aparência atacada por políticos de seu próprio partido, além de ser comparada a um porco e ter diversas montagens feitas com suas fotos nesse sentido, também recebeu em sua casa uma cabeça de porco acompanhada de um bilhete escrito “vai morrer, ou vai sofrer”, "As ofensas no embate político são comuns, mas, enquanto o homem é chamado de ladrão ou de burro, a mulher é atacada por questões pessoais, normalmente relacionadas à aparência e a um suposto descontrole emocional. Então é sempre a gorda, a feia ou a louca, a histérica"[8], afirma a advogada Maíra Recchia, secretária-geral da Comissão de Direito Eleitoral da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) São Paulo e integrante da Rede Feminista de Juristas.
Fica fácil compreender que a mensagem é que mesmo que obrigados pela lei a terem cotas femininas nas eleições e incentivo para isso, consideram apenas acessório, não atoa existem as práticas das candidatas fantasmas que atendem a cota dos partidos. /
2.3.2 A ausência de representatividade como ameaça à democracia
O grande problema em questão é que se instala com esses ataques um medo nas mulheres que tem vontade de atuar e contribuir para a política do país, o ambiente se torna hostil a presença das mulheres, totalmente despreparado a receber as mulheres que tem a possibilidade de influenciar de maneira positiva.
Tão despreparado que somente no ano da constituinte de 1988 que foi ser construído um banheiro feminino no plenário da câmara e só em 2016, após 55 anos da inauguração do senado federal foi instalado um banheiro feminino na área comum e as mulheres passaram a poder usar o sanitário dentro do plenário.[9]
Só se alcança a representação a partir do exemplo e da identificação, dessa maneira, com a aflorada desigualdade de gênero e o preconceito, ficam impossíveis a conquistas de espaços. Por esse motivo, existem diversos movimentos populares, pela afirmação das mulheres dentro da política, que traz desde acompanhamentos educacionais, formando essas mulheres para entender a administração pública e o seu futuro papel. O que não podemos e não deve ser necessário é que essas mulheres precisem estar preparadas para lidar com à violência sem que essa implique em seu dia a dia, porque para isso é necessário educar e reprimir aos agressores.
Em se tratando de um país plural, e de dimensões geográficas e culturas muito diversas, também precisamos tratar a necessidade de representatividade em comunidades menores ou mais carentes, onde poucas políticas públicas do Estado alcançam e os poderosos prevalecem por sua política assistencialista, de maneira que não haja espaço para renovação é tão logo para as mulheres.
Nas cidades do interior a ausência de representação se torna ainda mais corriqueira, pela política ainda ser dominada por famílias, empresários e comerciantes locais que vem a décadas se elegendo ou a aos candidatos que os tem como apoiadores.
Exemplo claro dessa política interiorana, é Damires Rinarlly, única mulher e mais jovem eleita vereadora de Conselheiro Lafaiete – MG, foi alvo de ameaças e perseguição por um cidadão da cidade, que também concorreu ao cargo de vereador, mas que não foi eleito, depois da vereadora ter apresentado proposta de lei que assegura direitos a Transgêneros.[10]
Ainda assim, Damires permanece sendo a voz das minorias em sua cidade, trabalhando com responsabilidade e realizando uma verdadeira revolução na política local.
A representação como liderança em partidos políticos também é escassa, o que não condiz com o número de candidaturas, justamente por ainda ser considerada por alguns como somente um número dentro desses partidos e não como uma boa representante e influente, que possa trazer muitos pontos positivos.
Somente 3 dos 30 partidos com representação no Congresso têm presidentes mulheres (PT, PCdoB e Podemos).
” Os números não condizem com a taxa de filiações: dos 16,7 milhões de filiados a partidos no Brasil, 44% são mulheres, segundo a Justiça Eleitoral. A falta de mulheres em posições de liderança nos partidos resulta diretamente na disparidade de divisão de verba, segundo a professora de Direito da FGV (Fundação Getúlio Vargas) e pesquisadora em gênero e política Ligia Fabris. A dificuldade em acessar os recursos também é considerada um problema para a representação.” (Revista trab. Iniciaç. Cient. UNICAMP, Campinas SP, n. 26, out. 2018.)
Se torna algo totalmente paradoxal que homens que em sua maioria contribuem para a repetição de práticas de assédio, perseguição e assédios sexuais e morais contra as mulheres legislem em favor das mesmas.
