RESUMO: A Justiça penal consensual traz uma tendência de desjudicialização dos conflitos, neste contexto no Brasil foram criados a priori os Juizados Especiais Criminais (JECrim), a partir da Lei N.º 9.099/95 que foi o marco inicial para a expressão desse movimento, carregando o mérito de uma Justiça mais célere, informal e eficiente na prestação jurisdicional. Nesse diapasão, o acordo de não persecução penal aparece no sistema judiciário brasileiro como solução, trazendo um novo modelo de justiça negociada, no qual o membro do Ministério Público, celebra um acordo com o acusado que confessa formal e circunstanciadamente a pratica delitiva e na presença do Advogado, firmada uma pena diversa da restritiva de liberdade em troca de não persecução penal, sendo após homologado pelo Magistrado. Isto posto, a inclusão do ANPP no Código de Processo Penal, através da Lei N.º 13.964 de 2019, possibilitará um desafogamento da justiça criminal e a reserva das sanções penais privativas de liberdade aos crimes graves, violentos e organizados além de rapidez na resolução dos casos.
Palavras-chave: Desjudicialização, Célere, Solução, Justiça Negociada, Homologado pelo Magistrado.
SUMÁRIO: RESUMO; 1. INTRODUÇÃO; 2. LEGISLAÇÃO COMPARADA; 2.1. Legislação Alemã; 2.2. Legislação Americana; 3. ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL (ANPP); 3.1. Obrigatoriedade da ação penal; 4. CONCLUSÃO; REFERÊNCIAS.
1. INTRODUÇÃO
A vagarosidade dos processos criminais, os altos custos econômicos e de pessoal, a baixa efetividade dos objetivos de prevenção geral em especial da punição, que acaba por comtemplar apenas à função retributiva da pena, levou a uma nova orientação da política criminal, tanto na esfera legislativa quanto na judicial passou-se a buscar mecanismos mais eficazes e rápidos para a aplicação da justiça penal mediante meios mais flexíveis e céleres.
Neste contexto o acordo de não persecução penal foi formalmente introduzido pela Lei N.º 13.964, de 24/12/2019, para substituir o artigo 18, da Resolução N.º 181 do Conselho Nacional do Ministério Público, que era responsável por regulamentar este tema. O dispositivo legal emergiu em conexão com uma revisão dos aspectos arcaicos da justiça criminal, seguindo a tendência atual de mudar o método de responsabilização daqueles que violam as leis penais, abreviando o processo criminal por meio de um acordo de penalidade com o acusado.
Segundo o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias – Infopen, a população carcerária do Brasil ocupa o 3º lugar no mundo e diferente do que acontece em outros países, aqui há a manutenção das políticas em favor do cárcere e das penas privativas de liberdade, o que fomenta o crescimento exponencial do número de prisões e presos.
Nesse cenário, os detentos são aprisionados em condições sub-humanas que estimulam a reincidência, já que os estabelecimentos prisionais brasileiros são verdadeiras “escolas do crime”, dada a ausência do estado nestes lugares tornando utópico o caráter preventivo da pena.
Destarte, fica claro que a justiça brasileira assim como a sociedade necessita de meios alternativos para reprimenda penal que não consistam em processos longos, caros e em penas privativas de liberdade, que em nada contribuem para o apenado, tampouco para sociedade, visto que o sistema prisional brasileiro está falido.
Em contrapartida, países desenvolvidos buscam vias alternativas para responsabilização penal, pois o modelo antigo é insustentável, como a negociação de sentença criminal no sistema americano denominada Plea Bargaining, podendo-se citar também o Absprache, na Alemanha, e o patteggiamento, na Itália. Estes institutos constituem o fenômeno da diversão, que prevê a aplicação da Justiça Penal de forma diversa do procedimento formal clássico, norteando-se pelo consenso, espelhando um “modelo verde de justiça.”
