RESUMO: O presente artigo aborda o tema da eutanásia, que tem sido amplamente discutido em diversas áreas, como direito, ciências humanas, filosofia, medicina, biologia e religião. No contexto jurídico, existe um debate em torno desse assunto. Enquanto a Constituição defende o direito à vida como inviolável, também há a defesa da autonomia de vontade e da dignidade da pessoa humana. Isso gera um conflito aparente entre direitos fundamentais, pois envolve o direito à vida e a autonomia da vontade do paciente que deseja pôr fim ao seu sofrimento. A pesquisa tem como objetivos: discutir a possibilidade de adoção da eutanásia no Brasil, examinar a responsabilidade penal dos médicos, analisar o princípio da dignidade humana, relacionar outros princípios constitucionais, como o direito à vida e a autonomia da vontade, e apresentar conceitos básicos para entender por que a eutanásia deve ser legalizada. O estudo utiliza a metodologia de revisão de literatura bibliográfica e tem um enfoque descritivo.
Palavras-chave: eutanásia, direito, autonomia, dignidade humana, responsabilidade penal.
1.INTRODUÇÃO
O instituto da eutanásia é um tema muito discutido na atualidade e está presente em diversos campos, como direito, ciências humanas, filosofia, medicina, biologia e religião, entre outros. No ramo do direito, suscita um grande debate jurídico. Por um lado, a Constituição defende que o direito à vida é inviolável, enquanto, por outro lado, há a defesa da autonomia de vontade e da dignidade da pessoa humana (SÁ, 2001).
Pacientes com doenças terminais sem expectativa de vida prolongada, em estado vegetativo, em constante dor devido à falta de medicamentos que possam aliviá-la, e até mesmo aqueles que são tetraplégicos e não desejam depender de cuidados de terceiros, preferem pôr fim ao seu sofrimento. Isso gera uma aparente colisão entre direitos fundamentais, pois envolve, de um lado, o direito à vida e, do outro, a autonomia da vontade do paciente que, por estar sofrendo, deseja ser livre. Ambos os princípios são regidos pela Constituição (COELHO, 2007).
Considerando a vontade do paciente, que está sofrendo de uma doença incurável e deseja exercer o direito de dispor de sua própria vida, surgem muitas controvérsias em relação à postura a ser adotada em termos de responsabilidade penal do autor e ética profissional. Por outro lado, muitos pesquisadores argumentam que, com a prática da eutanásia, o enfermo terá amparo no princípio da dignidade da pessoa humana, garantindo uma morte digna, indolor e rápida (COELHO, 2007).
Neste contexto, surge o problema central da presente investigação, que consiste em: Quais são as implicações jurídicas, éticas e constitucionais da possível adoção da eutanásia no Brasil, considerando a responsabilidade penal dos médicos, o princípio da dignidade humana, a relação com outros princípios constitucionais, como o direito à vida e a autonomia da vontade, e a necessidade de estabelecer conceitos claros para compreender os aspectos relevantes da eutanásia e suas razões para ser legalizada?
Diante dessa indagação, a presente investigação tem como objetivos específicos: a) Discutir a possibilidade de adoção da eutanásia no Brasil; b) Verificar a extensão da responsabilidade penal dos médicos em relação à escolha desse procedimento, caso seja legalizado no Brasil; c) Analisar o princípio da dignidade humana diante da eutanásia; d) Relacionar outros princípios constitucionais, como o direito à vida e a autonomia da vontade; e) Apresentar conceitos básicos para compreender o que é, como é, para quê e por que a eutanásia deve ser legalizada.
Para alcançar os objetivos apresentados, optou-se pelo uso da metodologia de revisão de literatura bibliográfica, conforme proposto por Vergara (2000). Quanto aos fins, trata-se de uma pesquisa de cunho descritivo.
2.REFLEXÕES SOBRE A MORTE: ASPECTOS JURÍDICOS E CONCEITUAIS.
A morte é um dos temas mais obscuros para a sociedade e tem sido objeto de pesquisa em diversas culturas ao longo da história. Todos, de alguma forma, tentam vencer ou ao menos compreender o significado desse evento inevitável. Segundo Mello (2015), a morte é uma interrupção obrigatória da vida do organismo, à qual todos estão sujeitos. Por estar intrinsecamente ligada às pessoas e à lei, o ordenamento jurídico brasileiro estabelece princípios e normas para lidar com esse assunto, os quais afetam os direitos e obrigações individuais perante a sociedade. Embora haja divergências sobre o momento em que um indivíduo adquire personalidade jurídica, há um consenso de que esse desaparecimento ocorre com a morte.
