JOSÉ AUGUSTO BEZERRA LOPES[1]
(orientador).
RESUMO: O crime de lavagem de dinheiro é entendido como a conduta do criminoso de ocultar ou dissimular o produto do crime. Tal crime tem como base normativa a Lei nº 9.613/98 sendo parcialmente alterada pela atual Lei nº 12.683/12. Diante disso, o presente estudo teve como objetivo discorrer a respeito da efetividade da delação premiada no combate ao crime de lavagem de dinheiro. Buscou-se com esse tema, estabelecer o impacto que a delação premiada pode ocasionar na identificação e desenvolvimento do presente crime. Na metodologia, tratou-se de uma revisão da literatura. A coleta de dados se deu na busca em banco de dados, tais como Google Acadêmico, Scielo, dentre outros; durante os meses de fevereiro e março de 2023. Nos resultados, ficou entendido que após a edição da Lei nº 12.683/2012, observou-se uma reformulação da delação premiada no delito de lavagem de dinheiro, pois notadamente a premiação passou a ser estipulada como uma possibilidade a ser determinada segundo a discricionariedade do juiz, e não com a certeza da aplicabilidade de algum benefício ao colaborador. Notadamente, tal modificação dá maior força ao acordo com o delator, de tal maneira que acaba sendo exigida melhor eficiência da delação.
Palavras-chave: Lavagem de dinheiro. Crime. Delação Premiada. Efeitos.
THE USE OF AWARDED DENUNCIATION IN THE CRIME OF MONEY LAUNDERING
ABSTRACT: The crime of money laundering is understood as the criminal's conduct of hiding or disguising the proceeds of crime. This crime is based on Law nº 9.613/98, being partially amended by the current Law nº 12.683/12. Therefore, the present study aimed to discuss the effectiveness of the plea bargain in the fight against the crime of money laundering. With this theme, we sought to establish the impact that the plea bargain can cause in the identification and development of the present crime. In terms of methodology, it was a literature review. Data collection took place in the search in databases, such as Google Scholar, Scielo, among others; during the month of February and March 2023. In the results, it was understood that after the enactment of Law nº 12.683/2012, there was a reformulation of the plea bargain in the crime of money laundering, since notably the award came to be stipulated as a possibility to be determined at the discretion of the judge, and not with the certainty of the applicability of any benefit to the employee. Notably, such modification gives greater strength to the agreement with the whistleblower, in such a way that a better efficiency of the whistleblower is required.
Keywords: Money laundry. Crime. Awarded Delation. Effects.
Sumário: 1. Introdução. 2. O Crime de Lavagem de Dinheiro: Aspectos Gerais. 2.1 Legislação Brasileira frente ao crime de Lavagem de Dinheiro. 2.2 O crime de Lavagem de Dinheiro na Pandemia. 3. Do instituto da Delação Premiada. 4. A aplicação da Delação Premiada nos crimes de Lavagem de Dinheiro. 5. Considerações Finais. 6. Referências Bibliográficas.
1. INTRODUÇÃO
O crime de lavagem de dinheiro sempre foi um tema bastante debatido no Brasil, principalmente nos últimos anos, em que várias situações demandaram a atenção especial do Estado e da sociedade nesse assunto. No entanto, há poucos dados probabilísticos que mostrem o real quadro sobre a quantificação dessa prática (FARIAS, 2018).
Esse tipo de crime pode ser entendido de modo geral como o processo de mutação do “dinheiro sujo” (produto criminoso) em “dinheiro limpo” (aparentemente regular). Trata-se, em verdade, da manobra delitiva de introdução no sistema econômico e financeiro oficial dos produtos auferidos através de práticas criminosas (Badaró; Bottini, 2016).
Como forma de combater esse crime, tem surgido na doutrina, na jurisprudência e na própria legislação, o instituto da delação premiada. Como bem defende Silva; Silva; Braga (2019) a delação premiada representa um importante recurso para combater tal problemática, que apesar de ser detentora de críticas, possibilita um processo de colaboração entre o infrator e o Estado, capaz de facilitar o desenvolvimento de medidas investigativas aptas a promover a compreensão do processo de lavagem de dinheiro e, bem como, sua repressão.
De todo modo, por causar grande impacto na economia da sociedade e do Estado, o crime de lavagem de dinheiro deve ser amplamente estudado, motivo pelo qual se escolheu essa temática para discorrer neste estudo. Assim, por ser um tema bastante atual e que ainda merece atenção, vide o fato dos prejuízos causados aos entes federativos, a presente pesquisa buscou discorrer a respeito do crime de lavagem de dinheiro e todos os seus elementos constitutivos.
