RESUMO: O artigo tem o objetivo de confrontar o procedimento penal brasileiro responsável pelo julgamento dos crimes contra à vida com as análises da Corte interamericana de direitos humanos e da Comissão interamericana de direitos humanos a respeito da aplicabilidade dos princípios constitucionais que nele estão inseridos; a incomunicabilidade do jurado; a legalidade sobre a execução provisória da pena; a influência do populismo penal midiático que no júri.
PALAVRAS-CHAVE: Crimes contra à vida; Corte; Comissão; Princípios Constitucionais Orientadores; Execução provisória da pena; Populismo Penal Midiático; Jurisprudência internacional.
ABSTRACT: The article aims to confront the Brazilian criminal procedure responsible for judging crimes against life with the analyzes of the Inter-American Court of Human Rights and the Inter-American Commission on Human Rights regarding the applicability of the constitutional principles that are inserted therein; the jury's incommunicability; the legality of the provisional execution of the sentence; the influence of media penal populism than on the jury.
KEYWORDS: Crimes against life; Cut; Commission; Guiding Constitutional Principles; Provisional execution of the sentence; Media Penal Populism; International jurisprudence.
SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO. 2 DESENVOLVIMENTO. 2.1 Jurisprudência internacional a respeito do julgamento por jurados. 2.2 A incomunicabilidade do jurado no brasil. 2.3 A influência do populismo penal midiático no tribunal do júri. 2.4 O impacto do clamor social sobre o jurado. 2.5 A ausência de fundamentação do voto dos jurados e seus reflexos. 2.6 Soberania dos vereditos, garantia ou instrumento punitivo? 2.7 A execução provisória da pena no tribunal do júri e a alteração trazida pelo pacote anticrime. 3 CONCLUSÃO. 4 REFERÊNCIAS.
O artigo aqui apresentado trata da jurisprudência internacional dos órgãos interamericanos, corte e comissão. Os casos trazidos visam validar ou ainda questionar as estruturas enraizadas no modelo de processo e julgamento dos crimes contra à vida no ordenamento jurídico brasileiro e em outros mais.
O modelo brasileiro de tribunal do júri com suas características e peculiaridades aborda a importância da participação popular nos julgamentos, pois o júri é uma corte de viés democrático, logo a participação é relevante no processo de julgamentos. A seguir será analisado os princípios constitucionais orientadores do tribunal do júri que contradizem outros preceitos dentro da própria constituição.
Diante disso, o objetivo é trazer os desdobramentos que algumas regras de funcionamento apresentadas no júri; é mostrar que algumas dessas regras foram trazidas para o júri em um lapso temporal da história totalmente distinto do que vivemos hoje e justamente por isso, tornam-se descabidas e muitas vezes contrária ao viés democrático com o qual a corte foi pensada.
O tema encontra relevância jurídica a partir do momento em que o tribunal do júri criado para livrar o indivíduo da ânsia punitiva do Estado, é hoje uma instituição que viola garantias fundamentais que a história tratou de conceder a todos, sem distinção.
Tal relevância ainda se confirma tendo em vista que hoje, o júri possui competência para julgar os crimes dolosos contra a vida, crimes que visam tutelar o bem jurídico de maior importância no ordenamento jurídico, ou seja, a vida. Esses crimes trazem junto de si, penas severas e justamente pela gravidade destas penas, qualquer equívoco ao aplicá-las pode acarretar prejuízos irreparáveis.
Sob o viés político e social, o tema mostra sua relevância com facilidade, uma vez que ao observar o júri como eficaz instrumento do encarceramento em massa é preciso reavaliar, em razão dos altos índices de criminalidade no Brasil, a política de segurança pública adotada pelo Estado já que o encarceramento em nada tem contribuído para a diminuição desses índices.
2.1 Jurisprudência internacional a respeito do julgamento por jurados.
A fim de enriquecer e melhor fundamentar os questionamentos aqui trazidos serão expostos alguns julgados da órbita internacional uma vez que as críticas às estruturas do Tribunal do Júri não se limitam ao ordenamento jurídico brasileiro.
Em primeira mão é preciso destacar que a Corte interamericana de Direitos humanos (Corte IDH) já analisou a convencionalidade do tribunal do júri, ou seja, a referida corte analisou se o procedimento do júri é congruente com os ditames da convenção americana de direitos humanos (CADH). A análise se deu no Caso V.R.P., V.P.C. e outros vs. Nicarágua onde a Corte IDH afirmou que a estrutura do julgamento por jurados a princípio não macula as garantias previstas na CADH como a do devido processo legal.
Também já foi alvo de questionamento nos organismos internacionais o peso que questões extrajudiciais, como raça, nacionalidade e religião, podem ter nos veredictos dos jurados eventualmente maculando o traço democrático do Júri de garantir que o réu seja julgado por um tribunal imparcial composto de seus pares.
No Caso William Andrews vs. EUA, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) entendeu que o Sr. Andrews, réu negro, não teve a garantia de ser julgado por um tribunal imparcial respeitada uma vez que os jurados durante uma pausa do julgamento tiveram acesso a um bilhete que trazia a seguinte frase “Enforquem os negros” junto de um desenho de uma forca com uma pessoa negra. Os jurados não foram questionados sobre o ocorrido pelo juiz presidente que prosseguiu com o julgamento sem adotar qualquer providência para garantir a imparcialidade dos jurados.
Vale ressaltar que o júri em questão era composto por pessoas brancas membros de uma igreja que pregava em sua doutrina a inferioridade da raça negra. Portanto, fica claro que a máxima de ser julgado por seus pares tornou-se totalmente intangível para o Sr. Andrews.
Diante do exposto, a CIDH decidiu que os EUA violaram o art. 26, §2º da Declaração americana dos direitos e deveres do homem (DADDH) que prevê o direito de ser ouvido de maneira imparcial.