De acordo com Marmelstein (2014), a legislação brasileira contempla diferentes tipos de óbito, a saber: morte real, morte presumida com declaração de ausência e morte presumida sem declaração de ausência. Além disso, existem as declarações de morte civil ou fictícia e de solidariedade para fins de herança. A morte real é o tipo mais comum e simples, caracterizada pela cessação cerebral. O artigo 6º do Código Civil estabelece que "a existência da pessoa natural termina com a morte; presume-se esta, quanto aos ausentes, nos casos em que a lei autoriza a abertura de sucessão definitiva" (BRASIL, 2002).
A morte civil, segundo Marmelstein (2014), ocorre quando um indivíduo perde seus direitos sucessórios ainda em vida, mantendo apenas o direito a uma herança específica. Quando ocorrem mortes simultâneas de duas ou mais pessoas e não é possível determinar quem faleceu primeiro, considera-se que nenhuma herança será estabelecida entre os comorientes.
Carneiro (2018) define a morte presumida como a situação em que não se encontra o corpo do possível falecido, podendo ser dividida em duas categorias diferentes. Essa ocorrência ocorre quando o indivíduo poderia ter falecido após a conclusão das buscas.
A morte possui consequências jurídicas e, dependendo das circunstâncias específicas, as soluções devem ser baseadas nas disposições do Código Civil Brasileiro. De acordo com Marmelstein (2014), no direito romano, a morte resolve todos os problemas, considerando que a existência das pessoas naturais termina com a morte. No entanto, mesmo quando ocorre a morte sem cadáver ou testemunhas, o Código Civil Brasileiro estabelece normas para regular as relações entre os familiares do falecido, especialmente no que diz respeito à herança e à divisão de bens.
Quanto à eutanásia, o Código Penal Brasileiro não a menciona especificamente. No entanto, no caso de homicídio motivado por relevante valor social ou emoção violenta, conforme o § 1º do art. 121, conhecido como homicídio piedoso, e quando há intenção de causar dano, enquadrando-se no § 2º, por antecipação intencional da morte, a conduta pode ser considerada homicídio privilegiado. O suicídio assistido está incluído no Artigo 122, que trata da indução, instigação ou auxílio ao suicídio de alguém (CARNEIRO, 2018).
3.A EUTANÁSIA: CONCEITOS, SIGNIFICADOS E CONSIDERAÇÕES ÉTICAS.
A palavra "eutanásia" tem origem grega e deriva da expressão "euthanatos", que significa literalmente "bem", e "thanasia", equivalente a "morte". No conceito etimológico absoluto, a eutanásia é definida como uma "morte boa", tranquila e sem dor ou sofrimento (Sá, 2011).
De acordo com Sá (2011), a eutanásia refere-se ao ato deliberado de encerrar a vida de alguém, comumente com o objetivo de aliviar o sofrimento. Médicos podem realizar a eutanásia quando solicitada por pessoas que enfrentam uma doença terminal e sofrem intensamente. Esse processo é complexo e envolve diversos fatores, incluindo as leis locais, a condição física e mental do indivíduo, bem como suas crenças e desejos pessoais.
O termo "eutanásia" foi criado no século XVII pelo filósofo inglês Francis Bacon, que defendia essa prática quando os médicos tivessem esgotado todos os meios para salvar um enfermo atormentado. Morselli (2001, p. 22) sustenta que "o médico deve aliviar o sofrimento e a dor não apenas quando isso possa trazer a cura, mas também quando pode proporcionar uma morte tranquila e serena".
Morselli (2001) citado por Gomes (2000) define a eutanásia como a morte provocada em uma pessoa que sofre de uma doença incurável, atendendo a seu próprio pedido, para abreviar uma agonia longa e dolorosa.
