RESUMO: O presente trabalho visa abordar sobre as formas de violências praticadas contra a mulher na esfera virtual, ou seja, por meio da internet, da rede mundial de computadores. O artigo discorre brevemente sobre temas atuais, tendo em vista que o ser humano utiliza o meio virtual tanto como convive no espaço físico. O mundo digital faz parte do cotidiano de todas as pessoas, estando cada vez mais arraigado nos afazeres diários, pois para quase tudo utiliza-se o ambiente virtual, a saber: trabalho, estudos, pesquisas, compras, relacionamentos que se iniciam através de redes sociais, aplicativos nas telas dos celulares para as mais variadas atividades que preenchem e facilitam o dia a dia, seja para pedir um fast food, uma compra de mercadoria, um envio de mensagem de cunho pessoal ou profissional, etc. Entretanto, esse constante acesso ao mundo digital para realização das mais diversas tarefas, atraem criminosos para atuarem em todas essas operações que o mundo digital oferece, sendo um ambiente propício para prática de crimes se não houverem as devidas cautelas. Em se tratando da violência praticada contra mulher na esfera virtual, os principais bens jurídicos atingidos são a privacidade, intimidade, a honra, imagem e sua tranquilidade e saúde psicológica, havendo consumado os delitos tratados nestes apontamentos. Neste artigo científico, o método de abordagem utilizado foi o dedutivo e a técnica de pesquisa utilizada foi a bibliográfica. Além disso, sua principal finalidade é a de esclarecer, alertar e conscientizar a comunidade feminina a se prevenir desses delitos que atingem mulheres diariamente. Tais crimes podem ter como vítimas homens ou mulheres, mas por serem as mulheres mais vulneráveis a estas situações e muito mais subjugadas do que auxiliadas pela sociedade de forma geral, este artigo dirige-se a estas últimas.
PALAVRAS CHAVES: Lei Carolina Diekmann. Pornografia de vingança. Stalking e Cyberstalking.
SUMÁRIO: Introdução. 1. Lei Carolina Diekmann 2. Pornografia de vingança – reveng porn 3. Stalking e Cyberstalking. Considerações Finais. Referências Bibliográficas.
INTRODUÇÃO
A vida moderna que atualmente acontece no mundo digital, já foi introduzido no cotidiano das pessoas na sociedade, ocorre de forma automática no dia a dia. Pois faz-se negócios, compras e vendas, transações bancárias, aproxima e conecta pessoas distantes por meio das redes sociais, além de trabalhos profissionais na modalidade home office que já é uma tendência adotada e que pretende se intensificar tanto no serviço público quanto nos contratos de trabalhos regidos pela CLT, bem como no ensino, nos estudos que são cada vez mais frequentes optados pela modalidade online de cursos, palestras, pós graduações, e até mesmo algumas graduações autorizadas pelo MEC, enfim, o mundo digital abarca todas as principais áreas de atuação e evolução do homem e passou a ser um meio rápido, eficaz e econômico em relação a tempo, fácil acesso e mobilidade.
Entretanto, apesar de haver tantos benefícios trazidos por toda essa modernidade que o mundo virtual possibilita, também ocorrem delitos, o mundo digital hoje, também é um local de prática de crimes que acompanham e se atualizam a medida em que se intensificam a forma de viver do cidadão no mundo virtual. São exemplos: golpes de boletos bancários falsos, fraudes em transferências bancárias, clonagem de cartão de crédito, compras em sites não confiáveis que frustram o consumidor quanto ao recebimento do produto, fraude eletrônica, interceptação telemática sem autorização, crimes de ódio e preconceito, pirataria, peculato eletrônico, enfim há uma variedade de delitos que ocorrem no meio digital e as mulheres, infelizmente, não ficaram de fora destes rol de crimes na qualidade de vítimas, mais especificamente quanto aos crimes de registro não autorizado da intimidade sexual, divulgação de cena de estupro, sexo ou pornografia, cyberstalking, tendo a sua liberdade, privacidade e intimidade tolhida por estes criminosos. Apesar da nossa Constituição Federal de 1988, a constituição cidadã, carta magna, viga mestra, Lei maior, trazer em seu art. 5º, inciso x, como direito fundamental, a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação na esfera cível, bem como, o Código Penal classificar como crimes e prevê punições para algumas condutas delituosas que serão abordadas no presente artigo, estas práticas estão cada vez mais comum e corriqueiras.