Com o objetivo estabelecido, tenciona nesse estudo responder a seguinte questão norteadora: de que forma o instituto da delação premiada pode auxiliar na investigação e prevenção do crime de lavagem de dinheiro?
Diante disso, é de extrema importância a discussão dessa temática, uma vez que a prática de lavagem de dinheiro pode acarretar inúmeros prejuízos à sociedade e ao próprio Estado.
No que tange a metodologia utilizada, esse trabalho é uma revisão de literatura, onde “esse tipo de artigo caracteriza-se por avaliações críticas de materiais que já foram publicados, considerando o progresso das pesquisas na temática abordada” (KOLLER et al, 2014, p. 40), pois trata-se de avaliações críticas sobre o uso de delação premiada nos crimes de lavagem de dinheiro.
Tratando-se de um artigo de revisão de literatura, a coleta de dados realizou-se no período entre os meses de fevereiro e março de 2023, mediante análise de documentos por meio de pesquisa doutrinária e artigos já publicados sobre o tema.
2. O CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO: ASPECTOS GERAIS
A alta criminalidade tem assustado os brasileiros diuturnamente, os quais sentem-se inseguros de saírem nas ruas e serem vitimados pela violência e até mesmo de confiarem em pessoas acusadas de cometerem o delito de lavagem de dinheiro, quase que diariamente mencionado nos noticiários nacionais.
Normalmente, a lavagem de dinheiro é constatada juntamente com delitos de corrupção, cometidos por organizações criminosas que necessitam justificar a origem de sua arrecadação financeira, sendo quase que uma consequência daquele.
Historicamente, o termo "lavagem de dinheiro" surgiu nos Estados Unidos, na década de 1920, em referência à aquisição de lavanderias por mafiosos para ocultar o produto de seus crimes (MORO, 2010).
Num conceito mais específico, Veiga (2017, p. 03) explica que o crime de lavagem de dinheiro é exercido com a finalidade de “criar obstáculo para que uma específica quantia conseguida de forma ilegal seja rastreada, identificada. Ao contrário, a lavagem do dinheiro propicia dar uma “aparência” legal ao mesmo, associando-o a atividades lícitas”.
Buscando trazer conceitos mais abrangentes sobre esse crime, expõe-se abaixo as definições estabelecidas pelas entidades mundiais envolvidas no combate à corrupção; a saber:
Para a International Police Organization (Interpol), lavagem de dinheiro é “qualquer ato ou tentativa de ocultar ou mascarar a obtenção ilícita, de forma que aparente ter sido originado de fontes legítimas”. Já para o Fundo Monetário Internacional (FMI), a lavagem de dinheiro representa “o processo pelo qual a fonte ilícita de bens obtidos ou gerados pela atividade criminal é ocultada para mascarar a conexão entre os capitais e o delito original” (CALLEGARI ; WEBER, 2014, p. 08).
A atual legislação pertinente ao crime em análise - Lei nº 12.683/12 traz o seu conceito, entendida como a ocultação ou dissimulação a “natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal” (BRASIL, 2012).
Uma das grandes questões relacionadas a esse crime está no fato de que ele é desde sempre acompanhado de outros crimes maiores, no sentido de encobri-los. É exercido na sua maioria por grupos de criminalidade organizada.
Ao discorrer sobre essa questão, Silva (2017) explica que a criminalidade organizada possui um enorme poder de corrupção, sendo extremamente organizada, possuindo uma estrutura piramidal formada por cadeias específicas de comando e a própria necessidade de “legalizar” os lucros obtidos com o crime (lavagem de dinheiro).
Vários são os crimes que se adequam à criminalidade organizada, dentre os quais se destacam o tráfico de entorpecentes, armas, órgãos, seres humanos, material nuclear, pedras preciosas e antiguidades; fraudes bancárias e em negócios públicos; homicídios; roubos e extorsões, dentre outros.
Mendroni (2018) afirma que no geral, esses grupos criminosos possuem como característica principal a ligação familiar (como as famílias mafiosas), étnico ou instrumental (hierárquico, por exemplo); na frequência de contatos e em determinadas áreas geográficas.
O fato é que a lavagem de dinheiro é um meio que esses grupos encontraram de encobrir crimes ainda maiores, como os destacados anteriormente. É uma prática bastante usual, uma vez que pouco chama a atenção inicialmente e de difícil identificação. Na atualidade, esses grupos tem se valido dos avanços tecnológicos e digitais (como as redes sociais, por exemplo) para praticarem esse crime.
No Brasil, a responsabilidade de identificar e monitorar possíveis operações suspeitas de lavagem de dinheiro é do Conselho de Controle de Atividades Financeiras – COAF, órgão ligado ao Ministério da Fazenda (BRASIL, 1998).
