NÍCOLAS MENEZES ROCHA [1]
(orientador)
RESUMO: O propósito deste trabalho é analisar as questões jurídicas que envolvem os filhos socioafetivos, considerando o modo como o ordenamento Jurídico trata os mesmos em comparação com os filhos biológicos, tendo como base a Constituição Federal de 1988 que conferiu aos filhos, sejam eles frutos ou não de uma união conjugal, igualdade de direitos, proibindo todas as formas de discriminação. Este estudo foi realizado tendo com objetivo geral, demonstrar os efeitos pessoais e materiais resultantes do reconhecimento da filiação socioafetiva, de acordo com a Constituição Federal de 1988. Utilizou-se a metodologia do trabalho jurídico, obtendo-se os dados por meio de pesquisa bibliográfica e documental, empregando-se o método dedutivo. Diante das pesquisas realizadas, constatou-se que, os grupos familiares não são formados somente pela consanguinidade, mas também pela afetividade, e que, quando reconhecida a filiação socioafetiva, o filho afetivo terá direito ao nome, à multiparentalidade, à convivência familiar, a ser chamado à ordem sucessória, e terá garantido o direito a irrevogabilidade da filiação socioafetiva. Assim, concluiu-se que, ao ser reconhecida a filiação socioafetiva, esta gerará efeitos no mundo jurídico, tornando-se necessária a criação de uma lei específica para proteger esse modelo filiação, que até o presente momento, necessita da interpretação do judiciário para ter seus direitos resguardados.
Palavras-chave: Filiação; Socioafetividade; Efeitos Jurídicos da Filiação.
ABSTRACT: The purpose of this work is to analyze the legal issues that involve socio-affective children, considering how the legal system treats them in comparison with biological children, based on the Federal Constitution of 1988 that conferred on children, whether they bear fruit or not. of a conjugal union, equality of rights, prohibiting all forms of discrimination. This study was carried out with the general objective of demonstrating the personal and material effects resulting from the recognition of socio-affective affiliation, in accordance with the Federal Constitution of 1988. The methodology of legal work was used, obtaining data through bibliographical research. and documentary, using the deductive method. In view of the research carried out, it was found that family groups are not formed only by consanguinity, but also by affectivity, and that, when socio-affective affiliation is recognized, the affective child will have the right to a name, to multi-parenting, to family life, to be called to the order of succession, and will have guaranteed the right to irrevocability of socio-affective affiliation. Thus, it was concluded that, when socio-affective affiliation is recognized, it will have effects in the legal world, making it necessary to create a specific law to protect this model of affiliation, which, until the present moment, requires the interpretation of the judiciary to have your rights protected
Keywords: Filiation; Socioaffectivity; Juridical effects of filiation.
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO; 2. DA FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA; 3. PRINCÍPIOS ATINENTES À SOCIOAFETIVIDADE; 3.1 DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA; 3.2 AFETIVIDADE; 3.3 PLURALISMO FAMILIAR; 3.4 PRINCÍPIO DA IGUALDADE E ISONOMIA DOS FILHOS; 4 DIREITOS EXISTENCIAIS DECORRENTES DA SOCIOAFETIVIDADE; 4.1 DIREITO AO NOME; 4.2 DIREITO À MULTIPARENTALIDADE; 4.3 DIREITO À CONVIVÊNCIA FAMILIAR; 5. DIREITO SUCESSÓRIO DECORRENTE DO RECONHECIMENTO DA FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA; 6. (IM)POSSIBILIDADE DE DESCONSTITUIÇÃO DA FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA; 7. CONSIDERAÇÕES FINAIS; REFERÊNCIAS.
Por muitos anos, a família brasileira foi dominada por costumes conservadores, que baseavam a formação das unidades familiares em um modelo patriarcal hierárquico. Porém, com a Constituição Federal de 1988, essa realidade mudou ao reconhecer outras unidades familiares, como as famílias socioafetivas.
Desde então, houve uma transição de uma família patriarcal hierárquica para uma família alicerçada no afeto, demonstrando como a afetividade evoluiu e ganhou destaque no estudo do direito de família, visto que a afetividade é um vínculo de interesse espontâneo entre pais e filhos.
O objetivo do presente trabalho é analisar as questões jurídicas ligadas aos filhos socioafetivos, considerando o modo como são delineados pelo Ordenamento Jurídico Pátrio em comparação aos filhos biológicos.
O tema desta pesquisa refere-se à filiação socioafetiva, baseada no afeto entre pais e filhos sem vínculo biológico, resultando, assim, no seguinte problema de pesquisa: “O ordenamento jurídico brasileiro já regula de forma suficiente os direitos dos filhos socioafetivos?”.
É importante ressaltar que é responsabilidade do direito se adaptar constantemente às transformações da sociedade, o que evidencia a relevância do assunto proposto, que aborda a questão jurídica acerca dos direitos inerentes aos filhos socioafetivos. Essa discussão é necessária, visto que, a Constituição Federal de 1988 igualou os direitos dos filhos, sendo eles havidos dentro ou não do matrimônio, possuindo assim, iguais direitos.
Este estudo se norteou a partir de um objetivo geral, que foi o de demonstrar os efeitos pessoais e materiais resultantes do reconhecimento da filiação socioafetiva, de acordo com a Constituição Federal de 1988.
O trajeto percorrido para a elaboração desta pesquisa, ocorreu por meio de objetivos específicos, sendo eles: verificar como se deu a evolução e o reconhecimento da filiação socioafetiva no direito brasileiro, bem como descrever quais são os principais princípios atinentes a socioafetividade; demonstrar quais são os direitos decorrentes da filiação socioafetiva; verificar os entendimentos doutrinários e jurisprudenciais sobre o direito sucessório na filiação socioafetiva; verificar se após o reconhecimento judicial da paternidade/maternidade socioafetiva, há possibilidade de desconstituição.
Para atingir os objetivos, este estudo utilizará a metodologia do trabalho jurídico que é “voltada as instruções práticas para a formatação e a compreensão da engrenagem de técnicas de organização do trabalho jurídico científico” (BITTAR, 2015, p. 53). O método utilizado será o exploratório, conforme análise qualitativa, baseada na coleta de dados por meio de estudos bibliográficos, ou seja, entendimentos desenvolvidos por renomados doutrinadores na área do Direito Civil como Maria Berenice Dias, Paulo Lôbo, Fávio Tartuce, entre outros, e através de pesquisas documentais, realizadas através das legislações e jurisprudências.
Na tentativa de explicar a temática proposta, dividiu-se o trabalho em cinco capítulos. Assim, o primeiro capítulo terá como foco discutir inicialmente temas mais amplos, a fim de compreender o conceito de filiação socioafetiva, sua evolução e seu reconhecimento no mundo jurídico.