LEI CAROLINA DIEKMANN
A Lei 12.737 de 30 de novembro de 2012, dispõe sobre a tipificação dos delitos informáticos, alterando o Código penal brasileiro, acrescentando os artigos 154-A e 154 B. Essa lei ficou conhecida como a Lei Carolina Diekmann, pois a atriz global teve seu computador invadido com a finalidade de exposição de fotos íntimas na internet.
Segundo Rogério Greco, A conduta do agente, ou seja, o ato de invadir dispositivo informático alheio, conectado ou não à rede de computadores, deve ter sido levada a efeito com o fim de obter, adulterar ou destruir dados ou informações sem autorização expressa ou tácita do titular do dispositivo. Assim, não é a simples invasão, pela invasão, que importa na prática da infração penal tipificada no caput do art. 154-A do diploma repressivo, mas sim aquela que possui uma finalidade especial, ou seja, aquilo que denominamos especial fim de agir, que consiste na obtenção, adulteração ou destruição de dados ou informações sem a autorização expressa ou tácita do titular do dispositivo. Obter tem o significado de adquirir, alcançar o que desejava, conseguir; adulterar diz respeito a alterar, estragar, modificar o conteúdo, corromper; destruir quer dizer aniquilar, fazer desaparecer, arruinar. Tanto a obtenção quanto a adulteração e a destruição de dados ou informações devem ser levadas a efeito sem a autorização expressa ou tácita do titular do dispositivo. (GRECO, 2022)
Nas palavras do professor Rogério Sanches, o objeto jurídico do crime, como se percebe, é a privacidade individual e/ou profissional, resguardada (armazenada) em dispositivo informático, desdobramento lógico do direito fundamental assegurado no art. 5º,X, CF/88: “ São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito de indenização pelo material ou moral decorrente de sua violação”. (SANCHES, 2020)
Por dispositivo informático entende-se qualquer aparelho (instrumento eletrônico) com capacidade de armazenar e processar automaticamente informações/programas (notebook, netbook, tablet, ipad, iphone, smartphone, pendrive, etc). Importante observar ser indiferente o fato de o dispositivo estar ou não conectado à rede interna ou externa de computadores (intranet ou internet). (SANCHES,2020)
Eis o artigo incluído no Código Penal pela Lei Carolina Diekmann:
Art. 154-A. Invadir dispositivo informático de uso alheio, conectado ou não à rede de computadores, com o fim de obter, adulterar ou destruir dados ou informações sem autorização expressa ou tácita do usuário do dispositivo ou de instalar vulnerabilidades para obter vantagem ilícita: (Redação dada pela Lei n. 14.155, de 2021)
Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa. (Redação dada pela Lei n. 14.155, de 2021)
§ 1º Na mesma pena incorre quem produz, oferece, distribui, vende ou difunde dispositivo ou programa de computador com o intuito de permitir a prática da conduta definida no caput.
§ 2º Aumenta-se a pena de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços) se da invasão resultar prejuízo econômico.