Em episódio semelhante, porém com contornos diferentes é válido mencionar o Caso Roberto Moreno Ramos vs. EUA, também analisado pela CIDH. Neste caso, violação também repousa sobre o art. 26 da DADDH. Contudo, aqui o contorno não é racial, mas sim a respeito da nacionalidade do réu, o Sr. Moreno Ramos. Durante uma etapa processual, o órgão acusatório usa a nacionalidade do réu como argumento de autoridade que justificaria a sua condenação, a fim de preservar o respeito às leis estadunidenses.
Após, é preciso analisar as discussões a respeito da ausência de fundamentação dos votos dos jurados e suas reflexões.
Também no Caso V.R.P., V.P.C. e outros vs. Nicarágua, a Corte IDH proferiu decisão no sentido de que “As decisões dos jurados também devem ser motivadas, mas a falta de exteriorização da fundamentação do veredicto não viola por si só a garantia da motivação.” A falta de exteriorização da fundamentação do veredicto só não implicará em violação às garantias do réu caso seja possível entender as razões da decisão através do conjunto de atuações realizadas no procedimento.
O Tribunal Europeu de Direitos Humanos (TEDH) possui entendimento no mesmo sentido firmado no Caso Taxquet vs. Bélgica. A corte europeia afirma que “A escolha por um Estado de determinado sistema de justiça criminal está, a princípio, fora da supervisão do Tribunal, desde que o sistema escolhido não viole os princípios estabelecidos na Convenção.”. Portanto, não seria possível exigir a fundamentação dos veredictos dos jurados sob pena de desestabilizar o próprio procedimento do júri e interferir na escolha do Estado de seu sistema de justiça criminal.
Seguindo na jurisprudência europeia, o TEDH já se posicionou através do Caso Hanif e Khan vs. Reino Unido a respeito da possibilidade de um policial servir como jurado em uma sessão do tribunal do júri. Mesmo sabendo e valorizando as bases do ordenamento jurídico que pregam pela possibilidade de qualquer um do povo poder ser membro do júri bem como pela presunção de imparcialidade de um juiz ou jurado, é preciso reconhecer que tais institutos são pouco suficientes para garantir que não haverá riscos de o jurado policial poder, ainda que inconscientemente, favorecer as provas da polícia. Sendo assim, fica vedada tal possibilidade.
Por fim e retomando à jurisprudência americana, a CIDH já se manifestou a respeito da fase recursal no procedimento do júri. No Caso Pedro Basilio Roche Azaña e outro vs. Nicarágua ficou claro que a previsão de soberania dos veredictos não pode implicar na impossibilidade de o réu uma vez condenado impugnar sua condenação, sob pena de se caracterizar como um julgamento arbitrário e violador dos direitos às garantias judiciais.
2.2 A incomunicabilidade do jurado no brasil
A incomunicabilidade dos jurados está prevista no artigo 466 §§ 1º e 2º do Código de Processo Penal e encontra fundamento na doutrina jurídica brasileira no desejo de resguardar a opinião dos jurados, ou seja, proteger o voto de um jurado da interferência do outro.
De acordo com RANGEL (2018, p.81) “A incomunicabilidade que a lei quer assegurar diz respeito ao mérito do julgamento e tem como objetivo impedir que o jurado exteriorize sua forma de decidir e venha influir, favorecendo ou prejudicando qualquer um dos seus membros.”
O que doutrinadores como Paulo Rangel defendem é que existe uma grande diferença entre a incomunicabilidade dos jurados e o sigilo dos votos. O sigilo dos votos consiste para evitar que se exerça pressão sobre a votação dos jurados, pressão essa que pode ser exercida através de chantagens, ameaças, perseguições, sem influência estranha, como também a preservação sua integridade física.
A Lei 11.689/2008 consagrou modificações no júri e dentre elas, para assegurar o sigilo das votações é necessário que a contagem dos votos cesse no quarto voto SIM ou no quarto voto NÃO esse procedimento preserva a garantia constitucional do sigilo dos votos.
O sigilo deveria ser somente externo e não necessariamente entre os jurados, ou seja, o que se pretende é evitar o conhecimento do público e das partes sobre os votos. No entanto, o ordenamento pátrio ainda defende a incomunicabilidade, a ausência de diálogo na hora do julgamento para que o jurado possa decidir por si só, sem influência alguma. O que, por conta própria, não garante qualquer lisura a votação.
Desta forma, ocorre um julgamento que decide sobre a liberdade de alguém sem que os julgadores, definidos como seus pares, possam debater, entre si, o fato e as considerações sobre o caso.
Essa comunicação torna-se fundamental para que a decisão do júri represente os ideais de um Estado Democrático de Direito. A incomunicabilidade entre os jurados é prejudicial à democracia do júri, pois se eles tivessem a oportunidade de compartilhar pensamentos, provavelmente reduziriam as decisões arraigadas de preconceitos e preferencias pessoais.
A questão da incomunicabilidade foi inserida em nosso ordenamento jurídico já no código de processo penal de 1941, nesta época o júri não era para todos, de forma que os que ali estavam para julgar, pertenciam a uma classe social privilegiada, destoando totalmente dos que ali estavam para ser julgados. E em razão dessa diferença fez necessário, de forma autoritária, estabelecer a incomunicabilidade entre os jurados pois a conversação entre estes seria a manifestação e consolidação de um poder pertencente a somente uma pequena parcela da sociedade, que visa claramente punir os seus desiguais ali julgados.
O júri, por outro lado, não é mercado de palpites emocionais; é preciso um PLUS, uma crença, um flamejar de fé, para não se entrar no jogo das aparências ou no formal tecnicismo do faz de conta, em que um postula uma absolvição na qual não acredita, e outro postula uma pena que apenas dá pasto a sentimentos pueris, batendo ambos um martelo de plástico na bigorna de algodão de suas mediocridades, “homens de cortiça”, forjando-se uma história forjada, banalizando-se o que é quase sagrado, assinando-se sem escrúpulos a mentira que recebe o selo de justiça, QUAND MÊME. (BONFIM,2018, p.37)
O debate dentro do grupo heterogêneo do conselho de sentença enriquece a decisão do julgamento criando a possibilidade de um julgamento mais justo. A comunicação entre os jurados favorece a troca de opiniões sobre esse jogo de aparências, essa encenação do promotor e do advogado a qual menciona o doutrinador acima.