No segundo capítulo, será feita uma análise dos princípios relacionados à filiação socioafetiva, com o intuito de formular o entendimento jurídico adequado ao assunto. Para que isso ocorra, esses princípios serão analisados tendo como base conceitos doutrinários relacionados ao assunto.
Por sua vez, o terceiro capítulo analisará os direitos pessoais decorrentes do reconhecimento da socioafetividade, ressaltando que, independentemente do filho ser havido ou não do casamento, tem direito ao nome, ao reconhecimento do estado filiativo e ao convívio familiar. Este tópico também falará sobre o fato de que é possível solicitar a multiparentalidade por meio de registro judicial, ou seja, no caso em questão, o juiz pode determinar que seja incluído no registro de nascimento da criança o nome dos pais socioafetivos, juntamente como nome dos pais biológicos, baseando-se no princípio da proteção integral e da dignidade da pessoa humana.
Já o quarto capítulo, tratará dos direitos sucessórios dos filhos socioafetivos, levando em consideração entendimentos doutrinários e jurisprudenciais sobre o assunto.
E por fim, o quinto e último capítulo, analisará os entendimentos jurisprudenciais referente à possibilidade ou impossibilidade em revogar a filiação socioafetiva.
Enfatiza-se que não é objetivo do presente trabalho esgotar os assuntos referentes à filiação socioafetiva, mas sim contribuir de forma significativa a respeito dos direitos inerentes aos filhos socioafetivos, visto que se trata de um tema de alta relevância para a seara jurídica, bem como por entender que esta temática é de suma importância para o campo do direito.
O vínculo de filiação é o laço de parentesco mais profundo, por constituir a forma primária de conexão do indivíduo com a sociedade. Os pais são os principais responsáveis pela formação moral, ética e psicológica de seus filhos, no seio de uma família, seja qual for sua forma de composição.
A filiação no ordenamento jurídico brasileiro passou por profundas modificações com o surgimento de novos arranjos familiares, o que levou a diversas alterações quanto à estrutura familiar. Diante disto, conceitos foram alterados, leis foram criadas e, no contexto de tantas modificações, a compreensão da sociedade sobre a filiação tomou uma nova forma.
Nesses novos arranjos familiares surgiu a possibilidade da filiação socioafetiva, que se dá a partir da posse do estado de filho, onde os pais socioafetivos transmitem a imagem de que são efetivamente os pais daquela criança. A respeito disso, Carvalho (2013, p. 326) explana que:
Na posse de estado de filho e posse de estado de pai existe uma aparência paterno-filial, uma reciprocidade afetiva entre pai e filho, que juridicamente não são parentes. O Direito não pode desprezar este fato, esta paternidade que se constrói na convivência e nos vínculos afetivos recíprocos, que se estabelece no ato de vontade e sedimenta-se no terreno da afetividade.
Dias (2015) assevera que, a filiação socioafetiva refere-se à relação de afeto que ocorre entre pai, mãe e filhos, independentemente da origem genética, e se desenvolve ao longo do tempo através de uma relação pautada em amor, carinho, atenção e respeito.
Corroborando, o Doutrinador Rolf Madaleno (2006, p. 138) explana que “a filiação socioafetiva é a real paternidade do afeto e da solidariedade: são gestos de amor que registram a colidência de interesses entre o filho registral e o seu pai de afeto”.
Lôbo (2023, p. 39) explica que "a família é socioafetiva, em sentido geral, por ser grupo social considerado base da sociedade e unido na convivência afetiva."
No entanto, para caracterizar a filiação socioafetiva, não é suficiente que uma criança e um adulto vivam juntos, pois é preciso que ocorra o preenchimento de ao menos três requisitos, a saber: tratamento recíproco entre pai e filho e entre seus familiares; se apresentar perante terceiros como sendo filho; e o reconhecimento dessa relação de pai e filho pela sociedade. Nesse mesmo viés, leciona Carvalho (2013, p. 326):
[...] A filiação socioafetiva assenta-se no reconhecimento da posse do estado de filho, apresentando a doutrina três aspectos para sua configuração: a) tratactus, quando existe tratamento recíproco entre pai e filho e entre os parentes, sendo criado e educado como filho; b) nominatio, quando utiliza o nome dos pais e se apresenta como filho; e c) reputatio, quando é conhecido pela opinião pública, no meio onde vive, como filho de seus pais afetivos.
Em suma, quando as partes possuem uma relação recíproca de amor e convivência, transmitindo a outras pessoas a percepção de que são pai e filho, fica caracterizada a filiação socioafetiva.
De acordo com o Art. 1.609 é possível que ocorra o reconhecimento da filiação socioafetiva, da seguinte forma:
Art. 1.609. O reconhecimento dos filhos havidos fora do casamento é irrevogável e será feito:
I - no registro do nascimento;
II - por escritura pública ou escrito particular, a ser arquivado em cartório;
III - por testamento, ainda que incidentalmente manifestado;
IV - por manifestação direta e expressa perante o juiz, ainda que o reconhecimento não haja sido o objeto único e principal do ato que o contém.
Parágrafo único. O reconhecimento pode preceder o nascimento do filho ou ser posterior ao seu falecimento, se ele deixar descendentes (BRASIL, 2002).
Ressalta-se também que, a filiação socioafetiva gera todos os resultados decorrentes da paternidade ou maternidade, tais como: direito a guarda, a limento, ao nome e a herança, assim como as demais outras espécies de filiação.
É importante destacar que após o reconhecimento da filiação socioafetiva, não haverá a possibilidade de sua desconstituição pelo simples argumento de distanciamento entre as partes (BERLEZE, 2021).
Visto que apenas deverá prosperar a ação denegatória de paternidade/ maternidade para desconstituir o registro caso fique comprovado erro, dolo (má fé) ou coação no ato do registro e, além disso, que não tenha sido formado o laço filial, tendo em mente a absoluta prioridade dos interesses dos pequenos (art. 227 da Constituição Federal) (BRASIL, 1988).
Infelizmente, a filiação socioafetiva, não possui de forma expressa respaldo na Lei. Todavia, o vigente Código Civil de 2002 em seu artigo 1.593 indica a possibilidade de constituir outras origens de parentesco além do natural e do civil que ocorre por meio de adoção. Abrindo-se, assim, espaço para a filiação socioafetiva. Vejamos: “O parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem” (BRASIL,2002).
Por fim, destaca-se que esse tipo de filiação vem sendo cada vez mais debatida pelos tribunais, devido ao crescente número de famílias socioafetivas. Pois, na maioria dos casos, o filho é criado por pai ou mãe não biológicos, surgindo, assim, uma ausência de tutela jurisdicional, ficando a par do judiciário decidir, nessas situações, como ficará a filiação da criança.
3 PRINCÍPIOS ATINENTES À SOCIOAFETIVIDADE
Para suprir as omissões da lei, surgiram os princípios jurídicos. E devido a sua grande importância, perderam sua essência como mero complemento de lei, passando a ganhar força normativa.