Nesse diapasão, o acordo de não persecução penal aparece no sistema judiciário brasileiro como solução, trazendo um novo modelo de justiça negociada, no qual o membro do Ministério Público, celebra um acordo com o acusado que confessa formal e circunstanciadamente a pratica delitiva e na presença do Advogado, firmada uma pena diversa da restritiva de liberdade em troca de não persecução penal, sendo após homologado pelo Magistrado.
Isto posto, a inclusão do ANPP no Código de Processo Penal, através da lei 13.964/2019, possibilitará um desafogamento da justiça criminal e a reserva das sanções penais privativas de liberdade aos crimes graves, violentos e organizados além de rapidez na resolução dos casos.
2. LEGISLAÇÃO COMPARADA
Existe uma tendência mundial de encontrar formas alternativas legais de resolução de conflitos ao processo judicial, nesse contexto institutos jurídicos como a mediação, a conciliação e a arbitragem têm adquirido grande importância no processo civil brasileiro. No entanto, o cenário nacional mostrou que não é a penas a área cível e privada que precisa de melhorias e meio alternativos para aplicar a lei, mas a área do sistema penal também. Nesse contexto, é imprescindível trazer experiências com acordos penais em outros ordenamentos jurídicos.
2.1. Legislação alemã
Diante da afinidade principiológica dos ramos do Direito Penal e Processual Penal entre Brasil e Alemanha, a exposição da experiência alemã nos acordos penais é de grande contribuição para a análise do sistema pátrio, em especial por ter ocorrido inicialmente de forma informal nos dois países.
Em que pese o alinhamento de ambos ao sistema do Civil Law, e estejam atrelados, portanto, ao princípio da legalidade, coincidentemente iniciaram a prática dos acordos penais sem que houvesse previsão legal, com a mitigação do princípio da obrigatoriedade da ação penal no contexto do sistema acusatório.
O ordenamento jurídico alemão ponderou que a implantação de formas alternativas, de solução de conflitos poderiam ocorrer além da esfera trabalhista e esfera cível, bem como, que o direito penal poderia usufruir de avanços na justiça consensual.
Não existe registro exato do início da prática dos acordos penais na Alemanha por terem surgido de forma velada, inicialmente em delitos menores, passando, com o tempo, a serem feitos até em crimes com violência. A prática foi divulgada em 1982 em um artigo anônimo, quando se iniciou a discussão pública acerca deste sistema, e continuou a ser empregada de forma crescente, a despeito da inexistência de regulamentação.
Deste modo, inicialmente mesmo sem lei específica a prática judiciária alemã começou a usar desses acordos pré-processuais, de modo informal sem qualquer regra escrita ou política centralizada estabelecida. O julgador tinha papel primordial em tal procedimento, ao passo que se envolvia na negociação e assumia diretamente o compromisso prometido como benefício ao réu, que não podia fixar expressamente a sanção penal, mas somente determinar um máximo que não poderia ser superado no futuro cálculo da punição.
Como supramencionado os acordos na seara penal alemã funcionaram durante muito tempo informalmente, sendo celebrados na prática mesmo que não fossem positivados por lei. Foi em meados de 2009 que o código de processo penal alemão – o Strafprozeβordnung – sofreu alterações no sentido de regulamentar o procedimento do acordo.
Nesse sentido, segundo apontamentos estatísticos os acordos informais chegaram a ser celebrados em 30% à 50% dos procedimentos penais alemãs, com números elevados em casos de crimes econômicos[1]. Além disso, em um levantamento no estado de Niedersachsen, houve a indicação do percentual de 80% a cada 100 (cem) casos envolvendo criminalidade organizada[2].
À vista disso, a partir do exemplo alemão dos acordos no processo penal, pode-se afirmar que o fortalecimento e a generalização da barganha[3] como mecanismo de imposição antecipada de uma sanção penal demonstram a primazia da atuação dos atores do campo jurídico-penal no incentivo à justiça negociada.
2.2. Legislação americana
É imprescindível comentar sobre o Estados Unidos, visto que ele foi responsável pela criação de uma das primeiras formas de justiça penal negocial, o Plea Bargaining americano.
