VERÔNICA PRADO DIZCONZI
(Orientador)
RESUMO: Ao se submeter a um tratamento hospitalar, seja de urgência ou meramente eletivo, o paciente espera ser tratado da melhor maneira possível, observados os melhores procedimentos e a mais qualificada atuação profissional. Do outro lado da relação, há um profissional que é ser humano e passível de falhas. Ocorre que, em que pese seja possível um resultado inesperável e negativo, há na legislação brasileira a possibilidade de ser o médico responsabilizado pelo cometimento de um erro que enseje na violação da vida, saúde e integridade física de seu paciente. Deste modo, além de ser punível perante o órgão administrativo que regulamenta a atuação do profissional, há ainda a possibilidade de condenação na esfera cível e criminal. Por ser a última razão do ordenamento jurídico, a responsabilidade penal exige o preenchimento dos requisitos legais de caracterização de conduta criminosa. Levando-se em consideração a importância do assunto, o artigo trata da responsabilização penal por erro médico no Brasil, mediante pesquisa bibliográfica realizada através de revisão da literatura nacional.
Palavras-Chave: Erro Médico. Crime. Culpa. Responsabilidade Penal.
ABSTRACT: When undergoing hospital treatment, whether urgent or merely elective, the patient expects to be treated in the best possible way, observing the best procedures and the most qualified professional performance. On the other side of the relationship, there is a professional who is a human being and subject to failure. It so happens that, despite the possibility of an unexpected and negative result, there is in Brazilian legislation the possibility of the doctor being held responsible for committing an error that leads to the violation of the life, health and physical integrity of his patient. Thus, in addition to being punishable by the administrative body that regulates the professional's performance, there is also the possibility of conviction in the civil and criminal spheres. As the last reason in the legal system, criminal liability requires the fulfillment of the legal requirements for characterizing criminal conduct. Taking into account the importance of the subject, the article deals with criminal liability for medical errors in Brazil, through bibliographic research carried out through a review of the national literature.
Keywords: Medical Error. Crime. Fault. Criminal Liability.
INTRODUÇÃO
Dentre os vários direitos humanos fundamentais, a saúde é sempre destacada em razão de sua importância para todos os indivíduos. Sem integridade física e saúde, as pessoas não alcançam a dignidade humana indispensável em um Estado Democrático de Direito.
Por tal motivo, a profissão do médico é essencial no Estado, resguardado atendimento a todo cidadão que nele necessitar através do acesso ao Sistema Único de Saúde, bem como a contratação de saúde complementar em hospitais particulares, se assim o desejar.
Com uma das melhores remunerações nacionais, o médico tem o dever de prestar sua atividade da melhor maneira possível, atento à técnica e à ética profissional, de forma que, não hajam prejuízos à saúde dos pacientes que por ventura sejam submetidos a procedimentos.
Ocorre que, assim como qualquer ser humano, o médico também é uma pessoa sujeita a erro. Todavia, o erro médico pode gerar danos físicos e psicológicos de grande expressividade, situação esta que pode levar à responsabilização do profissional no âmbito civil, com o pagamento de uma indenização, mas também no penal, uma vez comprovada a caracterização de uma conduta delitiva.
Sobre a responsabilidade criminal de erro médico esse artigo discorre, com base em doutrinas, leis e jurisprudências existentes sobre o tema levantado, por ser uma revisão de literatura fundada em material já publicado quando de sua elaboração.
METODOLOGIA
O artigo científico desenvolvido nas linhas abaixo foi elaborado com base em material teórico e bibliográfico acerca da responsabilidade penal por erro médico, disponíveis em bibliotecas e revistas jurídicas digitais e adquiridos de forma gratuita. Ele se desenvolve através do método dedutivo de pesquisa, em que tem como ponto de partida os aspectos gerais sobre a atividade profissional da medicina para concluir com a discussão sobre a sua responsabilidade penal por erro médico.
O conteúdo selecionado se obteve em grande escala através de pesquisas virtuais realizadas nos sites Jusbrasil, scielo, etc. Todos os materiais selecionados são analisados segundo o método de pesquisa qualitativa para se apontar o resultado obtido através da interpretação doutrinária e jurisprudencial sobre o tema proposto.