Ao longo do tempo, o termo "eutanásia" adquiriu vários e diferentes significados, tais como eutanásia ativa, suicídio assistido, morte doce e morte tranquila. Atualmente, a eutanásia, ou morte piedosa, consiste em permitir o desfecho da morte para um enfermo que sofre de uma doença incurável ou grave, causando-lhe um longo e penoso sofrimento. Inspirada na compaixão pelo doente e no altruísmo de quem a pratica, a eutanásia não tem como objetivo causar a morte, mas sim aliviar e abreviar o sofrimento do moribundo.
Morselli (2000) define a eutanásia como a morte resultante da intenção de uma pessoa matar outra de maneira mais suave e fácil possível, motivada exclusivamente pelo interesse superior da pessoa que morre. Dessa forma, é razoável inferir que qualquer situação em que sejam selecionados meios diferentes dos mais gentis e fáceis possíveis para provocar a morte não é uma instância adequada de eutanásia. Isso ocorre porque, se a morte por eutanásia é motivada pelos melhores interesses da pessoa que morre - o que pode ser considerado uma parte necessária, embora não suficiente, da definição de eutanásia - seria sempre do interesse dela que a opção mais gentil disponível fosse utilizada, sendo essa a melhor opção por definição, a que não pode ser superada. Portanto, matar intencionalmente sem usar os meios mais gentis e fáceis possíveis não pode ser considerado eutanásia. No máximo, seria uma eutanásia mal executada, mas pode nem mesmo ser isso, já que presumivelmente queremos fazer uma distinção entre os casos em que os meios mais gentis não são selecionados.
Por outro lado, Draper (1998) não estipula que a morte deva ser solicitada, o que significa que, de acordo com sua definição, a eutanásia não voluntária é possível. No entanto, parece razoável supor que um desejo positivo de permanecer vivo é um fator importante ao fazer julgamentos sobre os melhores interesses, tornando a frase "eutanásia involuntária" um paradoxo. O autor não faz nenhuma estipulação sobre a identidade da pessoa que comete o assassinato ou sobre a relação entre o assassino e o falecido. Isso parece correto, uma vez que a identidade dos agentes pode fazer diferença para a permissibilidade de uma determinada instância de eutanásia, o que merece investigação em outro artigo, e pode ser um assunto a ser considerado pelos legisladores. No entanto, não é essencial saber se uma suposta morte por misericórdia é eutanásia por definição.
Na eutanásia ativa, uma pessoa causa diretamente e deliberadamente a morte do paciente. Na eutanásia passiva, não se tira diretamente a vida do paciente, apenas se permite que ele morra. Essa distinção é moralmente insatisfatória, pois mesmo que uma pessoa não "mate ativamente" o paciente, ela está ciente de que a consequência de sua inação será a morte do paciente (GURNEY, 2000).
Para Gurney (2000), a eutanásia ativa ocorre quando a morte é provocada por um ato, como quando uma pessoa é morta por uma overdose de analgésicos. A eutanásia passiva ocorre quando a morte é provocada por uma omissão, ou seja, quando alguém permite que a pessoa morra. Isso pode ser feito retirando ou suspendendo o tratamento, como desligar uma máquina que mantém uma pessoa viva, para que ela morra de sua doença, ou não realizar cirurgias que prolongariam a vida por um curto período. Tradicionalmente, considera-se que a eutanásia passiva é menos condenável do que a eutanásia ativa. No entanto, algumas pessoas acreditam que a eutanásia ativa é moralmente mais aceitável.
Shukla (2016) argumenta que essa doutrina pode ser contestada por vários motivos. Em primeiro lugar, em muitos casos, a eutanásia ativa é mais humana do que a eutanásia passiva. Em segundo lugar, a doutrina convencional leva a decisões irrelevantes sobre a vida e a morte. Em terceiro lugar, a doutrina baseia-se na distinção entre matar e deixar morrer, que em si não tem importância moral. Em quarto lugar, os argumentos mais comuns a favor da doutrina são inválidos. A distinção entre eutanásia ativa e passiva é considerada crucial para a Ética Médica. A ideia é que, em pelo menos alguns casos, é permitido reter o tratamento e permitir que um paciente morra, mas nunca é permitido tomar qualquer ação direta projetada para matar o paciente.