§ 3º Se da invasão resultar a obtenção de conteúdo de comunicações eletrônicas privadas, segredos comerciais ou industriais, informações sigilosas, assim definidas em lei, ou o controle remoto não autorizado do dispositivo invadido:
Pena - Reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa, se a conduta não constitui crime mais grave. (a alteração ocorreu na pena de reclusão)
Neste sentido, há um julgado do TJDF sobre o tema que vale mencionar:
APELAÇÃO CRIMINAL. INVASÃO DE DISPOSITIVO INFORMÁTICO. FORMA QUALIFICADA. TIPICIDADE CONFIGURADA. CONDENAÇÃO MANTIDA. DOSIMETRIA. CONSEQUENCIAS DO CRIME. ANÁLISE ESCORREITA. QUANTUM. READEQUAÇÃO. PENA PECUNIÁRIA. EXCLUSÃO. IMPOSSIBILIDADE. REDUÇÃO. PROPORCIONALIDADE COM A PENA CORPORAL. SUBSTITUIÇÃO. POSSIBILIDADE. I – A expressão “dispositivo informático” não se refere apenas aos equipamentos físicos (hardware), mas também os sistemas, dispositivos que funcionam por computação em nuvem, facebook, instagram, e-mail e outros. II- O crime previsto no art. 154-A do CP possui dois núcleos de conduta típica não cumulativos: (i) invadir dispositivo informático alheio, com o fim de obter, adulterar ou destruir dados ou informações sem autorização do titular e (iii) instalar vulnerabilidades, visando obter vantagem ilícita. Pela literalidade do dispositivo, a ausência de violação de segurança impede a configuração típica apenas da conduta de invadir. III- Pratica a conduta tipificada no art. 154-A, §3º, do CP aquele que, sem o conhecimento de sua então namorada, instala programa espião no notebook dela, com o fim de monitorar as conversas e atividades e, diante dessa vulnerabilidade, consegue violar os dispositivos de segurança e, com isso, ter acesso ao conteúdo das comunicações eletrônicas privadas e outras informações pessoais, inclusive diversas senhas. IV – A constatação de que a conduta do réu causou transtornos de ordem psicológica que excederam a normalidade do tipo justifica a avaliação desfavorável das consequências do crime. V- Ausente determinação legal acerca do quantum de aumento da pena-base, a par da análise desfavorável de circunstância judicial, a jurisprudência entende adequada a fração de 1/8 (um oitavo) sobre o intervalo entre os limites mínimo e máximo abstratamente cominados no tipo legal. VI – A pena de multa é sanção que integra o preceito secundário do tipo penal sob exame e de aplicação cogente. Deve, ainda, ser estabelecido observando os mesmos parâmetros utilizados para fixação da pena corporal. VII – Em se tratando de crime cometido no contexto das relações domésticas, mas sem o emprego de violência ou grave ameaça, admite-se a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, desde que presentes os requisitos do art. 44 do CP, VIII – Recurso conhecido e parcialmente provido.
Este artigo 154-A, em suma, fala da conduta de invadir dispositivo informático alheio sem autorização judicial para obter, adulterar ou destruir dados ou informações, além disso, através do conteúdo obtido expor a intimidade da vítima na rede mundial de computadores com a finalidade de atingir sua honra e imagem, além dos casos em que há ameaça à vítima, quanto a divulgação das informações obtidas (fotos, arquivos, vídeos íntimos) para exigir e obter vantagem econômica de forma a controlar a vítima.
PORNOGRAFIA DE VINGANÇA
O Código Penal Brasileiro foi alterado pela Lei 13.772/2018, acrescentando o capítulo: Da exposição da intimidade sexual que fala sobre o registro não autorizado da intimidade sexual no artigo 216-B:
Art. 216-B. Produzir, fotografar, filmar ou registrar, por qualquer meio, conteúdo com cena de nudez ou ato sexual ou libidinoso de caráter íntimo e privado sem autorização dos participantes: (Incluído pela Lei nº 13.772, de 2018)
Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano, e multa.
Parágrafo único. Na mesma pena incorre quem realiza montagem em fotografia, vídeo, áudio ou qualquer outro registro com o fim de incluir pessoa em cena de nudez ou ato sexual ou libidinoso de caráter íntimo. (Incluído pela Lei nº 13.772, de 2018).
Já o artigo 218-C do Código Penal, trata da divulgação de cena de estupro ou de cena de estupro de vulnerável, de cena de sexo ou de pornografia, que foi incluído pela Lei nº 13.718 de 2018, trazendo a punição para quem promove a divulgação de cena de sexo, nudez ou pornografia sem o consentimento das pessoas envolvidas, ou o que mais ocorre na prática de homens que expõe publicamente mulheres com quem se relacionaram casualmente ou afetivamente:
Art. 218-C. Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, vender ou expor à venda, distribuir, publicar ou divulgar, por qualquer meio - inclusive por meio de comunicação de massa ou sistema de informática ou telemática -, fotografia, vídeo ou outro registro audiovisual que contenha cena de estupro ou de estupro de vulnerável ou que faça apologia ou induza a sua prática, ou, sem o consentimento da vítima, cena de sexo, nudez ou pornografia: (Incluído pela Lei nº 13.718, de 2018)
Pena - reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o fato não constitui crime mais grave. (Incluído pela Lei nº 13.718, de 2018)
Aumento de pena (Incluído pela Lei nº 13.718, de 2018)
§ 1º A pena é aumentada de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços) se o crime é praticado por agente que mantém ou tenha mantido relação íntima de afeto com a vítima ou com o fim de vingança ou humilhação. (Incluído pela Lei nº 13.718, de 2018)
A exposição de imagens íntimas sem consentimento da vítima – pornografia de vingança - lidera ranking de violação de direitos na internet, trata-se de uma prática criminosa grave, líder em audiência no Brasil, tendo por principal finalidade a humilhação da mulher e atingir a sua dignidade.