Tal crime possui três fases: colocação, camadas e integração. A primeira é a mudança dos fundos do crime para o local do investimento, a segunda são várias operações para disfarçar a trilha e impedir o crescimento da investigação e a última é a que torna o dinheiro disponível para o criminoso (VIRDI, 2013). Na classificação de Serra (2021) ela é apresentada da seguinte forma:
QUADRO 1 - Fases do crime de lavagem de dinheiro
FASE |
DESCRIÇÃO |
1 - Colocação ou ocultação |
O objetivo é ocultar os valores obtidos de forma ilícita. |
2 - Estratificação ou escurecimento |
Com os valores já colocados no mercado, surge a necessidade de apagar qualquer rastro de ilegalidade. É preciso que haja uma aparência de licitude do capital, sendo a fase de dissimulação. A origem ilícita é disfarçada, a fim de destruir qualquer marca que leve à reconstrução da trilha criminosa |
3 - Integração |
Momento onde os valores já estão inseridos e não demostram mais quaisquer ligações com as condutas criminosas anteriores. Com a formalidade do dinheiro, é possível a realização de saques para investimentos legítimos. Qualquer movimentação financeira que justifique o capital de forma lícita é feita, com o objetivo de dar total aspecto legal aos valores. |
Fonte: Serra (2021)
A par dessas fases, o crime de lavagem de dinheiro traz uma série de efeitos danosos para o Estado e também para a sociedade. A respeito desse fato, Menezes (2020) informa que só no ano de 2017 no Brasil, quadrilhas que praticaram delitos financeiros causaram R$ 69,5 bilhões em danos. Em escala global, os danos causados pela lavagem de dinheiro chegaram ao patamar de prejuízo na casa dos US$ 2,6 trilhões, equivalente a 5% do Produto Interno Bruto do mundo inteiro.
Mas os prejuízos não são encontrados apenas na esfera econômica. Segundo lembra Ortega (2018) o crime de lavagem de dinheiro causa para a sociedade uma série de danos, como por exemplo, o aumento do desemprego, exorbitantes prejuízos financeiros para empresários e investidores, queda dos índices de desenvolvimento humano, aumento da corrupção, insegurança pública e principalmente a diminuição da arrecadação de impostos e de investimentos em educação e saúde.
No intuito de coibir a sua prática, o direito brasileiro tem disposto de leis específicas que criminalizam essa conduta, conforme exposto no tópico seguinte.
2.1 LEGISLAÇÃO BRASILEIRA FRENTE AO CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO
A norma brasileira que trata especificamente sobre o crime de lavagem de dinheiro no Brasil é a Lei nº 12.683 de 2012. Conforme expõe essa norma supracitada, atribui-se às pessoas físicas e jurídicas de diversos setores econômico-financeiros maior responsabilidade na identificação de clientes e manutenção de registros de todas as operações e na comunicação de operações suspeitas, sujeitando-as ainda às penalidades administrativas pelo descumprimento das obrigações. Isso se deu devido ao aumento da prática de crime de lavagem de dinheiro (BRASIL, 2012).
Apesar dos avanços trazidos pela norma atual sobre esse tema, há ainda uma discussão sobre a alteração do texto da lei, no sentido de retirar a autonomia do crime de lavagem de dinheiro, ou seja, caso a lavagem volte a depender de um crime antecedente. Esse tema foi motivo de debate ocorrido em 2020 por integrantes de associações de juízes e de membros do Ministério Público.
Ambos atores se manifestaram no sentido de que caso haja essa mudança na lei, poderia haver retrocessos. O representante da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), Vitor Cunha, destacou a dificuldade de punição caso seja retirada a autonomia do crime de lavagem de dinheiro, ou seja, caso a lavagem volte a depender de um crime antecedente (CUNHA, 2020). Para o diretor de Assuntos Legislativos da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Danniel Bomfim, a atual legislação tem se mostrado eficaz no combate ao crime organizado. Para ele seria um retrocesso retirar o caráter de crime autônomo que a lavagem possui, uma vez que, “essa restrição do rol de crimes antecedentes é prejudicial, seria a vinculação do crime principal à do crime parasitário e redução do espectro do crime de lavagem” (BOMFIM, 2020 apud CUNHA, 2020, p. 01).
O desembargador Nino Oliveira Toldo, da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), entende que as penas por lavagem de dinheiro não devem ser atreladas ao crime antecedente. Em seu discurso afirma:
A ideia de proporcionalidade de penas entre crimes antecedentes e crime de lavagem: isso não pode ser acolhido, sob pena de se esvaziar a proteção ao bem jurídico tutelado por meio da lavagem de capitais. Afinal, há inúmeros crimes antecedentes que, pelo nosso confuso sistema de leis penais, têm penas muito baixas, como, por exemplo, o descaminho (TOLDO, 2020 apud CUNHA, 2020, p. 01).