O jurado, por não estar familiarizado com o meio jurídico encontra dificuldade para chegar a uma conclusão adequada sobre os fatos imputados ao réu; não por falta de inteligência, mas sim, pela fata de habitualidade e por isso acabam convencidos pelo promotor ou advogado, detentores de habilidades com as palavras para tal convencimento em seus debates sentimentalistas em detrimento do fato e do direito.
Portanto, depois dessa abordagem sobre incomunicabilidade dos jurados no Brasil, pode-se concluir que trata de uma medida que não traduz o viés democrático do tribunal do júri, bem como não respeita o nível de civilidade hoje vivido pelo brasileiro pois houve uma evolução na sociedade e no direito e assim, pode-se dizer que o que antes era considerado como fundamental hoje passa a não ser mais.
Na Inglaterra, de onde tem como base o modelo de Júri, os jurados não participam da elaboração da sentença que é ato privativo do magistrado, mas a comunicação entre os jurados é plena, uma vez que os jurados decidem com base em um juramento solene que fazem em juízo.
Em Portugal, na votação, há necessidade de fundamentação do voto por cada juiz e jurado que devem indicar os motivos que os fazem decidir de tal maneira e se possível o meio de prova que serviu para formar seu convencimento. Além disso, a comunicação entre os jurados é também prevista. Realidade completamente distinta da brasileira onde o voto não precisa ser justificado e os jurados devem permanecer incomunicáveis entre eles.
Em entrevista ao site da Conjur, o doutrinador Paulo Rangel acrescenta:
ConJur — Hoje, cada um decide separado, não podem sequer se comunicar.Paulo Rangel — A incomunicabilidade é a regra no Júri. Com a reforma do processo penal, uma vez aprovada, haverá comunicabilidade. O projeto já sofreu bastante alteração, mas me parece que, se for mantida a comunicabilidade, já será um avanço. Eu também acredito que o número de sete jurados é insuficiente. De 1822 até 1938 eram 12 jurados. Durante o governo ditatorial de Vargas, em 1938, foi baixado decreto diminuindo de 12 para sete. Isso tem uma razão de ser: política. Doze é um número par, é mais difícil de obter a condenação porque é preciso uma diferença de dois votos, 7 a 5 no caso. Em um número ímpar, é preciso apenas a diferença de um voto, 4 a 3. É mais fácil obter a condenação. No Júri, de 1822 até 1938, os jurados se comunicavam entre si. Esse mesmo governo ditatorial acaba com a comunicabilidade e torna o Júri incomunicável com a justificava jurídica falaciosa de que é preciso manter a imparcialidade do Júri. O que tem de manter é a independência dos jurados, eles não podem ser coagidos. O Júri é o instrumento de democracia. Já vivemos duas ditaduras, e hoje estamos em uma democracia plena. Está na hora do Júri voltar a ser o que era. Não adianta viver em uma democracia se ainda há pessoas que têm um espírito ditatorial, punitivo. (RANGEL, 201
A adoção da comunicabilidade entre os jurados nos permitirá decisões cada vez menos injustas, o fato de um jurado poder influenciar no voto dos demais não deve ser motivo suficiente para justificar a incomunicabilidade entre eles, fosse assim, o processo eleitoral brasileiro estaria com vícios, pois o que mais acontece é um cidadão influenciando no voto do outro e isto é o reflexo do sistema democrático da sociedade.
2.3 A influência do populismo penal midiático no tribunal do júri
A criminalidade como um expoente problema no Brasil possui duas maneiras de ser combatida. A primeira delas enxerga esta mazela como um problema social, resultado da desigualdade social, da falta de educação e de outros elementos essenciais para o convívio sadio em sociedade. Este modo de reagir não culpa exclusivamente o criminoso, pelo contrário confia no ser humano e na sua capacidade de recuperação. A segunda maneira de reagir ao fenômeno criminológico encontra fundamento no ultraliberalismo e por isso encara o crescimento da criminalidade como um problema individual, onde o crime é fruto da maldade do criminoso (GOMES; ALMEIDA, 2013, p. 15).
Com base na corrente filosófica que culpa exclusivamente o criminoso e que clama por um direito penal punitivista e repressivo é que surge o irracional Populismo Penal. O populismo penal busca o apoio popular através das manifestações do senso comum, baseadas em suas emoções, para implementar um direito penal mais rigoroso como forma de combate efetivo à criminalidade (GOMES; ALMEIDA. 2013, p. 16) a ser “exercido apenas contra alguns bodes expiatórios” (apud GOMES; ALMEIDA. 2013, p. 28). Algo que tem se mostrado completamente inútil visto que os índices de criminalidade só fazem crescer.
Na gênese da implementação do populismo penal na sociedade atual é perceptível o estreitamento dos laços desta ideologia com a veiculação massiva de notícias apavorantes capazes de sedimentar no senso comum a sensação de insegurança em razão da violência e do caos enraizados na sociedade que merecem e precisam ser combatidos através de um maior punitivismo penal (GOMES; ALMEIDA. 2013, p. 46). O chamado populismo penal midiático.
Atualmente a mídia exerce um papel muito importante em relação ao acesso à informação. Esta, no cerne da palavra, significa obter notícia e conhecimento sobre determinado assunto.
Observa-se nas residências, pelo menos, um aparelho de televisão, um rádio, aparelho de telefone móvel (através do qual, geralmente, a internet é acessada), revistas, enfim, é inegável, portanto, a facilidade com que hoje em dia se tenha acesso a informações.