Neste sentido, vale colacionar um julgado do TJRS que elucida bem as peculiaridades do delito:
APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. PUBLICIZAÇÃO DE FOTOS ÍNTIMAS DA DEMANDANTE NA INTERNET PELO EX- NAMORADO. PORNOGRAFIA DE VINGANÇA OU REVENGE PORN. VALOR DA INDENIZAÇÃO MAJORADO. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA AO RÉU. MANUTENÇÃO. 1. Publicização, por parte do réu, de vídeo contendo fotografias íntimas da autora em site pornô, sendo a postagem intitulada com o nome e a cidade em que a vítima reside, a fim de explicitar sua identidade. Ameaças pessoais e virtuais, por parte do demandado, tendo a autora registrado boletim de ocorrência em três situações e requerido medidas protetivas para preservar sua segurança. Valor da indenização, a título de danos morais, majorado para R$ 30.000,00, porquanto se trata de fato gravíssimo – pornografia de vingança ou revenge porn – que atinge homens e mulheres, estas em sua imensa maioria. Tema extremamente sensível à discriminação de gênero e à subjugação que a mulher historicamente sofre da sociedade em geral, por conta dos padrões de comportamento que esta lhe impõe. 2. AJG concedida, pelo Juízo a quo, ao réu, que deve ser mantida. Para que seja concedido o benefício da gratuidade judiciária impõe-se a demonstração da insuficiência financeira para arcar com os ônus processuais. No caso... concreto, os documentos acostados demonstram situação financeira compatível com a concessão do benefício da AJG. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. (Apelação Cível nº 70078417276, décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Catarina Rita Krieger Martins, julgado em 27/09/2018)
Têm sido muito comuns, já há alguns anos, situações em que pessoas são surpreendidas pela divulgação de imagens de sua intimidade na rede mundial de computadores. Seja em decorrência de colaboração involuntária da própria pessoa, que se deixa fotografar ou filmar, ou ainda envia imagens íntimas a alguém próximo, em caráter confidencial, e acaba surpreendida pela deslealdade, seja por violação da intimidade sem o conhecimento do interessado, são muitos os casos envolvendo anônimos e famosos que, repentinamente, veem-se envolvidos na constrangedora situação de ter sua intimidade exposta virtualmente a bilhões de pessoas. Há ainda os casos de estupros registrados pelos próprios autores e depois divulgados, o que certamente acentua a já gravíssima ofensa à dignidade sexual da vítima. (SANCHES, 2020)
Ainda nas palavras do Professor Rogério Sanches, as condutas típicas podem ser praticadas pelas mais diversas formas. O tipo faz referência à expressão qualquer meio e ainda esclarece que se incluem aqueles de comunicação de massa ou sistemas de informática ou telemática, isto é, qualquer meio que permita a transmissão de arquivos de fotos ou vídeos (e-mail, Skype, WhtasApp, Messenger, etc ) ou que admita a transmissão audiovisual (streaming), inclusive em tempo real. Segundo o parágrafo 1º, o crime tem a pena majorada de uma dois terços se cometido por quem mantém ou tenha mantido relação íntima de afeto com a vítima ou com a finalidade de vingança ou humilhação, sendo nesse caso desnecessária a prévia relação íntima de afeto, embora o mais comum seja que ela exista. Com efeito, trata-se aqui do denominado reveng porn, em que alguém, normalmente depois de terminado um relacionamento amoroso, divulga na internet imagens ou vídeos íntimos da ex-parceira. Mas o aumento de pena (majorante) pode incidir ainda que o autor e a vítima tenham tido apenas um encontro casual. (SANCHES, 2020)
Nas palavras de Alice de Perdigão Lana, buscar compreender a disseminação não consensual de imagens íntimas sob uma dimensão mais aprofundada. Retomando as teorizações a respeito de cibercultura e relacionando-as com a pornografia de revanche, é possível compreender que a exposição de mulheres é um elemento cultural – o que significa que também terá repercussões no ambiente virtual. Como a tecnologia não é um ator autônomo, separado da sociedade e da cultura, pode-se dizer que o machismo intrínseco à revenge porn faz parte do conjunto de técnicas (materiais e intelectuais), de práticas, de atitudes, de modos de pensamento e de valores que definem o ciberespaço. Em outras palavras: o meio virtual não está isento nem é descolado das mazelas da sociedade. Isso se repercute nas violências praticadas – como é visível no caso das violências de gênero, como na pornografia de revanche. Assim como não é possível