Por outro lado, o representante do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), Márcio Barandier entende que é impossível pensar no crime de lavagem de dinheiro sem o crime que o antecedeu. Na sua visão, o crime de lavagem de dinheiro “pressupõe um ilícito penal anterior. Há uma dependência intrínseca. É inconcebível, a nosso ver, a caracterização de um delito sem um de seus elementares” (BARANDIER, 2020 apud CUNHA, 2020, p. 01).
O Superior Tribunal de Justiça se posicionou sobre essa questão promulgado em sua Jurisprudência em Tese (Edição 166/2021) que é desnecessário que o autor do crime de lavagem de dinheiro tenha sido autor ou partícipe da infração penal antecedente, basta que tenha ciência da origem ilícita dos bens, direitos e valores e concorra para sua ocultação ou dissimulação.
Na mesma edição da Jurisprudência em Tese do STJ, afirma-se que nos crimes em destaque, a denúncia é apta quando apresentar justa causa duplicada, indicando lastro probatório mínimo em relação ao crime de lavagem de dinheiro e à infração penal antecedente.
2.2 O CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO NA PANDEMIA
A Covid-19 é uma infecção respiratória aguda surgida através do coronavírus SARS-CoV-2. Contém alta taxa de transmissão entre humanos e é uma doença de nível grave. O seu surgimento se deu na cidade Wuhan, província de Hubei, na China, em dezembro de 2019, onde fora encontrado em amostras de lavado bronco alveolar conseguidas de pacientes com pneumonia. Pertence ao subgênero Sarbecovírus da família Coronaviridae (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2021).
Tendo se tornado uma pandemia, a expansão da Covid-19 trouxe como efeito o aumento da prática de diversos crimes, dentre os quais o de lavagem de dinheiro. Em pesquisas recentes mostrou que durante a pandemia a lavagem de dinheiro foi um dos crimes capitais mais detectados pelos órgãos de fiscalização.
De acordo com Borges (2020) o cenário da pandemia ocorrida em decorrência da expansão da Covid-19 trouxe novos desafios na prevenção aos crimes de lavagem de dinheiro. Num cenário alarmante e com uma crise sem precedentes, órgãos reguladores, fiscalizadores, organizações que usam pagamentos eletrônicos e instituições financeiras precisam estar atentos às mudanças do comportamento criminoso.
Como bem cita Bottini (2020) o isolamento social verberou que compras, pagamentos e transferências sejam virtuais, com o manejo de senhas, códigos e links com os quais grande parte da população brasileira possui pouca familiaridade. A insegurança e o desconhecimento destes mecanismos de aquisição e transferência virtual de bens nos tornam vítimas em potencial para os mais variados golpes, como páginas falsas de bancos e de lojas na internet, muitas com anúncios de promoções imperdíveis, acesso a crédito fácil ou ofertas de bens de primeira necessidade a um toque ou clique de distância.
Esse ambiente virtual também facilita a lavagem de dinheiro. Os valores desviados são convertidos em ativos digitais, e por rápidas transações em diversas plataformas e países, esses recursos são eficazmente dissimulados, tornando difícil seu rastreamento pelos meios tradicionais (BOTTINI, 2020).
A título de exemplo, segundo dados expostos pela Federação Brasileira de Bancos (Febraban) a ocorrência de operações suspeitas de lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo subiu 40% no Brasil em 2020. Esse aumento, acredita-se é motivado pelas crescentes tentativas de fraudes bancárias e aos desvios de recursos relacionados à pandemia de covid-19 (SIDNEY, 2020).
O setor bancário, no decorrer do ano de 2020, auge da crise financeira na pandemia, chegou a emitir cerca de 165 mil comunicações de operações suspeitas de lavagem de dinheiro a órgãos de fiscalização, como o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF). Também foram emitidas 3,2 milhões de comunicações sobre operações financeiras que movimentaram R$ 50 mil ou mais por meio de dinheiro em espécie (SIDNEY, 2020).
