FERNANDO FURLAN[1]
RESUMO: O presente trabalho tem o objetivo de trazer, de forma clara e concisa, todo contexto histórico da violência doméstica, seus impactos na vida das mulheres, assim como de seus familiares, explanando quais são as principais causas para a permanência em um relacionamento abusivo. Busca-se elucidar sobre a importância de manter os meios de combate a esse mal ao alcance daquelas que mais padecem, bem como, dá-lhes guarida quando o lar deixar de ser um ambiente seguro. Enfatiza-se, também, no decorrer do trabalho, qual conduta deverá ser adotada pelas autoridades, tanto policias, quanto judiciária, no que tange ao atendimento das vítimas, as penas aplicáveis ao agressor, o que lhe é cabível, o que lhe ocorrerá em caso de descumprimento e, o mais importante, o quão relevante é o envolvimento de toda a sociedade no combate a essa doença social que assola todas as camadas existente em uma sociedade.
Palavras-chave: Violência doméstica; Gênero; Consequências; Lei Maria da Penha; Eficácia/ ineficácia.
ABSTRACT: The present work aims to clearly and concisely bring the entire historical context of domestic violence, its impacts on the lives of women and their families, which are the main causes for staying in an abusive relationship. Significantly, the importance of keeping the means of combating this evil within reach of those who suffer the most is emphasized, as well as giving them shelter when the home is no longer a safe environment. It is also emphasized in the course of the work, what conduct should be adopted by the authorities, both police and judiciary, regarding the care of victims, the penalties applicable to the aggressor, what is applicable to him, what will happen to him in case of non-compliance, and most importantly, how relevant is the involvement of the whole society in the fight against this social disease that plagues all layers of a society.
Keywords: Domestic violence; Genre; Consequences; Maria da Penha Law; Effectiveness/ineffectiveness.
1 INTRODUÇÃO
A Declaração Universal das Nações Unidas, de 1949, a qual trata do assunto Violência Contra a Mulher, trouxe um conceito básico para violência, denominando-a como “todo e qualquer ato embasado em uma situação de gênero, na vida pública ou privada, que tenha como resultado dano de natureza física, sexual ou psicológica, incluindo ameaças, coerção ou a privação arbitrária da liberdade.
Essa problemática, que na atualidade já ganhou status de “Doença Social”, arrasta-se desde o início das civilizações, revelando que não tem época e nem tão pouco fronteiras, além de sempre existir em todos os lugares e em todas as culturas. Como também está inscrita em todas as leis, então, para melhor aclarar e demonstrar a perpetuidade da violência de gêneros, basta pensar nas mulheres do Afeganistão que não podem estudar, trabalhar ou passear sem serem escoltadas por seus maridos ou por outros familiares.
Podemos afirmar, com bastante ênfase, que a violência contra a mulher é, em grande parte, resultado da relação hierárquica estabelecida entre os sexos, que se manifesta historicamente nas diferenças estabelecidas nos papéis sociais de homens e mulheres, que são resultado de uma educação caracteristicamente preconceituosa em razão dos gêneros, pois o processo de formação de gênero se desenvolve através do convívio social por meio de escolas, famílias, igrejas, amigos, bairros e ferramentas de comunicação de massa.
É inegável que alguns questionamentos surgem em um momento no qual cresce, de maneira significativa o real papel da mulher na sociedade e o empoderamento desta classe, posto que se tornou uma tarefa complexa compreender por que o Brasil, mesmo tendo uma das três melhores leis no combate à violência doméstica no mundo, figura ainda entre os cinco países com maior taxa de feminicídio. Há de se destacar, que a partir do instante no qual realizamos uma análise aprofundada no Mapa da Violência, somos surpreendidos com dados assustadores, os quais demonstram que o Brasil ocupa uma ordem relevante no ranking mundial no que diz respeito violência doméstica, galgando em direção a sétima vaga em uma lista de oitenta países, compondo assim uma taxa de 4,5 mortes para cada 100 mil mulheres.