Insta ressaltar que o sistema americano, segue a lógica do sistema do common law, ou seja, enquanto em países de civil law como o Brasil a confissão é apenas um meio de prova, lá é uma prova cabal de culpa, contudo, o direito americano permite que o acusado barganhe com a acusação por benefícios em troca dessa confissão. A elevada porcentagem dos acordos no sistema penal estadunidense demonstra a força que possui a cultura consensual de solução de conflitos penais existente por lá.
Por lá mais de 90% de todos os casos criminais são solucionados por meio de acordo entre a acusação e o investigado. A justiça negociada está centrada sobre a plea bargain que consiste num procedimento negocial em que o réu admite-se culpado para receber em contrapartida benefícios por parte do Estado.[4]
O instituto jurídico “Plea Bargaining” é o modelo americano de direito negociado, no qual há conversação acerca da pena a ser imposta, conjectura a formalização da acusação, podendo ocorrer inclusive até o momento da execução da sentença penal condenatória. Está inserido em um sistema adversarial, no qual o juiz possui participação passiva na produção de provas, aumentando, assim, a discricionariedade do Ministério Público acerca dos fatos criminais a serem provados, tendo a defesa a faculdade de concordar com a acusação apresentada em juízo. De acordo, com ilustre doutrina:
Existem diversas espécies de plea bargain: (1) O charge bargain que ocorre quando o promotor substitui uma acusação mais grave por uma mais leve, como a substituição do crime de roubo por crime de furto, por exemplo; (2) o count bargining que ocorre quando a promotoria resolve diminuir a quantidade de acusações; o (3) o fact bargaining que funciona com a alteração dos fatos descritos na acusação para o benefício do réu; e o (4) o sentence bargaining, espécie de acordo em que a acusação se compromete a recomendar uma sentença mais leve para o acusado.[5]
Ademias, o magistrado deve noticiar ao acusado sobre os direitos renunciados e garantir que ele tenha conhecimento das possíveis sentenças aplicadas e se for a julgamento, visto que, o processado, consente em abrir mão de direitos constitucionais e infraconstitucionais, como o direito ao recurso em caso de sentença condenatória.
A solução célere dos casos que consequentemente diminui o congestionamento dos tribunais e minimiza os gastos com os processos, causa nos profissionais do direito, em especial nos magistrados, uma predileção pela adoção do plea bargaining, outro benefício é o desvio da atenção pública e da mídia, para as decisões dos juízes e atuação do órgão acusador.
Por fim, nota-se que no sistema americano há poucas garantias para os investigados que pretendem participar das soluções alternativas penais, visto que, ao confessaram renunciam a diversos direitos e produzem prova cabal de culpa aos olhos do sistema estadunidense, no entanto, apesar das falhas nesse modelo vislumbra-se um modelo de desafogamento do judiciário de modo rápido e econômico.
3. ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL (ANPP)
Na prática jurídica pátria, a priori o acordo de não persecução penal apareceu por meio de um regulamento autônomo[6] pertencente ao Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), que em 07 de agosto de 2017, editou a Resolução N.º 181, que em seu art. 18 instituiu a possibilidade do parquet ministerial oferecer ao investigado acordo de não persecução penal mediante o preenchimento de determinados requisitos.
