FÁBIO ARAÚJO SILVA[1]
(orientador)
RESUMO: Um dos temas mais discutidos na sociedade é em relação aos atos infracionais cometidos por adolescentes. Muitos desses indivíduos vêm ao longo dos últimos anos cometendo diversos delitos que acabam por afetar a ordem social. No entanto, tão importante quanto discutir sobre a natureza de um ato infracional, é analisar a eficácia das medidas socioeducativas. As medidas são encontradas no Estatuto da Criança e do Adolescente (1990) que aborda entre outras questões as penalidades impostas pela lei aos jovens infratores. Frente a esse tema, o presente estudo teve a finalidade de discorrer sobre a eficácia das medidas socioeducativas no mundo dos atos infracionais. Os materiais utilizados na sua elaboração foram unicamente bibliográficos e teóricos retirados de livros, periódicos e decisões jurisprudenciais dos tribunais brasileiros. Nos resultados, ficou evidente constatar que de nada adianta ter boas medidas socioeducativas na lei, se na prática essas mesmas medidas não são amplamente efetivas. Consequência maior dessa realidade é a juventude se perdendo no mundo da criminalidade e numa vida vadia e sem rumo, causando um estrago ainda maior na comunidade. A realidade atual brasileira vem mostrando que crianças e adolescentes precisam de um cuidado mais que especial. De nada é útil uma lei importante como o ECA se na prática, as políticas públicas de amparo e desenvolvimento a esses indivíduos seja ineficaz ou negligente.
Palavras-chave: Criança e Adolescente. Infração. Penalidade. Ressocialização.
THE EFFECTIVENESS OF SOCIO-EDUCATIONAL MEASURES IN THE WORLD OF INFRINGING ACTS
ABSTRACT: One of the most discussed topics in society is in relation to the offenses committed by adolescents. Many of these individuals have come over the last few years by committing various crimes that eventually affect the social order. However, as important as discussing the nature of an offense, is to analyze the effectiveness of socio -educational measures. The measures are found in the Child and Adolescent Statute (1990) which addresses among other issues the penalties imposed by the law on young offenders. Given this theme, the present study was intended to discuss the effectiveness of socio-educational measures in the world of offenses. The materials used in their elaboration were only bibliographic and theoretical taken from books, periodicals and jurisprudential decisions of the Brazilian courts. In the results, it was evident that it is no use having good socio-educational measures in the law, if in practice these same measures are not widely effective. A greater consequence of this reality is youth getting lost in the world of crime and in a bitch and aimless life, causing even greater damage to the community. The current Brazilian reality has been showing that children and adolescents need more than special care. Nothing is useful an important law like ECA if in practice, public policies of support and development to these individuals is ineffective or negligent.
Keywords: Child and teenager. Infringement. Penalty. Resocialization.
Sumário: 1. Introdução. 2. O Estatuto da Criança e do Adolescente: síntese geral. 3. Da prática do ato infracional. 3.1 Dos procedimentos jurídicos do ato infracional. 4. Medidas Socioeducativas: análise da eficácia. 5. Considerações Finais. 6. Referências Bibliográficas.
1. INTRODUÇÃO
A juventude se caracteriza como a fase mais produtiva do ser humano. Devido a esse fato, é nessa fase de desenvolvimento do cidadão que os jovens são mais vulneráveis a cometerem delitos. Por conta disso, o ECA trouxe em seu texto as medidas socioeducativas que se objetivam em não apenas punir aqueles que cometeram um ato infracional, mas a educá-los e reintegrá-los de volta a sociedade com um novo pensamento e postura.
No entanto, o que se tem notado nas últimas décadas, é que na prática, as medidas socioeducativas não vêm conseguindo fazer com que os jovens infratores (número cada vez mais crescente) saem de vez da criminalidade, ou que não venha a cometer novas infrações (ALMEIDA; MARINHO; ZAPPE, 2021).
Com esse cenário, esta pesquisa teve como problemática a seguinte questão: as medidas socioeducativas são eficazes na diminuição ou prevenção dos atos infracionais? Assim, o presente estudo buscou delinear a eficácia das medidas socioeducativas elencadas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (1990) aos jovens infratores. Tais medidas se objetivam em ressocializar e reintegrar o adolescente infrator no meio social e familiar.
Discutir esse assunto é de extrema importância, uma vez que a realidade brasileira nos últimos anos tem evidenciado uma enorme onde crescente de criminalidade causada pelos jovens. Essa realidade preocupante tem sido o motivo principal de inúmeras discussões a respeito do tratamento concedido pelo Estado, pela família e pela sociedade aos jovens.
Assim, no presente trabalho, além de apresentar o processo histórico do ECA, dos atos infracionários e da análise detalhada das medidas socioeducativas, traz-se um retrato atual da eficácia dessas medidas nos jovens e na sociedade em geral, e o que essas medidas tem representado na diminuição da criminalidade cometida pelos jovens.
No que tange a metodologia utilizada, esse trabalho é uma revisão de literatura, cujo dados foram coletados em base de dados tais como Google Acadêmico e Scielo. Nos critérios de inclusão, buscou-se estudos científicos, monografias, legislação brasileira e jurisprudência. Os critérios de exclusão foram os trabalhos que fugiam do tema proposto. A coleta dos dados se deu nos meses de fevereiro e março de 2023, contendo os seguintes descritores: Ato infracional. Criança e Adolescente. Eficácia. Medida Socioeducativa.
2. O ESTATUTO DA CRIANÇA E ADOLESCENTE (ECA): SÍNTESE GERAL
Os direitos protetivos aos menores nem sempre existiram. Durante muito tempo, crianças e adolescentes não possuíam qualquer valor. Ambos eram vistos como “adultos em miniatura”, sendo vítimas de inúmeras ações criminosas e omissões feitas pelos próprios pais ou responsáveis.
Dessa forma:
A história da infância é um pesadelo do qual, recentemente começamos a despertar. Quanto mais atrás regressamos na história mais reduzido o nível de cuidado com as crianças, maior probabilidade de que houvessem sido assassinadas, espancadas, aterrorizadas e abusadas sexualmente (BARBIANI, 2018, p. 22).