1 A ATIVIDADE PROFISSIONAL DO MÉDICO
A medicina é uma atividade profissional de extrema relevância ao passo que tem como finalidade a garantia da vida e integridade física das pessoas. Assim determina o artigo 2º da Lei 12.842/2013 – que dispõe sobre o exercício da medicina:
Art. 2º. O objeto da atuação do médico é a saúde do ser humano e das coletividades humanas, em benefício da qual deverá agir com o máximo de zelo, com o melhor de sua capacidade profissional e sem discriminação de qualquer natureza (BRASIL, 2013).
Além da previsão legal, sua atuação está regulamentada pelo Conselho Federal de Medicina, que por intermédio da Resolução nº 2.217/2018 criou um novo Código de Ética Médica e revogou a Resolução 1.931/2009 - Código de ética que vigorou por anos até a recente resolução. É no Código de Ética Médica que constam as disposições sobre a atuação ampla da medicina e que regulamenta o seu exercício profissional nos diversos setores em que o médico pode atuar.
O Capítulo II do Código De Ética assegura uma série de direitos dos profissionais da medicina dentre eles o de exercer a medicina sem discriminação, indicar o procedimento médico adequado e se recusar a atos médicos contrários à sua consciência, embora permitidos por lei (CRF, 2018).
Em contrapartida, os médicos possuem uma série de deveres que devem ser observados no decorrer de sua atuação profissional, sob pena de serem responsabilizados pelo seu descumprimento. Conforme ensina Maria Helena Diniz o médico tem o dever de “dar informações, conselhos e esclarecimentos ao cliente; cuidar do enfermo, com zelo, utilizando-se dos meios disponíveis; abster-se de abuso ou desvio de poder, etc.” (DINIZ, 2015, p. 335).
No Código de Ética Médica, os deveres estão disciplinados no Capítulo III que dispõe sobre a Responsabilidade Profissional e estabelece já em seu artigo 1º que é vedado ao médico “causar dano paciente, por ação ou omissão, caracterizável como imperícia, imprudência ou negligência” (CRF, 2018).
Além do disposto acima, a Resolução aponta mais 21 deveres que devem ser observados pelo médico na sua atuação profissional, sob pena de ser posteriormente responsabilizado por seus atos.
É a partir desses deveres que surge o debate quanto ao erro médico, ao passo que este ocorre quando o profissional da medicina deixa de cumprir com seus deveres éticos em relação aos seus pacientes, situação que pode desencadear posterior debate sobre sua responsabilização na esfera criminal.
2 O ERRO MÉDICO
O ponto crucial para se discutir a possível responsabilização do médico nas esferas cíveis, criminais ou administrativas é a constatação de que o profissional praticou uma conduta que configura um erro médico.
De acordo com o supracitado Código de Ética Médica, o erro médico ocorre quando o profissional age com imprudência, imperícia ou negligencia e com isso causa um dano ao seu paciente.
Segundo consta no Manual de Orientação Ética e Disciplinar do Conselho Regional de Medicina de Santa Catarina o erro médico “é a falha do médico no exercício da profissão. É o mau resultado ou resultado adverso decorrente da ação ou da omissão do médico por inobservância de conduta técnica, estando o profissional em pleno exercício de suas faculdades mentais.” (CRM apud CORREIA-LIMA, 2012).
Marco Aurélio Bezerra de Mello o define do seguinte modo:
O erro médico é uma espécie de conduta culposa perpetrada pelo facultativo que, não agindo em consonância com o dever de diligência que lhe é imposto segundo as regras técnicas de seu ofício, acaba por violar direito e causar dano ao paciente. Assim, podemos dizer que erro médico é um desvio de comportamento praticado pelo profissional da medicina que, no caso concreto, por não se comportar segundo as regras de seu ofício, causou dano a alguém. (DE MELLO, 2015, p.363).
É, portanto uma conduta profissional inadequada praticada pelo médico por provável inobservância de uma regra técnica e que tem potencial de causar um dano à vida ou agravar o estado de saúde do paciente por ser ele imprudente, negligente ou imperito no exercício da medicina (CASTRO apud CORREIA-LIMA, 2012).
