JOÃO CHAVES BOAVENTURA[1]
(orientador)
RESUMO: A lavagem de dinheiro representa um desafio significativo para a integridade do sistema financeiro global, impactando diretamente os profissionais que atuam na área jurídica, especialmente os advogados. Este artigo aborda a legislação brasileira pertinente ao tema, com destaque para a Lei nº 9.613 de 1998 e suas alterações, bem como a Lei nº 8.906 de 1994, que regula a atividade advocatícia. A partir de uma análise abrangente, são explorados os conceitos e as fases da lavagem de dinheiro, desde a colocação até a integração dos recursos ilícitos na economia legal. Destaca-se o papel do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF) como unidade de inteligência no combate à lavagem de dinheiro no Brasil, incluindo suas atribuições de recebimento de informações suspeitas e elaboração de relatórios de inteligência financeira. Compreender a lavagem de dinheiro é essencial tanto do ponto de vista econômico, devido às distorções que causa nos mercados financeiros, quanto do ponto de vista jurídico, dada a complexidade das práticas envolvidas e os desafios éticos e legais enfrentados pelos profissionais de advocacia na prevenção e identificação dessas atividades ilícitas. Este artigo busca fornecer uma visão abrangente dos riscos e desafios enfrentados pelos advogados nesse contexto, bem como as melhores práticas para evitar o envolvimento involuntário em atividades de lavagem de dinheiro.
Palavras-chave: Lavagem de dinheiro, Lei nº 9.613/1998, Ética profissional, Profissionais liberais, Medidas de prevenção.
ABSTRACT: Money laundering represents a significant challenge to the integrity of the global financial system, directly impacting professionals in the legal field, especially lawyers. This article addresses Brazilian legislation relevant to the subject, with emphasis on Law No. 9,613 of 1998 and its amendments, as well as Law No. 8,906 of 1994, which regulates legal practice. Through a comprehensive analysis, the concepts and phases of money laundering are explored, from placement to the integration of illicit proceeds into the legal economy. The role of the Financial Activities Control Council (COAF) as an intelligence unit in combating money laundering in Brazil is highlighted, including its responsibilities for receiving suspicious information and producing financial intelligence reports. Understanding money laundering is essential from both an economic standpoint, due to the distortions it causes in financial markets, and from a legal perspective, given the complexity of the practices involved and the ethical and legal challenges faced by legal professionals in preventing and identifying these illicit activities. This article aims to provide a comprehensive overview of the risks and challenges faced by lawyers in this context, as well as best practices to avoid involuntary involvement in money laundering activities.
Key Words: Money laundering, Law No. 9,613/1998, Professional ethics, Liberal professionals, Prevention measures.
1.INTRODUÇÃO
No contexto atual, onde as transações financeiras se tornaram cada vez mais complexas e globais, a lavagem de dinheiro foi distribuída como um dos principais desafios para a integridade do sistema financeiro e, consequentemente, para os profissionais que atuam na área de advocacia. Esses profissionais desempenham um papel fundamental na prestação de serviços que, infelizmente, podem ser explorados por indivíduos e organizações envolvidas em atividades de lavagem de dinheiro.
A legislação brasileira sobre lavagem de dinheiro, em especial a Lei nº 9.613 de 03 de março de 1998 e alterações, fornece uma estrutura jurídica sólida para a prevenção e combate a essa prática, mas pode ser ineficaz na prática devido a lacunas, falta de fiscalização ou complexidade excessiva.
Nesse cenário, é imperioso se preocupar com os riscos e desafios enfrentados pelos profissionais de advocacia ao prestarem serviços que podem, de alguma forma, estar relacionados às atividades de lavagem de dinheiro.
