RESUMO: O presente trabalho tem como objetivo analisar detidamente a possibilidade da aplicação dos importantíssimos institutos do direito processual civil, da mediação, conciliação, arbitragem e do negócio jurídico processual no âmbito de processos em que faz parte a Fazenda Pública. A relevância se demonstra na medida em que se tem sido muito corriqueiro recorrer aos métodos extrajudiciais de resolução de conflito.
Palavras-chave: Fazenda Pública. Mediação. Conciliação. Arbitragem.
ABSTRACT: The present work aims to analyze in detail the possibility of applying the very important institutes of civil procedural law, mediation, conciliation, arbitration, and procedural legal business in the context of processes in which the Public Treasury is part. The relevance is demonstrated in that it has been very common, to extrajudicial methods of conflict resolution.
Keywords: Public Treasury. Mediation. Conciliation. Arbitration.
Introdução
O sistema multiportas de justiça é uma expressão que foi criada pela doutrina para expressar o atingimento da justiça, materializada pela resolução de conflitos da vida hodierna, sem necessariamente socorrer-se às portas do Poder Judiciário, por mais que esse seja uma das “portas” para atingimento da “justiça”.
É uma expressão “da moda”, mas que, sem dúvida, tem tudo para transformar nossa cultura de direito, que de forma uníssona é vista como beligerante, o que traz empecilhos à rápida e efetiva resolução dos conflitos sociais.
É um modo de conseguir a pacificação social, objetivo primeiro do Judiciário, sem exclusividade desse Poder. Isso traz diversas benesses à sociedade, denotando uma maior facilidade e eficiência na resolução de litígios, eis que uma boa solução, essencialmente, deve vir o mais rápido possível, sob pena de configuração de uma batalha pírrica – aquela cuja duração é tamanha que até quem ganhou, teve prejuízos irreparáveis.
Não há dúvidas de que o nosso sistema processual passou por importantíssimas alterações em sua sistemática com a entrada em vigor do novo Código de Processo Civil, essas necessárias à obtenção de uma maior segurança jurídica.
Um deles é a sistemática dos negócios jurídicos processuais, que permite maior autonomia das partes, de forma a adaptar o caso ao processo. A questão que remanesce é a da possibilidade de realização desses negócios pela Fazenda Pública.
Ocorre que, o interesse público é indisponível e isso limita o espectro de atuação da Fazenda Pública. Por essa razão, é preciso verificar se essas modalidades diferentes de solução de conflitos são compatíveis com o regime das Fazendas Públicas e, em sendo, que prerrogativas se mantêm, por exemplo, na arbitragem, que, como tem dito o Superior Tribunal de Justiça, é uma “jurisdição privada”.
Todas essas são questões de extrema relevância e serão abordadas ao longo do presente artigo, tendo em vista as vozes doutrinárias, jurisprudenciais e legais.
1 NEGÓCIO JURÍDICO PROCESSUAL E SISTEMA MULTIPORTAS
Tanto os negócios jurídicos processuais, que foram consideravelmente ampliados no novo CPC, quanto o sistema multiportas, que corresponde aos possíveis meios de solução de conflito para além do socorro às portas do Poder Judiciário, existem com o grande objetivo de conceder aos jurisdicionados uma tutela jurisdicional mais efetiva.
Não é novidade o fato de que existem casos em que a atuação do judiciário não é o meio mais adequado para a solução do conflito. Apesar disso, não pode o juiz, mesmo reconhecendo essa problemática, não resolver o caso, já que lhe é vedado o non liquet.
Somado a esse enorme benefício de se dar uma solução mais adequada ao caso concreto, como efeito colateral, o sistema multiportas de justiça pode ajudar a desabarrotar o sistema judiciário.
Além do que é fato que vivemos em uma cultura litigiosa, tendo em vista, inclusive, o amplo acesso ao judiciário conferido pela CF/88, cristalizado no princípio da inafastabilidade da jurisdição. A falta de estrutura, por sua vez, fez do atraso a regra, quando deveria ser a exceção.
Para se ter ideia, segundo o relatório do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) – Justiça em Números 2018 – existiam, até o final de 2017, 80,1 milhões de processos pendentes de baixa, sendo que 39% desses, o que dá aproximadamente 32 milhões, são de execuções fiscais[1].