Ainda nos primórdios, a educação concedida às crianças e aos adolescentes eram feitas de várias formas. No início tinham-se os maus tratos infantis que “foram se amenizando com o passar do tempo, e com o passar dos séculos os pais ou responsáveis agiram de forma mais rigorosa e passaram a desenvolver métodos educativos, rígidos e cruéis” (RUEDA, 2021, p. 24).
No ano de 1923 foi instalado o Juizado de Menores que tinha Mello Mattos como o primeiro Juiz de Menores da América Latina. Em 1927, foi instituído o Código de Menores ou Código de Mello Mattos, que foi o primeiro documento legal a tratar da proteção dos menores de 18 anos (RUEDA, 2021).
Tal Código não abarcava todas as crianças, mas apenas aquelas que estavam em “situação irregular”. Desta feita “o Código de Menores visava estabelecer diretrizes claras para o trato da infância e juventude excluídas, regulamentando questões como trabalho infantil, tutela e pátrio poder, entre outros” (NUNES; FERNANDEZ, 2016, p. 20).
Nos anos 80 existia aproximadamente cerca de 30 milhões de crianças abandonadas e marginalizadas nas ruas brasileiras. Eram crianças que estavam na extrema pobreza e que não tinham qualquer proteção jurídica ou social efetiva. Nesse mesmo período foi promulgada a nova Constituição Federal, em 05 de outubro de 1988 (BARBIANI, 2018).
Tal norma, “marcada por avanços na área social, introduz um novo modelo de gestão das políticas sociais – que conta com a participação ativa das comunidades através dos conselhos deliberativos e consultivos” (CORDEIRO, 2018, p. 30). Em seu texto, preocupa-se com a proteção das crianças e dos adolescentes. Essa proteção pode ser encontrada no art. 227; in verbis:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
(BRASIL, 1988)
Com base no supracitado artigo, abriu-se espaço para uma legislação mais específica que focalizassem os menores de 18 anos. Nesse sentido, surgiu a Lei nº. 8.069/90 com a alcunha de Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Essa nova lei foi mais do que defender os interesses das crianças e adolescentes, ela veio promover a proteção integral e consagrar os princípios constitucionais, principalmente o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana (OLIVEIRA, 2018).
O ECA protege todas as crianças e adolescentes sem distinção. No que tange aos mecanismos de participação, há previsão de participação em nível federal, estadual e municipal. Almeida, Marinho e Zappe (2021) destacam que o ECA é reconhecido pelo UNICEF como um dos instrumentos legislativos mais avançados do mundo sobre a matéria, ultrapassando inclusive a Convenção das Nações Unidas por prever uma parceria mais atuante entre governo e sociedade.
Em termos conceituais, de acordo com o ECA em seu art. 2º “considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade” (BRASIL, 1990). Com esse artigo se conceitua objetivamente o que seja criança e adolescente. Além disso, tem-se a exceção daqueles entre dezoito e vinte e um anos de idade, que também são amparados pelo ECA em situações excepcionais.
Para Oliveira (2018, p. 10) “a criança é uma pessoa em condição peculiar de desenvolvimento. A criança é pessoa, é cidadã, tem voz, tem vez, tem uma visão da realidade, tem uma palavra a dizer sobre ela mesma”, sobre os outros e sobre o mundo.
No aspecto da adolescência, Orth (2019, p. 41) a define como é “o que ainda não alcançou pleno desenvolvimento”. É a fase mais transformadora do ser humano, é a fase do amadurecimento intelectual e de transformações físicas, que são impactantes por toda a vida. Paula et al. (2017) afirmam que adolescente é aquele indivíduo que “está em “transformação”, ou seja, passou da fase infantil para a adolescente e prepara-se para a fase adulta, de amadurecimento, de aumento de responsabilidade e desafio”.
3. DA PRÁTICA DO ATO INFRACIONAL
O Estatuto da Criança e do Adolescente busca a proteção e o bem-estar da criança e do adolescente. Além das garantias, o ECA tenciona colocar a criança e ao adolescente no centro do desenvolvimento social, visto que esses indivíduos são o início da caminhada para uma comunidade mais justa e plena (PIAZZAROLLO, 2020).
Todavia, apesar de buscar proteger e garantir esse bem estar, e prevendo a complexidade humana, o próprio Estatuto leciona a respeito das infrações cometidas pelos seus sujeitos. Ainda que “novos” na idade e na maturidade, a criminalidade não possui faixa etária, nem sexo, nem classe social ou qualquer outra característica, podendo ser encontrada em qualquer ser humano (ALMEIDA; MARINHO; ZAPPE, 2021).
Por conta disso, existe no ECA a prática do ato infracional. Antes disso, Santos e Amaral (2019) salienta que o ECA buscou a responsabilização do adolescente e crianças de forma diferenciada. De acordo com Arantes e Taborda (2019) o cometimento do delito passou a ser encarado como fato jurídico a ser analisado, assegurando garantias processuais e penais, ou seja, os direitos inerentes a qualquer cidadão que venha a praticar um ato infracional.
Com o ECA, não se fala em “infração penal” para designar os delitos cometidos por adolescentes e sim em “ato infracional”, que se encontra incluso o crime e a contravenção penal. Para Coelho e Rosa (2017) o ECA utiliza-se do termo “atos infracionais” para designar os delitos cometidos por adolescentes e possibilita compreender a prática do delito como um momento transitório dentro da adolescência.
Nos dizeres de Emidio, Silva e Fermoseli (2020, p. 44) “[...] considera-se ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção”. Com esse entendimento toda criança ou adolescente não cometem crime ou contravenção, mas sim praticam ato infracional, ou seja, para as crianças e os adolescentes, ato infracional é como se fosse uma infração penal (EMIDIO; SILVA; FERMOSELI, 2020).
Cabe destacar que, “segundo o Estatuto, não existe diferença entre os conceitos de ato infracional e crime, visto que ambos são condutas situadas na categoria de ato ilícito” (PIAZZAROLLO, 2020, p. 25).
O ato infracional praticado por criança irá receber as seguintes medidas:
Art. 101. Verificada qualquer das hipóteses previstas no art. 98, a autoridade competente poderá determinar, dentre outras, as seguintes medidas:
I - encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade;
II - orientação, apoio e acompanhamento temporários;
III - matrícula e frequência obrigatória em estabelecimento oficial de ensino fundamental;
IV - inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à família, à criança e ao adolescente;
V - requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial;
VI - inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos;
VII - abrigo em entidade;
VIII - colocação em família substituta.