Os canais de comunicação que veiculam informações durante 24 horas, tais como, jornais, reportagens, blogs, redes sociais e outros, fazem com que as pessoas estejam atualizadas com os acontecimentos a todo momento e sendo assim podem, com poucos “cliques”, obter uma gama de informações do mundo.
O consumo de informações é intenso e a toda hora, gerando lucro para quem as veicula, fazendo com que surja o interesse em atrair a maior quantidade de espectadores e muitas vezes, em detrimento do compromisso com a verdade do que se propaga.
A primeira preocupação de investigar a comunicação a partir da perspectiva científica emerge por volta dos anos 30 do século XX, quando cientistas das áreas sociais e humanas propõem as primeiras formulações teóricas para analisar a emergente sociedade e cultura de massas e, sobretudo, o poder de manipulação, persuasão e influência dos “mass media” nas sociedades industriais. (PINTO; SERELLE, 2007, p.23).
É de suma importância a responsabilidade atribuída aos canais de comunicação na veiculação de notícias. Os meios de comunicação têm a capacidade de serem instrumentos de manipulação social, que na maioria das vezes, não só informam um fato ocorrido, como também, trazem no conteúdo da notícia juízo de valor, escolhendo um lado e ao notificar um crime, por exemplo, condenam um suspeito ou um réu antes mesmo da produção de provas, sem dar direito de resposta à essa pessoa; consequentemente criando história com personagens reais.
Nesta lógica massiva de apresentar notícias relacionadas ao crime, “a vítima será praticamente sacralizada, enquanto o desviante, revestido de ares de periculosidade, será visto como o grande vilão a ser castigado ou eliminado, o que desnuda, então, a pretensa imparcialidade da notícia criminal [...]” (GOMES; ALMEIDA, 2013, p. 264). É essa chamada, dramaturgia da violência que acaba por ser uma eficaz maneira de fomentar no público, leigo ou não, uma cultura punitiva (GOMES; ALMEIDA, 2013, p. 265).
Há que mencionar também, a importância da influência social no convívio entre as pessoas, essas são constantemente influenciadas por outras que as cercam, às vezes as levam a imitação, pois o homem se baseia no comportamento dos outros como fonte de informação.
O escritor BERGER (2016, p.233) ensina que “(...) todos nós somos capazes de apontar exemplos de outras pessoas que caem vítimas da influência social, mas costuma ser muito mais difícil reconhecer essa influência em nós mesmos.”
A influência é uma ferramenta como qualquer outra e que pode melhorar a vida das pessoas se souber utilizá-la, não permanecendo inertes e passivos.
Portanto, existem diversas maneiras de propagar ideias e informações, sejam elas boas ou ruins. Esses meios de comunicação influenciam no dia a dia da sociedade possibilitando a compreensão da realidade que se concretiza através de opiniões.
Um pouco em todos os tempos, porém na época atual cada vez mais, o processo penal interessa à opinião pública. Os jornais ocupam uma boa parte de suas páginas com a crônica dos delitos e dos processos. Quem os lê tem consigo a impressão de que neste mundo se produzem muito mais delitos do que boas ações. O que ocorre é que os delitos assemelham às papoulas, que quando há uma em um campo, todos se dão conta dela; e as boas ações se ocultam, como as violetas entre as ervas do prado. Se os jornais se ocupam com tanta assiduidade dos delitos e dos processos penais, é porque a gente se interessa muito por eles; sobre os processos penais chamados céleres, lança-se avidamente a curiosidade do público. (CARNELUTTI, 2009, p.6 e 7).
A interferência midiática no Direito e no Processo Penal está cada vez maior, pois os nossos meios de informação exigem mais repressão, leis penais mais duras, sentenças mais severas para os acontecimentos trazidos pela mídia, como se isso fosse resolver o aumento da criminalidade. Um exemplo disto é o crescimento exponencial do direito penal simbólico, que consiste na produção quase que encomendada de novas e mais severas leis penais que na realidade não alteram a proteção efetiva de um bem jurídico. Nascem com o intuito de transmitir a sensação de tranquilidade (GOMES; ALMEIDA, 2013, p. 52).
O fato é que a mídia possui um enorme caráter formador de opiniões, que muitas vezes está equivocada e mal intencionada.
O Populismo Penal Midiático, dentre suas características, favorece a participação direta da sociedade na luta contra a violência e aos crimes que vão ganhando repercussão, tem a capacidade de exercer uma coação em torno de um acontecimento criminoso, criando uma versão deturpada dos fatos que consequentemente gera uma sensação de insegurança na sociedade.
Com o advento do populismo penal midiático e da crescente influência da mídia na formação da opinião do homem médio, o processo penal transformou-se em um espetáculo populista tele midiático (GOMES; ALMEIDA, 2013, p. 16). Neste cenário, a população reage cada vez mais negativamente as medidas de um Estado de bem-estar social e cada vez mais positivamente as medidas revanchistas e desproporcionais de responsabilização individual do criminoso que ignoram o verdadeiro motivo do crescimento da criminalidade no Brasil.
No tribunal do Júri esses discursos midiáticos instabilizam a democracia e a participação da população que é facilmente iludida, pois esses exercem pressão tanto nos jurados como nos juízes.
A população com sentimento de receio e intimidada com a violência que afeta o país, agarra-se a discursos penais que não irão tratar devidamente o problema; insegurança essa que pode pontuar em relação a morosidade do judiciário em apresentar o resultado para os acontecimentos, sentimento de impunidade, o descrédito na segurança pública, a insatisfação com o sistema penal, e o clamor por leis mais severas.
A celeridade das informações pode fazer com que o aparato judicial se empenhe para apresentar soluções rápidas no desvendamento de crimes e com isso comprometendo a qualidade do trabalho.
Por outro lado, a desordenada produção de leis penais cada vez mais punitivas, como é o caso da lei 13.964/19, pacote anticrime, que recrudesceu o tratamento dispensado ao criminoso, como exemplo, aumentando os percentuais para progressão de regime, sobretudo para casos de crimes hediondos, ampliando em 10 anos o tempo máximo que uma pessoa pode ficar privada de liberdade e etc.