Na batalha para que esses crimes não sejam ainda mais praticados num momento tão vulnerável quanto uma pandemia, as instituições financeiras e organizações tem realizado medidas de prevenção e combate a esses crimes. Nesse sentido:
A pandemia de COVID-19 apresenta uma oportunidade para os criminosos cometerem quantidades extraordinárias de crimes financeiros e, naturalmente, um risco elevado de lavagem de dinheiro. As instituições financeiras devem adaptar suas políticas e suas respostas às mudanças no comportamento do consumidor devido à COVID-19. As instituições financeiras enfrentarão maiores obstáculos em sua eficiência operacional, para identificar e rastrear atividades ilícitas quando a pandemia diminuir, se falharem nisso. Felizmente, parece haver um reconhecimento com relação às iniciativas de compliance para crimes financeiros, podendo fornecer benefícios mais amplos ao negócio (SÁNCHEZ, 2021, p. 01).
Bronzatto (2021) alerta que os impactos da pandemia e o novo ambiente de riscos de crimes financeiros não podem ser negligenciados. É preciso considerar todos os eventos de riscos da empresa a sua efetividade no Programa de Prevenção de Crimes de Lavagem de Dinheiro, desde o on-bording dos clientes até o monitoramento, a diligência e o reporte das transações suspeitas.
No período de pandemia as organizações criminosas têm utilizado empresas fragilizadas com a crise e o sistema bancário para movimentar dinheiro sujo. Boa parte desse esquema tem sido arquitetada por cartéis de drogas que têm escolhido empresas de setores como construção civil, limpeza industrial e transporte de mercadorias para repassar o dinheiro arrecadado com o tráfico (BRONZATTO, 2021).
Diante desse cenário, é mais do que urgente que se reforce a fiscalização de empresas fortemente afetadas pela crise e que, no entanto, geram fluxos financeiros significativos sem poder justificá-los do ponto de vista econômico.
Em que pese essas discussões, o fato é que o crime de lavagem de dinheiro, conforme já aludido nesse estudo traz prejuízos significativos aos cofres públicos e à sociedade, ao qual o Poder Público não pode se ausentar. Para isso, é preciso implementar medidas que sejam capazes de sanar a sua prática, ou pelo menos evitar que elas ocorram. Dentre as existentes, encontra-se a delação premiada, que será analisada a seguir.
3. DO INSTITUTO DA DELAÇÃO PREMIADA
Atualmente com a alcunha de delação premiada, esta iniciou a sua entrada em solo legislativo pátrio por meio da Lei nº 8.072/90 (Lei de Crimes Hediondos). Brito (2016) ao conceituar esse instituto afirma que é o mecanismo pelo qual o investigado ou réu em um processo penal recebe um benefício em troca de sua colaboração com o Estado para evitar a prática de novos crimes, produzir provas sobre crimes já ocorridos ou identificar coautores desses crimes.
Apesar de já ter previsão legal, existiam muitas críticas a respeito da proteção ao delator. Nesse sentido, a legislação brasileira resolveu a questão ao criar a Lei nº 9.807/99, ao qual permitiu a aplicação irrestrita da delação premiada a qualquer delito e previu ainda a possibilidade de perdão judicial e consequente extinção da punibilidade do réu delator (BRITO, 2016).
No entanto, a lei que melhor enquadra o instituto aqui analisado é a Lei nº 12.850/13 que trata principalmente da organização criminosa. No quesito de meios de prova, encontra-se a delação premiada. Cabe mencionar que nesta lei, utilizou-se o termo colaboração premiada. Por ser mais utilizado entre os profissionais do Direito, nesse estudo utiliza-se o termo delação premiada, uma vez que ambas nomenclaturas possuem o mesmo significado.
Teixeira (2016) explica, contudo, que delação premiada e colaboração à Justiça não são sinônimos. Segundo essa autora, no momento em que o delator confessa a sua participação na prática delituosa ele está exercendo a delação premiada. Em caso, onde o acusado assuma a culpa pelo delito, mas não incrimina ninguém, ele é mero colaborador.
Continuando, a supracitada norma é a que melhor apresenta os aspectos da delação premiada ao trazer os seus procedimentos e limitações, além das inovações. Como exemplo, é possível ao Ministério Público deixar de oferecer a denúncia se o delator não fosse o líder da organização criminosa e fosse o primeiro a colaborar efetivamente (art.4º, §4º da lei 12.850/13).
Para Távora; Alencar (2013) ao falar de delação premiada nos crimes atrelados à organização criminosa a Lei nº 12.850/13 é a que melhor se enquadra no que se refere à delação premiada por possibilitar melhores prêmios aos réus. Insta salientar que a delação premiada não é prova, mas sim, um meio de prova, como bem expressa a presente norma no seu art. 3º, inciso I.
Também é preciso destacar os prêmios destinados ao delator. In casu, para que esses prêmios sejam aplicados é preciso que o delator atinja as pretensões solicitadas. Ou seja, é preciso que identifique os demais coautores e partícipes da organização criminosa e os crimes por eles praticados. Também é preciso que o delator tenha sido de fato pertencente ao grupo criminoso (BRASIL, 2013).