(BRASIL, 1990)
Verifica-se que o legislador tem a preocupação em tocar tanto a criança quanto sua família, porque se a criança cometeu um ato infracional, é porque a base familiar não está bem, ou seja, não estão conseguindo sustentar a criança (VOLPI, 2019). Na concepção de Dias, Arpini e Simon (2018) na verdade pode-se concluir que o desvio de comportamento tem como um dos fatores o problema social, que gera a desorganização familiar.
Tanto a criança quanto os adolescentes são considerados inimputáveis, que para a lei são todos aqueles menores de 18 anos o art. 228 da Carta Magna leciona que “são penalmente inimputáveis os menores de 18 anos, sujeitos às normas da legislação especial” (BRASIL, 1988).
Fato é que no tangente ao ato infracional, as medidas aplicadas são diferentes. Na criança, aplica-se como já supra exposto o art. 101. No caso dos adolescentes, aplica-se o art. 112.
3.1 DOS PROCEDIMENTOS JURÍDICOS DO ATO INFRACIONAL
Uma vez cometido o ato infracional, surge no Direito, vários procedimentos jurídicos na apuração e no processo. Por se tratar de criança e adolescente esses procedimentos são específicos, ou seja, são feitos exclusivamente para esses sujeitos. Inicialmente, tem-se a fase da autoridade policial.
Ao cometer um ato infracional, o adolescente somente será apreendido em duas ocasiões, conforme estabelece o art. 146 do ECA: “em flagrante de ato infracional ou por ordem escrita e fundamentada do juiz da infância e da juventude” (BRASIL, 1990). O art. 171 dispõe que na apreensão por determinação judicial, “o próprio Juiz ordena a apreensão. Isto quer dizer que o Juiz é que terá a responsabilidade de apurar o ato infracional, isso quando não ocorrer flagrante do ato infracional” (SANTOS; AMARAL, 2019).
No art. 172 do ECA, em caso de apreensão em flagrante de ato infracional, o adolescente deverá ser levado à Delegacia de Polícia, do qual será iniciada a investigação. Acerca desse procedimento, tem-se:
O adolescente somente será apreendido em flagrante se o delito tiver sido praticado mediante violência ou grave ameaça. Isso é que vai diferenciar o procedimento. Ocorrendo o ilícito dessa forma, a autoridade policial deverá lavrar auto de apreensão, que será da seguinte forma: I – ouvirá as testemunhas; II - ouvirá o adolescente; III – fará a apreensão do produto, e de instrumentos utilizados, se houver. Poderá ser requisitado exame pericial se for necessário. Por se tratar de adolescente, utiliza-se a expressão “auto de apreensão”, mas é igual ao auto de prisão em flagrante. Não ocorrendo o delito com violência ou grave ameaça, será lavrado termo circunstanciado pela autoridade policial (HONORATO, 2022, p. 55).
Passados as realizações das diligências, o adolescente deverá ser apresentado perante o Ministério Público com prazo de até 24 horas. Lembrando ainda que na apreensão em flagrante pela autoridade policial, “o adolescente poderá ser liberado, mediante o comparecimento dos pais ou responsáveis, que assinarão um termo de compromisso, aonde irão se responsabilizar em apresentar o infante ao Ministério Público” (ARANTES; TABORDA, 2019, p. 22).
Em caso de não liberação, só será efetivada quando se tratar de “ato infracional grave e de repercussão social” (BRASIL, 1990). Ainda nessa fase, “o representante do Ministério Público ouvirá informalmente o adolescente, estando presentes os pais ou responsáveis. Poderão estar presentes também testemunhas ou vítimas quando possível” (ARANTES; TABORDA, 2019, p. 22)
De acordo com o art. 180 do ECA, após a oitiva informal, o Promotor de Justiça poderá aplicar as seguintes providências: “a) promover o arquivamento dos autos; b) conceder a remissão; ou, c) representar à autoridade judiciária para aplicação de medida socioeducativa” (BRASIL, 1990).
O arquivamento dos autos e a remissão põe fim ao processo. Em relação a remissão, conceitua-a como “O perdão concedido pelo representante do Ministério Público ao adolescente que cometeu algum ato infracional” (GALLO; WILLAMS, 2019, p. 12). Está previsto no art. 126, do qual:
Art. 126. Antes de iniciado o procedimento judicial para a apuração de ato infracional, o representante do Ministério Público poderá conceder a remissão, como forma de exclusão do processo, atendendo às circunstâncias e conseqüências do fato, ao contexto social, bem como à personalidade do adolescente e sua maior ou menor participação no ato infracional.
Parágrafo único. Iniciado o procedimento, a concessão da remissão pela autoridade judiciária importará na suspensão ou extinção do processo.
(BRASIL, 1990)
No caso de representação, que corresponde a uma denúncia, o Promotor irá instaurar procedimento para que seja concedida alguma medida socioeducativa. Aqui se inicia também a fase processual. Nessa fase, o respectivo adolescente possui uma série de garantias, que estão presentes no ECA e retiradas da Constituição Federal de 1988.
Entre as garantias, apresenta-se inicialmente:
Verifica-se que, havendo a formação do processo, o adolescente deverá ser devidamente citado, para que possa tomar pleno e formal conhecimento do ato infracional atribuído a este e, assim, possa formular sua defesa, pois ninguém poderá ser processado sem ter conhecimento da imputação que lhe é feita. Dessa forma, se tem presente o princípio do contraditório e da ampla defesa, elementos essenciais ao processo, uma vez que implica em democracia processual, pois está implícita a participação do indivíduo no ato do Poder Judiciário (GALLO; WILLAMS, 2019, p. 15)
Há de inserir nesta garantia, o direito a uma defesa técnica, ou seja, acompanhada de um advogado, como instrumento da ampla defesa. O art. 207 do referido Estatuto aduz que “nenhum adolescente a quem se atribua a prática de ato infracional, ainda que ausente ou foragido, será processado sem defensor” (BRASIL, 1990).
Além da defesa técnica, o adolescente infrator pode valer da defesa pessoal, onde pode fornecer a sua versão dos fatos. O mesmo pode ainda optar pelo silêncio, que será preservado e que não representará nenhum prejuízo na sua defesa.