O instituto jurídico foi introduzido legalmente em dezembro de 2019, no direito processual penal brasileiro com a edição da Lei N.º 13.964/2019[7], conhecida como Pacote Anticrime, que adicionou ao Código de Processo Penal o art. 28-A, com a seguinte redação:
Art. 28-A. Não sendo caso de arquivamento e tendo o investigado confessado formal e circunstancialmente a prática de infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a 4 (quatro) anos, o Ministério Público poderá propor acordo de não persecução penal, desde que necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime, mediante as seguintes condições ajustadas cumulativa e alternativamente: (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)
I - reparar o dano ou restituir a coisa à vítima, exceto na impossibilidade de fazê-lo; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)
II - renunciar voluntariamente a bens e direitos indicados pelo Ministério Público como instrumentos, produto ou proveito do crime; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)
III - prestar serviço à comunidade ou a entidades públicas por período correspondente à pena mínima cominada ao delito diminuída de um a dois terços, em local a ser indicado pelo juízo da execução, na forma do art. 46 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal); (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)
IV - pagar prestação pecuniária, a ser estipulada nos termos do art. 45 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), a entidade pública ou de interesse social, a ser indicada pelo juízo da execução, que tenha, preferencialmente, como função proteger bens jurídicos iguais ou semelhantes aos aparentemente lesados pelo delito; ou (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)
V - cumprir, por prazo determinado, outra condição indicada pelo Ministério Público, desde que proporcional e compatível com a infração penal imputada. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)
§ 1º Para aferição da pena mínima cominada ao delito a que se refere o caput deste artigo, serão consideradas as causas de aumento e diminuição aplicáveis ao caso concreto. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)
§ 2º O disposto no caput deste artigo não se aplica nas seguintes hipóteses: (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)
I - se for cabível transação penal de competência dos Juizados Especiais Criminais, nos termos da lei; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)
II - se o investigado for reincidente ou se houver elementos probatórios que indiquem conduta criminal habitual, reiterada ou profissional, exceto se insignificantes as infrações penais pretéritas; (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)
III - ter sido o agente beneficiado nos 5 (cinco) anos anteriores ao cometimento da infração, em acordo de não persecução penal, transação penal ou suspensão condicional do processo; e (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)
IV - nos crimes praticados no âmbito de violência doméstica ou familiar, ou praticados contra a mulher por razões da condição de sexo feminino, em favor do agressor. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)
§ 3º O acordo de não persecução penal será formalizado por escrito e será firmado pelo membro do Ministério Público, pelo investigado e por seu defensor. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)
§ 4º Para a homologação do acordo de não persecução penal, será realizada audiência na qual o juiz deverá verificar a sua voluntariedade, por meio da oitiva do investigado na presença do seu defensor, e sua legalidade. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)
§ 5º Se o juiz considerar inadequadas, insuficientes ou abusivas ascondições dispostas no acordo de não persecução penal, devolverá os autos ao Ministério Público para que seja reformulada a proposta de acordo, com concordância do investigado e seu defensor. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)
§ 6º Homologado judicialmente o acordo de não persecução penal, o juiz devolverá os autos ao Ministério Público para que inicie sua execução perante o juízo de execução penal. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)
§ 7º O juiz poderá recusar homologação à proposta que não atender aos requisitos legais ou quando não for realizada a adequação a que se refere o § 5º deste artigo. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)
§ 8º Recusada a homologação, o juiz devolverá os autos ao Ministério Público para a análise da necessidade de complementação das investigações ou o oferecimento da denúncia. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)
§ 9º A vítima será intimada da homologação do acordo de não persecução penal e de seu descumprimento. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)
§ 10. Descumpridas quaisquer das condições estipuladas no acordo de não persecução penal, o Ministério Público deverá comunicar ao juízo, para fins de sua rescisão e posterior oferecimento de denúncia. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)
§ 11. O descumprimento do acordo de não persecução penal pelo investigado também poderá ser utilizado pelo Ministério Público como justificativa para o eventual não oferecimento de suspensão condicional do processo. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)
§ 12. A celebração e o cumprimento do acordo de não persecução penal não constarão de certidão de antecedentes criminais, exceto para os fins previstos no inciso III do § 2º deste artigo. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)
§ 13. Cumprido integralm
ente o acordo de não persecução penal, o juízo competente decretará a extinção de punibilidade. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)
§ 14. No caso de recusa, por parte do Ministério Público, em propor o acordo de não persecução penal, o investigado poderá requerer a remessa dos autos a órgão superior, na forma do art. 28 deste Código. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019) (Vigência)
Da leitura do dispositivo nota-se que é um avanço no modo de resolução de problemas criminais na justiça brasileira, pois por meio dele o Ministério Público, adquiri a possibilidade de solucionar, sem processo penal, a prática de delitos de baixo e médio potencial ofensivo, trazendo celeridade e economia de recursos com a não utilização de toda a máquina do Poder Judiciário.