Outro ponto a destacar é que independentemente dos resultados alcançados com a delação premiada, que deve ser efetiva, o juiz deverá analisar alguns fatores quando da concessão dos benefícios, tais como a personalidade do delator, a natureza, a gravidade e a repercussão social do fato criminoso e a eficácia da colaboração (Art. 4º, §1º da Lei nº 12.850/13).
No que concerne aos documentos e seus sigilos, a lei exige que o termo do acordo seja feito por escrito. No mais, o pedido de homologação da delação será distribuído sigilosamente, contendo tão somente informações que não identifiquem nem o delator e nem o seu objeto (BRITO, 2016).
A delação premiada deixa de ser sigilosa assim que for recebida a denúncia penal. A voluntariedade da delação é exigida pelo ordenamento jurídico brasileiro. Ainda que exista esta imposição legal, há a possibilidade de ela ser realizada enquanto o colaborador esteja preso preventivamente (FILHO, 2019).
Ademais, existe a possibilidade de o réu realizar a retratação do acordo que fez. A partir da lei 12.850/13, percebe-se que ambas as partes podem retratar, não se exigindo nenhuma finalidade específica para isso, nem análise por parte do magistrado. Este ato poderá advir tão somente da vontade ou do Ministério Público ou do imputado (FILHO, 2019).
4. APLICAÇÃO DA DELAÇÃO PREMIADA NOS CRIMES DE LAVAGEM DE DINHEIRO
Conforme mostrado anteriormente o crime de lavagem de dinheiro traz prejuízos de toda ordem para o Estado, para as empresas públicas e privadas e para a sociedade. É uma cadeia de danos que afetam a todos, vide o fato que se está se falando de dinheiro, objeto mais valioso no mundo. Desta feita, a delação premiada tem sido discutida como melhor forma de auxiliar aos investigadores e magistrados à melhor encontrarem o caminho percorrido pelo dinheiro lavado.
Crimes de origem econômica, assim como de outras naturezas, são complexos e demandam provas que nem sempre o Ministério Público dispõe. Para isso, a delação premiada se torna um importante instrumento para entender, por exemplo, a dinâmica de uma organização criminosa. Nesse sentido, a delação premiada é um valioso meio de prova que auxilia de sobremaneira os investigadores. Importante mencionar, que a delação por si só não é capaz de respaldar uma condenação (BRASIL, 2013).
Nos crimes de lavagem de dinheiro é muito comum a destruição de provas, ameaças a testemunhas, uma vez que o objetivo do crime em análise é justamente ocultar outros delitos, como os de corrupção. Por conta disso, a delação premiada é um importante meio de prova, porque o delator, no objetivo de ganhar os prêmios disponíveis pela norma, irá colaborar efetivamente nos detalhes que não poderiam ser conseguidos de outro modo (TEIXEIRA, 2019).
Corroborando com o exposto, cabe destacar:
A delação premiada é um instrumento de efetividade. A delação permite desvendamento de crimes, sobretudo do colarinho branco, que são praticados em portas fechadas, de modo dissimulado, de forma não violenta, mas igualmente insidiosa. A prova é muito difícil, é muito difícil encontrar vestígios dos crimes de colarinho branco, vestígios de corrupção (DODGE, 2018 apud PERALTA, 2018, p. 12).
A delação premiada ligada ao crime de lavagem de dinheiro é plenamente possível. Isso se dá pelo texto do art. 1º, § 5 da Lei nº 12.683/12 que prevê:
Art. 1º (...)
§ 5º A pena poderá ser reduzida de um a dois terços e ser cumprida em regime aberto ou semiaberto, facultando-se ao juiz deixar de aplicá-la ou substituí-la, a qualquer tempo, por pena restritiva de direitos, se o autor, coautor ou partícipe colaborar espontaneamente com as autoridades, prestando esclarecimentos que conduzam à apuração das infrações penais, à identificação dos autores, coautores e partícipes, ou à localização dos bens, direitos ou valores objeto do crime.
(BRASIL, 2012)
Sobre essa possibilidade jurídica, o jurista Taveira (2015, p. 01) assevera que esse novo texto, o momento de formação da convicção do magistrado foi ampliado, podendo “prolatar o benefício a qualquer tempo, inclusive após o julgamento. [...] foi inserida mais uma possibilidade de se colaborar espontaneamente, identificando-se os autores, coautores e partícipes do delito”.
Com base nisso, o delator terá como benefícios, os encontrados no § 5º do art. 1º da Lei nº 9.613/1998 e a norma atual da organização criminosa, a redução da pena de um a dois terços (podendo ser cumprida em regime aberto ou semiaberto), substituição por restritiva de direitos, e ainda faculta ao magistrado deixar de aplicar qualquer sansão (perdão judicial).