A pesquisadora Simone Boró e Andrea Marcondes de Freitas, que investigam a participação das mulheres na política ressaltam que:
“A desigualdade na representatividade por gênero no país, marca perniciosa e generalizada, é refletida no âmbito político pela baixa representação feminina nas esferas decisórias, ou seja, o acesso à política formal para as mulheres não corresponde à sua proporção na sociedade brasileira. A baixa representatividade feminina na obtenção de cargos eleitorais pode ser tida como um reflexo direto da diminuta participação das mulheres nas organizações partidárias brasileiras, pois se os instrumentos partidários não estimulam a igualdade de gênero internamente, o resultado eleitoral não se apresentaria de modo distinto” (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA, 2019)
Além da propositura da nova lei, que criminaliza essas condutas, os movimentos populares fazem com que a pressão por mudanças ocorra. Nesse sentido, a população é fundamental para dar credibilidade aos mandatos, a confiança depositada pelo povo faz com que as representantes ganhem força em suas pautas e exerçam melhor seu trabalho
A formação da sociedade foi pautada no protagonismo do homem, responsáveis pelas tomadas de decisões, as mulheres terminaram por ter um papel secundário, entretanto, como já apresentado, vieram sem esmorecer, conquistando seu espaço.
A ideia para essa pesquisa e essa seção, nasceu principalmente do Livro escrito pela Deputada Federal Tabata Amaral, a segunda mulher mais votada do país, criada na periferia de São Paulo que hoje ajuda as mulheres em ascensão na política. Aí fica clara a importância da representatividade tão valorizada pela própria deputada, é a possibilidade de sonhar.
Representatividade é inspiração, entender que pode estar onde quiser e como quiser, fazer a diferença e transformar, romper o paradigma é importante para que mais pessoas possam se imaginar em lugares antes muito distantes.
Tabata ressalta brilhantemente em seu livro “Nosso Lugar- O caminho que me levou a luta por mais mulheres na política” o quanto é importante romper o histórico e promover mudanças.
“Quando nós formamos, eu soube que estávamos escrevendo uma história diferente para nós duas. Por meio da educação, estávamos escapando dos abusos e violências que haviam marcado a trajetória das minhas avós e tias. Foi só então que deixei de ter medo de que as histórias das mulheres da minha família se repetissem, de alguma forma, em nossas vidas. e grande destaque.” (AMARAL, Tabata, Nosso lugar- O Caminho que me levou a luta por mais mulheres na política, 2020).
Além disso fazendo um comparativo com países do mundo inteiro, dos mais diferentes possíveis, demonstrando que o aumento da participação feminina também contribui para melhora dos índices básicos e diminui a ocorrência de corrupções.
Segundo estudo da ONU, o Brasil ocupa o nono lugar de onze, dos países da América Latina sobre direitos políticos femininos.
“Segundo o estudo, a legislação brasileira é frágil e teve baixo impacto porque faltam mecanismos institucionais que garantam sua efetividade e incidência nas condições de competitividade das candidaturas femininas.”
“Eliminar todas as formas de violência contra as mulheres nas esferas pública e privada contribui diretamente para garantir a participação plena e efetiva em todos os níveis de tomada de decisão e realização dos direitos humanos das mulheres. É importante que as pessoas conheçam e reconheçam a violência política, entendam como ela se manifesta e afeta mulheres em sua diversidade e apoiem as vítimas. Mulheres com potencial para realizar contribuições substantivas para a sociedade, conquistar votos e serem eleitas têm sido afastadas dos processos eleitorais por conta da violência enfrentada na política e nas eleições. Isso não pode acontecer. Para reverter este quadro, convidamos todas as pessoas e instituições atuantes nos mais variados campos a se conscientizarem e a se unirem na prevenção e resposta à violência política. É o momento de garantir que as mulheres possam concorrer em pé de igualdade com os homens na corrida eleitoral, no exercício da função pública e na atuação política em defesa de seus direitos nas cidades”, reforça a representante da ONU Mulheres Brasil, Anastasia Divinskaya.
Os índices do Brasil são muito ruins quando se julga igualdade de gênero no cenário mundial, mas se apresentam ainda piores quanto a igualdade na política, as mulheres tornam-se reféns das situações e por isso a importância da lei que combate a esses abusos históricos.