Ou seja, o resultado diverso de um tratamento médico ou a não obtenção da cura do paciente não pode ser considerada uma falha do médico, quando este realizou o procedimento e a medicação acertada. Deste modo, para que se caracterize o erro é essencial a presença de uma conduta que seja imperita, imprudente ou negligente, que podem ser exemplificadas na prática do seguinte modo:
A imperícia consiste na falta de conhecimento ou habilidade específica para o desenvolvimento da atividade profissional. Na imprudência o erro se dá quando o médico age sem a devida cautela, o profissional tem ciência dos riscos e , ainda assim, ignora a boa prática médica ao tomar a decisão de forma precipitada e sem o cuidado necessário. A terceira modalidade de culpa é o da negligência, a forma mais frequente de erro médico, o profissional negligencia, deixa de fazer (omissão) o que devia e podia, trata com descaso, desídia ou pouco interesse os deveres e compromissos éticos com o paciente e até com a instituição (NASCIMENTO et. al., 2020, p. 5-6).
Assim sendo, conclui-se que o erro médico é uma conduta comissiva ou omissiva praticada no exercício da profissão, sem que haja a vontade de cometer o ilícito, de modo que não se presume dolo no erro médico, e sim a culpa do profissional que sem querer causa dano à saúde de seu paciente.
3 ELEMENTOS DA RESPONSABILIDADE PENAL
Uma vez constatada a ocorrência de um erro médico, da falha profissional pode surgir a tríplice responsabilidade do autor: a administrativa, respondendo pelo ato perante o Conselho de Medicina; a civil, com o surgimento do dever de reparar materialmente a vítima; e a penal, com a imposição de uma pena ao indivíduo (MORAIS, 2021).
Dentre as espécies citadas, a responsabilização penal é a mais gravosa de todas, o que se atribui ao fato de poder ser condenado ao cumprimento de uma pena privativa de liberdade, restritiva de direitos ou multa. Todavia, para que surta efeitos para o agente, precisará estar caracterizada a conduta criminosa.
Diz-se que há um crime quando presentes os seguintes elementos: fato típico, ilícito e culpável (ROSTIROLLA, 2021).
Para que se possa concluir pela infração penal, o agente deve ter cometido um fato típico, ilícito e culpável. Esses elementos, que integram o conceito analítico de crime, devem ser analisados nessa ordem. Esses são os três elementos que convertem uma ação em delito. A culpabilidade- responsabilidade pessoal por um fato antijurídico- pressupõe a antijuridicidade do fato e esta deve estar concretizada em tipos legais. Cada elemento posterior do delito pressupõe o anterior (CAETANO, 2019, p. 01).
O primeiro elemento, qual seja o fato típico consiste na caracterização de outros quatro elementos: a conduta, o resultado, o nexo causal e a tipicidade, dos quais a conduta não se limita à uma ação, mas também podem compreender a omissão, por exemplo.
A conduta é o primeiro elemento do fato típico, e nada mais é do que o comportamento humano, é a ação ou omissão do sujeito que da causa ao fato típico. As condutas podem ser comissivas ou omissivas. As comissivas, também chamada de ação é o movimento humano que gera alguma mudança no mundo externo, a omissão em contrapartida é toda falta de ação necessária que desencadeia uma mudança no mundo externo. Além disso, as condutas podem ser classificadas em dolosas ou culposas. O dolo é toda vontade humana geradora de um resultado, enquanto a culpa a falta de uma vontade que gerou o resultado por imprudência, negligência ou imperícia. Existem, ainda, hipóteses da exclusão da conduta, sendo elas o caso fortuito e a forca maior, atos ou movimentos reflexos ou coação física irresistível (ROSTIROLLA et. al, 2021, p. 940-941).
Para que seja responsabilizado, o autor do fato deverá praticar a conduta descrita no tipo legal e causar um resultado, que nada mais é do que a transformação operada por ela, é o seu efeito (DAMASIO, 2015). O nexo causal, por sua vez, é a ligação entre a conduta e o resultado causado. Por fim, a tipicidade se refere à adequação de uma conduta com a lei penal anteriormente existente (ROSTIROLLA, 2021).
O segundo elemento da responsabilidade, qual seja a tipicidade, “trata-se da relação de antagonismo entre o comportamento do agente e o ordenamento jurídico de forma ampla.” (CAETANO, 2019, p. 01) Esse requisito será excluído caso demonstrado que o agente praticou o fato em uma das situações indicadas no artigo 23 do Código Penal: estado de necessidade, legítima defesa; ou em estrito cumprimento de dever legal ou em exercício regular de direito (BRASIL, 1940).