Atualmente, os tribunais brasileiros estão utilizando cada vez mais princípios para fundamentar suas decisões. Todos esses princípios foram pautados na Constituição Federal de 1988, que estabeleceu diversos direitos fundamentais que devemos zelar.
Diante da importância dos princípios, o presente estudo abordará os que mais possuem relevância com a temática proposta, sendo os seguintes: princípio da dignidade da pessoa humana, princípio da afetividade, princípio do pluralismo familiar e princípio da igualdade e isonomia dos filhos.
3.1 DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
A Constituição Federal de 1988 estabeleceu, em seu artigo 1, inciso III, a dignidade da pessoa humana como um princípio fundamental do Estado Brasileiro, elevando o ser humano ao centro de todo o sistema jurídico, sendo, pois, o princípio maior.
Nas palavras da doutrinadora Maria Berenice Dias o princípio da Dignidade da Pessoa Humana é “o princípio maior, o mais universal de todos os princípios. É um macroprincípio do qual se irradiam todos os demais: liberdade, autonomia privada, cidadania, igualdade e solidariedade” (DIAS, 2016, p. 73).
O princípio da dignidade da pessoa humana é o princípio inaugurador do Estado Democrático de Direito, podendo ser identificado como manifestação primária dos valores constitucionais carregados de sentimentos e emoções. Nas palavras de Tartuce (2008, p.27), “a dignidade humana é algo que se vê nos olhos da pessoa e na sua fala, no modo como a mesma interage com o meio que a cerca”.
Certo é, que todo ser humano precisa e deve ter um amor próprio que é inerente a sua vivência no meio social em que vive e fora dele. O amor próprio conduz o ser humano ao respeito, à responsabilidade, à determinação e à arte de bem viver exercendo seus deveres e reivindicando seus direitos sem prejudicar a outrem (MORAES, 2002, p. 128).
Considerando que o princípio da dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos do Estado Democrático, tal postulado é utilizado para interpretar e aplicar as normas jurídicas, pois o ser humano não pode jamais ser tratado como um simples objeto. Neste sentido, salienta Sarlet (2011, p. 62):
A dignidade é uma qualidade distintiva de cada ser humano fazendo-o merecedor de respeito e consideração por parte da comunidade e do Estado, garantindo em consequência um complexo de direitos e deveres fundamentais asseguradores da existência de vida compartilhada com os outros seres humanos bem como condições mínimas para essa existência e proteção contra qualquer ato degradante e desumano.
Segundo Vieira (2016, p. 01) “o Estado tem a função de promover meios para que a pessoa humana alcance os seus objetivos, estabelecendo mecanismos que a ajudem e não que a coíbam de atingir seus desígnios”, salvo quando a pessoa, por falta de capacidade técnica não consegue discernir aquilo que é benéfico ou prejudicial a si mesmo.
O princípio da dignidade da pessoa humana se aplica também ao direito de família. Nas palavras do doutrinador Carlos Roberto Gonçalves, “O Direito de família é o mais humano de todos os ramos do direito” (GONÇALVES, 2018, p. 17).
A dignidade da pessoa humana se torna mais evidente no Direito de família, pelo fato de o indivíduo ter o direito de constituir família e de ocorrer na família a verificação do desenvolvimento do afeto, respeito, confiança, amor etc. (VIEIRA, 2016).
Portanto, dar tratamento privilegiado às filiações biológicas em detrimento das que surgiram do afeto é um tanto desprezível.
Compreende-se por meio deste princípio que sua busca incessante é pelo indivíduo, pela plena realização pessoal e, assim, por sua plena felicidade. Porém, para que a dignidade humana exista, deve haver meios adequados para exercê-la. (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2015).
Nota-se que, a partir do momento em que uma criança ou jovem se vê amparado e possui uma família que lhe promove condições dignas de vida, que lhe oferece amor, carinho, cuidado, respeito, educação, proteção, fica evidente que seus desejos foram realizados e o princípio da dignidade da pessoa humana foi cumprido, independentemente do vínculo genético ou não (SANTOS, 2011).
O princípio da afetividade é um princípio que tem como fundamento a estabilidade das relações socioafetivas. Referido princípio obteve grande incentivo dos valores firmados na Constituição Federal de 1988 e decorreu do desenvolvimento da família brasileira nas últimas décadas do século XX, refletindo de forma significante na doutrina jurídica e na jurisprudência (LÔBO, 2023).
Pode-se afirmar que o princípio da afetividade representa um dos mais importantes avanços do direito, pois possibilitou a ampliação do conceito de família, que hoje se estende muito além dos laços consanguíneos, trazendo consigo uma diversidade de formas familiares.
De acordo com o doutrinador Lôbo (2023, p.168) “O princípio da afetividade entrelaça-se com os princípios da convivência familiar e da igualdade entre cônjuges, companheiros e filhos, que ressaltam a natureza cultural e não exclusivamente biológica da família”.
Nesse sentido Mal e Maluf (2021, p.113) alude que:
o princípio da afetividade permeia as relações familiares, pois encontra-se diretamente jungido ao princípio da dignidade da pessoa humana. É o princípio que fundamenta o direito de família na estabilidade das relações socioafetivas e na comunhão de vida.
Nesse contexto, se faz válido ressaltar que o afeto não deve ser confundido com a afetividade. O motivo para isso é que o afeto tem uma dimensão psicológica, e, portanto, um caráter metajurídico. Desta forma, não é passível de regulação pelo ordenamento jurídico, podendo ser protegido apenas no âmbito moral. Já a afetividade caracteriza-se pela demostração do afeto, ou seja, é uma ação objetiva que resulta através da convivência entre pessoas (CARVALHO, 2017).
Corroborando com esse entendimento, Lôbo (2023, p.170) explana que:
A afetividade, como princípio jurídico, não se confunde com o afeto, como fato psicológico ou anímico, porquanto pode ser presumida quando este faltar na realidade das relações; assim, a afetividade é dever imposto aos pais em relação aos filhos e destes em relação àqueles, ainda que haja desamor ou desafeição entre eles.
A jurisprudência está se posicionando no sentido de que a presença da afetividade é a condição mais importante para a constituição de uma família. Entretanto, não é qualquer emoção que pode ser utilizada como um fator identificador de família, é preciso o atendimento de outros requisitos, incluindo solidariedade, responsabilidade, colaboração e convívio (BERLEZE, 2021).
Segundo os ensinamentos de Rolf Madaleno:
O afeto é a mola propulsora dos laços familiares e das relações interpessoais movidas pelo sentimento e pelo amor, para ao fim e ao cabo dar sentido e dignidade à existência humana. A afetividade deve estar presente nos vínculos de filiação e de parentesco, variando tão somente na sua intensidade e nas especificidades do caso concreto (MADALENO, 2018, p. 145).