É notório quão grave tornou-se essa problemática social envolvendo a violência doméstica contra a mulher, a miscigenação nunca foi tão latente dentro das sociedades mundiais, fala-se em segregação de gênero, enquanto que na verdade ocorre uma inferiorização de um sobre o outro, no qual este último impõe sobre a classe dominada seus ritos, gritos e, por assim dizer, costumes que negativamente vem perpetuando-se ao longo dos tempos, afetando as gerações atuais, formando homens egoístas, machistas, preconceituosos, dominadores, os quais não conseguem enxergar as mulheres como seres detentores de direitos e deveres, que podem sim assumir lugares antes ocupados apenas por homens, não aceitam o simples fato de um relacionamento chegar ao fim por vontade da Mulher.
2 DESENVOLVIMENTO
2.1 Contexto Histórico
Notadamente, sabe-se que desde os primeiros tempos, os relatos sobre atos de agressões em desfavor das mulheres fizeram-se presente, assim, pode-se dizer que a violência imposta à esta classe é histórica e que seu surgimento está intrinsecamente ligado a uma sistemática firmada na dominação de um gênero sobre o outro. Nesta linha de pensamento, não restará às mulheres senão o dever de obedecer, em nome de um suposto equilíbrio familiar e social, que por vezes foi introduzido e reproduzido pelas próprias mulheres em virtude de uma cultura hierarquizada.
Por outro lado, delineia-se oportuno lembrar que esse grupo possuía poucos ou quase nada de direitos e seu dever eram estar sempre ao lado do seu protetor que poderia ser o pai, o irmão ou marido. Como já dito em linhas pretéritas, a subordinação da mulher na sociedade patriarcal sempre se apresentou com naturalidade, ao passo que estas carregavam consigo princípios e tinham o dever de guardar sua a honra, do contrário, mesmo que estuprada, poderia ser morta para preservar a posição social de seu suposto protetor, gestos que configuram uma violência absurda e discriminatória que, infelizmente, ainda persiste em algumas partes do mundo.
Sob esse prisma, frisa-se que, além de persistir, crescendo de maneira gradativa nas sociedades e afetando direta e indiretamente todas as classes sociais, a violência doméstica contra a mulher tem suas origens diretamente relacionadas ao poder, privilégio e controle concedidos aos homens por uma cultura machista e preconceituosa. Nessa vereda, assevera-se que essa dominação de um gênero sobre o outro já esteve estampado na própria Lei Penal brasileira de 1890, artigo 268, o qual conceitua o crime de Estupro, estabelecendo a pena aplicável ao caso e evidentemente trás as peculiaridades do ilícito. Vejamos a literalidade da lei noutrora:
Chama-se estupro o ato pelo qual o homem abusa com violência de uma mulher, seja virgem ou não, mas honesta.
Pena – se a estuprada for mulher honesta, virgem ou não, um a seis anos de prisão celular.
Se for mulher pública ou prostituta a pena é de seis meses a dois anos de prisão.
Como verificado acima no dispositivo legal, existia uma guarida ao homem, mesmo quando este praticava um crime bárbaro como o estupro, percebia-se claramente a inversão das condutas, na qual a vítima era apenada duas vezes pelo simples fato de não ser considerada honesta diante da sociedade. Na atualidade, pode-se afirmar que esse pensamento soa como uma verdadeira aberração, visto que se trata de uma conduta moral de cada indivíduo, não cabendo ao Estado dizer ou desdizer sobre os fatos ocorridos.
Conforme aduzidas em linhas anteriores, em que pese o assunto ser antigo, pode-se dizer que a violência doméstica e familiar contra a mulher nunca esteve entre os debates das grandes sociedades, nem mesmo políticas públicas existiam, conquanto, não se falava em combater esse tipo de ato um tanto quanto violento. Registra-se, ainda, que existia a compreensão de que a ingerência do Estado nas relações familiares seria um abuso, vez que não caberia a este normatizar relações afetivas, por acreditarem que esse tipo violação não proporcionaria impactos na sociedade, somando-se a esses fatores a ignorância e a falta de esforços suficientes do Estado para que as leis vigentes sejam cumpridas, posto que, a segurança do indivíduo é um direito fundamental garantido pela Carta Magna de 1988.