A partir disso, o presente artigo compromete-se a compor uma análise abrangente, que aborda desde a legislação pertinente até o entendimento dos tribunais superiores, além de considerar periódicos, matérias jornalísticas e demais materiais bibliográficos. Será explorado também como esses profissionais podem identificar atividades suspeitas, quais são as melhores práticas para prevenir o envolvimento involuntário nesse tipo de prática criminosa e, mais importante, qual é a responsabilidade legal e ética á luz do Estatuto da Advocacia (Lei 8.906 de 04 de julho de 1994) que recai sobre tais profissionais quando confrontados com casos de lavagem de dinheiro em sua clientela.
2.LAVAGEM DE DINHEIRO: CONCEITO E LEGISLAÇÃO
A lavagem de dinheiro é um termo que muitas vezes ecoa nos círculos jurídicos, denotando uma atividade criminosa que constitui uma ameaça significativa para a integridade do sistema financeiro global. De Lima (2019, p. 594) define a lavagem de dinheiro como sendo “o ato ou o conjunto de atos praticados por determinado agente com o objetivo de conferir aparência lícita a bens, direitos ou valores provenientes de uma infração penal”. Trata-se da prática de mascarar a origem ilegal do dinheiro, dando-lhe uma aparência legal, o que resulta na sua separação da atividade criminosa de origem e na sua integração na economia, como se fosse de origem lícita (RODRIGUES et al., 2013).
A partir da promulgação da Lei Federal nº 9.613 em 3 de março de 1998, a prática de 'Lavagem' ou Ocultação de Bens, Direitos e Valores passou a ser criminalizada. Atualmente, o crime é tipificado pela referida Lei, em seu artigo 1º, como “ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal”.
Essa lei surgiu com os seguintes objetivos: 1) introduzir um novo tipo penal específico; 2) restringir a utilização do sistema financeiro nacional como meio de lavagem de dinheiro; 3) instituir o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF); e 4) estabelecer normas administrativas, penais e processuais específicas para a prevenção e punição dos delitos instituídos.
De acordo com Bottini (2019), o COAF desempenha o papel de unidade de inteligência no contexto brasileiro, o que engloba inclusive, mas não somente, a elaboração de Relatórios de Inteligência Financeira, contribuindo para o combate à lavagem de dinheiro por meio de estratégias de planejamento, atividades de inteligência e gerenciamento de informações. No âmbito da inteligência, o COAF é responsável por receber informações suspeitas, organizá-las e criar relatórios que auxiliem as autoridades competentes em suas investigações. Além disso, no aspecto da supervisão administrativa, o Órgão exerce funções regulatórias e repressivas. No campo regulatório, sua responsabilidade inclui a criação de diretrizes para os setores suscetíveis à lavagem de dinheiro, enquanto, na esfera repressiva, o COAF pode iniciar processos administrativos e impor avaliações a entidades e indivíduos.
Segundo o próprio COAF (2023), as etapas do processo de “mascaramento” dos recursos provenientes de atividades criminosas incluem:
a) Colocação: Envolve a integração de fundos provenientes de atividades ilícitas ao mercado financeiro, por meio da divisão do montante em quantias fragmentadas para evitar levantar suspeitas. Para isso, os valores são transferidos entre contas, muitas vezes utilizando contas fictícias ou anônimas, seja por meio de depósitos, aplicações ou investimentos com instituições financeiras ou a realização de transações para países com sistemas financeiros menos regulamentados. Além disso, adquirem bens móveis e imóveis, e outros instrumentos negociáveis, utilizando dinheiro em espécie. Trata-se da fase “de apagar a mancha caracterizadora da origem ilícita”. (MAIEROVITCH, Walter Fanganiello, 2009. P. 37.).
b) Ocultação: Nessa fase intermediária, o objetivo é dificultar o rastreamento contábil das transações e eliminar a conexão entre o capital outrora inserido no mercado e sua origem ilícita. Para isso, ocorrem diversas transações, como depósitos em contas fantasmas ou paraísos fiscais, tornando mais difícil a identificação da ligação existente entre a infração antecedente e o capital resultante. No que diz respeito à prática da lavagem de dinheiro no setor imobiliário, o agente adquire um imóvel por um valor declarado inferior ao real e, na sequência, o vende a terceiros pelo preço de mercado avaliado.
c) Integração: Esta é a última fase da lavagem de dinheiro, na qual os ativos ilícitos são introduzidos no sistema econômico. Eles são investidos em empresas criadas com esse propósito, que então realizam operações comerciais ou prestam serviços entre si, formando uma cadeia de irregularidades difícil de detectar pelos órgãos de fiscalização.