Assim, podemos concluir que a afetividade é um princípio repleto de princípios básicos. Vem da responsabilidade de cuidar e conviver e pode ser encontrada tanto nas relações amorosas quanto nas relações entre pais e filhos. E “não necessariamente os filhos precisam ser biológicos, uma vez que através da afetividade se fez possível a filiação socioafetiva, afinal, como já diz o ditado “pai é aquele que cria” (BERLEZE, 2021, p.19).
Com a entrada em vigor da constituição federal de 1988, nasceu o princípio do pluralismo familiar, que em sua cláusula geral abrange todas as formas de família efetivamente existentes na sociedade. Referido principio encontra respaldo no artigo 226 da constituição: “ a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”
Gomes (2009, p. 44) explica que “o pluralismo de entidades familiares expõe o aspecto democrático na concepção da família, formada sob os princípios fundamentais da igualdade e da dignidade da pessoa humana”.
Semelhantemente, Viegas (2017, p. 84) destaca uma mudança no conceito de família, vista sob uma ótica meramente patrimonial e voltada para fins reprodutivos, transmudando-se para um modelo constitucional e democrático, revestido de uma estrutura plural e fundamentada em princípios que consolidam a dignidade humana e a solidariedade.
Diante disso, eliminou-se a perspectiva exclusivista do modelo de família, possibilitando, assim, a liberdade de constituir-se família da forma almejada, assegurando os direitos e garantias individuais, incluindo-se os modelos de famílias socioafetivas e plurais.
Todavia, essas transformações só foram possíveis com promulgação da Constituição Federal de 1988, onde ocorreu uma grande transformação no Direito de Família, pois houve a inserção da expressão entidade familiar no texto constitucional. Essa mudança, segundo informa Augusto e Silva (2016, p. 5), é “legitimada não só pelo casamento, mas também por vínculos afetivos, bem como a união estável entre homem e mulher, e as relações entre um dos ascendentes com a sua prole, sendo estas chamadas de famílias monoparentais”. Como se vê há uma ampliação nos fatores de análise do conceito de família. Assim, dispõe o artigo 226, da Carta Magna:
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
§ 1º - O casamento é civil e gratuito a celebração.
§ 2º - O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei.
§ 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.
§ 4º - Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.
§ 5º -Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.
§ 6º -O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio.
§ 7º -Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.
§ 8º -O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações (BRASIL, 1988).
Nota-se, que o texto constitucional expressa somente três modalidades de entidades familiares, no entanto, segundo Machado (2012, p. 39), o rol exposto nos parágrafos do artigo 226 da Carta Magna “não é taxativo, abrindo-se, assim, um leque de possibilidades para se constituir novos arranjos familiares”.
Assim, em virtude da variedade de formas de família, é imprescindível uma análise não impositiva da constituição familiar, devendo essas entidades serem identificadas com base no afeto transmitido entre si e na vontade de formar família (BERLEZE, 2021).
Diante disto, a família deve ser o cerne do indivíduo para que ele obtenha sua felicidade e seu crescimento pessoal, que deve ocorrer naturalmente. Nessa perspectiva, chega-se à conclusão de que a organização da família tem um rol exemplificativo não se limitando aos modelos predeterminados.
3.4 PRINCÍPIO DA IGUALDADE E ISONOMIA DOS FILHOS
A igualdade entre os filhos nem sempre foi vista como nos dias atuais. Isso porque o antigo modelo familiar era extremamente conservador e seu principal interesse era proteger o núcleo familiar, sempre privilegiando o casamento em desfavor dos filhos havidos fora do casamento. De acordo com o artigo 358 do Código Civil de 1916, os filhos advindos de relações extraconjugais não poderiam ser reconhecidos nem mesmos pelos seus pais (BERLEZE, 2021).
Somente com a entrada em vigor da Constituição Federal de 1988 que o princípio da igualdade entre os filhos foi reconhecido, encontrando previsão legal no artigo 227, § 6º, com a seguinte redação: "Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação” (BRASIL, 1988). Diante disto, a igualdade entre os filhos tornou-se absoluta e todos os tipos de diferenças e discriminações foram estritamente proibidos.
Nesse contexto, caiu por terra o conceito de filiação legítima ou ilegítima, pois hoje em dia todos são qualificados exclusivamente como filhos, sejam eles biológicos, adotivos ou afetivos, sendo detentores de iguais direitos. De acordo com Gama (2008), uma vez existente o vínculo jurídico de filiação, todos os irmãos são possuidores de iguais direitos, sendo absolutamente proibida qualquer tipo de distinção entre eles.
Nesse contexto, o doutrinador Paulo Lôbo explana a respeito do princípio da igualdade de filiação, vejamos:
É o ponto culminante da longa e penosa evolução por que passou a filiação, durante o século XX, na progressiva redução de odiosas desigualdades e discriminações, ou do quantum despótico na família. É o fim do vergonhoso apartheid legal, que impedia ou restringia direitos de pessoas que eram punidas pelo fato do nascimento (LÔBO, 2020, p.224).
Diante disto, pode-se concluir que o princípio da igualdade entre os filhos, veda toda forma de diferenciação entre filiação biológica ou não, pois ambas são constituídas através do afeto, fator que se torna deveras importante no reconhecimento familiar.
4 DIREITOS EXISTENCIAIS DECORRENTES DA SOCIOAFETIVIDADE
Neste capítulo, discute-se alguns dos direitos conferidos aos filhos que repercutem no reconhecimento da filiação socioafetiva, visto que o ato de reconhecer a socioafetividade provocará efeito erga omnes. E os direitos e obrigações gerados serão equivalentes aos da filiação biológica.
Como nenhuma discriminação é permitida, é certo que os filhos têm direito ao sobrenome dos pais, independentemente de serem filhos biológicos ou não. Isto porque o nome é um dos importantes direitos da personalidade e pode ser compreendido não apenas como uma forma de reconhecimento social, mas também como a personalidade da pessoa natural.
Almeida (2015, p.62) explica que “o Código Civil elencou o direito ao nome como um dos direitos da personalidade do indivíduo, que o identifica perante a sociedade e, em razão de seu caráter personalíssimo, é inauferível, imprescritível, inalienável e absoluto”.
Convém trazer o entendimento de Nery (2014, não paginado) que cita o seguinte:
A pessoa ostenta como terceiro atributo de sua individualidade o nome. Todos têm direito à identidade pessoal e o direito ao nome produz efeitos erga omnes. Por meio do nome, a pessoa é identificada como sujeito capaz de adquirir direitos e de cumprir obrigações, bem como é também identificada pela Administração Pública como súdito do Estado, sujeita aos direitos e deveres que suas relações de cidadão, a um só tempo, lhe garantem e lhe impõem.
Diante disto, nada mais digno que o filho socioafetivo detenha o direito de utilizar o sobrenome da família que o acolheu, sendo vedada, pelo princípio da isonomia, qualquer indicação da natureza da filiação, seja biológica, adotiva ou socioafetiva.