Segundo as lições de Alessandra Campos Morato:
Essa omissão reflete a não compreensão da violência pelo Estado como algo que ultrapassa os limites da relação homem/mulher, gerando vítimas secundárias que tendem a reproduzir a violência aprendida. Quando se fala em violência no casal, muito pouco se discute sobre os malefícios que isso traz para os filhos, os vizinhos, a família e a comunidade que presencia tais atos cotidianamente.
A violência no casal é matéria de ordem pública porque ultrapassa questões individuais, e que atingem toda a sociedade.
Corroborando com a autora mencionada acima, deduz-se que a impetuosidade doméstica não deve ser interpretada isoladamente, à medida que a família está inserida na sociedade, sendo afetada diretamente pelas relações interpessoais determinadas no âmbito doméstico. Todavia, tecidas essas considerações necessárias, bem é de ver, outrossim, que com o decorrer do tempo a sociedade e o Estado visualizaram a necessidade de conceder a devida importância ao problema da violência doméstica contra a mulher no Brasil, criando-se, então, uma lei específica para tratar desses casos - Lei 11.340/2006, denominada de Lei Maria da Penha.
À luz da Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), mormente em seu artigo 5º e seus incisos, encontramos o conceito dado a esse tipo de ato tosco, grosseiro, desumano e inaceitável praticados em face das mulheres brasileiras, assim como daquelas que vivem noutros países, posto que essa problemática social atinge outras sociedades e, por vezes, até de forma mais cruel, vejamos:
Art. 5º Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:
I- No âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas; II - No âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa; III - Em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação. Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual.
Art. 6º A violência doméstica e familiar contra a mulher constitui uma das formas de violação dos direitos humanos.
Posta assim a questão, é de se dizer que, de todos os tipos de cólera existente, aquela que atinge diretamente o convívio familiar consiste na forma mais bárbara, por se tratar de uma violência silenciosa, normalmente praticada sem testemunhas e cometida por alguém em quem a vítima deposita confiança e com a qual mantém vínculo afetivo.
Por derradeiro, porém não menos importante, no que tange o contexto histórico da violência contra à mulher, existe uma explicação suplementar para sua grande ocorrência no Brasil. A mesma não está ligada apenas à lógica da pobreza, desigualdade social e cultural, mas sim estão pautados em fenômenos marcados profundamente pelo preconceito, discriminação e abuso de poder do agressor para com a vítima, geralmente mulher, criança, adolescente ou idoso, pessoas nas quais, em razão das suas peculiaridades, e que estão em situação de vulnerabilidade na relação social.
2.2 As formas de violência estabelecidas pela Lei 11.340/2006
De acordo com artigo 7º da lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha):
São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras: I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal; II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause danos emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação; III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos; IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades; V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.
Esclarecendo de maneira simples cada tipo de violência explicitada em lei, diz-se que a violência física é a consubstanciada no emprego de força de modo a ofender a integridade corporal ou saúde da vítima, deixando ou não marcas externas. No que tange a violência psicológica, é entendida como aquela que causa danos emocionais e, em regra, está presente no crime de ameaça. No que se refere a violência sexual é qualquer ação cometida no sentido de constranger a mulher a manter relações sexuais – ainda que no âmbito da relação conjugal – a presenciar práticas sexuais, a se prostituir, a fazer aborto, a utilizar métodos anticoncepcionais contra a vontade, etc. No que diz respeito a violência patrimonial espelha qualquer tipo de destruição ou subtração de objetos pessoais, de instrumentos de trabalho, documentos, bens e valores de qualquer espécie. Já a violência moral está presente na agressão verbal caracterizadora dos crimes de calúnia, injúria e difamação.