A importância da compreensão da lavagem de dinheiro nos contextos econômico e jurídico é evidente. Do ponto de vista econômico, a lavagem de dinheiro distorce o patrimônio e a supervisão dos mercados financeiros, pois a entrada de fundos ilícitos compromete a competitividade e a confiabilidade do sistema. Quando esses fundos ilegais são introduzidos na economia, eles podem variar em termos de estabilidade financeira, do valor da moeda e, em última instância, do bem-estar econômico de uma nação. Além disso, a lavagem de dinheiro também tem a capacidade de inflar artificialmente os preços dos ativos e criar bolhas econômicas, o que representa uma ameaça substancial para o sistema econômico.
2.1 Contextualização da Lei nº 9.613/1998 e suas alterações
A primeira legislação brasileira que abordou o crime de lavagem de dinheiro foi a Lei nº 9.613, de 1998. Sua promulgação foi resultado dos compromissos internacionais assumidos pelo país após a assinatura da Convenção de Viena em 1988.
Nesta legislação, diversos aspectos foram discutidos, pois a sua edição não foi consensual quanto à melhoria da eficácia na luta contra o crime. Embora tenha sido significativa em sua contribuição para intensificar o combate a essa prática criminosa, seu conteúdo foi alvo de diversas críticas. Conforme a análise feita por Ortega (2018), identifica-se uma lacuna ao mencionar o terrorismo e as atividades promovidas por organizações criminosas, pois a referência a esses dois delitos é inadequada, uma vez que, na época da promulgação da Lei, eles não eram devidamente definidos pelo nosso sistema jurídico, carecendo de regulamentação complementar.
Cabe ressaltar inclusive que, nessa Lei, a prática do crime de lavagem de dinheiro estava condicionada à existência de uma infração prévia para ser configurada. Em outras palavras, para sua aplicação, seria necessário que a lavagem de dinheiro decorresse de outras atividades ilícitas, como, por exemplo, o próprio terrorismo (ORTEGA, 2018).Parte superior do formulário
Além das objeções levantadas pela gama doutrinária, em 2011, o Grupo de Ação Financeira Internacional (GAFI), uma entidade internacional focada em desenvolver medidas preventivas contra a lavagem de dinheiro pelo mundo, apresentou uma série de críticas ao sistema brasileiro. Estas incluíram a escassez de condenações efetivas por lavagem de dinheiro, a falta de responsabilização civil ou administrativa para pessoas jurídicas, a exclusão de advogados, notários, contadores, entre outros, como obrigados a relatar transações suspeitas, entre outras questões. (FARIAS, 2018).
Considerando essas observações críticas, em 2012, foi promulgada a Lei nº 12.683. Assim, o delito de lavagem de dinheiro é atualmente regido pela Lei nº 12.683 de 2012, a qual expandiu o escopo desse crime no Brasil.
De acordo com a legislação mencionada, as pessoas físicas e jurídicas de vários segmentos econômico-financeiros são agora responsáveis por uma maior diligência na identificação de clientes, na manutenção de registros de todas as operações e na comunicação de transações suspeitas. Além disso, estão sujeitas a sanções administrativas por descumprimento dessas obrigações. Essa mudança foi motivada pelo aumento da incidência do crime.
Taveira (2015) fundamenta a revisão da legislação com o argumento de que a aplicação da lei anterior não estava satisfazendo as demandas da sociedade, pois se mostrava ineficaz na repressão ao crime organizado e à lavagem de dinheiro proveniente de atividades ilícitas.