Vários países da América Latina já incluíram em seu ordenamento jurídico leis semelhantes a recentemente implantado no Brasil. A Bolivia por exemplo, foi pioneira e até pouco tempo a única a ter legislação específica sobre o tema, muito à frente dos demais, implantando em 2012 políticas públicas para o combate à violência política de gênero. Nós demais países foram incorporados artigos a legislação de combate à violência contra a mulher as especificidades do tipo na política, outros tem projetos e iniciativas que ainda não foram convertidos em lei.[11]
Usando de exemplo a pioneira na discussão, a Bolívia consegue ser um bom parâmetro para demonstrar o quanto a proteção a representatividade é também proteção à democracia. Anos após a promulgação da lei de combate à violência política as mulheres alcançaram a paridade na câmara e a maioria no senado.
A realidade entre a Bolívia e o Brasil é totalmente diferente em muitos pontos, mas o que se busca exemplificar é que o objetivo é o mesmo: a manutenção da democracia por meio da paridade e alternância na representação e na garantia dos direitos políticos. As leis servem para justamente encurtar essa distância entre homens e mulheres no poder.
2.3.3 As mudanças trazidas pela lei 14.192/21
Partindo de uma análise social, a lei estabelece normas para prevenir, reprimir e combater as ocorrências semelhantes às que foram exemplo nessa pesquisa, contribuindo para um país com condições de igualdade também na esfera política, para que haja a igualdade nas propostas que atendam ao mesmo público.
Entretanto, trazendo o histórico legislativo, se difere das demais leis de mesma pauta, por não se tratar de mecanismo que “facilite” a inserção feminina na política, mas garanti-la.
Desde 1995, foram instituídas as cotas eleitorais das candidaturas femininas, entretanto, somente em 2009 se tornou obrigatória fazendo com que haja no mínimo 30% e no máximo 70% de candidaturas de cada gênero nas listas dos partidos. Em 2018, o STF decidiu que 30% do fundo partidário deveria ir para candidatas mulheres e mais recentemente em 2020, o TSE estabeleceu que as mesmas proporções deveriam ser aplicadas as disputas dentro dos partidos, alterando bastante as legendas.[12]
Apesar de grandes conquistas, essas leis também padecem da violência política de gênero, isso porque, a maioria das candidatas, por conta de diversos esquemas criminosos, não recebe o financiamento adequado para suas campanhas, é privada do seu direito a tempo em propaganda nos meios de comunicação e não tem apoio da sua base aliada para se elegerem.
Do ponto de vista jurídico, a nova lei acrescenta além da conceituação de tal prática, também dispõe sobre divulgações de conteúdos inverídicos e modificações no código eleitoral no sentido de aumento de pena em quem incorre em tal crime. Faz modificações e complementa as demais, como a Lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965 (Código Eleitoral), a Lei nº 9.096, de 19 de setembro de 1995 (Lei dos Partidos Políticos), e a Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997 (Lei das Eleições).
Confere importância a declaração da vítima e aos elementos indiciativos, em razão de muitas vezes, as vítimas apresentarem dificuldade de obter meios materiais de provas, as violências ocorridas em reuniões a portas fechadas, por exemplo.
Assim como ocorre na lei que reprime à violência doméstica, essa disposição do parágrafo único do art.2, faz com que se priorize o imediato exercício do direito violado, entretanto não abre margem para que haja o desrespeito ao contraditório, uma vez que a versão da vítima deve ser acompanhada dos elementos indiciativos.
Em relação aos conteúdos expostos, a lei atinge justamente a produção das fake news, punindo não só aqueles que produzem os conteúdos ofensivos, mas também aqueles que disseminam fatos inverídicos. Abrange também a discriminação que cumula a condição de seu sexo, à sua cor, raça ou etnia e os meios pelos quais ocorrem, passando a observar os casos ainda mais frequentes e com menos visibilidade.
A Violência Política de Gênero passa com o advento da lei 14.192/21, a ser além de um crime comum, que sob o enfoque de ser tratado como o que viola bens jurídicos triviais das pessoas em geral, também como um crime político que visa atingir a configuração ideológica das vítimas e o Estado Democrático de Direito.