Diante disso, certamente, uma tutela jurisdicional tardia equivale a uma tutela jurisdicional não prestada ou feita de maneira deficientemente.
O que essa sistemática busca é a maior participação das partes no processo. E tal tendência não poderia ser diferente. Em face do princípio da instrumentalidade das formas, a concepção do processo é de mero instrumento, que tem como finalidade a tutela específica. Por conta disso, não se enxerga a utilidade de afastar as partes desse processo.
Aspecto de suma relevância é o fato de que a maior participação das partes no processo, dentro do espectro proposto pelo sistema multiportas de justiça e o negócio jurídico permite uma decisão com melhor fundamentação, uma execução mais célere, até porque, ao menos em tese, pelo maior engajamento da parte no processo haverá maior conformismo com a decisão proferida.
Especificamente nos negócios jurídicos, acordos bilaterais ou plurilaterais, como o do artigo 191 do CPC (calendarização processual), são realizados para adaptar o processo à realidade dos fatos ou à das partes.
Quanto à autocomposição, que pode ser obtida pelos métodos da mediação ou da conciliação, o que se procura é que as partes cheguem a um acordo com auxílio de um terceiro – o conciliador ou mediador – a depender da existência de relação prévia entre as partes.
Por fim, a arbitragem, espécie de “jurisdição privada”, como tem sido chamada pelo STJ, busca, através de um terceiro escolhido pelas partes, a solução de um conflito. Ocorre que, diferentemente da conciliação e da mediação, essa é modalidade de heterocomposição. Não à toa, a sentença do juízo arbitral é título executivo judicial, que será executado pela parte.
A grande questão que se impõe é a da compatibilidade desses institutos com a Fazenda Pública. É que ela se submete a um regime com várias especialidades e, por essa razão, é preciso analisar até que ponto esses procedimentos se compatibilizam com esse regime.
1.2 A ARBITRAGEM E A FAZENDA PÚBLICA: COMPATIBILIDADE DA LEI N.º 9.307/96 E O SISTEMA DUAL
A arbitragem é a resolução do problema fora das portas do Poder Judiciário, por uma terceira parte, escolhida pelas partes, o árbitro, mas cuja resolução terá força de decisão judicial. Nesse sentido, entende o STJ que se trata de forma de jurisdição. É de se colacionar o julgado da Corte:
É possível a existência de conflito de competência entre juízo estatal e câmara arbitral. Isso porque a atividade desenvolvida no âmbito da arbitragem tem natureza jurisdicional[2].
Ainda, o art. 31 da lei de nº. 9.307/96 que confirma o entendimento da Corte cidadã:
Lei de nº. 9.307/96. Art. 31. A sentença arbitral produz, entre as partes e seus sucessores, os mesmos efeitos da sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário e, sendo condenatória, constitui título executivo.
A arbitragem está cada vez mais usual no âmbito do Poder Público. Exemplo disso é sua utilização nas Parcerias Público–Privadas, tendo sido estendidas aos contratos de concessão de serviço público.
Vale ressaltar que conta com previsão legal a possibilidade da escolha da arbitragem como meio de resolução dos conflitos que envolvem a Fazenda Pública, desde que se trate de direitos patrimoniais disponíveis. Nesse sentido, dispõe a lei de nº. 9.307/96:
Art. 1º As pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis.
§ 1o A administração pública direta e indireta poderá utilizar-se da arbitragem para dirimir conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis.
Todavia, é digna de nota a ressalva de que é preciso ter muito cuidado com a aplicação desse instituto no âmbito da Fazenda Pública, visto que há supressão de prerrogativas que, no final das contas, têm como objetivo resguardar o interesse público, ainda mais em contratos de grande vulto, como o das Participações Público Privadas, que são de, no mínimo, 10 milhões de reais e por longos períodos – 5 a 35 anos.
Ato contínuo, é preciso esclarecer que a convenção de arbitragem pode se desenrolar de duas formas: mediante cláusula compromissória e compromisso arbitral.
Para que não houvesse dúvidas acerca dos institutos supramencionados, o legislador se valeu da técnica de interpretação autêntica, de sorte que ele mesmo delineou quando se tem uma modalidade e quando se teria a outra. É nessa toada que se transcreve os artigos 4° e 9° da Lei de n.º 9.307/96:
Art. 4º A cláusula compromissória é a convenção através da qual as partes em um contrato comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir, relativamente a tal contrato.