É cediço que estamos diante de um problema social consideravelmente grave, tendo em vista atingir diretamente direitos garantidos pela Norma Maior. Com efeito, a Organização Mundial de Saúde (OMS) reconhece a violência doméstica contra a mulher como uma questão de saúde pública, que afeta negativamente a integridade física e emocional da vítima, seu senso de segurança, configurada por ciclo vicioso de “idas e vindas” aos serviços de saúde e o consequente aumento com os gastos neste âmbito. Cada tipo de violência gera prejuízos nas esferas do desenvolvimento físico, cognitivo, social, moral, emocional ou afetivo.
Como se nota, as manifestações físicas da violência podem ser agudas, como as inflamações, contusões, hematomas, ou dores crônicas, deixando sequelas para toda a vida, como as limitações no movimento motor, traumatismos, a instalação de deficiências físicas, entre outras. Os sintomas psicológicos, frequentemente encontrados em vítimas de violência doméstica, são: insônia, pesadelos, falta de concentração, irritabilidade, falta de apetite, e até o aparecimento de sérios problemas mentais como a depressão, ansiedade, síndrome do pânico, estresse pós-traumático, além de comportamentos autodestrutivos, como o uso de álcool e drogas, ou mesmo tentativas de suicídio.
2.3 Tipos de Pena aplicadas aos crimes de Violência doméstica contra a Mulher
Em se tratando de crime praticado no âmbito familiar contra a Mulher, o código Penal brasileiro, especificamente em seu artigo 121, § 2º, determina uma pena de reclusão de 12 (doze) a 30 (trinta) anos, pois trata-se de homicídio Qualificado. Esta mudança no dispositivo legal ocorreu em virtude da lei 13.104/2015, a qual colocou o feminicídio no rol dos crimes qualificados e hediondos. Neste mesmo diploma legal encontramos as causas de aumento de pena, o qual estabelece que a pena para o crime de feminicídio é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o crime for praticado: I - durante a gestação ou nos 3 (três) meses posteriores ao parto; II - contra pessoa menor de 14 (catorze) anos, maior de 60 (sessenta) anos, com deficiência ou portadora de doenças degenerativas que acarretem condição limitante ou de vulnerabilidade física ou mental; III - na presença física ou virtual de descendente ou de ascendente da vítima; IV - em descumprimento das medidas protetivas de urgência.
Oportuno trazer em comento as disposições da Lei Maria da Penha, no que tange ao cometimento do crime de descumprimento de medidas protetivas de Urgências, que diz: Art. 24-A. Descumprir decisão judicial que defere medidas protetivas de urgência previstas nesta Lei: Pena – detenção, de 3 (três) meses a 2 (dois) anos. § 1º: A configuração do crime independe da competência civil ou criminal do juiz que deferiu as medidas. § 2º: Na hipótese de prisão em flagrante, apenas a autoridade judicial poderá conceder fiança. § 3º: O disposto neste artigo não exclui a aplicação de outras sanções cabíveis. Ressalta-se, também, a importância da não aplicabilidade dos benefícios da Lei dos Juizados Especiais para este tipo penal, agregando-se a estas inaplicabilidades o Princípio da Insignificância. Conveniente elencar que, até o presente momento, em se tratando de lesões corporais leves cometidas no seio familiar a ação será Pública Incondicionada.
Vale reprisar, a esse propósito, que o quantum das penas aplicadas tem recebidos duras críticas, tomemos por exemplo o posicionamento recente da Ministra Carmem Lucia do Supremo Tribunal Federal, durante participação no seminário Mais Mulheres na Política - sem violência de gênero, promovido pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), comparou a pena de violência psicológica contra mulheres com a lei de proteção aos animais, destacando que pena mais longa é estabelecida a quem pratica maus-tratos a um animal.
Conforme a Ministra:
A pena mínima para maus-tratos a cães e gatos é a máxima para quem causa danos psicológicos em uma mulher. Disse ainda_ agora no Brasil, literal e legalmente, eu enquanto mulher estou abaixo de cachorro. Se estiver acontecendo algo comigo, quero que se aplique a lei de maus-tratos a animais, não quero o código penal disse a magistrada.