Assegura-se também neste contexto o Princípio da Publicidade dos Atos Processuais, que possui o objetivo de garantir a inviolabilidade física e moral do adolescente, é assegurado o segredo de justiça nos processos em que envolvam menores de idade, sendo resguardadas a sua identidade e imagem (MONTE et al., 2020).
Também se menciona a garantia da celeridade do processo, do qual a Justiça da Infância e da Juventude, uma resposta rápida pelo Judiciário se faz necessária, pois está associada às possibilidades de recuperação do adolescente em conflito com a lei (BONALUME; JACINTO, 2019).
Com essas garantias, a fase processual deverá ser justa e lícita, respeitando a dignidade e a integridade do adolescente. Sendo feita o oferecimento da representação e a aceitação do juiz, será designada data para a audiência de apresentação, onde serão ouvidas todas as partes.
Nessa fase de tramitação do processo, o juiz pode manter o adolescente internado ou liberado. A internação, que é provisória, não deve passar de 45 dias, em um estabelecimento adequado. Segundo Andrade (2021, p. 10) “ao decidir-se pela internação provisória, medida excepcional, a autoridade judiciária competente, deverá fundamentar sua decisão em indícios suficientes de autoria e materialidade”.
Por último, haverá a audiência de instrução. Nesse momento, são feitas a provas, ouve-se as testemunhas arroladas na representação e na defesa prévia. Nessa mesma audiência, ocorrem os debates (20 minutos para cada parte, promotor e defensor), chegando às alegações finais. Após essas alegações, o Juiz pronunciará a sentença (ANDRADE, 2021).
4. MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS: ANÁLISE DA EFICÁCIA
Dando prosseguimento a fase processual do tópico anterior, após a sentença dada pelo Juiz competente, dependendo da gravidade do ato infracional, o magistrado pode escolher qual a medida socioeducativa melhor será adequada para o caso concreto. As medidas socioeducativas são ações que visam a reestruturação do adolescente na sociedade e na família. É uma medida que vem evitar que o infrator venha cometer outro ato infracional (BONALUME; JACINTO, 2019).
Tais medidas podem ser analogicamente interpretadas como uma “punição” ao adolescente. É uma correção do Estado frente ao ato ilícito praticado pelo mesmo. Como no Direito Penal as sanções têm funções de ressocialização e reintegração do criminoso ao convívio social, o ECA também buscou formas de integrar esse adolescente infrator à sociedade depois de cumprida medida socioeducativa imposta (MULLER et al., 2019).
De acordo com Honorato (2022) para tentar suprir as necessidades verificadas nestes adolescentes, é que o Estatuto da Criança e do Adolescente prevê a aplicação das Medidas Socioeducativas. O que se pensa nessas medidas é que o adolescente, ainda que inimputável, não está fora de sofrer sanções quando pratica um delito. Aqui não pode consagrar a impunidade.
Ainda de acordo com Andrade (2021) o ECA não significa a porteira aberta para impunidade, a clara definição da lei é no sentido de que nenhum adolescente a que se atribua a um crime pode deixar de ser julgado.
No entendimento de Barros (2018) as medidas socioeducativas visam, principalmente, a inserção do adolescente na família e na sociedade, além da prevenção da delinquência. E chega à conclusão de que as medidas socioeducativas tem mais caráter de sanção do que pedagógico, visto que não se tem obtido a ressocialização do adolescente com muito sucesso.
Assim, a aplicação da medida socioeducativa é condizente ao ato ilícito cometido, ou seja, não punitivas, que possibilitem a sua educação e o claro discernimento de que aquela conduta não é aceitável perante o mundo jurídico (CASSANDRE, 2018).
É o que apresenta a presente jurisprudência:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO DE MEDIDAS SÓCIOS EDUCATIVAS - ATO INFRACIONAL - INTERNAÇÃO POR TEMPO INDETERMINADO - ATO INFRACIONAL ATO INFRACIONAL ANÁLOGO AO DE HOMICÍDIO QUALIFICADO DESCRITO NO ART. 121, § 2º, INCISOS, II E IV DO CÓDIGO PENAL, POR ILAÇÃO DO ARTIGO 103, DA LEI Nº 8.069/90 PRATICADO PELO MENOR AGRAVANTE - PEDIDO DE PROGRESSÃO DA MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE INTERNAÇÃO PARA SEMILIBERDADE - NEGATIVA DE PROGRESSÃO. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE - DECISÃO ACERTADA E MANTIDA - AGRAVO DE INSTRUMENTO CONHECIDO E IMPROVIDO. 1 - Conforme dispõe o art. 112 da Lei nº 8.069/90 (ECA), verificada a prática de ato infracional, a autoridade poderá aplicar ao adolescente qualquer uma das medidas previstas em um dos 07 (sete) incisos, sendo que a decisão deve levar em consideração a capacidade do infrator de cumpri-la, as circunstâncias que envolveram a prática infracional e a gravidade da infração (nos termos do parágrafo único). 2 – [...]. 3 – [...]. 4 - Destaco que é através da punição, com a observância do critério de proporcionalidade entre a gravidade do ato infracional e a medida, que o adolescente poderá obter a sua efetiva ressocialização e reeducação, para que aprenda a conter seus ímpetos e possa ter efetiva inserção na vida em sociedade. 5 – [...]. (TJTO, Agravo de Instrumento, 0000715-63.2023.8.27.2700, Rel. JACQUELINE ADORNO DE LA CRUZ BARBOSA, julgado em 15/03/2023, DJe 16/03/2023). (grifo meu)
Cassandre (2018) cita que as medidas socioeducativas possuem natureza jurídica sancionatória, impositiva e retributiva, porém cumprem um papel presidido pelo princípio educativo. Nesse processo educativo, utilizam-se mecanismos pedagógicos, psiquiátricos e psicológicos, objetivando, como já visto anteriormente, a proteção total do adolescente e a sua reinserção na sociedade.
Tanto é que a aplicação e a execução das medidas socioeducativas deverão levar em conta o direito da convivência familiar e comunitária, fazendo o possível para não romper os vínculos familiares e comunitários (BARROS, 2018).
As medidas socioeducativas estão elencadas no art. 112 do ECA que dispõe do seguinte texto:
Art. 112. Verificada a pratica de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas:
I – advertência;
II – obrigação de reparar o dano;
III – prestação de serviços a comunidade;
IV – liberdade assistida;
V – inserção em regime de semiliberdade;
VI – internação em estabelecimento educacional;
VII – qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI.