Art. 9º O compromisso arbitral é a convenção através da qual as partes submetem um litígio à arbitragem de uma ou mais pessoas, podendo ser judicial ou extrajudicial.
Daqui se tem a maior diferença entre essas duas modalidades de convenção de arbitragem. É que as cláusulas compromissórias são prévias ao litígio, enquanto o compromisso arbitral é posterior.
Segundo o artigo 1°, §1º, da referida lei, já citado anteriormente, há previsão legal expressa pela possibilidade de instituição da arbitragem no âmbito da administração pública. Ocorre que nem sempre foi assim, já que esse parágrafo 1°, só foi adicionado à lei de arbitragem pela Lei de nº. 13.129/15, mas, mesmo assim, já havia diversas legislações esparsas autorizando a arbitragem com o Poder Público, o que era perfeitamente entendível, pelas razões que seguem.
Conforme a doutrina sistematiza, e está previsto no artigo 1°, para ser viável a arbitragem, são necessários dois requisitos: a arbitrabilidade subjetiva e a objetiva.
O requisito subjetivo se refere à capacidade jurídica ou processual – é capacidade de estar em juízo, seja no polo passivo ou ativo. É certo que a fazenda pública a tem, até porque, se não tivesse, não seria possível demandá-la em juízo.
Quanto à arbitrabilidade objetiva, que se refere aos direitos patrimoniais disponíveis, é nela em que se encontrava maior resistência de parte da doutrina. O que se deve ao fato que, para essa parcela, os interesses resguardados pela administração pública são sempre indisponíveis, afinal, é princípio norteador do Direito Administrativo o da indisponibilidade do interesse público.
Na realidade, essa visão é, no mínimo, míope. Os motivos são os mais variados. Primeiramente, é clássico apontamento de que nenhum princípio é absoluto. Isso decorre da sua própria natureza, afinal, não seria possível uma norma com tão elevado grau de abstração ser absoluta.
Além disso, nunca é demais lembrar a classificação que vem do próprio Direito Administrativo, em que o interesse público se divide em primário e secundário. O primeiro ocorre justamente quando a administração está defendendo o interesse público e é chamado de primário, justamente porque esse é seu objetivo inicial. Já no outro caso, a administração defende interesse próprio, o interesse do Estado, enquanto sujeito de interesses, que são aqueles identificados como patrimoniais.
Por todo o exposto, fica claro que a Fazenda Pública defende direitos patrimoniais disponíveis, o que torna a arbitragem aplicável no seu âmbito, assim como o fez a Lei de nº. 13.129/15.
Não obstante a possibilidade da solução através da arbitragem, é preciso lembrar que, por conta do sistema dual em que a Fazenda Pública está submetida, algumas limitações precisam ser observadas.
Preceitua o artigo 2° da referida lei de arbitragem a seguinte regra:
Art. 2º A arbitragem poderá ser de direito ou de equidade, a critério das partes.
§ 1º Poderão as partes escolher, livremente, as regras de direito que serão aplicadas na arbitragem, desde que não haja violação aos bons costumes e à ordem pública.
§ 2º Poderão, também, as partes convencionar que a arbitragem se realize com base nos princípios gerais de direito, nos usos e costumes e nas regras internacionais de comércio.
§ 3o A arbitragem que envolva a administração pública será sempre de direito e respeitará o princípio da publicidade.
É justamente esse último parágrafo que bem demonstra o que acabou de ser mencionado. Ora, conforme o artigo 37 da CF, a Administração Pública segue os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
Nessa esteira, quando os atos na arbitragem envolverem a Administração Pública serão sempre de direito, o que quer dizer que não podem ser decididos pela equidade – que se trata de uma forma de decidir em métodos além do direito positivo, sendo um método que visará a justiça do caso concreto respeitando apenas as balizas da ordem pública. Deve respeitar, igualmente, o princípio da publicidade, conforme exposto pelo artigo 2°, § 3°, da Lei de nº. 9.307/96.
Feitas essas considerações, há uma questão que certamente pode gerar dúvida dos operadores de direito, mas que já foi pacificado pelo STF. É que, conforme dispõe o artigo 18 da lei de arbitragem, a sentença do árbitro é irrecorrível. Nesses termos, segue o artigo abaixo:
Art. 18. O árbitro é juiz de fato e de direito, e a sentença que proferir não fica sujeita a recurso ou a homologação pelo Poder Judiciário.