Segundo Lima (2018) a nova legislação em vigor trouxe diversas vantagens, incluindo a eliminação da lista limitativa de crimes antecedentes, o reforço do controle administrativo sobre setores suscetíveis à lavagem de dinheiro e a ampliação das medidas de precaução patrimonial relacionadas a esse tipo de crime.
2.2 Medidas de Prevenção e Combate
No contexto jurídico, a lavagem de dinheiro é uma violação grave das leis de combate à criminalidade financeira. Os sistemas legais foram desenvolvidos para cobrar e punir a lavagem de dinheiro, registrando-a como uma infração independente. A relevância da compreensão da lavagem de dinheiro nesse âmbito reside em seu papel na promoção da justiça e na manutenção do estado de direito. Os profissionais do direito e os órgãos reguladores têm a responsabilidade de identificar, investigar e processar eficazmente aqueles envolvidos em atividades de lavagem de dinheiro, contribuindo assim para a manutenção da ordem e da equidade na sociedade.
Além disso, é importante destacar os desafios associados à lavagem de dinheiro no cenário global. À medida que as transações financeiras se tornaram mais complexas e globalizadas, os criminosos encontraram maneiras criativas de esconder a origem ilícita de seus recursos. O uso de jurisdições offshore, empresas de fachada, criptomoedas e transferências internacionais tornou-se uma lavagem de dinheiro uma atividade desafiadora de ser bloqueada e combatida. Isso coloca uma pressão significativa sobre as agências de aplicação da lei e os profissionais do setor financeiro, que devem adaptar constantemente suas estratégias para enfrentar as ameaças emergentes.
Para supervisionar todas as transações financeiras e comerciais que possam ser usadas para disfarçar a origem de diversos ativos, o Brasil implementou um sistema de colaboração compulsória entre os setores público e privado. Isso exige que profissionais e entidades que atuam em setores frequentemente utilizados por infrações para ocultar recursos relacionem automaticamente às autoridades públicas qualquer operação suspeita, como transações envolvendo grandes quantias em dinheiro ou depósitos fracionados. Badaró e Bottini (2019) caracterizam esses setores como “gatekeepers” (torres de vigia), pois desempenham um papel crucial nos setores econômicos que podem ser usados para lavar o capital originado das atividades criminosas anteriores.
Com a promulgação da Lei 9.613/98, foi estabelecida a criação do COAF (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), incumbido da supervisão normativa, administrativa e sancionatória de todas as transações financeiras realizadas em solo nacional, por meio de políticas de colaboração com entidades governamentais e instituições financeiras, visando garantir uma troca integral de informações e, consequentemente, prevenir atividades suspeitas.
Em termos práticos, as entidades financeiras fornecem detalhes sobre os titulares de uma determinada operação financeira, incluindo o montante, destino e propósito dessa operação, com o objetivo de assegurar a integridade das transações comerciais. Se alguma prática no mercado financeiro levantar suspeitas, essas entidades são obrigadas a comunicar imediatamente ao COAF, para que este analise a denúncia, conduza a investigação e tome as medidas legais cabíveis dentro de sua área de atuação.
Com o objetivo de aprimorar a eficácia do COAF e intensificar a repressão às práticas ilícitas no mercado financeiro, a Medida Provisória nº 870, de 2019, promoveu alterações na legislação de combate à lavagem de dinheiro, especificamente em seu artigo 14. Essas mudanças incluíram a transferência do Conselho de Controle de Atividades Financeiras para o âmbito do Ministério da Justiça e Segurança Pública, retirando-o do Ministério da Fazenda, com o propósito de aumentar sua independência e fortalecer sua capacidade investigativa no enfrentamento à lavagem de dinheiro.
Ainda, mostrou-se de extrema relevância no enfrentamento da lavagem de dinheiro a presença também do GAFI (Grupo de Ação Financeira Internacional), uma entidade intergovernamental que desempenha um papel significativo, principalmente na América do Sul, na luta contra a lavagem de dinheiro, atuando como um guardião do Sistema Financeiro.