§1º. A medida aplicada ao adolescente levará em conta a sua capacidade de cumpri-la, as circunstâncias e a gravidade da infração.
§2º. Em hipótese alguma e sob pretexto algum, será admitida a prestação de trabalho forçado.
§3º. Os adolescentes portadores de doença ou deficiência mental receberão tratamento individual e especializado, em local adequado às suas condições.
(BRASIL, 1990)
O ECA separa as supras medidas em dois grupos: no primeiro estão as medidas não privativas de liberdade (advertência, reparação do dano, prestação de serviços à comunidade e liberdade assistida) e no segundo grupo tem-se as medidas privativas de liberdade (semiliberdade e internação).
De acordo com o art. 115 do ECA “a advertência consistirá em admoestação verbal, que será reduzida a termo e assinada” (BRASIL, 1990). O termo admoestação representa “repreensão” ou “aviso”. Rueda (2021, p. 35) afirma que “diferentemente das demais, esta é a única medida que pode ser aplicada sempre que houver prova de materialidade e indícios suficientes de autoria”.
Considerada como a medida mais leve, a advertência “é uma forma de coação verbal, que os pais ou responsável estarão presentes em todo procedimento, com o objetivo de que o infrator mude e assim restabeleça a sociedade normalmente” (GONÇALVES, 2019, p. 20).
A aplicação dessa medida pode ser conferida no seguinte caso concreto:
APELAÇÃO CÍVEL. ECA. ATO INFRACIONAL. AMEAÇA. PRELIMINAR. AUSÊNCIA DE LAUDO INTERDISCLIPINAR. MÉRITO. AUTORIA E MATERIALIDADE CONFIRMADA. APLICAÇÃO DE MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE ADVERTÊNCIA. CABIMENTO. PROPORCIONALIDADE ENTRE O ATO INFRACIONAL E A MEDIDA IMPOSTA. IMPROVIMENTO DO APELO. Fato. Provado que o apelante ameaçou, por intermédio de gestos e palavras, causar mal injusto ou grave à vítima, consistente em agredi-la com socos. Confirmada a sentença condenatória que aplicou medida socioeducativa de advertência. [...] Caso em que vai confirmada a sentença que julgou procedente a representação e aplicou ao representado a medida socioeducativa de advertência, pelo fato tipificado no art. 147 do Código Penal. REJEITARAM A PRELIMINAR. NO MÉRITO, NEGARAM PROVIMENTO. (Apelação Cível nº 70057709263, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rui Portanova, Julgado em 27/02/2014). (grifo meu)
De acordo com esse caso, ao praticar o fato tipificado no art. 147 do CP, o jovem recebeu a medida de advertência, ou seja, um aviso de que, se continuasse a praticar ameaças à vítima, uma medida mais grave lhe seria aplicada.
Em relação a medida socioeducativa de reparar o dano, lecionada no ar.t 116 do ECA, é uma medida aplicada em se tratando de ato infracional com reflexos patrimoniais. É uma medida coercitiva e educativa, pois leva o adolescente a reconhecer o erro e repará-lo (KONZEN, 2018).
Nos dizeres de Meneses (2018, p. 56) “a restituição ocorre quando existe a possibilidade de o infrator devolver o bem à vítima, ou seja, retirou de alguma forma a cosia da vítima e esta não se perdeu. Sendo assim, haverá restituição”.
Em relação ao seu objetivo, Volpi (2019) afirma o intuito da medida é despertar e desenvolver no menor o senso de responsabilidade em face do outro do que lhe pertence.
A jurisprudência abaixo confere a sua aplicação:
ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. ATO INFRACIONAL. DANO (CP, ART. 163). AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. SENTENÇA QUE FIXOU MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE ADVERTÊNCIA. NECESSIDADE DE READEQUAÇÃO DA MEDIDA, INFRATOR REINCIDENTE. ATO INFRACIONAL COM REFLEXOS PATRIMONIAIS. OBRIGAÇÃO DE REPARAR O PREJUÍZO CAUSADO À VÍTIMA. ALTERAÇÃO QUE SE PÕE COMO ADEQUADA. EXEGESE DOS ARTS. 112, II, E 116, DO ECA. APELAÇÃO PROVIDA. (Apelação Cível nº 70015563364, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Ari Azambuja Ramos, Julgado em 17/08/2016) (grifo meu)
Neste caso concreto, o jovem foi advertido anteriormente por praticar ato infracional com reflexos patrimoniais, porém voltou a delinquir, razão pelo qual foi necessário a readequação da medida de Advertência para Reparação do Dano.
A medida de prestação de serviços encontrada no ECA no art. 117, tem um caráter bem socializador, onde busca a ressocialização e a consciência social do adolescente infrator, para que ele não volte a delinquir. Importante lembrar que tal medida não pode ser efetivada contra a vontade do infrator, no caso o adolescente, caso contrário configuraria em trabalho forçado, o que é proibido (BARROS, 2018).
Em relação a sua aplicabilidade, apresenta-se o presente julgado:
APELAÇÃO. ATO INFRACIONAL. CONDUTA ANÁLOGA AO DELITO DE CAÇA DE ANIMAIS SILVESTRES. USO DE ARMA DE FOGO DE FABRICAÇÃO CASEIRA. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. IMPOSSIBLIDADE NO CASO CONCRETO. MEDIDA SOCIOEDUCATIVA ADEQUADA. PRESTAÇÃO DE SERVIÇO A COMUNIDADE. SUBSITUIÇÃO POR ADVERTÊNCIA. DESCABIMENTO. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. SENTENÇA MANTIDA.
1. Trata-se a conduta de abater animal silvestre, de lesão ao meio ambiente, direito indisponível de toda a coletividade, não podendo ser enquadrada como insignificante. Ademais, o abate dos animais ocorreu mediante o uso de arma de fogo, de fabricação caseira do menor infrator.