Diante dessa regra, questiona-se a aplicabilidade do instituto da remessa necessária à sentença arbitral – já debatido anteriormente e de se concluir pela inaplicabilidade. Conforme já pacificou o STF, não há ofensa à CF, pois a remessa necessária é instituto do processo judicial e não do arbitral. Apenas para fins de sedimentação, é de se colacionar o julgado em que que se depreende a conclusão exposta:
INCORPORAÇÃO, BENS E DIREITOS DAS EMPRESAS ORGANIZAÇÃO LAGE E DO ESPOLIO DE HENRIQUE LAGE. JUÍZO ARBITRAL. CLÁUSULA DE IRRECORRIBILIDADE. JUROS DA MORA. CORREÇÃO MONETÁRIA. 1. LEGALIDADE DO JUÍZO ARBITRAL, QUE O NOSSO DIREITO SEMPRE ADMITIU E CONSGROU, ATÉ MESMO NAS CAUSAS CONTRA A FAZENDA. PRECEDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. 2. LEGITIMIDADE DA CLÁUSULA DE IRRECORRIBILIDADE DE SENTENÇA ARBITRAL, QUE NÃO OFENDE A NORMA CONSTITUCIONAL. 3. JUROS DE MORA CONCEDIDOS, PELO ACÓRDÃO AGRAVADO, NA FORMA DA LEI, OU SEJA, A PARTIR DA PROPOSITURA DA AÇÃO. RAZOAVEL INTERPRETAÇÃO DA SITUAÇÃO DOS AUTOS E DA LEI N. 4.414, DE 1964. 4. CORREÇÃO MONETÁRIA CONCEDIDA, PELO TRIBUNAL A QUO, A PARTIR DA PUBLICAÇÃO DA LEI N. 4.686, DE 21.6.65. DECISÃO CORRETA. 5. AGRAVO DE INSTRUMENTO A QUE SE NEGOU PROVIMENTO[3].
Por fim, cabe esclarecer o óbvio. Sendo a condenação no juízo arbitral pecuniária, essa decisão se sujeita ao regime de precatório e de RPV – trata-se de uma regra de índole constitucional e uma das maiores prerrogativas da Fazenda, não podendo ser relativizada sem a devida previsão constitucional.
Certamente a Fazenda Pública pode participar das sessões de mediação e conciliação, de forma que, quanto a esse quesito, não temos maiores debates.
Em apartada síntese, temos que a diferença entre os dois reside no fato de que, na mediação, o mediador apenas facilita o diálogo entre as partes, que já detinham um contato prévio, mas são elas que apresentam as soluções. Já na conciliação, a participação é mais ativa conciliador, que acaba por sugerir soluções, eis que se trata de partes que não tem um contato prévio
A única disposição específica quanto a esse tópico é a trazida pelo artigo 174 do CPC:
Art. 174. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios criarão câmaras de mediação e conciliação, com atribuições relacionadas à solução consensual de conflitos no âmbito administrativo, tais como:
I - dirimir conflitos envolvendo órgãos e entidades da administração pública;
II - avaliar a admissibilidade dos pedidos de resolução de conflitos, por meio de conciliação, no âmbito da administração pública;
III - promover, quando couber, a celebração de termo de ajustamento de conduta.
Tal artigo prevê a criação dos centros de mediação e conciliação para solução consensual no âmbito administrativo. Outro ponto relevante é a possibilidade de promoção de Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), que pode ser instrumento muito útil para a conciliação e para que se evite a judicialização de pretensões.
Ademais, cabe lembrar que os princípios informadores da mediação e conciliação são a oralidade, a informalidade, a confidencialidade, imparcialidade, independência, da autonomia da vontade e da decisão informada.
Dentre eles, destaca-se o da confidencialidade, importante instrumento para garantir que as partes possam dialogar livremente, de maneira diferente do que ocorria quando quem era responsável pela conciliação era o juiz.
Por fim, o princípio da decisão informada que preceitua o dever dos conciliares e mediadores de informarem as partes das possíveis implicações e riscos da composição.
1.4. NEGÓCIO JURÍDICO PROCESSUAL COM A FAZENDA PÚBLICA
O negócio jurídico processual decorre, igualmente, da autonomia da vontade. Na realidade, em análise mais acertada, a autonomia da vontade decorre do princípio da liberdade insculpido no artigo 5° da CF, cláusula pétrea, portanto, permitindo aos indivíduos a capacidade de autorregramento.