Por último, mas não menos importante, a culpabilidade do agente, que de acordo com a teoria limitada, compreende a imputabilidade penal, a potencial consciência da ilicitude e a exigibilidade de conduta diversa, tal qual leciona Luiz Flávio Gomes:
O juízo de reprovação da culpabilidade (que é feito pelos juízes que recai sobre o agente do fato punível que podia agir de modo diverso) tem por fundamentos: a capacidade do agente de querer e de entender as proibições jurídicas em geral (imputabilidade), a consciência da ilicitude do fato concreto (real ou potencial) e a normalidade das circunstâncias do caso concreto (exigibilidade de conduta diversa). (GOMES, 2004, p.17).
Feitas tais considerações, não há dúvidas que, caso o agente pratique os atos mencionados na lei penal, enquadrado no tipo penal em referência, ainda que no exercício de sua profissão, comete crime e pode vir a ser responsabilizado penalmente.
4 A CARACTERIZAÇÃO DE CRIME NO EXERCÍCIO DA PROFISSÃO
Para que se possa adentrar ao debate sobre a possibilidade de responsabilizar criminalmente o médico por uma atitude ou resultado obtido no decorrer do exercício de sua profissão é necessário discorrer sobre a caracterização de crime nessas condições.
Além da possibilidade de responsabilização civil prevista no Código Civil e a responsabilização administrativa pelo desrespeito as regras contidas no Código de Ética Médica existem situações que caracterizam a prática de um crime, sendo os principais deles citados nesta pesquisa.
Em primeiro lugar, é fundamental que a conduta praticada pelo profissional da medicina esteja tipificada em uma norma penal haja vista que, segundo dispõe o artigo 1º do Código Penal “não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal” (BRASIL, 1940).
Conforme se verifica no Código de Ética Médica, o profissional que exerce a medicina está resguardado pelo direito de tratar seu paciente e lhe aplicar o procedimento que entender adequado; contudo essa proteção não impede que situações ilícitas sejam punidas, a qual deve ser aplicada em conformidade com a lei. A configuração de um crime no exercício da profissão não representa uma repressão a erros humanos passíveis de acontecer, mas sim um dever do Estado de responsabilizar o médico que cometer um ilícito penal (PRATES e MARQUARDT, 2003).
São vários os tipos penais previstos na legislação brasileira, dois quais merecem destaque aqueles mais cometidos por médicos no Brasil.
Em primeiro lugar, existem crimes próprios que só podem ser exercidos por profissionais no exercício da sua profissão, como é o caso do tipo de violação de segredo profissional previsto no artigo 154 do Código Penal. Assim sendo, quando um médico revelar um segredo obtido no exercício da função profissional, poderá ser condenado com pena de três meses até um ano de detenção (BRASIL, 1940).
Aquele que atuar de forma ilegal também comente crime previsto no Código Penal:
Exercício ilegal da medicina, arte dentária ou farmacêutica
Art. 282 - Exercer, ainda que a título gratuito, a profissão de médico, dentista ou farmacêutico, sem autorização legal ou excedendo-lhe os limites:
Pena - detenção, de seis meses a dois anos.
Parágrafo único - Se o crime é praticado com o fim de lucro, aplica-se também multa (BRASIL, 1941).
O Médico pode ainda ser condenado pelos crimes de auxílio ao suicídio (artigo 122 do CP); omissão de socorro (artigo 135 do CP); constranger o paciente a realizar algum tratamento contra a sua vontade (artigo 135 do CP);infração de medida sanitária preventiva (artigo 268 do CP); e omissão de notificação de uma doença contagiosa (artigo 269 do CP), etc.
Além disso, os médicos podem cometer crimes comuns, que podem ser praticados por qualquer pessoa, como é o caso dos crimes contra a vida e a incolumidade física prevista a partir do artigo 121 do Código Penal, quando o erro médico por ele cometido leva o paciente à morte ou lhe causa lesões corporais e também contra a honra, quando ofendem o seu paciente (BRASIL, 1940), dentre outros.
Portanto, variadas condutas do médico praticadas no exercício da sua profissão podem caracterizar um crime, que se constatado pode ensejar a sua responsabilização penal.
5 A RESPONSABILIDADE PENAL DO MÉDICO
Uma vez contratado para a realização de um ato profissional, seja pelo particular ou por um ente público, surge para o médico uma série de deveres ético-profissionais, dentre os quais, a observância dos direitos fundamentais do paciente se apresenta indispensável (MORAIS, 2021).