Contudo, essas opiniões acabam por influenciar os julgamentos da competência do Tribunal do Júri, pois existem um maior empenho da população quando envolve atos criminosos.
Com relação aos crimes cometidos por militares, a lei 13.491/17, prevê que para os crimes dolosos contra a vida cometidos por militares estaduais contra civil serão da competência do tribunal do júri.
Esta alteração ocorreu, pois, anteriormente militares que praticavam crimes dolosos contra a vida de civil eram processados e julgados pela justiça militar, de acordo com o que estava definido no artigo 9º do CPM (Decreto lei 1001/69).
Com o episódio da chacina de Vigário Geral, no qual 21 pessoas foram mortas à sangue frio, a comoção social e midiática foi de grande relevância e após o fato o legislador editou a lei 9.299/96 que transformou esses crimes em crimes comuns sendo da competência do júri.
Devido a escalada da violência houve necessidade do emprego das forças armadas nas questões de segurança pública e mais uma vez o legislador alterou o artigo 9º do CPM com a lei 13.491/17, passando a prever que se for praticado por militar federal será da competência da justiça militar federal e se for praticado por militar estadual será da competência do tribunal do júri.
Este acontecimento repercutiu na Organização dos Estados Americanos como crime contra os direitos humanos e foi um dos pontos positivos no populismo penal midiático, pois como mencionamos em parágrafos anteriores, essa influência é uma ferramenta que pode melhorar a vida das pessoas caso saibam utilizá-la.
Ratificando o tema abordado, o doutrinador Paulo Rangel, em entrevista ao site da Conjur, explica:
ConJur — O senhor comentou o caso Nardoni. Quando há comoção da sociedade e, principalmente, muita repercussão na imprensa, o MP sempre entra com vantagem no Júri?
Paulo Rangel — Não há dúvida. Quando a imprensa está em cima, o promotor já tem a vantagem que é a comoção social. O que ele vai precisar fazer é levar as provas para o processo para justificar a decisão que já foi dada, socialmente, pela imprensa: a condenação. Eu mesmo já fiz júris em que fui com 6 a 0. Eu só precisava mostrar as provas levadas ao processo que justificavam a decisão que já havia sido dada. As pessoas estavam aguardando aquele dia. E há um problema nisso. Para a imprensa, não interessa o fato velho. Mas para o processo essa pressão é ruim, porque, de certa forma, coage o juiz e o promotor e limita o trabalho do defensor. Sem tolher a liberdade da imprensa, é preciso encontrar um meio termo para que haja a divulgação — e não há democracia sem a imprensa livre— sem gerar prejuízos ao réu. É difícil achar esse meio termo (RANGEL, 2011)
Pode-se citar como elucidação deste artigo, casos com forte repercussão na mídia nos últimos tempos e que talvez tenham influenciado na decisão dos jurados e do juiz: O caso João Hélio, o caso Suzane Von Richthofen, caso Eliza Samudio, caso Isabella Nardoni, e o mais recente caso de Henry Borel que antes mesmo de sentenciado já se tem criado uma grande certeza da culpa da mãe da vítima.
2.4 O impacto do clamor social sobre o jurado
Diante do exposto, surge o questionamento se o tribunal do júri é realmente uma garantia, na medida em que, poderá ocorrer influência da mídia nos jurados. A publicidade, exercendo o papel informador nos processos criminais, acarreta, muitas vezes, um verdadeiro julgamento antecipado dos réus, pondo em risco outros valores também democráticos e que devem ser garantidos a toda pessoa no processo.
Há de ressaltar que deverá haver uma integração entre as garantias constitucionais de liberdade de expressão e informação com as garantias do réu no processo, como: o devido processo legal, a presunção de inocência, a um julgamento justo e a imparcialidade das decisões, que também merecem atenção.
O que acontece é uma pré condenação do réu na qual as chances de defesa ficam praticamente prejudicadas mediante um julgamento conforme a justiça.
A prisão preventiva que aciona a ordem pública como fundamento pode ser realizada pelo fato de o delito ter chamado a atenção da sociedade, da mídia ou da imprensa. A palavra “clamor” vem a ser ‘grito, expressão dita com veemência, brado’, podendo ser ‘pedir, implorar, petição’. A primeira acepção pode ser compreendida como repercussão, alarde.
Nesses casos, a ideia central é prender preventivamente pela repercussão do crime ou prender com o fito de amornar ou fazer cessar o clamor gerado pelo acontecimento. (PRADO; SANTOS, 2018, p.150).
No júri, como são pessoas muitas vezes despreparadas, a mídia tem força para condenar realmente por antecipação. Pode-se citar um meio de comunicação fundamental, que é a televisão, a qual produz um forte impacto na opinião do público.
No direito penal essa comunicação se torna perfeita quando noticiam uma determinada investigação que já apontam se a pessoa é inocente ou culpada e assim, essa informação é propagada rapidamente.
Nos casos de grande repercussão, a publicidade traz diversas informações, às vezes, isoladas, onde se divulga características do réu no que tange a sua personalidade, antecedentes, vida social, aspecto físico que podem influenciar na conclusão do caso precipitadamente, fazendo com que a sociedade faça um juízo de valor sem conhecer a defesa do réu.
Logo, ressaltamos a responsabilidade que possuem os meios de comunicação ao transmitirem informações durante as investigações e processos judiciais, pois estas notícias atingem diretamente as partes envolvidas, dificultando a possibilidade do conhecimento das circunstâncias do caso, que é o objeto de exposição e debate em plenário.
Diante do que fora mencionado há possibilidade de o clamor popular influenciar julgamentos em qualquer área do direito e não apenas no direito penal, pois nos casos de grande repercussão a sociedade participa ativamente das investigações.