Certamente o grande avanço do CPC na temática se refere ao artigo 190, conhecido como cláusula geral de negociação processual. Ele está assim redigido:
Art. 190. Versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo.
Parágrafo único. De ofício ou a requerimento, o juiz controlará a validade das convenções previstas neste artigo, recusando-lhes aplicação somente nos casos de nulidade ou de inserção abusiva em contrato de adesão ou em que alguma parte se encontre em manifesta situação de vulnerabilidade.
Esse artigo permite a realização de negócios jurídicos atípicos, desde que as partes sejam plenamente capazes e que os direitos admitam autocomposição. São os chamados negócios jurídicos atípicos, visto que não estão expressamente previstos no código e sua criação decorre da vontade das partes.
Como não estão previstos no código, cabe ao juiz, até mesmo de ofício, regular a aplicação dessas cláusulas, reconhecendo a abusividade em situações de vulnerabilidade, ou de cláusulas nulas como as que negociam sobre questões de ordem. Como o espectro de negócios é bastante grande, citam-se os enunciados 19 (Bilateral) e 21 (Plurilateral) do Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC):
Enunciado 19: São admissíveis os seguintes negócios processuais, dentre outros: pacto de impenhorabilidade, acordo de ampliação de prazos das partes de qualquer natureza, acordo de rateio de despesas processuais, dispensa consensual de assistente técnico, acordo para retirar o efeito suspensivo de recurso14, acordo para não promover execução provisória; pacto de mediação ou conciliação extrajudicial prévia obrigatória, inclusive com a correlata previsão de exclusão da audiência de conciliação ou de mediação prevista no art. 334; pacto de exclusão contratual da audiência de conciliação ou de mediação prevista no art. 334; pacto de disponibilização prévia de documentação (pacto de disclosure), inclusive com estipulação de sanção negocial, sem prejuízo de medidas coercitivas, mandamentais, sub-rogatórias ou indutivas; previsão de meios alternativos de comunicação das partes entre si; acordo de produção antecipada de prova; a escolha consensual de depositário-administrador no caso do art. 866; convenção que permita a presença da parte contrária no decorrer da colheita de depoimento pessoal.
Enunciado 21: São admissíveis os seguintes negócios, dentre outros: acordo para realização de sustentação oral, acordo para ampliação do tempo de sustentação oral, julgamento antecipado do mérito convencional, convenção sobre prova, redução de prazos processuais.
No que se refere à Fazenda Pública, é plenamente possível a convenção de negócios jurídicos processuais, afinal de contas, o objetivo é adaptar o processo às partes e ao caso concreto e só pode ser realizado em direitos em que é possível a autocomposição. De sorte que cada advogado público que atua num determinado processo tem poder para celebrar negócios jurídicos. Nesse sentido o enunciado 256 do FPPC, expõe exatamente esse posicionamento[4].
Naturalmente, se for do interesse da Administração Pública adiar uma audiência, de forma a estar mais bem preparada para uma próxima, ou para possibilitar uma sustentação oral ou até aumentar o tempo de uma sustentação oral se as partes e o juiz reputarem a causa ser complexa demais para exposição dos argumentos, não se vislumbra razão para a Fazenda Pública não o fazer.
Apesar de todos os argumentos esposados, um prevalece. É que a doutrina de maneira uníssona festejou o fato de o legislador não confundir direito não passível de autocomposição com direito indisponível.
É que, ainda que o direito seja indisponível, é possível a autocomposição. Obviamente, essa não versará sobre o direito material, mas sobre posições e procedimentos processuais, sendo certo que o autorregramento das vontades é princípio fundante do processo civil.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Quando está em juízo, a Fazenda Pública representa a coletividade e, como se sabe, o interesse da coletividade se sobrepõe ao do particular. Não à toa, é princípio fundante do Direito Administrativo o princípio da supremacia do interesse da coletividade sobre o interesse público.
Não é novidade que a Fazenda Pública é um dos maiores litigantes do Judiciário e, esse volume excessivo, aliado à falta de pessoal e orçamento, explicam, por exemplo a necessidade de prazo em dobro para suas manifestações.