Importante salientar que esta não foi a primeira vez que a Ministra adentra nesta seara dolorosa e obscura a qual vivem milhares de mulheres brasileiras.
Em 2018 a Ministra Carmem Lucia convidou algumas mulheres vítimas de violência doméstica para irem até a suprema Corte, ocasião em que puderam relatar os abusos sofridos. O objetivo maior era mergulhar neste ambiente regado a dominação de um gênero sobre o outro. Após a escuta das convidadas, a Ministra ficou bastante emocionada com os relatos e afirmou que também já sofreu com esse mal, disse que constantemente padeci com exclusão laboral, assegurou que no começo de sua carreira era vista por alguns colegas como uma ameaça, no entanto, nunca abaixou a cabeça para os tipos de aberração que ouvira e aconselha a todas que vivem sob dominação que se liberte.
De acordo com a Ministra:
Ouvir o relato dessas mulheres foi uma oportunidade de dar voz a quem teve a vida marcada pela violência. “O Estado, que assumiu a responsabilidade de fazer a justiça no sentido humano, no plano do Estado-Juiz, tem que dar espaço para que essas pessoas falem, para que possamos dar à sociedade a oportunidade de contribuir com as mudanças e também mudar a estrutura estatal que garanta que haja punição. Eu quis me reunir com pessoas que têm o que falar e querem ser ouvidas.
2.4 Fatores que contribuem para a permanência da Mulher em um relacionamento abusivo
Comumente existe uma gama de indagação acerca dos motivos que levam uma mulher a permanecer em um relacionamento abusivo, conquanto, na tentativa de responder a tais questionamentos, preciso foi realizar algumas pesquisas, como a que ocorrera em Genebra/Nova York, em 9 de março de 2021, onde nesta restara evidenciado que:
A violência contra as mulheres continua devastadoramente generalizada e começa assustadoramente entre jovens, revelaram novos dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) e parceiros.
Ao longo da vida, uma em cada três mulheres, cerca de 736 milhões, é submetida à violência física ou sexual por parte de seu parceiro ou violência sexual por parte de um não parceiro.
Uma das hipóteses apontada é que a mulher pode vivenciar um conflito, por não desejar separar-se do companheiro ou, mesmo que ele seja preso, apenas pretende que cessem as agressões, procurando socorro somente quando já está cansada de apanhar e se sente impotente. A dependência financeira assumi um lugar significativo nesta seara, visto que os parceiros quase sempre são os provedores principais da casa, porém, este argumento nem sempre será plausível, posto que esta doença social atinge todas as classes sociais e econômicas, nas quais existem diferentes patrimônios.
Necessário trazer à baila, além disso, a dependência emocional da vítima, construída no decorrer do relacionamento abusivo, alicerçada em argumentos de inferioridade, incapacidade, menosprezo, desprezo, baixo autoestima. E quando isso tudo é praticado em desfavor de uma mulher, o único objetivo do agressor é ferir a saúde psicológica da outra parte, com o objetivo de torná-la “SUA” em todos os aspectos. Outro ponto que parece decisivo é o fato de que a violência no liame afetivo-conjugal faz parte da relação de comunicação entre alguns casais, fazendo com que o relacionamento tenha ação nas duas vias, oscilando entre o amor e a dor, formando uma espécie de jogo. Outros grandes vilões, neste dilema, são álcool, uso de drogas, desemprego e, claro, a falta de controle emocional por parte do agressor.
Perquirindo no assunto, vê-se, então, com clareza, que os noticiários de televisão, rádio, bem como as publicações em redes sociais, conversas entre vizinhos, certifica-se uma triste realidade, na qual uma mulher pode permanecer durante anos vivenciando uma relação que lhe traz sérios problemas, sem nunca prestar queixa das agressões sofridas, ou mesmo, quando decide fazê-la, em alguns casos, é convencida e, por vezes, coagida a desistir de levar seu intento adiante.