Nesse sentido, o STF, conceitua como crime político da seguinte forma:
“1. Crimes políticos, para os fins do artigo 102, II, b, da Constituição Federal, são aqueles dirigidos, subjetiva e objetivamente, de modo imediato, contra o Estado como unidade orgânica das instituições políticas e sociais e, por conseguinte, definidos na Lei de Segurança Nacional, presentes as disposições gerais estabelecidas nos artigos 1º e 2º do mesmo diploma legal. 2. “Da conjugação dos arts. 1º e 2º da Lei nº 7.170/83, extraem-se dois requisitos, de ordem subjetiva e objetiva: i) motivação e objetivos políticos do agente, e ii) lesão real ou potencial à integridade territorial, à soberania nacional, ao regime representativo e democrático, à Federação ou ao Estado de Direito. Precedentes” (RC 1472, Tribunal Pleno, Rel. Min. Dias Toffoli, Rev. Ministro Luiz Fux, unânime, j. 25/05/2016). – RC 1743, rel. Min. Luiz Fux, j. 14.11.2017
O Estado Democrático de Direito se fundamenta na ideia de liberdade de expressão e pensamento, mas esses valores também devem respeitar as particularidades das minorias e não serem escudos para a realização de práticas que ferem o livre exercício dessas camadas.
Embora tratado na Constituição, o crime político precisa de contornos que auxiliem na sua interpretação, a lei 14.192/21 faz esse papel de especificar e delimitar, para que não haja prejuízo a democracia e as garantias já dispostas.
Tendo em vista que como já apresentado, as práticas infelizmente são corriqueiras a outras esferas e não exigem determinada condição do agente. As condutas tipificadas a partir da promulgação da nova lei também incorrem os crimes virtuais e garante paridade de representação entre os gêneros em debates políticos
A criminalização específica, ainda que tenha penas brandas, traz aumento a agravantes quando a vítima for gestante, maior de sessenta anos ou possuir deficiência física e nesses casos se admite a prisão preventiva.
Para que possamos compreender o motivo pelo qual essas penas são agravadas é só levarmos em consideração o grau de vulnerabilidades das vítimas que nos casos especificados as condutas descritas na lei atingem e causam danos muito maiores aos que não estão dentro desses grupos. Pelo motivo da agravante, aumentando-se a pena, é possível que dados os pressupostos legais para tal, gere principalmente efeitos para garantir a conveniência da instrução penal e assegurar a aplicação da lei, situações que recorrentemente obstaculizam a devido prosseguimento de investigações e ações penais que envolvem crimes de violência política.
É crime doloso, exigindo a especial finalidade do agente e formal porque não se exige que tenha essa finalidade sido alcançada.
Outro aspecto que deve ser observado é que o crime de violência política de gênero, assim como todos os crimes eleitorais tem como vítima a sociedade, sendo as mulheres vítimas secundárias do delito. Tem como bem jurídico tutelado a lisura das eleições e a regularidade no exercício do mandato.
Por esta razão, só vem a se configurar quando afronta o Estado Democrático de Direito por meio da violação dos direitos políticos de outrem, sendo tratado e tipificado desta forma somente em decorrência de tal afronta em razão de gênero, devendo se for o caso, ser complementada por outros dispositivos penais as demais condutas perante as ofendidas particularmente para abranger o crime em sua totalidade.
O que deve ter bastante discussão doutrinária é a lacuna deixada pelo legislador que prioriza somente a condição de gênero deixando os demais itens de discriminação como acessórios da conduta ilícita voltada apenas contra a mulher.
Esse aspecto se torna um grande contra da lei uma vez que não é abrangente a todas as minorias representativas na política. Para que fosse completa, seria necessário que o ordenamento protegesse a todos aqueles que de alguma forma são constantemente alvo de violência nesse cenário.
Importante salientar, que o conceito de mulher inclui as transexuais, como já preconiza em relação a lei Maria da Penha e demais dispositivos legais. Não se fazendo necessária a presença de tal descrição na lei, estando pacificado este entendimento.
É crime que não permite acordo de não persecução penal pois está dentro do disposto no art 28-A, inciso X do CPP, “nos crimes praticados no âmbito de violência doméstica ou familiar, ou praticados contra a mulher por razões da condição de sexo feminino, em favor do agressor”. Apesar de serem crimes contra a sociedade, sendo a ofendida do sexo feminino, enquadra-se na descrição do artigo
O que deve ser observado é que o crime eleitoral de violência política de gênero restringe-se as mulheres, descreve com maior amplitude comportamento que prejudicam sua presença política, mas que já existem no ordenamento jurídico em outros pontos.