Justamente com o propósito de estabelecer medidas eficazes que verdadeiramente desencorajem e combatam de forma vigorosa a prática da lavagem de dinheiro, existem os grupos supracitados que trabalham em colaboração para fortalecer o sistema econômico de todas as nações.
No ano seguinte ao da sua criação, em 1990, o GAFI lançou um conjunto de 40 diretrizes direcionadas a combater a utilização do sistema financeiro na lavagem de dinheiro resultante de atividades criminosas. Essas recomendações delineiam medidas a serem adotadas para enfrentar eficazmente o crime de lavagem de dinheiro. Entre elas, estão:
a) Estratégia baseada em risco
Medida que envolve direcionar os investimentos e implementar recursos de controle em áreas de maior risco. Para isso, é essencial realizar um planejamento prévio para identificar as áreas mais suscetíveis, que demandam um controle mais rigoroso.
b) Transparência
Medida crucial na prevenção da lavagem de dinheiro que consiste na exigência de troca de informações entre as instituições financeiras e órgãos reguladores sobre a estrutura empresarial, movimentações financeiras e transferências eletrônicas, com o objetivo de dificultar a dissimulação de recursos por parte de agentes criminosos.
c) Cooperação Internacional
Medida que se traduz na colaboração estreita entre Entidades Governamentais e agências de Inteligência Financeira, visando fortalecer a capacidade de fiscalização, investigação e punição das entidades de combate ao crime em cada país.
d) Confisco
Por fim, mas não menos importante, uma das medidas mais relevantes: proporcionar respaldo legal às autoridades para facilitar o confisco de bens provenientes de lavagem de dinheiro; produtos ou instrumentos utilizados ou destinados a serem usados em crimes de lavagem de dinheiro ou crimes anteriores; bens associados ao financiamento do terrorismo, atos ou organizações terroristas; ou bens de valor equivalente. Além disso, permite que o confisco ocorra sem necessidade de condenação criminal prévia (Confisco sem Convicção). Isso ajuda a prevenir futuras atividades ilícitas, desestimulando as ações de grupos criminosos de maneira geral.
Essas medidas representam as iniciativas mais significativas discutidas e implementadas para combater os crimes financeiros, e têm contribuído significativamente para a redução da lavagem de dinheiro, especialmente devido à intensa colaboração entre todas as entidades nacionais e internacionais envolvidas no combate a esse tipo de crime.
Tem-se que as instituições financeiras e outros setores econômicos têm a obrigação de cooperar com as autoridades governamentais e notificar quaisquer atividades que possam envolver a ocultação de bens ilícitos. A não observância dessa regra está sujeita a sanções, conforme previsto no Artigo 9º da Lei nº 9.613/1998 (BOTTINI, 2019).
O problema se debruça no inciso XIV do parágrafo único do supracitado dispositivo legal, in verbis:
XIV - as pessoas físicas ou jurídicas que prestem, mesmo que eventualmente, serviços de assessoria, consultoria, contadoria, auditoria, aconselhamento ou assistência, de qualquer natureza, em operações: a) de compra e venda de imóveis, estabelecimentos comerciais ou industriais ou participações societárias de qualquer natureza; b) de gestão de fundos, valores mobiliários ou outros ativos; c) de abertura ou gestão de contas bancárias, de poupança, investimento ou de valores mobiliários; d) de criação, exploração ou gestão de sociedades de qualquer natureza, fundações, fundos fiduciários ou estruturas análogas; e) financeiras, societárias ou imobiliárias; e f) de alienação ou aquisição de direitos sobre contratos relacionados a atividades desportivas ou artísticas profissionais.
O texto legal não faz menção expressa aos advogados, mas engloba como sujeitos obrigados aqueles que prestam serviços de assessoria, consultoria e aconselhamento de qualquer natureza em relação às operações mencionadas, além da atividade de contadoria, etc. Portanto, os advogados estão abrangidos pela legislação.