Segundo Moreland (2017), a eutanásia voluntária ocorre a pedido da pessoa que falece. A eutanásia não voluntária ocorre quando a pessoa está inconsciente ou incapaz, como um bebê muito novo ou uma pessoa com inteligência extremamente baixa, de fazer uma escolha significativa entre viver e morrer, e outra pessoa toma a decisão em seu nome. A eutanásia não voluntária também inclui casos em que a pessoa é uma criança mental e emocionalmente capaz de tomar a decisão, mas não é considerada legalmente com idade suficiente para fazê-lo, então outra pessoa deve tomá-la em seu nome perante a lei.
A eutanásia involuntária ocorre quando a pessoa que morre escolhe a vida e é morta de qualquer maneira. Isso geralmente é chamado de assassinato, mas é possível imaginar casos em que o assassinato pode ser considerado em benefício da pessoa que morre.
De acordo com Shukla (2016), a eutanásia por duplo efeito significa fornecer um tratamento (geralmente para reduzir a dor) que tem o efeito colateral de acelerar a morte do paciente. Uma vez que a intenção primária não é matar, isso é visto por algumas pessoas como moralmente aceitável. Essa justificativa é formalmente chamada de doutrina do duplo efeito. A morte do paciente ocorre em estado terminal, seja por falta de providências médicas, seja pela interrupção de medidas extraordinárias destinadas a aliviar o sofrimento (SHUKLA, 2016).
O suicídio assistido geralmente se refere a casos em que a pessoa que vai morrer precisa de ajuda para se matar e pede por isso. Pode ser algo tão simples como conseguir drogas para a pessoa e colocá-las ao seu alcance (JUNQUEIRA, 2006).
Moreland (2017) menciona que o suicídio assistido é contrastado com a eutanásia, às vezes chamada de morte misericordiosa, em que a pessoa que morre não provoca diretamente sua própria morte, mas é morta para impedir que a pessoa experimente mais sofrimento. A eutanásia pode ocorrer com ou sem consentimento e pode ser classificada como voluntária, não voluntária ou involuntária. Matar uma pessoa que está sofrendo e que consente é chamado de eutanásia voluntária. Atualmente, isso é legal em algumas regiões. Se a pessoa não for capaz de dar consentimento, isso é conhecido como eutanásia não voluntária. Matar uma pessoa que não deseja morrer, ou que é capaz de dar o consentimento e cujo consentimento não foi solicitado, é considerado homicídio e crime de eutanásia involuntária. O direito de morrer é a crença de que as pessoas têm o direito de morrer, seja por meio de várias formas de suicídio, eutanásia ou recusa de tratamento médico que salva vidas (JUNQUEIRA, 2006).
Segundo Junqueira (2006), a bioética aborda os problemas éticos no âmbito da saúde decorrentes dos avanços das tecnologias biomédicas. Esses avanços incluem pesquisas em seres humanos, eutanásia, distanásia, engenharia genética, terapias gênicas, métodos de reprodução assistida, maternidade substitutiva, eugenia, clonagem de seres humanos, mudança de sexo, entre outros. Além disso, a bioética também estuda os problemas éticos decorrentes da degradação do meio ambiente, da destruição do equilíbrio ecológico e do uso de armas químicas. Esses estudos são aprofundados e de difícil solução, pois envolvem questões polêmicas e que geram divisões de opiniões.
Diniz (2006) afirma que a bioética, juntamente com o biodireito, analisa todas essas questões, verificando seus benefícios, desvantagens e perigos para a humanidade. Ambas caminham ao lado dos direitos humanos, com o objetivo de garantir a preservação da dignidade humana. Embora as inovações biotecnológicas tragam inúmeros benefícios à humanidade, é crucial que não ultrapassem os limites éticos, respeitando a vida humana, sua integridade e dignidade. Não é aceitável cometer injustiças em prol do progresso científico. Nesse contexto, os profissionais da saúde têm uma grande responsabilidade, devendo estar atentos para garantir que nenhum procedimento atente contra a dignidade humana.
4.A EUTANÁSIA COMO EXPRESSÃO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA: REFLEXÕES JURÍDICAS E ÉTICAS
Como se vê, a problemática acompanha o homem juntamente com o seu progresso, uma vez que a eutanásia está cada vez mais sendo desenvolvida, e seus defensores argumentam pela necessidade de tipificação para evitar condenações injustas ou lacunas legais. No entanto, o Código Penal brasileiro não criminaliza a eutanásia e também não possui um artigo específico que a defina. Em contrapartida, a prática da eutanásia compassiva tem sido considerada como um homicídio privilegiado, uma vez que apresenta o valor moral mencionado pelo legislador no § 1º do Art. 121: "Matar alguém: Pena - reclusão de 6 (seis) a 20 (vinte) anos. § 1º Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço" (BRASIL, 2005).