Nesse sentido, a jurisprudência deve inclinar-se para que a lei 14.192/21 produza efeitos somente a ameaças do Estado Democrático de Direito, sendo competência para processar e julgar da Justiça Eleitoral.
As modificações na lei são importantes porque a partir das sua implementação e das sanções penais aplicadas, que se dá o caráter punitivo, à aqueles que praticam tal violência, aplicando a coerção a conduta, e o caráter educativo, que desestimula a repetição do crime pelos demais.
É importante ressaltar que como já exposto, a maior parte dos agentes violadores dos direitos políticos das mulheres são aqueles com que as mesmas disputam vagas ou compartilham espaço, que estão inseridos nesses contextos. Com a criminalização específica dessas condutas violentas em relação as mulheres, torna-se possível que estes agentes fiquem inelegíveis, pelo simples andamento de processo na justiça eleitoral.
Essa possibilidade trazida pela mudança com a lei 14.192/21, é um grande diferencial pois pune diretamente e de maneira severa, aqueles que em sua maioria são os responsáveis pela manutenção do ciclo de violência no ambiente político.
Dessa forma, se torna eficaz em combater a sub-representação feminina que é o principal problema dentro do cenário político gerado pela violência de gênero, conforme já explicitado.
A lei, ainda que exija que tenham por vítimas exclusivamente mulheres, consegue estabelecer através de seus artigos, uma “paridade de armas” nas disputas a cargos eletivos e exercício de mandatos, uma vez que o grupo socialmente excluído desse nicho precisa de incentivos para sua permanência.
3. CONCLUSÃO
Conclui-se dessa forma que dado os diferentes tipos de violências sofridas pelas mulheres ao longo da história, os últimos acontecimentos e cenário político brasileiro, a lei 14.191/21 se faz necessária para a garantia dos direitos assegurados pela Constituição e por todo o ordenamento jurídico, de maneira que mantenha assegurado o Estado Democrático de Direito.
Faz importantes pontuações e estabelece mecanismos de proteção, para encurtar o caminho e garantir a pluralidade dos representantes, acompanhando a pluralidade da população, ainda que deixe de observar alguns pontos que não colocam em pauta as mulheres mais atingidas, como as negras e LGBTQIA+.
O problema central trazido nessa pesquisa, qual seja até que ponto a tipificação pode contribuir para o rompimento do histórico de violência, é respondido justamente a partir do estudo social, vez que não há conduta naturalmente delitiva ou pessoa naturalmente criminosa. O objetivo e eficácia da lei estão em serem mecanismos de rompimento de um dos ciclos sociais de violência de gênero.
O benefício para sociedade num todo, diferente do que aconteceu por séculos, está na conscientização e no enfrentamento da violência política de gênero como compromisso firmado do Estado.
De seus próprios caminhos, as mulheres devem ser protagonistas, escreverem a sua própria história e abrirem as portas para que outras também tenham a mesma oportunidade. É dever do Estado garantir o livre exercício dos direitos políticos e sociais da população e a lei é a forma em que se apresenta essa garantia e pune aos agentes que incorrem em tais práticas, objetivando instaurar uma política com paridade e alternância entre os gêneros.
Ainda é um tema muito novo e os efeitos da implementação da lei, só devem começar a serem vistos daqui a algum tempo, mas é um importante avanço em políticas públicas pela igualdade de gênero e a diversidade das casas legislativas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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[10] Disponível em: <https://www.onumulheres.org.br/noticias/onu-mulheres-lanca-18campanha-de-enfrentamento-a-violencia-contra-as-mulheres-nas-eleicoes>. Acesso em: 21.10.2021
[11] Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/L14192.htm>. Acesso em: 19.10.2021
[12] Disponível em: <http://genjuridico.com.br/2021/09/20/crimes-de-violencia-politica/>. Acesso em: 20.10.2021
Graduanda em Direito pela Universidade Estácio de Sá.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RIBEIRO, CLARA BEATRIZ LIMA TELLES. Violência Política De Gênero, o Histórico Depreciativo à Participação das Mulheres na Política. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 16 jan 2023, 04:19. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/60808/violncia-poltica-de-gnero-o-histrico-depreciativo-participao-das-mulheres-na-poltica. Acesso em: 21 nov 2024.
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