Uníssono ao pensamento doutrinário, assevera-se que as mulheres não são culpadas pela situação de violência, mas são responsáveis por buscar soluções para a situação vivenciada, à medida que a função feminina defronte do homem determina, habitualmente, suas atitudes, pois os limites são partes personalíssimas de cada mulher, então, cabe a quem está sendo violentada dia após dia compreender o momento de fazer cessar as agressões, sejam elas físicas, psicológicas, financeiras e sexuais.
2.5 Medidas de combate à Violência Doméstica contra a Mulher
Com bastante segurança, faz-se necessário trazer para fundamentar ainda mais o presente artigo as anotações do Relatório Nacional Brasileiro, o qual retratou o perfil da mulher brasileira, asseverando que a cada 15 segundos uma mulher é agredida, totalizando, em 24 horas, um número de 5.760 mulheres espancadas no país. Outros dados também alarmantes, citados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) relatam que no Brasil, 29% das mulheres afirmam ter sofrido violência física ou sexual pelo menos uma vez na vida; 22% não conseguiram contar a ninguém sobre o ocorrido; e 60% não saíram de casa, nem sequer por uma noite. Ao contrário do que a ideologia dominante, muitas vezes, quer fazer crer, a violência doméstica independe de status social, grau de escolaridade ou etnia. Verifica-se, inclusive, que certos tipos de violência (como, por exemplo, os casos de abusos sexuais) ocorrem com maior incidência nas camadas sociais médias e altas.
Ante ao excessivo número de mulheres vitimizadas em razão de gênero, tornou-se premente a adoção de medidas governamentais direcionadas ao combate de tal situação. Assim sendo, afirma-se que a vitimização das mulheres, andou a passos mais largos quando o emblemático caso Maria da Penha se tornou reconhecido internacionalmente, à medida que foi levado à apreciação da Comissão Interamericana de Direitos Humanos que, ao se debruçar sobre a questão, considerou ter havido por parte do Estado brasileiro grave omissão no trato da situação.
Dando seguimento, frisamos que, em decorrência das grandes modificações no âmbito jurídico, algumas medidas precisaram ser necessariamente criadas, tendo por escopo prevenir, conscientizar e, por que não se dizer, eliminar toda e qualquer forma de violência contra as mulheres, por isso, ressalta-se que no Brasil, os anos 2000 foram marcados pela crescente discussão sobre as formas de proteção à vida das mulheres, sendo magnificamente marcado pelo surgimento da Lei Maria da Penha, que provocou uma mudança no paradigma institucional.
Indubitavelmente que o assunto careci de outros dispositivos legais que visem o combate as asperezas sofridas pelas mulheres. Por esse motivo, criou-se também a Lei Carolina Dieckmann (12.737/2012), a qual tornou crime a invasão de aparelhos eletrônicos para obtenção de dados particulares. Com este mesmo objetivo concebeu-se a Lei do Minuto Seguinte (12.845/2013), esta oferece garantias as vítimas de violência sexual, como atendimento imediato pelo SUS, amparo médico, psicológico e social, exames preventivos e informações sobre seus direitos.
Seguindo esta linha de raciocínio, originou-se a Lei Joana Maranhão (12.650/2015), trazendo alterações no tocante aos prazos quanto a prescrição de crimes de abusos sexuais de crianças e adolescentes. A prescrição passou a valer após a vítima completar 18 anos, e o prazo para denúncia aumentou para 20 anos. Por derradeiro, contudo, de extrema importância, gerou-se a Lei do Feminicídio (13.104/2015), onde há previsibilidade de o feminicídio ser enquadrado como circunstância qualificadora do crime de homicídio, ou seja, quando o crime for praticado contra a mulher por razões da condição de sexo feminino, caracterizando-se também um crime Hediondo.