O motivo da responsabilização do médico advém do fato de que não se pode isentar um profissional se, de sua conduta, advierem danos físicos ao paciente submetido a tratamento.
Parece claro que, na essência do exercício da medicina, está a liberdade do profissional de atuar com a discricionariedade necessária para encontrar sempre soluções novas e mais adequadas a cada caso, contribuindo, assim, para a constante evolução da profissão e de suas técnicas. No entanto, tal liberdade não pode ser entendida como imunidade profissional, pois, de acordo com Magalhães Noronha, o médico tem o dever éticoprofissional de atuar com prudência, diligência e competência para curar seu paciente, empenhando-se, solidariamente, pela saúde contra a doença, pela vida contra a morte. Responsabilizar criminalmente o médico infrator não significa perseguir bons profissionais, nem tampouco reprimir erros humanos compreensíveis e escusáveis. Significa, sim, um direito da sociedade e um dever do Estado (PRATES e MARQUARDT, 2003, p. 241).
Conforme visto nos tópicos anteriores, uma vez constatada a ocorrência de um erro médico, caracterizado um delito previsto em legislação penal que defina o tipo, torna-se devida a responsabilização penal do médico.
Ocorre que, em se tratando de erro médico, conforme a própria denominação da conduta não deixa dúvidas, é essencial que haja culpa do profissional de saúde, haja vista que não há previsão de responsabilidade do erro médico no desempenho de sua profissão se a conduta for dolosa (MORAIS, 2021).
A responsabilidade penal médica é aquela inserida no Código Penal, em que alguns tipos de erros médicos são tratados como crimes culposos. O crime culposo é aquele realizado sem intenção de produzir o resultado, que acontece devido à imprudência (sem cautela), negligência (omissão) ou imperícia (incapacidade técnica) do médico. Essa situação pode acontecer se advier uma lesão, uma incapacitação ou mesmo o óbito do paciente, como resultado de um tratamento médico (ASSIS, 2017, p. 1).
Portanto, é necessário se ter em mente se o médico praticou a sua conduta de forma culposa, havendo a caracterização das formas mencionadas no Código Penal, artigo 18, inciso II, as quais são melhor explicadas a seguir:
A imperícia refere-se a inaptidão, o profissional não detém conhecimento técnico sobre a profissão. A imperícia está relacionada à atividade profissional do agente. Exemplo: Um médico é especialista em uma determinada área, mas acaba exercendo uma atividade diversa da qual não possui nenhuma técnica.
Insta salientar que, a imperícia pode ocorrer também nos casos onde o profissional detém a técnica da área na qual escolheu, todavia, realiza um procedimento que exige um nível de conhecimento mais profundo, do qual ele não está preparado, mesmo sendo especialista.
Considera-se imprudência quando o agente deixa de observar o dever de cuidado, mesmo sabendo dos riscos existentes, realiza determinada atividade que poderá trazer um resultado prejudicial. Exemplo: Realizar uma cirurgia sem a equipe médica necessária.
A negligência acontece quando o agente deixa de realizar algo que deveria ser feito. Exemplo: medicar um paciente via telefone sem examiná-lo; deixar objetos estranhos no corpo do paciente após uma cirurgia, entre outros. (MORAIS, 2021, p. 1)
Uma vez constatado que a conduta do médico se enquadra em uma espécie de delito prevista na lei penal, há que se instaurar a ação penal para que seja analisada a sua responsabilidade penal.
Quando ocorre o erro médico que resulta em lesão corporal culposa ou homicídio culposo, a instauração do processo penal poderá se dar de ofício, pelas autoridades, ou por uma manifestação de vontade da vítima ou de seus familiares, por meio de uma representação.
O médico só será condenado se o juiz se convencer de que a acusação tem fundamento e foi provada. Caso contrário, será absolvido, o que normalmente acontece quando qualquer espécie ou elemento de prova tornar racionalmente crível a hipótese de sua inocência.
A responsabilidade penal médica acontece quando o erro médico é enquadrado em um tipo penal ou quando o profissional tem intenção de errar (dolo) (ASSIS, 2017, p .1).