Tudo isso reflete no julgamento do tribunal do júri, haja vista o despreparo dos jurados para julgar, sem conhecimento técnico. Os jurados imbuídos de um sentimento de medo da violência que lhe é transmitida pelos meios de comunicação, fazem com que condenem a pessoa acusada como solução de garantia da ordem pública.
2.5 A ausência de fundamentação do voto dos jurados e seus reflexos
Trata-se de resquício do conhecido e ultrapassado sistema da íntima convicção do voto dos jurados que viola flagrantemente o princípio constitucional da motivação das decisões judiciais previsto no art. 93, IX da CRFB (RANGEL, 2018, p. 222). Através deste sistema já superado em todo o processo penal, com exceção do Júri, o julgador vota de acordo com a sua consciência, não precisando fundamentar ou basear sua decisão na avaliação das provas apresentadas.
Todavia, todos os atos do poder judiciário devem ser motivados, a fim de que o cidadão esteja protegido do poder punitivo do Estado. Logo, o juiz togado na função de julgador que exerce como representante legal de um poder que emana do povo, deve fundamentar todas as suas decisões. No entanto, o jurado, próprio titular do poder democrático, não o precisa fazer quando exerce a mesma função. Medida que, claramente, não goza de nenhuma coerência.
Isto por que o sistema da íntima convicção quando pensado para o júri, fundamenta-se na assertiva de que o jurado, sendo qualquer um do povo, seria capaz de proferir uma decisão justa com base na empatia, na aproximação com o réu. Contudo esta paridade com o réu, projetada nos jurados, além de cada vez mais rarefeita é pouquíssimo suficiente para legitimar uma decisão de absolvição ou condenação em um estado democrático de direito.
A ausência de fundamentação nos votos do júri implica também em questões processuais práticas, além das questões éticas e morais trazidas. A base para a elaboração de um eventual recurso é justamente a motivação alegada pelo julgador para chegar à decisão que será atacada. E se esta motivação não existe, a garantia de um duplo grau de jurisdição fica comprovadamente prejudicada.
Por exemplo, no processo penal comum, diante de uma decisão obscura, contraditória ou omissa as partes têm a sua disposição os embargos de declaração previsto no art. 382 do CPP, no júri, como o voto é imotivado, este instituto fica sem aplicação. No mais, as possibilidades de apelação são precárias frente a complexidade deste rito. Evidenciando mais uma afronta ao status de corte democrática que idealizaram para o tribunal do júri.
2.6 Soberania dos vereditos, garantia ou instrumento punitivo?
O princípio da soberania dos vereditos é aquele que afirma ser o veredito dos jurados incontestável, quanto ao mérito, por qualquer tribunal togado (NUCCI, 2015, p. 43). E, em caso de erro do conselho de sentença, o réu será submetido a novo júri e não a decisão de um tribunal togado.
Neste ponto a crítica que se faz é a respeito da imutabilidade que se pode atribuir a uma decisão, que será tomada com base apenas na íntima convicção do jurado. Convicção esta, formada por aquilo que os meios de comunicação de massa entendem ser o certo a se dizer sobre um processo penal e não necessariamente sobre as provas e argumentos apresentados pelos profissionais envolvidos.
Elementos processuais que podem ratificar o temor de transformar decisões soberanas, criadas para beneficiar o réu, em decisões injustas e imutáveis está na escassez de incidentes recursais para tais decisões. Nas hipóteses em que a decisão do conselho de sentença for manifestamente contrária as provas apresentadas, caberá apelação na forma do art. 593, III, “d” do CPP. Sendo esta apelação favorável ao réu, ele será submetido a um novo júri que poderá, infelizmente, incidir no mesmo erro do anterior. Neste caso, uma nova apelação é inviável tendo em vista que o ordenamento jurídico brasileiro veda duas apelações com esta mesma motivação, no mesmo processo, na forma do art. 593, §3º do CPP. Diante disto, somente restaria ao réu a revisão criminal que pouco sacia esta sede de justiça, visto que possui rol de cabimento taxativo e busca a alteração de uma decisão já transitada em julgado.
Ponto que ganha destaque no que tange a soberania dos vereditos é a grande discussão doutrinária e jurisprudencial, a respeito de sua aplicação em concorrência com o princípio da vedação da reformatio in pejus indireta para o caso em que o réu recorre, de forma exclusiva, da decisão do júri.
Parte da doutrina defende que em razão da soberania dos vereditos gozar de hierarquia constitucional, não caberia a aplicação indireta do princípio da vedação da reformatio in pejus, hipótese em que um possível novo júri estaria livre para agravar a situação do réu. No entanto, como pode um princípio constitucional feito para proteger o indivíduo da ânsia punitiva estatal, ser o próprio instrumento a piorar a situação jurídica do réu?
Sobre esta ótica e através do HC 89.544-1/RN, o Ministro do STF Cezar Peluso, relator do referido HC, afirmou que o princípio da reformatio in pejus indireta, apesar de estar previsto no art. 617 CPP, dispositivo infraconstitucional, se assegura no direito a ampla defesa e ao contraditório que possuem hierarquia constitucional, igualmente a soberania dos vereditos. E que por gozarem de igual hierarquia normativa, o conflito entre tais institutos, deve ser resolvido pela chamada concordância prática onde recomenda-se que o aplicador da norma “adote a solução que otimize a realização de todos eles, mas ao mesmo tempo não acarrete a negação de nenhum” (HC 89.544-1/RN, STF, 2009).
Ou seja, o STF entendeu pela viabilidade da aplicação indireta do princípio da vedação da reformatio in pejus frente a decisão do júri ainda que os vereditos do júri sejam soberanos. Isto por que, nas palavras de Ada Pelegrini (HC 89.544-1/RN, STF, 2009) “a) o recurso só pode beneficiar à parte que o interpôs, não aproveitando à parte que não recorreu; e, via de consequência, que b) quem recorreu não pode ter sua situação agravada, se não houve recurso da parte contrária”.