No caso destes profissionais, é comum a participação ativa dos mesmos nos procedimentos e desenvolvimento das operações em comento, devido à complexidade das questões regulatórias/legais que envolvem tais transações, além de fornecer segurança e credibilidade às partes interessadas quando envolvidos.
Ocorre que o cumprimento das obrigações estipuladas pela lei pode suscitar preocupações relacionadas à possível quebra da confidencialidade e à relação de confiança que sustenta o papel fundamental do advogado no sistema de justiça.
3 – NORMAS ÉTICAS E RESPONSABILIDADES LEGAIS PARA PROFISSIONAIS DE ADVOCACIA
A Lei nº 9.613/98 estipula quais indivíduos têm a obrigação de relatar atividades suspeitas. O Estatuto da Advocacia, por sua vez estabelece explicitamente o sigilo profissional entre o advogado e seu cliente. Nesse contexto, o advogado tem o direito de recusar a testemunha sobre informações que obteve enquanto prestava serviços legais. Em conformidade com essa disposição, o advogado não é obrigado a divulgar eventos que possam implicar culpa de seu cliente, ou mesmo se autoincriminar. Esse princípio baseia-se em preceitos constitucionais implícitos que abrangem a não obrigatoriedade de produção de provas contra si mesmo e a presunção de inocência (CALLEGARI, 2022).
É importante ressaltar que nem todas as transações conduzidas por advogados são automaticamente isentas de responsabilidade criminal em razão do sigilo profissional ou dos princípios acima relatados. Além dos assuntos obrigados previstos na lei, a legislação de combate à lavagem de dinheiro também inclui disposições que sancionam aqueles que participam de escritórios, grupos ou associações com a finalidade de lavagem de dinheiro, conforme previsto no artigo 1º, parágrafo 2º, inciso II, da Lei 9.613/98 (CALLEGARI, 2022).
São esses aspectos cruciais que fomentam os debates e as controvérsias em relação à sujeição dos advogados aos mecanismos de controle da lei e à sua responsabilidade ética, cível e criminal.
De acordo com essa perspectiva, Blanco Cordero (2015), ao abordar o assunto, conclui que se o advogado tem pleno conhecimento de que o cliente está buscando orientação para cometer um crime de lavagem de dinheiro, ele tem a obrigação de fazer uma denúncia. Por outro lado, não denunciar e, ainda mais, prestar assessoria para tal atividade, implicaria que o advogado esteja envolvido na prática de lavagem de dinheiro, ou que o tornaria cúmplice de um crime, sujeito a acusações criminais (embora não esteja obrigado a se autoincriminar).
5 – IMPLEMENTAÇÃO DA POLÍTICA DE COMBATE E PREVENÇÃO AO CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO
Sob análise conjunta dos artigos 9º a 11-A da Lei de Lavagem de Dinheiro, podemos identificar obrigações específicas que são impostas a um grupo nomeado de indivíduos. Eles desempenham um papel de corresponsabilidade na implementação da política de combate ao crime de lavagem de dinheiro. Em outras palavras, o Estado transfere a essas pessoas parte da responsabilidade na aplicação de medidas de controle, cujo objetivo inequívoco é prevenir ou dificultar a prática de lavagem de dinheiro. Consequentemente, ocorre a atribuição de responsabilidade legal a esses sujeitos, o que constitui a situação prevista no artigo 13, parágrafo 2º, alínea a, do Código Penal, referente à omissão penalmente relevante à prática do crime quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado, em especial quem tem obrigação de cuidado, proteção ou vigilância imposta por lei.
Ainda, em seu art. 29, o Código Penal estabelece que quem participa de um crime em conjunto com outros está sujeito a punições com base nas penas previstas para esse crime. Contudo, o Código não faz distinções entre autor e partícipe, mas determina que cada agente envolvido no crime seja punido de acordo com o grau de sua culpa. Isso significa que:
a) Se a participação de alguém por menor relevância, a pena pode ser reduzida de um sexto a um terço.
b) Se algum dos agentes tiver a intenção de cometer um crime menos grave, será punido de acordo com as penas previstas para esse crime.
c) Se o resultado mais grave do crime fosse previsível, a pena pode ser aumentada até metade.