O escritor Lôbo (2023, p. 648) explica que "os direitos e os deveres jurídicos do filho com múltiplas parentalidades são iguais em face dos pais socioafetivos e biológicos” e ainda complementa que os filhos socioafetivos tem direito "ao nome, permitindo-se acréscimo do sobrenome do outro pai ou da outra mãe”, ou seja, é permitido a inclusão do sobrenome do pai ou da mãe afetivo, não se fazendo necessário, excluir o sobrenome dos pais biológicos do registro.
Nesse sentido, Dias (2020, p. 238) explica que:
Reconhecida registralmente a multiparentalidade não há impedimento legal de o nome do filho ser composto pelo nome de família de todos os genitores. A lei dos Registros Públicos não impede (LRP 54). Como não há exigência de que alguém ostente os apelidos de família de todos os genitores, a contrário senso também não há impossibilidade de que se ostente o nome de todos os genitores, mesmo que sejam eles mais de dois.
Diante do exposto, nota-se que, ao ser reconhecida a filiação afetiva, existe o direito de modificar a certidão de nascimento, inserindo o nome do pai ou da mãe socioafetiva.
4.2 DIREITO À MULTIPARENTALIDADE
A liberdade de constituição familiar, marcada pela dissolução e reconstituição de casamentos e uniões estáveis, gerou o fenômeno social, amplamente conhecido nestes tempos, chamado de famílias mosaicas, ou famílias recompostas, que ocorrem quando indivíduos se casam ou se unem mais uma vez, levando filhos das relações anteriores para o novo lar.
No entanto, esses modelos de família nem sempre foram aceitos, visto que os pilares do direito de família brasileiro eram formados por um modelo binário de parentalidade. Todavia, esse modelo binário foi rompido a partir da possível tutela da multiparentalidade (LÔBO, 2023).
Nesse contexto, nota-se uma flexibilização nos modelos parentais e no emprego do poder familiar, o que sugere a superação de mais um paradigma no Direito de Família. A biparentalidade cede lugar à multiparentalidade, situação propulsionada pelo estabelecimento de parentesco pela socioafetividade.
Se faz válido mencionar um caso que ocorreu há alguns anos, quando um cidadão ajuizou um processo inusitado, em São Paulo, pedindo que o judiciário inserisse em seu registro de nascimento o nome de suas duas mães, mantendo o nome de seu pai. No processo, ele contou sua motivação, relatando que sua mãe biológica havia falecido ao dar à luz e, por isso, fora criado por outra mulher, a qual chamou de mãe durante toda sua vida, por isso, desejava, na ação, fazer constar em seu registro o nome das duas mães. A situação inaugurou a multiparentalidade no Judiciário.
Em resolução ao caso, o TJ-SP preservou a mãe biológica, respeitando sua memória, e inseriu no registro do cidadão a mãe socioafetiva, reconhecendo a multiparentalidade:
EMENTA: MATERNIDADE SOCIOAFETIVA. Preservação da Maternidade Biológica Respeito à memória da mãe biológica, falecida em decorrência do parto, e de sua família – Enteado criado como filho desde dois anos de idade. Filiação socioafetiva que tem amparo no art. 1.593 do Código Civil e decorre da posse do estado de filho, fruto de longa e estável convivência, aliado ao afeto e considerações mútuos, e sua manifestação pública, de forma a não deixar dúvida, a quem não conhece, de que se trata de parentes – A formação da família moderna não consanguínea tem sua base na afetividade e nos princípios da dignidade da pessoa humana e da solidariedade. Recurso provido (BRASIL, 2012, p.2).
Diante disso percebe-se que a multiparentalidade é uma tendência de um novo modelo de organização familiar, já que a atual sociedade e ordenamento jurídico brasileiro não têm se restringido a apenas um único modelo de grupo familiar, que seria o formado pelo casamento de um homem com uma mulher.
Recentemente, o Supremo Tribunal Federal decidiu sobre a multiparentalidade, em sede de repercussão geral, abordando a questão sob o Tema n. 622. Em setembro de 2016, o plenário, por maioria de votos, fixou a tese de repercussão geral com a seguinte redação: “A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com efeitos jurídicos próprios” (BRASIL, 2016).
Ao justificar seu voto, o relator Ministro Luiz Fux dispôs o seguinte:
O sobreprincípio da dignidade humana, na sua dimensão de tutela da felicidade e realização pessoal dos indivíduos a partir de suas próprias configurações existenciais, impõe o reconhecimento, pelo ordenamento jurídico, de modelos familiares diversos da concepção tradicional. O espectro legal deve acolher, nesse prisma, tanto vínculos de filiação construídos pela relação afetiva entre os envolvidos, quanto aqueles originados da ascendência biológica, por imposição do princípio da paternidade responsável,enunciado expressamente no art. 226, § 7º, da Constituição. (BRASIL, 2016, p. 22).
Diante disto, com essa decisão, o Supremo Tribunal Federal passou a admitir a multiparentalidade, considerando a afetividade como um valor jurídico e um princípio da ordem civil-constitucional brasileira. Com isso, a socioafetividade cria laços de parentesco civil, na forma do artigo 1.593 do Código Civil, em situação de igualdade com o parentesco biológico. Esse vínculo, conforme se extrai do julgado citado, é válido para todas as finalidades, inclusive para questões alimentares e sucessórias.
Sendo assim, a multiparentalidade constitui-se no reconhecimento de mais de uma relação filial entre pais e filhos, possibilitando a existência de dois pais ou de duas mães para uma mesma pessoa, ocorrendo uma formação múltipla de laços parentais, sem que o posterior anule o anterior.
De acordo com Marque e Santana (2018, p.21):
Pode-se compreender por famílias multiparentais aquelas que são formadas por pessoas que dissolveram relação marital ou de convivência e constituíram nova família, trazendo consigo filhos da relação anterior. Sendo notório nas relações em que a madrasta ou padrasto que ama e cuida do enteado como sendo seu filho, e a criança o ama como pai ou mãe, sem desconsiderar seus pais de origem genética.
A Legislação civil estabelece três possibilidades legais para a filiação: “a filiação oriunda da adoção, a filiação oriunda de inseminação artificial heteróloga e a posse de estado de filiação. Apenas em relação a esta última pode haver concorrência com a multiparentalidade." (LÔBO, 2023, p. 640).
O princípio do instituto da multiparentalidade está alicerçado no princípio da dignidade da pessoa humana, que está plenamente relacionado com os sentimentos das pessoas. Tem também como base o princípio da afetividade, que por muito tempo foi erroneamente menosprezado quando confrontado com o fator consanguíneo. E também se baseia no princípio da igualdade e isonomia dos filhos (GONÇALVES, 2017).