2. No caso, não há que se falar em aplicação de medida socioeducativa de advertência, posto que a medida socioeducativa de prestação de serviços à comunidade aplicada, coaduna-se com a natureza da infração e possui forte caráter educativo e ressocializante. Ainda mais quando evidenciado que, o adolescente reitera prática de atos infracionais, sendo o cumprimento da prestação de serviço adequada à reeducação e ressocialização do menor, lhe oportunizando aprender um ofício e sentir-se útil, mostrando-se infrutífera a aplicação de medida menos gravosa. (TJTO, Apelação Cível, 0020991-43.2018.8.27.0000, Rel. EURÍPEDES DO CARMO LAMOUNIER, 5ª TURMA DA 2ª CÂMARA CÍVEL, julgado em 07/10/2020, DJe 15/10/2020) (grifo meu).
Já medida de liberdade assistida, prevista no ECA em seus artigos 118 e 119, diz respeito em não afastar o adolescente do seu meio natural, lar, escola ou trabalho, apenas terá acompanhamento de um funcionário qualificado para orientá-lo (CASTRO, 2016).
De acordo com Morais e Ferreira (2019) a medida de liberdade assistida visa o acompanhamento, o auxílio e a orientação do adolescente por um orientador, que deve promover socialmente o adolescente e sua família, supervisionar a frequência e o aproveitamento escolar do adolescente.
Ávila (2018) lembra que o Estatuto não regula prazo máximo para a manutenção da medida, subtende-se que assim, que a medida deva ser cumprida enquanto da necessidade do infrator, que será analisada junto aos relatórios entregues ao juiz pelo orientador.
Na medida do regime de semiliberdade, esta é uma medida de privação de liberdade. Tal análise se dá pelo cerceamento do direito de ir e vir do infrator, entretanto, com a ressalva de que tal medida não irá restringir integralmente o direito do adolescente (SILVA, 2019).
Sua normatização se encontra presente no art. 120 do ECA e é aplicada a adolescentes infratores que estudam e trabalham de dia e a noite recolhidos a uma entidade de atendimento (SILVA, 2019).
A presente media pode ser aplicada de duas maneiras, a saber:
Essa medida poderá ser aplicada de duas formas: primeiro, aplica-se desde o início, pela autoridade judiciária, respeitando o processo legal; e segundo, poderá acontecer quando houver progressão de regime (ex. adolescente está internado e é beneficiado com a mudança de medida, sendo aplicada a semiliberdade). (COELHO; ROSA, 2017, p. 32)
É uma medida de natureza punitiva, que interfere na liberdade de ir e vir do infrator. Nessa medida também contará com a presença de um técnico social, que irá orientar e auxiliar o adolescente infrator e irá fazer um relatório sobre o andamento do caso (EMIDIO; SILVA; FERMOSELI, 2020).
No geral, a medida em análise busca fazer valer o direito de locomoção dos menores, estimular o cumprimento de normas de relacionamento no meio social, bem como promover trabalhos nas esferas governamentais para realização de uma política de ressocialização (EMIDIO; SILVA; FERMOSELI, 2020).
Em âmbito jurisprudencial, encontra-se:
APELAÇÃO. REPRESENTAÇÃO POR ATO INFRACIONAL ANÁLOGO AO CRIME DE ROUBO MAJORADO PELO CONCURSO DE PESSOAS. SEMILIBERDADE. CONCESSÃO DE ADVERTÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE. GRAVIDADE CONCRETA DO DELITO. MEDIDA ADEQUADA. RECURSO IMPROVIDO. 1. No caso de prática de ato infracional análogo ao crime de roubo circunstanciado, revela-se adequada a aplicação da medida socioeducativa de semiliberdade, conforme disposto no art. 120, do Estatuto da Criança e do Adolescente. 2. [...]. 3. [...]. 4. Na hipótese vertente, o recorrente praticou ato infracional equiparado ao delito de roubo majorado pelo concurso de agentes, de forma que a semiliberdade é a medida socioeducativa indicada frente à gravidade da sua conduta perpetrada e às suas condições pessoais. (TJTO, Apelação Cível, 0026900-56.2020.8.27.2729, Rel. ANGELA MARIA RIBEIRO PRUDENTE, 2ª TURMA DA 2ª CÂMARA CÍVEL, julgado em 26/01/2022, DJe 09/02/2022). (grifo meu)
Por fim, encontra-se a medida de internação, encontrada nos arts. 121 a 125 do ECA. Konzen (2018) explica que a presente medida é pautada pelos princípios da brevidade, excepcionalidade e respeito aos adolescentes. No princípio da brevidade, diz respeito ao limite cronológico da medida de internação, ou seja, a duração desta medida deverá ocorrer o mais rápido possível, de acordo com o tempo pré-estabelecido na lei (KONZEN, 2018).
O Princípio da Excepcionalidade se sustenta na ideia de que a privação de liberdade não se constitui na melhor opção para a construção de uma efetiva ação socioeducativa em face do adolescente, somente acionável, enquanto mecanismo de defesa social, se outra alternativa não se apresentar (MULLER et al., 2019).
Por último, encontra-se o princípio da condição peculiar da pessoa em desenvolvimento. Este princípio “estabelece que deve haver a proteção do menor infrator na imposição e na aplicação das medidas impostas” (MENESES, 2018, p. 57). Matos (2017) aduz que é dever do Estado promover políticas públicas que promovam a proteção da integridade física e psicológica dos internos, no ambiente da execução desta medida, uma vez que se tratam de sujeitos em formação.
Estabelecidos as medidas socioeducativas existentes no ordenamento jurídico brasileiro, parte-se para a discussão central desse estudo: a sua eficácia na prática.
As medidas socioeducativas vieram para fazer com que o jovem responda judicialmente pelos atos que comete. Para que essa reintegração e ressocialização sejam bem sucedidas é preciso que essas medidas sejam efetivas e que resultem em sucesso, ou seja, é necessário que o jovem infrator saia da vida criminal e se integre a sociedade de forma mais íntegra e honesta.
Quanto às medidas socioeducativas, muitas são as críticas quanto ao seu resultado. No entanto, é importante deixar claro que tais medidas são fundamentais, pois são medidas que devem estar legalmente previstas em qualquer ordenamento jurídico, principalmente no regimento brasileiro, que sempre busca “salvar” o ser humano da criminalidade.
Para Vioto (2020) a eficácia da medida socioeducativa, está diretamente ligada à elaboração de projetos pedagógicos específicos, que respeitem o tipo de medida imposta a cada infrator, diferenciando o grupo por idade e separando-os por gravidade do ato cometido.