Não se pode esquecer da burocracia a que a Fazenda Pública está condicionada, justamente por fazer parte do conceito de limitações, para legitimar a atuação do administrador, eis que esse gere uma coisa que não lhe pertence. Isso, inclusive, é inerente a uma máquina estatal. Por isso, se percebe que, na verdade, essa diferença de tratamento decorre da isonomia material.
Os negócios jurídicos processuais e o sistema multiportas – notadamente mediação, conciliação e arbitragem – são importantes ferramentas para que se obtenha uma tutela específica e mais eficaz, que é o grande objetivo do sistema judiciário.
Ocorre que, por toda especialidade a que a Fazenda Pública está submetida, muitos doutrinadores afirmam que muitos aspectos desses institutos não são aplicáveis, principalmente pelo fato do interesse público ser indisponível.
Como foi destacado, nenhum princípio é absoluto e, além disso, não são todos os interesses da Fazenda Pública que são indisponíveis. Por conta disso, e dos benefícios que esse sistema proporciona, basta compatibilizá-lo com as limitações da Fazenda.
Na realidade, quanto à arbitragem, a aplicabilidade já está positivada no seu artigo 1°, da lei respectiva, mencionado anteriormente, mas não é irrestrita, não podendo, por exemplo, a decisão do árbitro ser feita por equidade e devendo o procedimento seguir a publicidade.
Sobre a conciliação e a mediação, o seu não cabimento seria verdadeiro contrassenso, já que é meio bastante promovido pelo novo CPC. Inclusive, destaca-se o disposto no artigo 174 que vislumbra a criação de centros de mediação e conciliação para solução de litígios no âmbito administrativo.
Para os negócios jurídicos processuais atípicos, previstos no artigo 190 do CPC, são plenamente possíveis de serem realizados pela Fazenda Pública, conforme o já citado enunciado 256 do FPPC.
Na realidade, é fundamental a noção sobre a distinção entre direito indisponível e direito não passível de autocomposição, que põe uma pá de cal nos argumentos em sentido contrário alegando ser o interesse da Fazenda Pública indisponível.
Dessa feita, se percebe que o sistema multiportas é plenamente aplicável à Fazenda Pública, sendo, a bem da verdade, um instrumento que veio a seu favor, proporcionando mais celeridade às resoluções de litígios que lhe envolvam.
REFERÊNCIAS
BARROS, Guilherme Freire de Melo. Poder Público em Juízo: para concursos. 7. ed. Salvador: Juspodivm, 2017.
BRASIL. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. 1ª Seção. AgInt no CC 156.133-BA, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 22/08/2018.
______. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. AI 52181, Relator(a): Min. BILAC PINTO, Tribunal Pleno, julgado em 14/11/1973, DJ 15-02-1974 PP-00720 EMENT VOL-00936-01 PP-00042.
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Justiça em números: 2018. Brasília: CNJ, 2018. Disponível em: https://www.conjur.com.br/dl/justica-numeros-2018-2408218compressed.pdf. Acesso em: 20 mar. 2022.
CUNHA, Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em Juízo. 15. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018.
DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de Direito Processual Civil. 13. ed. Salvador: Juspodivm, 2016. v. 3.
NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. Salvador: Juspodivm, 2019.
[1] CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Justiça em números: 2018. Brasília: CNJ, 2018. Disponível em: https://www.conjur.com.br/dl/justica-numeros-2018-2408218compressed.pdf. Acesso em: 20 mar. 2022.
[2] STJ. 1ª Seção. AgInt no CC 156.133-BA, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 22/08/2018.
[3] STF. AI 52181, Relator(a): Min. BILAC PINTO, Tribunal Pleno, julgado em 14/11/1973, DJ 15-02-1974 PP-00720 EMENT VOL-00936-01 PP-00042.
[4] Enunciado 256: A Fazenda Pública pode celebrar negócio jurídico processual.
Bacharel em Direito pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Advogado. Pós-graduado em Direito Tributário e Direito Processual Civil pela Universidade Cândido Mendes (UCAM).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FREIRE, Pedro Borges Coelho de Miranda. O sistema multiportas de justiça e sua compatibilidade com as prerrogativas processuais da Fazenda Pública Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 fev 2023, 04:34. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/60959/o-sistema-multiportas-de-justia-e-sua-compatibilidade-com-as-prerrogativas-processuais-da-fazenda-pblica. Acesso em: 23 nov 2024.
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