2.6 Canais de denúncia e Redes de Apoio
Apesar dos avanços obtidos pelas mulheres na defesa de seus direitos, a violência ainda é um grave problema social que merece ser visto com mais importância pelos representantes governamentais, legislativo, judiciário e a sociedade de maneira mais abrangente. Como cediço, muitas vezes por medo ou por intimidações de diversas naturezas, as vítimas de violência doméstica não denunciam os agressores e permanecem em um relacionamento regado a abusos, intimidação, menosprezo, ódio e violência física, psicológica, financeira, emocional e sexual.
Mister se faz ressaltar algumas medidas adotadas que visam o combate à violência doméstica contra a Mulher, a começar pelo número 190 - Em caso de emergência, a mulher ou alguém que esteja presenciando alguma situação de violência, pode pedir ajuda por meio deste. Seguindo o caminho por socorro temos o número 180 – Central de Atendimento à Mulher que é um canal criado pela Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres, que presta uma escuta e acolhida qualificada às mulheres em situação de violência. Em alguns locais do país existem as Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAM).
Também existe a Casa da Mulher Brasileira considerada uma inovação no atendimento humanizado às mulheres, nestas casas, é oferecida diferentes atendimentos especializados, como Acolhimento e Triagem; Apoio Psicossocial; Delegacia; Juizado Especializado em Violência Doméstica e Familiar contra as Mulheres; Ministério Público, Defensoria Pública; Serviço de Promoção de Autonomia Econômica; Espaço de cuidado das crianças – Brinquedoteca; Alojamento de Passagem e Central de Transporte.
Por outro viés, os Núcleos de Atendimento às Mulheres Vítimas de Violência (Defensorias Públicas estaduais) oferecem orientação jurídica, promoção dos direitos humanos e defesa dos direitos individuais e coletivos em todos os graus (judicial e extrajudicial), de forma integral e gratuita.
2.7 Violência doméstica em tempos de Pandemia
Conforme discorre o diretor-geral da Organização Mundial da saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus: “A violência contra as mulheres é endêmica em todos os países e culturas, causando danos a milhões de mulheres e suas famílias, sendo agravada pela pandemia de COVID-19”. Como bem vivenciado, o mundo foi terrivelmente afetado pela disseminação do coronavírus, intensificando incertezas preexistentes e agregando fatores relevantes para aquelas que noutrora, já viviam em situação de risco, as medidas de isolamento social são imperativas, contudo, acabou por mostrar um lado sombrio, porém, obsoleto no seio social.
Assim, pode-se assegurar que a conjuntura de confinamento domiciliar tem demonstrado, como possível efeito colateral, consequências perversas para milhares de mulheres brasileiras em situação de violência doméstica, na medida em que elas não apenas são obrigadas a permanecerem em casa com seus agressores, mas também, têm dificuldades em ter acesso às Delegacias de Defesa da Mulher. Lamentavelmente as agressões ocorrem dentro do próprio lar, ambiente este que era para ser tranquilo, mas que pelo contrário, são lugares em que a violência de gênero se manifesta de maneira ainda mais desproporcional atingindo direto e indiretamente toda a família e sociedade.
Deste modo, reporto-me aos relatos elucidados pelo o Instituto de Pesquisa Data Senado em parceria com o Observatório da Mulher, estes apontaram que 78% das mulheres que sofreram violência doméstica foram agredidas pelos atuais ou pretéritos maridos, companheiros ou namorados. Frise-se, ainda, que problemas econômicos causados pela redução da renda auferida e o aumento do consumo de álcool no período de isolamento social estão entre possíveis gatilhos para as agressões. Acrescente-se, ainda, que durante a pandemia do novo coronavírus, foi constatado que os casos de feminicídio no país aumentaram em 5% em relação a igual período de 2019.
3 Considerações Finais
Por estas sumárias razões, verifica-se que o cenário atual acerca da violência doméstica contra a mulher advém de anos de opressão feminina e da soma de alguns fatores que estão impregnados em todas as camadas sociais do mundo, deduzindo-se que a cultura machista, a omissão do Estado e da própria sociedade são essenciais para o significativo índice de casos de violência contra a mulher no Brasil, sendo considerada como mal que atinge não somente aqueles diretamente envolvidos na situação, mas a sociedade em sua forma integral.