separar o humano de seu ambiente material, não é possível separá-lo dos signos e das imagens por meio dos quais ele atribui sentido à vida e ao mundo. A internet, hoje, é um dos grandes mecanismos de relação com o mundo e com o outro. Como as relações sociais, as ideias e as práticas que circulam no mundo desconectado, circulam também na internet; não é de se espantar a imensa misoginia que impera no ambiente virtual. Importante salientar que isso não significa dizer que a tecnologia determina as ações humanas; ela, em realidade, cria as condições de algumas práticas específicas daquele meio – como o caso da revenge porn. Dessa forma, a cibercultura se relaciona com o conjunto de práticas levadas a cabo por pessoas conectadas à internet, incluindo a prática da pornografia de revanche. (LANA, 2018).
STALKING E CYBERSTALKING
A Lei de nº 14.132 de março de 2021, consideradamente nova para o Direito, acrescentou o artigo 147-A ao Código Penal Brasileiro. Com as “novas” ou “antigas” demandas que surgem na sociedade e que interferem na vida e privacidade de outrem, sendo nocivas ao bem estar da mulher e consequentemente de toda sociedade, tais demandas devem ser reguladas pelo Direito para que sejam aplicadas as formas de tratamento adequadas, bem como suas devidas sanções.
O artigo 147- A da Lei de nº 14.132/2021, reza que:
Art. 147-A. Perseguir alguém, reiteradamente e por qualquer meio, ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade.
Pena – reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.
§ 1º A pena é aumentada de metade se o crime é cometido:
I – Contra criança, adolescente ou idoso;
II – Contra mulher por razões da condição de sexo feminino, nos termos do § 2º-A do art. 121 deste Código;
III – mediante concurso de 2 (duas) ou mais pessoas ou com o emprego de arma.
§ 2º As penas deste artigo são aplicáveis sem prejuízo das correspondentes à violência.
§ 3º Somente se procede mediante representação.”
Como conceito, o verbo to stalk, no sentido jurídico que empregamos neste livro, é emprestado originalmente da Biologia, do estudo de predadores. A predação refere-se ao consumo de proteína de outros animais como estratégia de alimentação. Entre as habilidades desenvolvidas por alguns animais para a captura do alimento, está o stalking. Há animais que caçam em grupo como os lobos (pack hunting); há carniceiros como os urubus (scavenger hunting); há os que persigam velozmente suas presas como os guepardos (pursuit predation). Há os stalkers: animais que, em regra, não atacam aleatoriamente e se utilizam de técnicas de aproximação silenciosa e sub-reptícia. Muitos com seleção da presa por fatores de gênero, idade, porte físico, tamanho e comportamento. Os stealthy animals ficam à espreita (lurking) e, no momento certo, emboscam (ambush, trap) ou saltam de surpresa sobre suas presas (pounce). É o caso dos leões, linces, tubarões brancos e ursos polares. A partir das noções de Biologia, o termo stalking passou a ser utilizado para se referir às pessoas que de modo clandestino, às escondidas ou por meio de métodos ardilosos de aproximação, circundam o ambiente físico ou virtual de suas vítimas, monitorando suas vidas online e offline. Em alguma medida, o stalker humano, como na predação animal, quer ser, ao fim, reconhecido como vencedor, vitorioso na sua estratégia. Mas, o stalking pode ou não terminar com predação propriamente dita, vale dizer, com emboscada, armadilha ou bote físico traiçoeiro ou frontal que atinja a integridade moral, física, sexual ou o patrimônio da vítima, mas o curso de conduta em si já é ilícito, tendo em vista que ultrapassa a esfera do desconfortável, incômodo, inconveniente e adentra o âmbito do aterrorizante, amedrontador, assustador, perturbador. (CASTRO; SYDOW, 2023)
Interessante definição vem de Ademir Jesus da Veiga apud, Ana Lara Castro e Spencer Toth Sydow, que o descreve, em seu artigo de 2007, como:
“(...) forma de violência na qual o sujeito ativo invade a esfera de privacidade da vítima, repetindo incessantemente a mesma ação por maneiras e atos variados, empregando táticas e meios diversos como, ligações nos telefones celular, residencial ou comercial, mensagens amorosas, telegramas, ramalhetes de flores, presentes não solicitados, assinaturas de revistas indesejáveis, recados em faixas afixadas nas proximidades da residência da vítima, permanência na saída da escola ou do trabalho, espera de sua passagem por determinado lugar, frequência no mesmo local de lazer, em supermercados, entre outras.”