A solução dada por Guilherme Nucci (HC 89.544-1/RN, STF, 2009) para aplicar de forma harmônica os dois institutos, é que o novo júri possa decidir da maneira que lhe convir, reconhecendo, se for o caso, situação mais prejudicial ao réu do que a do primeiro júri em respeito à soberania dos vereditos. Todavia, o juiz presidente do júri, um juiz togado, no momento da dosimetria da pena estará limitado a quantificar a condenação do réu no montante acertado no júri feito antes do recurso, em respeito a vedação da reformatio in pejus indireta.
Por fim, o Ministro se valendo das palavras de Frederico Marques nos orienta da seguinte forma: “A soberania dos veredictos não pode ser atingida, enquanto preceito para garantir a liberdade do réu. Mas, se ela é desrespeitada em nome dessa mesma liberdade, atentado algum se comete contra o texto constitucional” (HC 89.544-1/RN, STF, 2009).
2.7 A execução provisória da pena no tribunal do júri e a alteração trazida pelo pacote anticrime.
A lei 13.964/19, denominada de pacote anticrime, alterou a redação do artigo 492 do Código de Processo Penal Brasileiro, (CPP), trazendo hipótese de execução provisória da pena no Tribunal do Júri. O Tribunal do Júri é competente para processar e julgar os crimes dolosos contra a vida, com previsão legal no artigo 5º inciso XXXVIII, “d” da CRFB, bem como o artigo 74 § 1º do Código de Processo Penal.
A alteração do artigo 492 do CPP, com a nova lei, acrescentou que em caso do acusado ser condenado a uma pena igual ou superior a 15 anos de reclusão, o juiz expedirá o mandado de prisão, configurando assim a execução provisória da pena.
Considera-se execução provisória da pena quando o condenado já começa a cumprir a pena que lhe foi imposta na decisão condenatória mesmo sendo ainda uma decisão passível de modificação através de recurso.
A lei 13.964/19 previu no artigo 492 do CPP em seus §§ 3º, 4º e 5º inciso I e II onde se interpreta no § 3º exceções a possibilidade do juiz-presidente do júri deixar de decretar a prisão nos seguintes casos: Quando houver questão substancial que leve à revisão da condenação; Nos §§ 4º e 5º e inciso I e II que a apelação interposta não terá efeito suspensivo e o Tribunal poderá atribuir esse efeito quando verificado, cumulativamente, que o recurso não tem propósito protelatório, quando houver questão que possa absolver, anular sentença, novo julgamento ou a redução de pena para menos de 15 anos.
E assim já se posicionou o entendimento do STF, conforme demonstrado a seguir:
O cumprimento da pena somente pode ter início com o esgotamento de todos os recursos.
Resumo do julgado
O art. 283 do CPP, que exige o trânsito em julgado da condenação para que se inicie o cumprimento da pena, é constitucional, sendo compatível com o princípio da presunção de inocência, previsto no art. 5º, LVII, da CF/88.
Assim, é proibida a chamada “execução provisória da pena”.
Vale ressaltar que é possível que o réu seja preso antes do trânsito em julgado (antes do esgotamento de todos os recursos no entanto, para isso, é necessário que seja proferida uma decisão judicial individualmente fundamentada, na qual o magistrado demonstre que estão presentes os requisitos para a prisão preventiva previstos no art. 312 do CPP.
Dessa forma, o réu até pode ficar preso antes do trânsito em julgado, mas cautelarmente (preventivamente), e não como execução provisória da pena.
STF. Plenário. ADC 43/DF, ADC 44/DF e ADC 54/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, julgados em 7/11/2019 (Info 958).
O Código Penal Brasileiro vigente, determina e regulamenta os atos considerados como infrações penais dentro de nossa sociedade e prevê outros crimes que não são da competência do Júri, cuja a pena pode ser de 15 anos.
Nestes casos, há uma desproporcionalidade para esses crimes, pois se o réu for condenado a pena de 15 anos ou superior, terá direito de interpor o recurso e aguardar a decisão em liberdade, em caso de não haver necessidade da prisão preventiva.
Em caso do réu que foi condenado por um crime e que ainda caibam recursos a serem interpostos, significa dizer que, não transitou em julgado e se não transitou devemos tratar o réu como inocente até essa sentença definitiva, conforme se segue:
Muito importante sublinhar que a presunção constitucional de inocência tem um marco claramente demarcado: até o trânsito em julgado.
Neste ponto nosso texto constitucional supera os diplomas internacionais de direitos humanos e muitas constituições tidas como referência. Há uma afirmação explícita e inafastável de que o acusado é presumidamente inocente até o “trânsito em julgado da sentença penal condenatória”. (LOPES JR., 2021, P.640).
Sendo assim, discorda-se da execução provisória da pena numa decisão condenatória do Tribunal do Júri, haja vista que o condenado cumpriria a pena imposta mesmo que a decisão ainda não tivesse transitado em julgado, como também, mesmo que o recurso ainda não tivesse sido julgado.
Essa hipótese aqui abordada, trata-se da supressão de alguns princípios constitucionais, tais como: o princípio do duplo grau de jurisdição, que é construído a partir do artigo 5º inciso LV da CRFB/88, da presunção de inocência, artigo 5º inciso LVII da CRFB/88, da dignidade da pessoa humana, artigo 1º inciso III da CRFB/88 e do devido processo legal, artigo 5º inciso LIV da CRFB/88 entre outros também elencados na CRFB/88.
Todos esses princípios estão alçados a nível constitucional e internacional devendo assim, serem sopesados.
A presunção de inocência, também conhecida como o princípio da “não culpabilidade”, é uma das mais importantes garantias constitucionais.
O sistema processual vigente prevê que ninguém pode ser considerado culpado até que ocorra o trânsito em julgado do processo, é um princípio basilar do processo penal brasileiro e direito fundamental de todos os cidadãos.