Fonseca et al. (2015) esclarece que a legislação específica da lavagem de dinheiro não faz menção à exigência a respeito da revelação da estrutura hierárquica e a divisão de tarefas entre os envolvidos com a prática do delito, muito menos se atém a requerer informações que possa levar à prevenção de outros delitos dessa natureza. Ademais, essa lei não faz referência a qualquer forma de avaliação sobre a personalidade do colaborador, como também das circunstâncias, da eficácia ou da repercussão social do fato criminoso; logo, constata-se que o instituto da colaboração premiada é tratado de forma bem mais madura pela Lei nº 12.850/2013.
O mestre Luiz Flávio Gomes, contudo, menciona a necessidade de se analisar a delação em casos de lavagem de dinheiro de forma cautelosa:
Há uma série de cuidados e providências que devem cercar a delação, porque ela pode dar ensejo a abusos ou incriminações gratuitas ou infundadas. Urgentemente necessitamos de uma regulamentação que cuide da veracidade das informações prestadas, da exigência de checagem minuciosa dessa veracidade, da eficácia prática da delação, segurança e proteção para o delator e, eventualmente, sua família, possibilidade da delação inclusive após a sentença de primeiro grau, aliás, até mesmo após o trânsito em julgado, prêmios proporcionais, envolvimento do Ministério Público e da Magistratura, transformação do instituto da delação em espécie de acordo criminal (plea bargaining) etc. (GOMES, 2014, p. 01).
Importante mencionar que a delação premiada nesses casos, embora não seja suficiente, por si só, para ensejar o início da persecução penal do fato nela narrado, não impede que a autoridade policial ou o Ministério Público realizem as diligências complementares ou encontrem no conjunto dos outros fatos já em apuração elementos capazes de confirmar a plausibilidade e verossimilhança das informações nela constantes (GOMES, 2014).
Apesar de prevista na legislação brasileira e de trazer benefícios ao delator e celeridade processual, a delação premiada nos casos de lavagem de dinheiro também sofre resistências doutrinárias. Parte desse grupo, entende que esse instituto fere os preceitos éticos e jurídicos. Na visão do campo ético, Yarochewsky (2012) argumenta que ao dispor dessa medida, o Estado estaria incentivando as práticas de traição e deslealdade. Com isso, acaba por promover um sentimento egoístico onde o delator é estimulado a delatar os demais envolvidos para conseguir algum benefício processual.
No viés jurídico, a delação premiada, na visão de alguns, é o atestado nítido da incompetência estatal para levar a frente as investigações sobre o delito referido. Além disso, alegam que há uma flexibilização das garantias processuais, como a ampla defesa e o contraditório (Yarochewsky, 2012).
A respeito desse último ponto, a própria jurisprudência brasileira tem entendido que os princípios da ampla defesa e do contraditório só podem ser desrespeitados quando há algum prejuízo ao réu devido à delação premiada. Caso contrário, não há de se falar em prejuízo ou desrespeito a esses princípios. A título de exemplo, mostra-se:
HABEAS CORPUS. QUADRILHA, CORRUPÇÃO ATIVA, PASSIVA E LAVAGEM DE DINHEIRO. DECISÃO QUE INDEFERIU PEDIDO DE NULIDADE POR VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. NOVOS DOCUMENTOS DE DELAÇÃO PREMIADA JUNTADOS. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO CONFIGURADO. PREJUÍZO NÃO DEMONSTRADO. ORDEM DENEGADA. 1. Se a defesa não apontou concretamente o prejuízo, sendo que não há como saber exatamente qual parte do conteúdo juntado após a decisão do Supremo Tribunal Federal, que não constava dos autos anteriormente, prejudica o réu em sua defesa, uma vez que a autoridade coatora alega que tais documentos não dizem respeito aos casos investigados e ligados ao paciente, não há falar em nulidade, pois não restou demonstrado o prejuízo. 2. Ordem denegada. (Processo nº 20160020033190HBC - (0003837-38.2016.8.07.0000 - Res. 65 CNJ). 3º Turma Criminal. Relator: João Batista Teixeira. Data do Julgamento: 31/03/2016. Publicado no DJE: 12/04/2016).
O que se tem percebido é que a delação premiada é mais do que um simples procedimento, ela é um auxílio significativo do Estado no período de investigação. Como bem acentua Gomes (2014) quanto mais a criminalidade cresce, ao mesmo tempo, também gera uma redução da capacidade investigativa e reativa do Estado. Por conta disso, este tenta premiar a colaboração do indiciado ou acusado, para melhorar (um pouco) sua efetividade.