Na jurisprudência do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, um exemplo prático de condenação do profissional pelo crime de homicídio culposo decorrente do cometimento de erro médico que levou ao falecimento da paciente.
DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL DEFENSIVA. PRELIMINAR DE NULIDDE DA SENTENÇA. JUNTADA DE DOCUMENTO PELO ASSISTENTE DE ACUSAÇÃO APÓS O INTERROGATÓRIO JUDICIAL. ABERTURA DE VISTA ÀS PARTES PARA MANIFESTAÇÃO. PRESERVAÇÃO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. INTELIGÊNCIA DO ART. 231 DO CPP. PREJUÍZO NÃO DEMONSTRADO. ALEGAÇÃO DE NULIDADE REJEITADA. MÉRITO. HOMICÍDIO CULPOSO. ERRO MÉDICO. PACIENTE SUBMETIDO A PROCEDIMENTO CIRURGICO ELETIVO DE ARTRODESE DE COLUNA VERTEBRAL (HÉRNIA DE DISCO). PRESCRIÇÃO ERRÔNEA DE MEDICAMENTO NO PÓS-OPERATÓRIO PELO MÉDICO AUXILIAR (PRINCÍPIO ATIVO BESILATO DE ATRACÚRIO). MEDICAMENTO POTENCIALMENTE PERIGOSO. NECESSIDADE DE ALTA VIGILÂNCIA DO PACIENTE. MAL SÚBITO COM POSTERIOR INTERNAÇÃO NA UTI. EVOLUÇÃO A ÓBITO. NEGLIGÊNCIA DO CIRURGIÃO TITULAR. INOBSERVÂNCIA DO DEVER OBJETIVO DE CUIDADO NO PÓS-OPERATÓRIO. QUEBRA DA RELAÇÃO DE CONFIANÇA MÉDICO/PACIENTE. GARANTE. COMPORTAMENTO OMISSIVO PENALMENTE RELEVANTE. RESPONSABILIDADE PENAL CONFIGURADA. CONDENAÇÃO MANTIDA. DOSIMETRIA DA PENA. CAUSA DE AUMENTO DO ART. 121, §4º, DO CP. INOBSERVÂNCIA DE REGRA TÉCNICA DA PROFISSÃO. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. 1. A juntada de documento pelo assistente de acusação após o interrogatório judicial do réu, não afronta os princípios do contraditório, da ampla defesa, do devido processo legal e da autodefesa, mormente porque, em seguida à aludida juntada, o MM. Juiz a quo abriu vista dos autos às partes para manifestação. Ato contínuo, decidiu sobre a pertinência do documento para o deslinde da causa e sobre a ausência de prejuízo à defesa técnica. 2. A refra, no tocante à prova documental, é a de que as partes poderão juntar documentos em qualquer fase do processo, só podendo haver indeferimento do órgão julgador quando os documentos apresentados tiverem caráter protelatório ou tumultuário (LIMA, Renato Brasileiro de. Código de Processo Penal Comentado. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 658). Precedente do STJ. 3. Ausente a prova do prejuízo experimentado pelo réu, com a juntada de documento pelo assistente de acusação, após o seu interrogatório judicial, não se cogita de nulidade. Inteligência do princípio pas de nullité sans grief. 4. O réu, médico ortopedista, acompanhava a vítima, em ambulatório de hospital, há mais de seis meses, porquanto padecia esta de hérnia de disco com dores severas nas pernas, e, após o insucesso de tratamento terapêutico, indicou-lhe a realização de procedimento cirúrgico eletivo de artrodese de coluna vertebral. Nesse quadro, não resta dúvida de que réu e vítima firmaram uma relação de confiança (médico/paciente), na qual assumiu aquele a posição de garante em relação a esta, mormente no que toca à realização do procedimento cirúrgico que indicou e ao respectivo pós-operatório. 5. Malgrado não tenha havido intercorrências na cirurgia a que fora submetida a vítima, resulta provado nos autos que o réu, cirurgião titular, logo após o procedimento, quando deveria pessoalmente preencher o prontuário médico e prescrever as medicações a serem ministradas no pós-operatório, delegou essa atividade ao médico auxiliar, a pretexto de que deveria ingressar, de imediato, em centro cirúrgico para a realização de outro procedimento eletivo, fornecendo-lhe, inclusive, a sua senha pessoal e intransferível para acesso ao sistema informatizado do hospital. O médico auxiliar, que não tinha qualquer vínculo com a vítima ou com sua família, fazendo uso da senha pessoal e do carimbo do réu, máxime porque não tinha cadastro no hospital, terminou de preencher os dados relativos à cirurgia e prescreveu medicação errônea à vítima (TRACRIUM), potencialmente perigosa, o que lhe causou mal súbito (parada cardiorespiratória), com evolução ao óbito, após mais de quarenta dias de internação na UTI. Fora isso, o réu agiu de forma negligente e imprudente quando deixou de conferir a prescrição medicamentosa realizada pelo médico auxiliar, deixando de dispensar à vítima, sua paciente, a proteção e os cuidados que lhe eram esperados no pós-operatório. Manifesto, pois, o seu comportamento omissivo penalmente relevante porque, na qualidade de garante, poderia e deveria ter agido para evitar as consequências da prescrição errada do remédio. 