Conclui-se que, visando assegurar o desenvolvimento das crianças e a preservação dos laços familiares, os princípios relacionados acima dão suporte para a existência do instituto da multiparentalidade, já que a família é de suma importância para a formação e desenvolvimento dos mesmos.
4.3 DIREITO À CONVIVÊNCIA FAMILIAR
O status familiar é uma característica da personalidade, que busca determinar a posição de cada pessoa na família, além de predeterminar seus efeitos legais e regular direitos e obrigações mútuas. Tanto é assim, que a lei Civil regula as relações de família e seus efeitos gerados, seja pelo vinculo sanguíneo, civil, ou ainda afetivo (MARQUE; SANTANA, 2018).
O direito à convivência familiar é um dos direitos fundamentais e é de extrema importância para o desenvolvimento das crianças e dos adolescentes.
De acordo com Lôbo (2023, p. 176) a convivência familiar pode ser compreendia como:
A relação afetiva diuturna e duradoura entretecida pelas pessoas que compõem o grupo familiar, em virtude de laços de parentesco ou não, no ambiente comum. Supõe o espaço físico, a casa, o lar, a moradia, mas não necessariamente, pois as atuais condições de vida e o mundo do trabalho provocam separações dos membros da família no espaço físico, mas sem perda da referência ao ambiente comum, tido como pertença de todos. É o ninho no qual as pessoas se sentem recíproca e solidariamente acolhidas e protegidas, especialmente as crianças.
Nesse mesmo sentido, Ishida (2011, p. 33), explica que o “Direito à convivência familiar pode ser conceituado como o direito fundamental da criança e adolescente a viver junto à sua família natural ou subsidiariamente à sua família extensa”.
Sanches e Veronese (2017, p. 143), afirmam que “a família é compreendida como estrutura ideal para o crescimento e a socialização das crianças e dos adolescentes, possibilitando a construção de afeto, a capacidade de relacionar-se e a formação como sujeito”.
Sendo assim, o direito à convivência familiar é um direito essencial e apresenta a ideia de que a criança deve viver com sua família em um ambiente de afeto e cuidado mútuo.
O direito à convivência familiar encontra respaldo no art. 227 da Constituição Federal de 1988, e também está contido no artigo 19 do Estatuto da Criança e do Adolescente, entre outros princípios previstos em legislação infraconstitucionais. Sendo obrigatório aos pais, à sociedade e ao Estado o dever de cumprimento desse direito fundamental. A esse respeito, vejamos o que diz Sanches e Veronese, (2017, p. 144):
[...] a garantia do direito à convivência familiar e comunitária não está adstrita a um modelo hegemônico, mas ao contrário, evidenciando que suas funções de socialização e proteção podem ser exercidas nos mais diversos arranjos familiares e contextos socioculturais, a proteção outorgada pela Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente exigem que todos os esforços e ações sejam empreendidos pela sociedade e pelo Estado para garantir a preservação dos vínculos familiares.
Assim, percebe-se que é dever da família criar um alicerce seguro para o desenvolvimento saudável das crianças e dos adolescentes. Todavia, quando isso não acontece, é necessário que o Estado e a sociedade trabalhem juntos para efetivar esse direito, com o objetivo de implementar políticas públicas que garantam “apoio e promoção social da família de origem, devendo dar prioridade à manutenção ou à reintegração dos filhos à sua família natural ou extensa” (SCHUTZ, 2020, p. 18).
5 DIREITO SUCESSÓRIO DECORRENTE DO RECONHECIMENTO DA FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA
Neste ponto, cabe destacar algumas considerações a respeito dos efeitos sucessórios decorrentes do reconhecimento da filiação socioafetiva, seja ela reconhecida judicialmente ou de forma voluntária através do registro em cartório.
O direito à herança constitui direito fundamental, previsto no artigo 5º, incisos XXX e XXI, da Constituição Federal. E assim como todos os demais institutos jurídicos, a herança, necessariamente, se submete a valores constitucionais.
No mesmo sentido, Carnacchioni (2022) afirma que, na atualidade, tal direito deve ser interpretado a partir de uma perspectiva constitucional, com a submissão das regras e princípios estabelecidos na legislação civil aos valores sociais constitucionais, como dignidade da pessoa humana, solidariedade social, igualdade substancial, autonomia privada, função social e boa-fé objetiva das relações sucessórias.
Vale destacar, que o pressuposto fático do direito à herança é a morte, real ou presumida. Portanto, o direito das sucessões disciplina as relações jurídicas decorrentes do falecimento da pessoa (sucessão causa mortis).
De acordo com Oliveira e Santana (2017, p. 19):
Entende-se por sucessão, em sentido amplo, o ato pelo qual uma
pessoa toma o lugar de outra; investindo-se a qualquer título, no todo ou em parte, nos direitos que lhe competiam. Já em sentido restrito, sucessão é tão somente a transferência da herança ou legado, por morte de alguém, ao herdeiro ou legatário, tanto por força de lei como em virtude de testamento.
De acordo com o artigo 1.786 do Código Civil, “A sucessão dá-se por lei ou por disposição de última vontade” (BRASIL, 2002). Ou seja, mediante regras legais ou, pela via testamentária.
Nos casos em que o pai tiver filhos biológicos e afetivos, o valor da herança destinada aos filhos deverá ser partilhado de forma igualitária, respeitando o princípio da igualdade entre os filhos.
Esta igualdade é prevista tanto no artigo 227, § 6º, da Constituição Federal, como no artigo 1.596 do Código Civil, de forma idêntica, in verbis: “os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação” (BRASIL, 1988).
Assim, quando reconhecida a filiação socioafetiva, seus efeitos devem ser os mesmos decorrentes da filiação biológica. Com isso, o filho afetivo adquire o direito à herança de seu pai ou de sua mãe. Nesse sentido, Oliveira e Melo (2019, p. 318) expõe que:
Reconhecida a filiação socioafetiva, o filho sucede em igualdade de condições com os filhos sanguíneos do de cujus. Entre as hipóteses de filiação socioafetivas, aquela que tem merecido reconhecimento de gerar direitos sucessórios é a da denominada adoção a brasileira […].
Sendo assim, a filiação socioafetiva, quando confirmada, produzirá efeitos jurídicos, porque esse ato tem efeito erga ommes, transcendendo os efeitos entre as partes. Além disso, tem efeito ex tunq, voltando a data do nascimento, ou até mesmo a da concepção (MARQUE; SANTANA, 2018).
Por derradeiro, impende registrar a problemática dos efeitos sucessórios do reconhecimento da multiparentalidade. Em regra, as linhas sucessórias são estabelecidas de acordo com os genitores. Com efeito, a multiplicidade de genitores implicará na multiplicidade de heranças. Essa situação ainda não encontra tutela no ordenamento jurídico pátrio, concebido sob o paradigma da biparentalidade.