De todo modo, entende-se nesse estudo ser essencial a presença da delação premiada nos casos de crime de lavagem de dinheiro. Isso se dá porque a delação representa o início do caminho para a produção de outras formas de prova que atestem as informações colhidas pelo delator. Essa medida é importante, visto que os crimes de lavagem de dinheiro possuem uma enorme cadeia de processos e sofisticadas ações delitivas, que de outro modo poderia ser mais difícil ou até mesmo impossível de serem descobertas ou provadas.
A delação premiada nesse sentido atua no sentido de expor não apenas os autores mas toda a sistemática que se usa para realizar a lavagem de dinheiro, o que é essencial para com as informações colhidas, criar medidas de prevenção e combate.
Diante do exposto, fica claro aferir que a celebração do acordo para a delação premiada demonstra ser mais uma opção para combate a tal delito, sobretudo por nortear o aparelho investigativo estatal.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente estudo tinha como finalidade discorrer sobre a possibilidade de aplicação do instituto da delação premiada nos crimes de lavagem de dinheiro. Inicialmente ficou estabelecido que a lavagem de dinheiro é um crime caracterizado por um conjunto de operações comerciais ou financeiras que buscam a incorporação na economia de cada país, de modo transitório ou permanente, de recursos, bens e valores de origem ilícita. Por ser um crime de cunho econômico, afeta diretamente a todos os entes da sociedade, motivo pelo qual ainda deve ser amplamente discutido.
Para o combate e prevenção da prática de lavagem de dinheiro, é preciso articulação de diversos órgãos dos três poderes da República, Ministérios Públicos, sociedade civil e iniciativa privada para atuarem diretamente ou indiretamente em ações de prevenção e combate a esse crime.
Dentre as medidas de prevenção e combate a esse crime, encontrou-se a delação premiada. Esse instituto é o mecanismo pelo qual o investigado ou réu em um processo penal recebe um benefício em troca de sua colaboração com o Estado para evitar a prática de novos crimes, produzir provas sobre crimes já ocorridos ou identificar coautores desses crimes.
O que ficou evidenciado no decorrer desta pesquisa é que a delação premiada em sede dos crimes de lavagem de dinheiro é plenamente possível, uma vez que ajudará os investigadores a melhor trabalharem no colhimento de provas. Tendo um melhor tratamento jurídico na Lei nº 12.850/2013 ao qual apresenta os principais aspectos desse instituto, a delação premiada é a chance que o delator ou o réu possui de ter por exemplo, diminuída a sua pena ou até ser substituída por privativa de direitos, entre outras vantagens processuais.
Como mostrado no estudo, para que haja os benefícios ao delator é preciso que sua delação seja efetiva, ou seja, que mostre o caminho real e eficaz dos reais criminosos e as táticas utilizadas para a lavagem do dinheiro.
Ainda que pese críticas a sua aplicação, entende-se que a delação premiada é um caminho viável e útil para os crimes de lavagem de dinheiro. Cabe lembrar que esses crimes são complexos e envolve, muitas vezes, o uso de técnicas sofisticadas e tecnologia de ponta. Isto exige um trabalho meticuloso de investigação que precisa passar por um processo de modernização, até porque o trabalho do poder judiciário é inerte e precisa ser precedido de um levantamento preciso de dados antes que uma denúncia seja formalmente apresentada.
Nesse cenário, a delação premiada é plenamente utilizável, porque ajudará o Ministério Público e demais membros de investigação a chegar mais rapidamente aos criminosos e ao desmembramento do grupo. Além disso, a delação premiada pode ser utilizada como um meio não apenas de prova, mas de informação à polícia que terá conhecimento da funcionalidade dos grupos que realizam lavagens de dinheiro.
Cabe ainda destacar que a delação premiada também auxilia nos programas de prevenção, como um compliance de bancos e empresas. Ao saber dos detalhes de como é realizado a lavagem de dinheiro, os gerenciadores e empresários terão mais possibilidades de criar mecanismos de defesa contra essas ações, principalmente quando realizadas de modo online, o que pôde ser conferido no período de pandemia.
Pelas razões acima apresentadas, defende-se nesse trabalho o entendimento de que o instituto da delação premiada deva ser utilizado nos processos judiciais cujos crimes estejam ligados à lavagem de dinheiro.
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[1] Docente do Curso de Direito da Universidade de Gurupi – UnirG. E-mail: joseaugusto@unirg.edu.br
Bacharelando em Direito pela Universidade de Gurupi – UnirG. E-mail: [email protected].
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Por: Daniella de Pádua Walfrido Aguiar
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