Como bem apontam os dados levantados pelo CNJ e bem explanados pelo jornalista Alvaro Bodas:
A Justiça brasileira tarda, e tarda muito. Por aqui, entre o início de uma ação e a sentença podem se passar anos, ou mesmo décadas. Pior, o crime pode prescrever. Números do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) confirmam a percepção generalizada de que o nosso Judiciário anda a passos de tartaruga. De 2009 a 2016, o número de processos sem sentença, conhecido como de taxa de congestionamento, cresceu mais de 30% e chegou a 73% em 2016. Isso significa que apenas 27% de todos os processos que tramitaram nesse período foram solucionados, acumulando quase 80 milhões de casos pendentes. Temos o 30º Judiciário mais lento entre 133 países, segundo o Banco Mundial.[8]
Ademais, o Brasil está em 3º lugar no Ranking Mundial de maior população carcerária e segundo o Departamento Penitenciário Nacional (Depen), a população carcerária atual é a maior já registrada pelos sistemas oficiais, ao todo são 919.951 pessoas em situação de cárcere, sendo 867 mil homens e 49 mil mulheres, os dados apontam um índice de 434 presos para cada 100 mil habitantes.
Nesse cenário, os detentos são aprisionados em condições sub-humanas que estimulam a reincidência, já que os estabelecimentos prisionais brasileiros são verdadeiras “escolas do crime”, dada a ausência do estado nestes lugares tornando utópico o caráter preventivo da pena.
Destarte, fica claro que a justiça brasileira assim como a sociedade necessita de meios alternativos para reprimenda penal que não consistam em processos longos, caros e em penas privativas de liberdade, que em nada contribuem para o apenado, tampouco para sociedade, visto que o sistema prisional brasileiro está falido.
Nesse diapasão, o acordo de não persecução penal aparece no sistema judiciário brasileiro como solução, trazendo um novo modelo de justiça negociada, no qual o membro do Ministério Público, celebra um acordo com o acusado que confessa formal e circunstanciadamente a pratica delitiva e na presença do Advogado, firmada uma pena diversa da restritiva de liberdade em troca de não persecução penal, sendo após homologado pelo Magistrado.
O autor Guilherme de Sousa Nucci trouxe em sua obra Pacote Anticrime Comentado que “em diversos países, criaram-se vários instrumentos de política criminal para evitar o encarceramento de quem comete uma infração de menor expressão, admite o erro e pretende não mais delinquir. No Brasil, com a inserção do art. 28-A, atingimos cerca de quatro oportunidades para evitar a aplicação da pena” (Nucci, 2020, p. 60). De fato, a política criminal vigente no Brasil é feita para encarcerar os que transgridam a lei não importando a gravidade e as circunstâncias do delito.
A regulamentação do instituto jurídico do Acordo de Não Persecução Penal adveio da promulgação da lei 13.964/19, chamada Pacote Anticrime que incluiu o art. 28-A no Código de Processo Penal:
Não sendo caso de arquivamento e tendo o investigado confessado formal e circunstancialmente a prática de infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a 4 (quatro) anos, o Ministério Público poderá propor acordo de não persecução penal, desde que necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime, mediante as seguintes condições ajustadas cumulativa e alternativamente.
O acordo passou a ser aplicado no Brasil e pela redação que lhe foi atribuída abrange inúmeros delitos, ou seja, muitos investigados poderão fazer jus a ele, sendo de grande relevância para justiça negociada. Ademais, como o Brasil ocupa a 3ª posição de maior população carcerária do mundo e é impossível a máquina do Poder judiciário sustentar sozinho tamanha demanda com efetividade, celeridade e economia de recursos, por isso a importância dos meios alternativos de responsabilização penal, pois o modelo antigo é insustentável.