Em relação aos efeitos jurídicos da multiparentalidade, na VIII Jornada de Direito Civil, foi aprovado o Enunciado no sentido de que o filho terá direito à participação na herança de todos os ascendentes com os quais passará a ter vínculo de filiação. De acordo com o Enunciado 632: “Nos casos de reconhecimento de multiparentalidade paterna ou materna, o filho terá direito à participação na herança de todos os ascendentes reconhecidos” (DANTAS; FRAZÃO E CORREIA, 2018, p.10).
Além disso, o Enunciado nº 33 editado em 2019 pelo Instituto Brasileiro do Direito de Família preceitua que:
O reconhecimento da filiação socioafetiva ou da multiparentalidade gera efeitos jurídicos sucessórios, sendo certo que o filho faz jus às heranças, assim como os genitores, de forma recíproca, bem como dos respectivos ascendentes e parentes, tanto por direito próprio como por representação (IBDFAM, 2019, não paginado)
Nesse sentido, Lôbo (2023, p. 652) explana que:
O filho será herdeiro necessário tanto do pai socioafetivo, como do pai biológico, em igualdade de direitos em relação aos demais herdeiros necessários de cada um; terá duplo direito à herança, levando-o a situação vantajosa em relação aos respectivos irmãos socioafetivos, de um lado, e irmãos biológicos, do outro, mas essa não é razão impediente da aquisição do direito.
Percebe-se, com base nesses entendimentos, que o filho afetivo, que também tem vínculo biológico com outros pais, pode ter mais vantagens patrimoniais em relação ao que só tem a paternidade sanguínea. Esse também é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, que reconheceu a possibilidade do recebimento de herança advinda tanto do pai biológico como do socioafetivo, vejamos:
RECURSO ESPECIAL. DIREITO DE FAMÍLIA. FILIAÇÃO. IGUALDADE ENTRE FILHOS. ART. 227, § 6º, DA CF/1988. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. PATERNIDADE SOCIOAFETIVA. VÍNCULO BIOLÓGICO. COEXISTÊNCIA. DESCOBERTA POSTERIOR. EXAME DE DNA. ANCESTRALIDADE. DIREITOS SUCESSÓRIOS. GARANTIA. REPERCUSSÃO GERAL. STF. [...] 4. O reconhecimento do estado de filiação configura direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, que pode ser exercitado, portanto, sem nenhuma restrição, contra os pais ou seus herdeiros. 5. Diversas responsabilidades, de ordem moral ou patrimonial, são inerentes à paternidade, devendo ser assegurados os direitos hereditários decorrentes da comprovação do estado de filiação. 6. Recurso especial provido (BRASIL, 2017).
Portanto, cabe observar que o princípio da igualdade de filhos, previsto no art. 227 § 6º da Constituição Federal e repetido no art. 1.596 do Código Civil, veda qualquer interpretação que não seja a aceitação da dupla herança, nas situações de pais múltiplos.
Outro ponto que gera bastante repercussão no direito sucessório é a questão do reconhecimento da filiação socioafetiva post mortem.
Nesse sentido, Issa (2020, p. 46) explica que:
A jurisprudência autoriza o reconhecimento de filiação socioafetiva post mortem, com todos os direitos sucessórios advindos desse vínculo. Para tanto, podem ser utilizados quaisquer meios de prova em Direito admitidos, tudo com o intuito de comprovar a afetividade e o estado de posse de filho quando o de cujus era vivo.
Os diversos meios de prova que podem ser utilizados para o reconhecimento da filiação socioafetiva post mortem foram apontados em recente decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, Vejamos:
APELAÇÃO AÇÃO DE RECONHECIMENTO DE PATERNIDADE SOCIOAFETIVA POST MORTEM SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA INCONFORMISMO DA AUTORA ACOLHIMENTO Segundo a jurisprudência do STJ, as regras que comprovam a filiação socioafetiva são: o tratamento do menor como se filho fosse e o conhecimento público dessa condição O histórico escolar revelando as diversas cidades onde a autora estudou, os boletins escolares assinados pelo de cujus, as fotografias que retratam a autora desde sua infância até a fase adulta ao lado do falecido, especialmente a que aparece o de cujus levando a autora ao altar em seu casamento, bem como, o depoimento das testemunhas, comprovam o tratamento da autora como se filha fosse e o conhecimento público dessa condição Aplicação analógica da adoção póstuma, a qual pode ser admitida mesmo que o adotante não tenha dado início ao processo formal para tanto Existente o afeto entre pai e filha manifestado em uma relação de mútuo auxílio, respeito e amparo, é acertado desconsiderar o vínculo meramente sanguíneo, para reconhecer a existência de filiação jurídica - Precedentes da Corte Superior Sentença reformada DERAM PROVIMENTO AO RECURSO (BRASIL, 2020).
Além disso, é importante ressaltar que, conforme dispõe o artigo 1.857 do Código Civil, o estado de filiação pode ser reconhecido via testamento. Admitindo, assim, que o testador possa identificar o filho socioafetivo por disposição de última vontade, e este terá direito à sucessão legítima (MARQUE; SANTANA, 2018).
Assim, tendo em conta a proteção integral da criança ou do adolescente e o princípio da dignidade da pessoa humana, o legislador garantiu-lhes, entre outras coisas, o direito à herança.
6 (IM)POSSIBILIDADE DE DESCONSTITUIÇÃO DA FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA
O reconhecimento de filho é um ato jurídico em sentido estrito, de modo que seus efeitos decorrem da lei. De acordo com os artigos 1.609 e 1.610, ambos do Código Civil, o ato jurídico de reconhecimento de filhos é irrevogável, mesmo que seja declarada em testamento. Vejamos o teor dos referidos artigos:
Art. 1.609. O reconhecimento dos filhos havidos fora do casamento é irrevogável [...].
Art. 1.610. O reconhecimento não pode ser revogado, nem mesmo quando feito em testamento (BRASIL, 2002).
Lôbo (2023, p.697) trata sobre a irrevogabilidade do reconhecimento do filho, vejamos:
A irrevogabilidade é corolário do reconhecimento do filho, havido fora do casamento. O reconhecimento, depois de realizado, passa a integrar o âmbito de tutela jurídica do perfilhado, convertendo-se em inviolável direito subjetivo deste. O reconhecimento certifica o estado de filiação e, como tal, é indisponível. Extingue-se com sua exteriorização. O interesse protegido é o do perfilhado, sendo inadmissível o arrependimento posterior de quem reconhece.
Embora a filiação socioafetiva não esteja expressa em lei, é considerada como um tipo de filiação, pelo que se conclui que também é irrevogável, tal como a filiação biológica comumente mencionada pelo legislador.
Diante disto, de acordo com Nogueira (2017, p. 61) a revogação da filiação socioafetiva geraria diversos danos, quais sejam: “patrimoniais, pois atingiria o direito a alimentos e herança do filho, também seriam de personalidade, pessoais e psicológicos, pois gerariam um drástico rompimento afetivo, construído ao longo do tempo e da convivência familiar”.