Em sentido prático, Meneses (2018) observa que as medidas socioeducativas estão distantes de alcançar o objetivo para que foram criadas, já que no dia-a-dia observa-se que os adolescentes recebem essas medidas e logo cometem outro ato infracional, não se conscientizando do ato que cometeu.
Ainda dentro da realidade crítica em relação a efetivação das medidas socioeducativas, encontra-se a seguinte explanação relatando a crise na interpretação do ECA:
Cumpre lembrar que, embora o número de adolescentes autores de ato infracional seja percentualmente insignificante em face do conjunto da população infanto-juvenil brasileira, a ação deste pequeno grupo tem grande visibilidade. È bom que se destaque que se está a falar de menos de um por cento da população infanto-juvenil do Brasil, se cotejados os números daqueles adolescentes incluídos em medidas socioeducativas (de privação de liberdade e de meio aberto) com o conjunto da população com menos de dezoito anos. Ainda assim, por conta de uma crise de implementação do Estatuto da Criança e do Adolescente, que resulta de uma crise de interpretação do próprio Estatuto, as insuficientes ações em face da chamada “delinquência juvenil” acabam tendo o poder de contaminação de toda a política pública de defesa dos direitos humanos da infância e da juventude brasileira, colocando em risco a proposta de funcionamento de todo sistema (NERI, 2020, p. 33).
Analisando mais especificamente cada medida, em relação a medida de advertência, “esta será bem sucedida caso seja aplicada a casos de menor gravidade e para jovens que cometeram o primeiro ato infracional, já que se trata de uma medida somente de repreenda verbal” (VOLPI, 2019).
Na medida de obrigação de reparar o dano, Vioto (2020) acredita que quando é aplicada proporciona a auto-correção do jovem infrator, uma vez que este terá que reparar as consequências de seu ato ilícito. Soma-se a isso, o fato de que terá uma satisfação e senso de punição pela vítima, que vai ser ressarcida pelo seu prejuízo.
Apesar de ser praticamente desconhecida e pouco aplicada, a reparação de danos é uma medida socioeducativa eficaz, por ser capaz de alcançar tanto a esfera jurídica do adolescente como a da vítima e, assim, dirimir o conflito existente. Se de um lado a reparação do dano pode propiciar ao adolescente o reconhecimento do prejuízo causado pelos seus atos, de outro pode garantir à vítima a reparação do dano sofrido e a certeza de que o adolescente é responsabilizado pelo Estado, por seus atos ilícitos (SARAIVA, 2021, p. 48).
Além disso, alguns doutrinadores defendem que essa medida seja ressarcida inteiramente pelo jovem infrator e não apenas pelos pais, como ocorre na maioria das vezes. Eles defendem que só assim o adolescente terá uma verdadeira consciência dos seus atos (MONTE et al., 2020).
Na medida de prestação de serviços à comunidade, é conhecida como uma das mais eficazes. Segundo Rodrigues e Oliveira (2018) observa-se que a realização dos trabalhos comunitários traz ao menor que cometeu delito responsabilidade para exercitar as atividades, sendo forte artifício para a ressocialização. Essa medida ajuda inclusive aos jovens infratores de classe média.
Nesse sentido, Matos (2017) entende que a aplicação dessa medida a menores infratores da classe média alcança excelentes resultados, pois os põe de frente com a realidade fria e palpitante das instituições públicas de assistência, fazendo-os repensar de maneira mais intensa o ato infracional por eles cometido, afastando a reincidência.
No que concerne à liberdade assistida, Muller et al. (2019) defendem que essa medida aplicada corretamente afastaria a reincidência da delinquência juvenil, contudo, deve ponderar que sua execução só será eficaz se a equipe necessária estiver efetivamente empenhada e disponível para tal fiscalização.
No entanto, são muitas as críticas a sua aplicação, pois para alguns estudiosos, principalmente da área sociológica, tal medida propicia a impunidade dos menores infratores, uma vez que não se tem uma infraestrutura adequada para que essa medida atinja a sua finalidade.
A situação atual é de amplo descrédito em relação à Liberdade Assistida, que, em alguns casos, chega a ser vista por juízes, promotores, mídia, opinião pública e até mesmo pelos próprios adolescentes como uma forma de (des) responsabilização e de impunidade. A falta de investimento na capacitação do corpo técnico encarregado de orientar os adolescentes inseridos nessa modalidade de atenção contribui para que sua efetividade como alternativa eficaz e humana à privação de liberdade seja questionada em face dos baixos níveis de eficiência e eficácia verificados no dia a dia (MATOS, 2017, p. 20).
Na medida de semiliberdade, Monte et al. (2020) afirmam que a aplicação da medida de regime de semiliberdade deve ser acompanhada de escolarização e profissionalização obrigatórias, embora e saiba também que não existem escolas suficientes e adequadas ao cumprimento dessa medida.
A medida de internação, talvez seja a mais crítica. Devido a sua característica de privação de liberdade do jovem, a internação representa a realidade brasileira da sua pior forma, ou seja, mostra claramente a deficiência do Estado, da sociedade e principalmente da família no cuidado e amparo ao jovem.
Para Coscioni et al. (2018) a situação atual é que o sistema de internação além de privar os adolescentes em conflito com a lei de sua liberdade acaba privando-os também dos direitos ao respeito, à dignidade, à privacidade, etc.
É nítido observar que no Brasil, os centros socioeducativos que agrupam esses jovens infratores não possuem estrutura física e nem humana para ressocializar esses infratores. Nesse aspecto, cabe citar:
[...] ocorre que as entidades de internação, não têm cumprido este papel, visto que não atendem sequer a previsão instituída pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. A grande maioria dos sistemas de internação passa por dificuldades para atender de forma digna os jovens infratores. A falta ou, a má administração dos recursos empregados nas unidades faz com que estes adolescentes sofram maus tratos, advindos da falta de preparo apresentada pelos instrutores e orientadores, e pela falta de estrutura que as unidades apresentam como instalações inadequadas e super lotação das unidades de internamento (VIOTO, 2020, p. 28).
Saraiva (2021) ressalta que deveriam ser unidades especiais, dotadas de todos os serviços psicossociais, as mais variadas e modernas formas de terapias, sejam elas com fins exclusivamente terapêuticos ou de ocupação.