Diversos estudiosos e jurisprudências concentram-se na piedade e compaixão que levam o agente da prática eutanásica a produzir a morte com o objetivo de classificá-la como homicídio privilegiado. Nesse contexto, o valor moral e social encontrado é considerado relevante, permitindo a atenuação da pena (GOMES, 2007).
É importante lembrar que o relevante valor moral é um princípio que enobrece qualquer cidadão em situações normais, devendo estar em conformidade com os princípios éticos predominantes. Um motivo de relevante valor moral é aquele aprovado pela ordem moral e prática, como a compaixão ou piedade diante do sofrimento insuportável de uma pessoa com doença incurável. Portanto, o agente que comete o chamado homicídio compassivo ou eutanásia age impelido por motivo de relevante valor moral (BITTENCOURT, 2001).
Assim como em outros países, o Brasil também se debruça sobre estudos e tentativas de tipificação da eutanásia em seu ordenamento jurídico vigente. O Anteprojeto de reforma do Código Penal brasileiro de 1984 previa a exclusão da ilicitude nos casos de eutanásia passiva, bem como a atenuação da pena do autor da eutanásia ativa em certos casos. Paulo Nogueira, em sua obra "Em defesa da Vida", cita que: "O Anteprojeto de Reforma da Parte Especial, de 1984, no § 4º do art. 121, isentou de pena 'o médico que, com consentimento da vítima, ou, na sua impossibilidade, de ascendente, descendente, cônjuge ou irmão, para eliminar-lhe o sofrimento, antecipa morte iminente e inevitável, atestada por outro médico'. A reforma da Parte Especial não chegou a ser realizada; ocorreu apenas a reforma da Parte Geral (Lei nº 7.209, de 17-7-1984, que está em vigor)".
Em qualquer fase da vida, a dignidade da pessoa humana deve estar presente e ser respeitada. Muitas vezes, pacientes em estado terminal sofrem agonias e dores sem serem consultados sobre as técnicas de prolongamento da vida que estão sendo aplicadas, o que desrespeita sua autonomia. Acredita-se que a eutanásia possa aliviar o sofrimento físico e emocional do paciente e de seus familiares, considerando o direito individual de cada pessoa sobre si mesma. Se o suicídio é um direito do titular da vida, por que negar-lhe o mesmo direito quando não lhe convém mais viver? A lei não deveria interferir nessa decisão, uma vez que o paciente terminal, mesmo mantido vivo artificialmente, já não possui mais condições de interagir ou participar de situações cotidianas simples (COELHO, 2001). Retirar a dignidade humana em nome de um direito absoluto não é muito diferente de sentenciá-la à própria morte em vida (CARLIN, apud COELHO, 2001).
Um indivíduo moribundo, abalado psicologicamente e sem esperanças de sobreviver, dependente de máquinas e de outras pessoas para sua totalidade, sofrendo agonia constante, não pode desejar outra coisa senão a morte. Embora a lei conceba a vida como um bem indisponível, a imposição da vida nessas circunstâncias vai contra a dignidade humana. Se a dignidade acompanhou o enfermo ao longo de sua vida, ela não pode ser negligenciada nos momentos cruciais. Quando todos os recursos terapêuticos estão exauridos e regras detalhadas e razoáveis são seguidas, a eutanásia não pode ser considerada um ato punível. Dessa forma, a prática da eutanásia não vai contra a dignidade da pessoa humana; na verdade, manter uma pessoa condenada à morte cercada de sofrimento físico e mental insuportável é que atenta contra essa dignidade (GOMES, 2007).
Entende-se que a eutanásia é uma extensão do viver com dignidade, pois o princípio da dignidade da pessoa humana busca acompanhar o ser humano desde a concepção até o último suspiro de vida. A prática da eutanásia promove uma morte digna para aqueles que não suportam mais uma situação constrangedora e agonizante que fere sua dignidade, assim como a de seus familiares (COELHO, 2001).