Uma das justificativas que impedem a revogação da filiação afetiva é o fato de o filho não ser descartável. E que ser pai e mãe é uma função social que se baseia na afetividade e não é aceitável que um pai simplesmente abandone esse sentimento só porque não quer mais assumir a paternidade do filho e seus efeitos jurídicos (MONTEIRO; SILVA, 2009).
Nesse sentido, foi aprovado na IV Jornada de Direito Civil, o Enunciado 339 contendo o seguinte teor: “A paternidade socioafetiva, calcada na vontade livre, não pode ser rompida em detrimento do melhor interesse do filho” (CFJ, 2016).
Vale destacar também o Provimento n. 63/2017 do CNJ, que trabalha a questão da socioafetividade e o reconhecimento voluntário do filho. Esse provimento, ocorreu em novembro de 2017, e estabelece a possibilidade de reconhecimento voluntário tanto da paternidade quanto da maternidade, sendo irrevogável, contudo, podendo ser desconstituído judicialmente nas hipóteses de vício de vontade, fraude ou simulação, por exemplo (CNJ, 2017).
A vedação da anulação do reconhecimento consciente e espontâneo por parte do pai é defendida pela doutrinadora Maria Berenice, uma vez que isso retiraria da criança os laços que foram construídos e que constroem sua personalidade e identidade, pela simples vontade e interesses puramente econômicos do pai (DIAS, 2016).
Vale ressaltar que apesar de viger a irrevogabilidade do reconhecimento da filiação socioafetiva, há exceções quando houver algum tipo de vício de consentimento, como por exemplo, o erro, o dolo, a coação, a simulação ou a fraude (WELTER, 2003).
A revogação da filiação é permitida legalmente pelo art. 1604 do Código Civil que cita o seguinte: “Ninguém pode vindicar estado contrário ao que resulta do registro de nascimento, salvo provando-se erro ou falsidade do registro” (BRASIL, 2002).
Tal disposição baseia-se também na teoria dos fatos jurídicos, que admite a anulação das ações e negócios jurídicos eivadas de vícios jurídicos, quando for viável a renúncia ao registro socioafetivo, pois o reconhecimento da filiação socioafetiva é considerado um ato jurídico (NOGUEIRA, 2017).
Observa-se, pois, que é possível a revogação da filiação socioafetiva de forma excepcionalíssima. Todavia, para que isso ocorra, o interesse da criança deve vir em primeiro lugar, devendo o juiz decidir o que for melhor para a criança.
O presente estudo, norteou-se a partir de um objetivo geral, que foi o de demonstrar os efeitos pessoais e materiais resultantes do reconhecimento da filiação socioafetiva, de acordo com a Constituição Federal de 1988.
A realização deste estudo foi norteada por objetivos específicos que definiram um percurso metodológico adequado para investigar aspectos específicos e estratégicos do estudo. Para tanto, foram destacados os princípios orientadores do direito de família, a multiparentalidade e os direitos sucessórios decorrentes do reconhecimento da filiação socioafetiva.
É verdade que o cerne da família já se limitou às relações consanguíneas, onde somente eram considerados filhos aqueles de vínculo biológico com seus pais.
Todavia, a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988 surgiram várias inovações que mudaram significativamente o Direito de família deixando de lado o velho modelo padronizado de família formado somente pela linhagem biológica, dando espaço a outros modelos como as famílias socioafetivas. Além disso, trouxe princípios que são essenciais para essa área do direito, como por exemplo os princípios da afetividade e da dignidade da pessoa humana.
Neste cenário, a afetividade se apresenta como fonte orientadora para as famílias contemporâneas, em que laços de carinho, afeto e solidariedade são mais importantes do que as relações puramente biológicas.
A paternidade e a maternidade já não são mais mero sinônimos de laços de sangue, a figura do pai ou da mãe não pode mais ser caracterizada apenas pelo status biológico, já que também pode ser reconhecida pelo vínculo afetivo.
É dessa situação que surge a necessidade de se estudar os diversos direitos pessoais e patrimoniais devidos aos filhos socioafetivos, por meio da hermenêutica jurídica e de uma interpretação ampla, levando em consideração que os filhos socioafetivos, são detentores dos mesmos direitos que os filhos biológicos, sendo vedada qualquer tratamento desigual.
A lei prevê três tipos de presunções de filiação: a legal, a biológica, e, por fim, a socioafetiva. Essa última permite que laços parentais sejam reconhecidos pelo direito, independentemente de vínculo genético com o pai, baseados na situação de fato. Ainda, segundo o ordenamento jurídico, há a possibilidade de coexistência de dois vínculos paternos, igualmente importantes para o filho, como um pai biológico e outro afetivo, sempre em observância ao princípio do melhor interesse da criança.
A tutela dessas relações permite que o menor possa garantir seus direitos fundamentais familiares, independentemente da sorte dos vínculos amorosos dos adultos. Quer dizer, admitir o reconhecimento jurídico de “mais de um pai” ou de “mais de uma mãe” garante que a criança preserve seus vínculos parentais, mesmo em caso de rompimento da convivência, protegendo o menor da desassistência existencial e material.
Diante disto, reconhecida a filiação socioafetiva, o filho afetivo terá o direito ao nome, à multiparentalidade, à convivência familiar, de ser chamado à ordem sucessória, mesmo quando reconhecido múltiplos pais, bem como, terá garantido o direito à irrevogabilidade da filiação socioafetiva, tal como a filiação biológica comumente mencionada pelo legislador.
Assim sendo, a estrutura familiar meramente baseada em laços sanguíneos é atenuada diante do progressivo reconhecimento do afeto, ficando claro que os grupos familiares não são formados somente pela consanguinidade, mas também pela afetividade.
Diante do exposto, pode-se concluir através deste estudo que, ao ser reconhecida a filiação socioafetiva, esta gerará efeitos no mundo jurídico e que apesar dos esforços das instâncias superiores do judiciário brasileiro e dos regulamentos do CNJ, a mesma fica à mercê de interpretações casuísticas, visto que, até o presente momento, não há uma lei específica que protege esse modelo de filiação. Razão pela qual, sugere-se a criação de uma norma legal que vá regulamentar todos os entornos mais relevantes da filiação socioafetiva.
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[1] Especialista. Professor da Faculdade de Ciências Jurídicas de Paraíso do Tocantins (FCJP). E-mail: [email protected]
Graduanda do Curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas de Paraíso do Tocantins (FCJP).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MENEZES, Giovanna Noleto Damaso. A socioafetividade na filiação: o reconhecimento jurídico do afeto Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 01 maio 2023, 04:14. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/61365/a-socioafetividade-na-filiao-o-reconhecimento-jurdico-do-afeto. Acesso em: 24 nov 2024.
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