Para que essa medida seja mesmo eficaz, Volpi (2019) diz que não basta apenas colocar o jovem sob privação de liberdade, é preciso que o mesmo tenha um acompanhamento aprofundado, psicológico ou em alguns casos psiquiátricos, além de uma educação de qualidade, que o condicione a uma profissionalização.
Nos dizeres de Neri (2020), para se ter uma plena eficácia das medidas socioeducativas, é necessário um trabalho conjunto, em rede, não pode haver um garantivismo isolado: o jurídico, o social e o educativo. Deve haver uma harmonia entre todos esses setores.
Na visão de Matos (2017), no que tange ao argumento de que as medidas não são eficazes, pois não são bem aplicadas, e que as falhas não advêm da normatização do sistema, mas sim da falta de despreparo por parte das instituições responsáveis pela execução das medidas, não é um argumento razoável. Primeiramente, porque a eficácia e a falta de despreparo das instituições não devem ser estudadas no mesmo pólo. Isso porque, com certeza, é sabido por todos que é necessária uma readequação no sistema de execução, um aperfeiçoamento, afinal, o direito da criança e do adolescente é recente e certamente sofrerá mudanças, mudanças essas sempre respeitando os princípios já existentes no nosso Estatuto.
Entende Honorato (2022) que a eficácia de uma medida não depende somente do agir do estado através de uma instituição, a ressocialização e a reeducação é algo que depende, acima de tudo, da vontade do adolescente e também de um amparo familiar. As ferramentas constitucionais necessárias para a eficácia das medidas socioeducativas, que são Estatuto da Criança e do Adolescente e o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo, já foram conquistados. Agora, o que se precisa é exigir o seu efetivo cumprimento, exigir e assegurar que as leis transcendam para a realidade.
Dessa forma, fica evidenciado que a aplicabilidade das medidas socioeducativas existe, conforme mostrado os julgados durante o trabalho, onde tais medidas são aplicadas nos casos em que ensejem a sua colocação. No que se refere a sua eficácia, a situação fica mais frágil, pois a depender da medida, como a internação, a sua efetivação resta duvidosa.
O Brasil, ainda que possua uma excelente lei de proteção e punição aos jovens, não possui uma prática eficaz das suas medidas socioeducativas. O caminho para se mudar esse quadro deve começar com a união de todos os membros da sociedade, do Estado, do âmbito educacional e cultural e dos centros de socioeducativo, já que são esses centros que lidam diretamente com o jovem infrator. Com essa união, abre-se caminho para uma ressocialização e reintegração do jovem infrator à sociedade e ao berço familiar, não mais tendo qualquer vestígio de uma conduta criminal.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante de todo o exposto neste trabalho, fica claro que a adolescência é uma das fases mais importantes da vida humana, principalmente porque é nessa fase que as transformações físicas e sociológicas estão mais intensas e movimentadas, fazendo com que o adolescente se transforme rapidamente, em muitos casos, em um adulto.
É nessa fase também, que muitos crimes são cometidos. Atualmente é nítido constatar que a criminalidade tem sido maior na faixa etária entre 16 a 18 anos. Muito desse quadro é um reflexo da sociedade moderna, que vem mudando valores e costumes, aumentando a desigualdade social e cultural entre os seus pares.
Por conta disso, dentre outros fatores, o Estado vem tentando coibir esse aumento de criminalidade entre os jovens. A medida mais clara nesse sentido, se encontra no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que desde 1990, ano de sua promulgação, tem se tornado a lei mais importante no que tange a esses indivíduos.
Através de medidas socioeducativas, o ECA juntamente com o Direito Constitucional vem buscando formas de incluir o jovem a uma sociedade mais justa e sadia. As medidas apresentadas nesse estudo são excelentes, se olhar no campo teórico. O que poderia ser uma solução, ainda permanece em um problema.
De nada adianta ter boas medidas socioeducativas na lei, se na prática essas mesmas medidas não são amplamente efetivas. Consequência maior dessa realidade é a juventude se perdendo no mundo da criminalidade e numa vida vadia e sem rumo, causando um estrago ainda maior na comunidade.
A realidade atual brasileira vem mostrando que crianças e adolescentes precisam de um cuidado mais que especial. De nada é útil uma lei importante como o ECA se na prática, as políticas públicas de amparo e desenvolvimento a esses indivíduos seja ineficaz ou negligente.
É preciso que o Estado, assim como a sociedade e a família estejam empenhados em garantir a esses jovens infratores uma ressocialização digna, longe de preconceitos e obstáculos intangíveis, que só vem a piorar a situação. Encontrado a problemática desta questão, deve-se buscar de forma imediata a solução para a erradicação do aumento de criminalidade de jovens.
Programas governamentais, discussões políticas e públicas com a sociedade e com as famílias, são alguns dos caminhos que podem ser encontrados para a solução desse problema. Maior apoio educacional, juntamente com a integração do esporte e da cultura, também são ferramentas que podem ajudar o jovem não somente a sair da vida do crime, como evitar que o mesmo entre.
O problema da crescente criminalidade juvenil é um alarmante para indicar que o cenário atual não é o ideal e que se encontra longe de um progresso. Uma sociedade em que os jovens estão a sua margem, só pode trazer resultados prejudiciais rápidos a todos os seus membros.
O que se deve fazer, de forma imediata, é a real efetivação dessas medidas, buscando maiores recursos financeiros para melhor equipar os centros de educação e ressocialização, além de equipes multidisciplinares que auxiliem diariamente o jovem infrator a não mais cometer o crime.
A responsabilidade de crianças e jovens é de todos os membros da sociedade e do Estado. Por isso, não há como aceitar que esses indivíduos sejam negligenciados por aqueles que deveriam protegê-los e ampará-los, devendo garantir-lhes uma vida mais plena e de paz.
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[1] Docente do Curso de Direito da Universidade de Gurupi – UnirG. E-mail: fabiosilva2020@yahoo.com.br
Bacharelando em Direito pela Universidade de Gurupi – UnirG. E-mail: [email protected]
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LINO, THAÍLA NOGUEIRA. A eficácia das medidas socioeducativas no mundo dos atos infracionais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 maio 2023, 04:32. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/61419/a-eficcia-das-medidas-socioeducativas-no-mundo-dos-atos-infracionais. Acesso em: 24 nov 2024.
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