Na jurisprudência pátria atual, o TJDF de forma sucinta resume o crime de Stalking:
APELAÇÃO CRIMINAL. CONTRAVENÇÃO PENAL E PERTUBAÇÃO DA TRANQUILIDADE. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. STALKING POR MEIO DE REDES SOCIAIS. DOSIMENTRIA. REGIME SEMIABERTO. RÉU REINCIDENTE E COM MAUS ANTECEDENTES. REPARAÇÃO DO DANO À VÍTIMA. DANO MORAL IN RE IPSA. NECESSIDADE E ADEQUAÇÃO DA INDENIZAÇÃO COMPROVADAS. 1. Comprovadas a materialidade e a autoria delitivas da contravenção penal de perturbação da tranquilidade, por acervo probatório harmônico, a condenação é medida que se impõe. 2. A perturbação da tranquilidade e da incolumidade psíquica da vítima, efetuadas sistematicamente pelo ex- companheiro por meio de mensagens em redes sociais, utilizando-se de perfis falsos, caracteriza a contravenção do art. 65 do Decreto – Lei 3688/41, por stalking. 3. Nos crimes praticados no âmbito da violência contra a mulher, por motivação de gênero, a palavra da vítima merece especial relevo, conforme remansosa jurisprudência deste Tribunal de Justiça. 4. Os critérios legais para fixação de regime dispostos no art. 33, §2º, alínea b, e §3º, determinam o regime inicial semiaberto para o réu reincidente e com circunstâncias judiciais desfavoráveis, por ser portador de maus antecedentes. 5. Recurso conhecido e não provido.
O stalking, segundo nosso entendimento, tem na sua estrutura cinco componentes essenciais: a existência de curso de conduta; que seja intencional; indesejado pela vítima; consistente em importunação, vigilância, perseguição ou assédio; capaz de acarretar ofensa à integridade física ou psicológica (medo ou abalo emocional substancial). O stalking é, portanto, comportamento doloso e habitual, caracterizado por mais de um ato de importunação, vigilância, perseguição ou assédio à vítima, cuja consequência é a ofensa a sua integridade física ou psicológica. (CASTRO; SYDOW, 2023)
Há uma grande relação entre o stalking e o cyberstalking, ainda nas lições de Ana Lara Castro e Spencer Toth Sydow, enquanto no stalking a vítima se sente constrangida e ameaçada pela presença física do agressor, no cyberstalking isso ocorre de modo diverso. Via de regra, a vítima não teme por sua integridade física ou encontro pessoal com seu agressor, mas, sim, apavora-se de checar e-mails, conferir as redes sociais, usar indexadores para pesquisas do seu próprio nome e assim por diante. A vítima teme postar vídeo, foto, opinião, avaliar aplicativo, fazer check-in, fazer live, enviar mensagem instantânea. Ela teme os contatos virtuais feitos pelo agressor e, em especial, os danos a sua imagem, fama e honra virtuais, bem como a violação ao segmento informático da sua vida privada como, por exemplo, a acesso à webcam e aos sítios que frequenta. Não há necessariamente contato físico – prévio ou presente – entre vítima e ofensor. Em verdade, em muitas das vezes, o cyberstalker sequer conhece a vítima pessoalmente. Cyberstalkers podem conhecer suas vítimas em aplicativos de relacionamento como Tinder, Grindr e Monkey (Holla) e, a partir de então, passar a acompanhar suas trocas informáticas. O desconhecimento acerca da verdadeira identidade do perpetrador, muito comum no cyberstalking, exacerba sua gravidade, pois, costuma deixar a vítima em estado de pânico generalizado, de grande impacto à integridade psicológica. É mais provável que o stalker esteja geograficamente próximo da vítima para poder persegui-la. O cyberstalker pode estar muito distante, falar outro idioma e nunca, em absoluto, encontrar-se com ela. Cyberstalker e vítima podem ser (como muitas vezes o são) completos desconhecidos. Entretanto, cyberstalkers podem virar stalkers e vice-versa. (CASTRO; SYDOW, 2023)