Como restou subjacentemente demonstrado, a hostilidade doméstica configura um grave problema que necessita ser reconhecido e enfrentado, tanto pela sociedade, bem como pelos órgãos governamentais, por meio da criação de políticas públicas que contemplem sua prevenção e combate, assim como o fortalecimento da rede de apoio à vítima. É indispensável que este episódio não seja compreendido em nível individual e privado, mas sim como uma questão de direitos humanos, pois, além de ferir a dignidade da pessoa humana, impede que a mulher alcance o mesmo espaço que é concedido aos homens, ato esse que contribui para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária.
Por conseguinte, malgrado, a Constituição 1988 estabelecer em seu artigo 5º direitos à igualdade, à liberdade e o direito à vida, percebemos, uma verdadeira afronta ao bem jurídico de maior importância, qual seja “ A Vida”, pois sem este bem, os outros se tornam irrisórios, como de conhecimento de todos, no Brasil, essa violência atinge dados exorbitantes, e mesmo com a edição da lei Maria da Penha em 2006 e a lei do Feminicídio em 2015 garantias e proteções, vêm sendo negadas à mulher brasileira na sociedade atual. Assim, o poder estatal não deve unicamente assistir e defender as vítimas de violência doméstica, mas igualmente planejar e promover medidas que solucionem o problema. Posto que este grupo de vulneráveis necessitam encontrar amparo e assistência de qualidade para que possam romper o ciclo de violência, denunciando as agressões, com a certeza de que a justiça será feita e que o agressor será punido e não pagarão elas mesmas, com a sua vida, pela acusação realizada.
Em virtudes dessas considerações, assegura-se que existe a possibilidade de evoluir no que diz respeito à construção de normas que protejam os direitos humanos fundamentais da mulher que sofre violência doméstica; contudo, o mais importante será proporcionar meios que possam provocar uma mudança de pensamento da sociedade brasileira e em todo mundo. Pois, por mais que avancemos rumo a melhor lei, se não houver uma mudança de mentalidade sobre a própria construção histórica do papel da mulher na sociedade, este tipo de violência será sempre encarado como decorrente de uma atitude de “má educação” da mulher, continuando, uma pandemia que não se controla com vacina, distanciamento social, isolamentos, mais com a plena conscientização da sociedade, desde as primeiras idades até os últimos dias de sua fase humana, sendo necessário um engajamento de todos para o efetivo combate a todo e qualquer ato de violência doméstica contra as mulheres.
REFERÊNCIAS
BRASIL (1996). Decreto nº 1973, de 1º de agosto de 1996, promulga a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Convenção de Belém do Pará).
BRASIL (2006). Lei 11.340, de 07 de agosto de 2006. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 08 ago. 2006.
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BRASIL (2020) Lei 14.022 de 7 de julho de 2020 – altera a Lei n. 13.979 de 6 de fevereiro de 2020, e dispões sobre medidas de enfrentamento à violência doméstica e familiar contra a mulher e de enfrentamento à violência contra crianças, adolescentes, pessoas idosas e pessoas com deficiência durante a emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988
FBSP - Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Práticas inovadoras de enfrentamento à violência contra as mulheres: experiências desenvolvidas pelos profissionais de segurança pública – Casoteca FBSP. Organizador: Fórum Brasileiro de Segurança Pública. São Paulo: Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2017. – (Série Casoteca FBSP, v. 1). 144p.
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Graduando em Direito pela Universidade de Gurupi - UnirG. E-mail: [email protected]
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MARTINS, Romeria de Brito. Violência doméstica: a doença social do século Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 jan 2023, 04:16. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/60861/violncia-domstica-a-doena-social-do-sculo. Acesso em: 23 nov 2024.
Por: LEONARDO DE SOUZA MARTINS
Por: Willian Douglas de Faria
Por: BRUNA RAPOSO JORGE
Por: IGOR DANIEL BORDINI MARTINENA
Por: PAULO BARBOSA DE ALBUQUERQUE MARANHÃO
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