É dever do Estado, cujo objetivo é a realização do bem comum, respeitar e proteger esse bem comum. O direito surge como um instrumento auxiliar para alcançar esse objetivo. Assim como o Estado, o direito também é derivado da natureza humana e existe para o ser humano. A pessoa é o princípio e o fim do direito (MORAES, 2003). A noção de dignidade da pessoa humana está intrinsecamente ligada à definição material de Constituição, uma vez que a preocupação com o ser humano se consagrou como uma das finalidades constitucionais.
5.CONSIDERAÇÕES FINAIS
A "morte digna" não fere o princípio em questão, uma vez que assegurar dignidade ao indivíduo somente enquanto este tiver saúde e deixá-lo à mercê da vontade de médicos e do Estado, sem valorizar sua vontade ou dignidade, não configura uma garantia benéfica. O correto é garantir que o indivíduo, mesmo em seu leito de morte, tenha sua dignidade respeitada e o poder de decidir se deseja prosseguir em profunda agonia, que resultará inevitavelmente em sua morte, ou se deseja antecipá-la e poupar-se de tanto sofrimento. Quando a morte é antecipada, não apenas a dignidade da pessoa humana é observada, mas também outros valores de extrema relevância, como liberdade, autonomia e cessação do sofrimento.
O direito à vida não se conceitua apenas em deixar viver, em respirar. Conforme estudado, tal direito proporciona uma ideia de qualidade de vida, de vida digna. No âmbito constitucional, o essencial é respeitar princípios e valores como a dignidade da pessoa humana, a liberdade, a autonomia e o direito à vida. Conforme demonstrado ao longo deste trabalho, esses princípios não se opõem ao direito à eutanásia ou ortotanásia; pelo contrário, eles constituem a base para a defesa da denominada "morte digna".
Vale destacar que a busca pela legalização da eutanásia deve ser realizada com bastante cautela, a fim de evitar a banalização do instituto e a ocorrência de mortes arbitrárias. Vários critérios devem ser observados antes de se deliberar sobre a impunibilidade da prática eutanásica, sendo os principais: a existência de uma doença incurável, comprovadamente impossível de ser curada cientificamente; sofrimentos e dores insuportáveis; e o pedido do paciente. O pedido do paciente configura o consentimento, que deve ser livre e esclarecido. O paciente terminal deve estar ciente de tudo o que lhe ocorre, bem como das alternativas de tratamento ou métodos paliativos, e deve ter todas as informações verídicas para embasar sua decisão de maneira coerente. O respeito à autonomia do paciente garante o exercício de sua dignidade como pessoa humana, que diz respeito a ter seus direitos e garantias concedidos pelo Estado invioláveis.
O adequado dimensionamento da realidade nos tipos penais pelo legislador, embora seja uma missão difícil, seria um importante passo para um Direito Penal brasileiro adequado às modificações sociais - que foram significativas desde a década de 1940 - e aos princípios da bioética, reconhecendo sua força jurídica. Concomitantemente a essas medidas, é aconselhável o desenvolvimento de programas de assessoramento e acompanhamento às pessoas atormentadas, não apenas com o objetivo de, talvez, dissuadi-las de sua decisão pela morte, mas também de diminuição do sofrimento, possibilitando um maior contato humano, pois isso é essencial. Ressalta-se, porém, que no Brasil as desigualdades sociais são severas e as condições dos hospitais públicos, que atendem ou deveriam atender de forma eficaz a grande maioria da população, são deploráveis. Nesse contexto, a eutanásia poderia ser uma ponte dourada entre a vida e a morte para diversas pessoas que não têm seus direitos fundamentais assegurados na prática, em um fenômeno que por alguns é denominado "mistanásia", que significa morte infeliz, miserável, transcendendo o contexto médico-hospitalar e atingindo aqueles que nem sequer têm acesso a um atendimento médico adequado devido à carência social, tornando-se, para essas pessoas, uma opção preferencial diante da inapetência do Estado em solucionar questões de saúde pública e socioeconômicas, o que é inaceitável.
Assim, é urgente que a justiça brasileira adote um posicionamento claro e concreto sobre um tema cada vez mais relevante, deixando o Direito alheio a ele. Uma revolução silenciosa já está em andamento, e o Estado sábio será aquele que deliberar sobre a matéria antes que a arbitrariedade tome conta dos hospitais em nome da morte com dignidade.
REFERÊNCIAS
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