No Brasil a incorporação deste princípio ocorreu em 1988 com o advento da Constituição da República, apesar do Brasil já ter assinado a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948.
Houve ainda a expressa previsão da presunção de inocência na Convenção Americana sobre Direitos Humanos no (Pacto de São José da Costa Rica), adotado pelo Brasil no Decreto nº 678/1992 que traz no seu artigo 8º, 2, primeira parte, que à toda pessoa acusada de delito, é considerada inocente por presunção até a comprovação de sua culpa.
Ratificando com base no texto infraconstitucional, menciona-se também o artigo 283 do CPP onde prevê que as prisões devem ser processadas quando for o caso de flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, quando houver sentença condenatória transitada em julgado ou em casos de prisões cautelares as quais garantem a segurança jurídica do processo.
Conforme previsão do artigo 5º inciso LVII como direito fundamental, o legislador se preocupa em garantir que ninguém tenha, precocemente, seu bem jurídico cerceado ou que sofra as consequências legais e sociais que o crime traz ao indivíduo quando se é reconhecida sua autoria.
Ao longo desse artigo foi analisada a jurisprudência dos órgãos interamericano, corte e comissão, no sentido de reafirmar a convencionalidade da possibilidade de julgamento por jurados, onde jurados não são juízes togados. Contudo, é feita a ressalva de que mesmo se permitindo o julgamento por juízes leigos é preciso da mesma forma garantir a imparcialidade desses indivíduos envolvidos. Por fim, afirma-se que as decisões devem ser motivadas, mas a falta de exteriorização da fundamentação do veredicto não viola por si só a garantia da motivação.
Foi feita a análise de outro princípio no tribunal do júri, em especial a incomunicabilidade dos jurados. A incomunicabilidade dos jurados que visa resguardar, proteger o voto de um jurado da interferência do outro, acaba por impedir que o corpo de jurados possa tomar uma decisão mais justa, pautada na democracia.
O que o legislador deveria buscar evitar, é o conhecimento do público e das partes sobre os votos dos jurados e não uma decisão, a respeito da liberdade de um cidadão, sem a possibilidade de diálogo entre os que darão esta decisão.
Ressalta-se a viabilidade de comunicação entre os jurados sem prejuízo da garantia do sigilo da votação uma vez que uma não se confunde com a outra.
Cabe ainda ressaltar, a influência do populismo penal midiático na independência dos jurados em proferir seus votos no júri. O populismo penal midiático é a filosofia que busca nos meios de comunicação em massa para implantar na sociedade a sensação de medo e com base nas suas emoções, clamar por um direito penal mais rigoroso. Direito penal este que acredita no revanchismo e por consequência no encarceramento em massa como forma de combate à criminalidade.
Lamentavelmente é com esta mentalidade e com a ajuda de certas estruturas do Júri, que o viés democrático da corte vem se perdendo. O sistema da íntima convicção dos jurados é um dos colaboradores desta realidade. Superado em todo o ordenamento jurídico, mas ainda vigorante no Tribunal do júri, este sistema nos orienta que pode o julgador votar de acordo com a sua consciência, não precisando fundamentar ou basear sua decisão na avaliação das provas apresentadas. Em contrapartida a determinação de que todos os atos do poder judiciário devem ser motivados, a fim de que o cidadão esteja protegido do poder punitivo do Estado.
Da mesma forma, o princípio da soberania dos veredictos também pode ser um grande aliado das decisões injustas no tribunal do júri, isto porque este princípio determina que o veredicto dos jurados seja incontestável, quanto ao mérito, por qualquer tribunal togado.
Sendo assim, é possível que torne praticamente imutável uma decisão tomada sob influência da mídia e no formato da íntima convicção.
Por fim, outra questão de relevância trazida foi a lei 13.964/19 denominada de pacote anticrime, que alterou artigos na seara do direito penal e com recrudescimento para alguns deles, aplicando lei mais punitivas.
Em consonância com as leis é necessário enfatizarmos a importância da aplicação do princípio da presunção de inocência em todas os casos concretos, sem distinção para que se faça jus a constitucionalidade do direito.
O papel do júri é lutar pelos direitos e garantias individuais, expressando verdadeiramente os ideais trazidos pelo Estado Democrático de Direito Brasileiro, como um resguardo contra o exercício de poder antidemocrático, por isso o código de processo penal que regula o júri, deve ser interpretado à luz da constituição da república e não o contrário.
Por esses e outros pontos não debatidos nesse trabalho é que há doutrina defendendo a inconstitucionalidade das estruturas do Tribunal do Júri atual. Uma tentativa de retomar o viés democrático dessa corte seria a busca pela popularização da função do jurado, abarcando assim todas as classes sociais e não somente os privilegiados como tem se visto atualmente. No mais, rever o quórum exigido para a condenação de um indivíduo, em países como os EUA o júri precisa de maioria qualificada e fundamentação de sua decisão para condenar alguém enquanto que no Brasil basta maioria simples e decisão não fundamentada, decidida em silêncio.
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Advogado, Pós-Graduado em Direito Processual Penal pela Faculdade CERS. Bacharel em Direito pela Universidade Cândido Mendes.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ASSIS, Lucas Telles. Caso V.R.P., V.P.C. e outros vs. Nicarágua, caso William Andrews vs. EUA, caso Roberto Moreno Ramos vs. EUA e os novos contornos de convencionalidade do processo penal brasileiro no que tange ao julgamento dos crimes contra à vida Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 04 abr 2023, 04:53. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/61271/caso-v-r-p-v-p-c-e-outros-vs-nicargua-caso-william-andrews-vs-eua-caso-roberto-moreno-ramos-vs-eua-e-os-novos-contornos-de-convencionalidade-do-processo-penal-brasileiro-no-que-tange-ao-julgamento-dos-crimes-contra-vida. Acesso em: 24 nov 2024.
Por: Gabrielle Malaquias Rocha
Por: BRUNA RAFAELI ARMANDO
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