3.1. Obrigatoriedade da ação penal
Nas primeiras organizações humanas quando surgia um problema na sociedade, erradicava-se por meio da violência e da vingança privada, resumindo-se naquele famoso ditado “olho por olho”. Deste modo, a lei do mais forte prevalecia, contudo com o surgimento da figura do Estado, ele assumiu a competência de dissolver as lides oriundas das relações entre particulares, por estar acima dos indivíduos. Assim o jus puniendi, passou a ser do Estado, que adquiriu o poder-dever de punir não mais pertencendo à vítima ou seus familiares.
Segundo ilustre doutrina do professor Afrânio Silva Jardim[9], nesse contexto, surgiu o princípio da obrigatoriedade que é traduzido pelos professores Fernando Capez e Rodrigo Colnago:
Identificada a hipótese de atuação, não pode o Ministério Publico recusar-se a dar início à ação penal. Há, quanto à propositura desta, dois sistemas diametralmente opostos: o da legalidade (ou obrigatoriedade), segundo o qual o titular da ação está obrigado a propô-la sempre que presentes os requisitos necessários, e o da oportunidade, que confere a quem cabe promovê-la certa parcela de liberdade para apreciar a oportunidade e a conveniência de fazê- -lo. No Brasil, quanto à ação penal pública, vigora o princípio da legalidade, ou obrigatoriedade, impondo ao órgão do Ministério Público, dada a natureza indisponível do objeto da relação jurídica material, a sua propositura, sempre que a hipótese preencher os requisitos mínimos exigidos. Não cabe a ele adotar critérios de política ou de utilidade social. Devendo denunciar e deixando de fazê-lo, o 15 promotor poderá estar cometendo crime de prevaricação.[10]
Assim se entende, que o Estado carrega obrigatoriedade em instaurar ações penais, no entanto, a pluralidade de crimes e de infrações cometidas torna o cumprimento dessa obrigação inviável, ademais, assim como os demais princípios não são absolutos e podem ser mitigados, o princípio da obrigatoriedade vêm sofrendo limitações ao longo dos anos, limitações decorrentes do avanço na forma de pensar do sistema penal nacional e internacional, como por exemplo, o instituto da transação penal, usado em crimes de menor relevância, é um acordo feito entre o Parquet e o agente do crime no qual possibilita a proposição de aplicação de pena não privativa de liberdade.
Por conseguinte, a Transação Penal é um marco na história da justiça penal negociada brasileira, abrindo caminho para que institutos como o Acordo de Não Persecução Penal sejam inseridos na solução dos conflitos penais. Logo, com a mitigação do princípio da obrigação ganha espaço o princípio da oportunidade da ação penal ao membro do Ministério Público, que poderá, baseado em critérios de economia processual, celeridade e efetividade da aplicação da lei penal decidir assim quais casos devem ir a juízo e quais podem ser resolvidos por meio de formas alternativas.
4. CONCLUSÃO
Ante o exposto, resta demonstrado o cenário do judiciário brasileiro que apresenta grandes dificuldades em solucionar suas lides penais, o que causa grande morosidade no julgamento que quando chega a uma sentença muitas vezes já prescreveu, além dos altos custos de pessoal e manutenção.
Tudo isso, leva a necessidade da ampliação e da consolidação dos institutos jurídicos negociados, deste modo, o Acordo de não persecução penal é mais uma tentativa de mudança que vem para somar, afinal o ANPP se mostra necessário para enxugar os números alarmantes que o poder judiciário precisa enfrentar todos os dias.
Como se expôs, a atuação do Ministério Público na celebração do Acordo de Não Persecução Penal brasileiro se assemelha mais ao modelo americano em detrimento do Absprache alemão. No entanto, diante da obrigatoriedade de o investigado ser assistido por defensor durante a formalização do ANPP (art. 28-A, §3º, CPP), o desequilíbrio de forças é atenuado.