6. Viola as regras técnicas da medicina e o dever objetivo de cuidado o médico que delega a terceiros a obrigação sua e presta atendimento negligente ao seu paciente, contribuindo, de forma decisiva, para o seu sofrimento e posterior óbito. 7. Mantém-se a causa de aumento de pena relativa à inobservância de regra técnica de profissão, insculpida no art. 121, §4º, do CP, porque o réu, em total dissenso com os cânones da Medicina, não deu à vítima o suporte necessário no pós-operatório, permitindo, com isso, que lhe fosse ministrado medicamento errado, altamente perigoso, decisivo para a ocorrência do evento morte. 8. Recurso defensivo conhecido e desprovido (BRASIL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios – TJ-DF: XXXXX-65.2015.8.07.0001 DF XXXXX-65.2015.8.07.0001. 3ª Turma Criminal. Relator: Waldir Leôncio Lopes Júnior. Acórdão publicado em 04/12/2020. Disponível em: <https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/tj-df/1152744500>. Acesso em 05 nov. 2022.)
Em que pese esse estudo apresente a responsabilidade penal por erro médico, importante mencionar que a responsabilização do profissional também poderá se dar na forma de conduta dolosa, desde que ele se enquadra em uma figura típica, ilícita e culpável.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diz o ordenamento jurídico pátrio que a vida e a integridade física são direitos humanos e fundamentais com ampla proteção legal, de modo que, havendo a conduta de um agente no sentido de violação de tais garantias, deverá o mesmo ser responsabilizado nas esferas cível e criminal. Sendo uma atuação profissional, pode ainda haver a responsabilização no âmbito administrativo, perante o órgão competente para fazê-lo.
Entre as profissões que lidam diariamente com esses direitos universais e indisponíveis, os médicos possuem uma grande responsabilidade na condução de sua atividade, uma vez que, uma falha, por menor que seja, pode ser capaz de gerar consequências físicas irreversíveis, podendo chegar, nos casos mais gravosos, à perda da vítima do paciente.
Certo é que, por ser uma atividade-meio, em que o resultado nem sempre se espera, a atuação dos médicos não exige um efeito especificamente assegurado, já que, muitas situações podem ocorrer, levando à sequelas não aguardadas. No entanto, o dever de cuidado dos pacientes persiste em todas as hipóteses, de modo que, a falha pode ser sim objeto de responsabilização.
Diante da gravidade do erro médico, é que a responsabilização inclusive criminal é admitida no Brasil. Uma vez constatada a conduta culposa, consubstanciada em imperícia, imprudência ou negligência, bem como enquadrada em um dos crimes previstos na legislação criminal, deverá ser imposta uma pena, para impedir que a falha ocorra novamente, vitimando outros pacientes. Além da culpa, se houver dolo, o médico será igualmente processado por sua conduta, com penas ainda mais severas do que na modalidade culposa, haja vista a sua motivação.
Em todo o caso, o fato deverá ser levado à apreciação do Poder Judiciário que, através do devido processo legal, assegurando o contraditório e a ampla defesa do médico, proferirá uma decisão de mérito sobre o enquadramento da conduta em uma das espécies penais vigentes.
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Acadêmico do curso de Direito pela Universidade de Gurupi - UNIRG
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FERREIRA, enzo tavares. A responsabilidade penal por erro médico Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 08 mar 2023, 04:58. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/61146/a-responsabilidade-penal-por-erro-mdico. Acesso em: 23 nov 2024.
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