Por fim, acredita-se que o novo crime de perseguição surge no sistema normativo brasileiro para suprir a insegurança jurídica que havia com a utilização da contravenção penal de perturbação à tranquilidade para punir atos persecutórios (revogada pela lei 14.132/21). Visto que, a mencionada contravenção penal podia ser utilizada em diversas situações contrárias à perseguição, além disso, não se exigia habitualidade para configuração, o que deve ocorrer em casos de stalking. Além disso, o novo ilícito previsto no artigo 147-A do Código Penal surge como mais um mecanismo de proteção para vítimas de violência doméstica e familiar contra a mulher, sendo inclusive, causa de aumento de pena do crime. (BRITTO; FONTAINHA, 2021)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
São vários os bens jurídicos atingidos e consequentemente protegidos em situações de crimes praticados contra mulher em ambientes virtuais, na rede mundial de computadores: a segurança, tranquilidade, a honra e a imagem, segurança da informação, integridade física e psíquica, a vida privada, a intimidade, privacidade, e a dignidade sexual.
Tendo em vista que o bem jurídico mais abalado diante dos crimes tratados no presente artigo é a tranquilidade e a integridade psíquica, pois uma vez maculada sua honra e imagem, exposta a sua intimidade sem a sua anuência, havendo insegurança quanto a sua vida privada, ou ainda quanto a sua dignidade sexual por meio de divulgações ilícitas, tais fatos isolados ou cumulados acarretam principalmente desordem na esfera psicológica da mulher. Importante destacar que o termo utilizado na linguagem coloquial “internet não é terra sem lei” é bem verdadeiro, no sentido de que há no ordenamento jurídico leis que regulamentam essas condutas criminosas bem como aplicam as devidas sanções penais. Nesses casos de crimes praticados no âmbito virtual, aconselha-se a procurar a delegacia especializada em crimes cibernéticos para garantir as primeiras medidas quanto à segurança da mulher, e posteriormente seguir para o Poder Judiciário que a depender do caso o infrator responderá na esfera cível ou na criminal, ou ainda em ambas a depender do caso.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Constituição Federal de 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acessado em 28 de março de 2023.
BRITTO, Cláudia Aguiar Silva; FONTAINHA, Gabriela Araújo. O novo crime de Perseguição Stalking. Disponível em https://www.migalhas.com.br/depeso/343381/o-novo-crime-de-perseguicao--stalking. Acessado em 28 de março de 2023.
CASTRO, Ana Lara De; SYDOW, Spencer Toth. Stalking e Cyberstalking. 2ª edição revista, ampliada e atualizada. São Paulo: Editora Juspodivm, 2023.
Código Penal Brasileiro. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm. Acessado em 28 de março de 2023.
GRECO, Rogério. Curso de direito penal: volume 2: parte especial: artigos 121 a 212 do código penal / Rogério Greco. – 19. ed. – Barueri [SP]: Atlas, 2022.
LANA, Alice de Perdigão. Mulheres Expostas: revenge porn, gênero e o Marco Civil da Internet. Curitiba; GEDAI/UFPR, 2019.
SANCHES, Rogério Cunha. Manual de Direito Penal – Volume único. 12ª edição revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Juspodivm, 2020.
Advogada. Especialista em Direito Civil e Empresarial pela UFPE. Especialista em Direito de Família e Sucessões pelo Complexo de Ensino Renato Saraiva. Pós graduada em Direito Penal e Criminologia pela PUC/RS. Membra da subcomissão de estudos sobre o Tribunal do Júri na OAB/PE. Membra da Comissão de Direito de Família da OABPE.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LIMA, ANA GABRIELA DE AGUIAR. Violência praticada contra mulher na esfera virtual Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 13 abr 2023, 04:50. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/61314/violncia-praticada-contra-mulher-na-esfera-virtual. Acesso em: 22 nov 2024.
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