Deste modo, a inclusão do ANPP no ordenamento jurídico brasileiro através de lei formal segue a tendência do direito comparado de adoção de soluções consensuais na esfera criminal, surgindo de forma inovadora em comparação com os sistemas germânico e americano ao alocar o espaço de consenso na fase investigatória, tornando disponível a propositura da ação penal e correspondente imposição da pena criminal, substituindo-a pelo cumprimento de determinadas condições. Questões de política criminal tiveram enorme peso na positivação do instituto em tela, dado o enfoque pragmático e a intenção de conferir à Justiça Penal Brasileira maior celeridade e efetividade.
O acordo de não persecução penal é uma manifestação genuína do funcionalismo penal e encontra validade no espaço de conformação dado pelo legislador às diretrizes possíveis de uma política criminal, que é a pedra-angular de todo o discurso legal-social da criminalização ou descriminalização.
O modelo de resposta estatal a um ilícito penal deve estar o máximo possível de acordo com a gravidade do crime e com a personalidade do infrator. Alcançando-se este ideal, preserva-se a proporcionalidade da medida, o crédito na Justiça e a plena satisfação dos interesses, seja a do Estado de agir ante uma infração à lei penal, seja a da vítima com a imposição de uma contraprestação imposta pelo Estado ao infrator, podendo ser esta desde a reparação do dano até a privação de liberdade.
O apego a um único canal de aplicação da justiça penal indistintamente, e neste caso, referimo-nos ao processo penal clássico, deflagrado pela denúncia e concluído com a sentença condenatória, burocratiza demasiadamente a repressão às condutas criminosas, deixando de responder de modo eficaz e célere às transgressões de baixa e média gravidade penal.
Em termos conclusivos, podemos afirmar que a inovação é positiva por conferir celeridade e economicidade à repressão dos ilícitos penais de baixa e média gravidade, dando maior espaço para a persecução penal dos casos estruturalmente mais complexos e de maior dificuldade evidencial.
REFERÊNCIAS
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[1] Julia Perters demonstra seis levantamentos de dados na Alemanha sobre a barganha no sentido lato da palavra, todos mencionando o maior índice nos casos de crimes econômicos (Peters, Julia, op. cit., pp. 10-16)
[2] Heister-Neumann, Elisabeth, “Absprachen im Strafprozess – Der Vorschlag Niedersachsens zu einer gesetzlichen Regelung”, Zeitschrift für Rechtspolitik, 5/2006, p. 137
[3] Acerca da denominação utilizada, Jenia Turner afirma que “as cortes e os atores do sistema normalmente utilizam dois termos melhor traduzidos como «entendimento» (Verständigung) e «barganha» (Absprachen)”
[4] BARROS, 2017.
[5] MELO, João Ozorio de, 2019.
[6] CABRAL, Rodrigo Leite Ferreira. Um Panorama sobre o Acordo de Não Persecução Penal (art. 18 da Resolução n. 181/17-CNMP, com as alterações da resolução n. 183/18-CNMP). In: CUNHA, Rogério Sanches; BARROS, Francisco Dirceu; SOUZA, Renee de Ó; CABRAL, Rodrigo Leite Ferreira (Coord.). Acordo de Não Persecução Penal. 2ª ed. Salvador: Juspodivm, 2019, p. 29
[7] Lei denominada pacote anticrime, publicada no Diário Oficial da União em 24/12/2019, que entrou em vigor em 23/01/2020.
[8] BODAS, 2017.
[9] Assim, o Estado, por meio do Ministério Público, é quem tem a responsabilidade, o dever de instigar, por meio da Denúncia, o poder judiciário no julgamento dos casos de ação penal pública, cuja importância supera as partes envolvidas e abrange toda a sociedade. Deste modo, é que o órgão acusador não pode deixar, quando presente os elementos da justa causa, de agir em prol de uma resposta do órgão julgador.
[10] CAPEZ, 2017.
Discente da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Amazonas (UFAM)
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CARVALHO, Hanna Beatriz Tavares. Direito penal negociado e uma análise do acordo de não persecução penal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 17 abr 2023, 04:43. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/61324/direito-penal-negociado-e-uma-anlise-do-acordo-de-no-persecuo-penal. Acesso em: 24 nov 2024.
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