Além disso, conforme observado por Badaró e Bottini (2019), os profissionais podem estar envolvidos em crimes de lavagem de dinheiro quando colaboram ou auxiliam esses atos ilícitos, ou seja, quando encobrem as atividades criminosas de seus clientes. A participação de um advogado em crimes de lavagem de dinheiro pode ser definida da seguinte maneira:
a) Participação moral: Isso ocorre quando o profissional, de alguma forma, influencia ou estimula seu cliente a cometer crimes, como sugerir ou recomendar atividades de ocultação de bens, sabendo que esses bens têm origem criminosa. Essa conduta não é socialmente aceitável, uma vez que é realizada deliberadamente com a intenção de induzir práticas criminosas sujeitas a reuniões por lavagem de dinheiro.
b) Participação material: Isso ocorre quando o profissional é cúmplice na prática de lavagem de dinheiro, ou seja, ele tem ciência de que seu cliente está envolvido em atividades ilegais e o auxilia nesse delito, mesmo conhecendo as normas de cuidado, regulamentações governamentais e o conjunto de regras técnicas ou práticas comuns que regem a profissão contábil.
Assim, o profissional de advocacia estará sujeito às penalidades Administrativas junto à Ordem dos Advogados do Brasil - OAB, bem como às penalidades de aspecto criminal.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em suma, a lavagem de dinheiro continua a representar uma séria ameaça à integridade do sistema financeiro global e, por extensão, aos profissionais que atuam na área jurídica. Este artigo proporcionou uma análise abrangente da legislação brasileira pertinente ao tema, destacando a Lei nº 9.613 de 1998 e suas alterações, bem como a Lei nº 8.906 de 1994, que regula a atividade advocatícia.
Ao explorar os conceitos e as fases da lavagem de dinheiro, desde a colocação até a integração dos recursos ilícitos na economia legal, evidenciou-se a importância do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF) como uma unidade de inteligência no combate a esse crime no Brasil.
Ademais, foram discutidas as medidas de prevenção e combate à lavagem de dinheiro, incluindo a estratégia baseada em risco, a transparência, a cooperação internacional e o confisco de bens ilícitos. A implementação efetiva dessas medidas requer a colaboração entre entidades governamentais, instituições financeiras e profissionais do direito, dentre os quais se destacam os advogados.
Por fim, foram examinadas as normas éticas e as responsabilidades legais dos profissionais de advocacia no contexto da lavagem de dinheiro. Embora o sigilo profissional seja uma garantia fundamental, os advogados também têm a obrigação de relatar atividades suspeitas e podem ser responsabilizados caso participem ativamente ou sejam cúmplices de crimes de lavagem de dinheiro.
Assim, diante dos desafios éticos e legais enfrentados pelos profissionais de advocacia, é crucial que eles adotem medidas proativas para prevenir o envolvimento involuntário em atividades ilícitas e cumpram rigorosamente suas obrigações legais e éticas no combate à lavagem de dinheiro. Somente através da cooperação e da vigilância contínua será possível mitigar eficazmente essa grave ameaça ao sistema financeiro e à sociedade como um todo.
REFERÊNCIAS
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CALLEGARI, André Luís. Sigilo do advogado e lavagem de dinheiro. Conjur: 21 set. 2022. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2022-set-21/andre-callegari-sigilo-advogado-lavagem-dinheiro. Acesso em: 26 set. 2023.
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[1] Professor Universitário, orientador do Trabalho de Conclusão de Curso do Curso de Direito do Centro Universitário Luterano de Manaus – CEULM/ULBRA/Manaus, AM.
graduando do Curso de Direito do Centro Universitário Luterano de Manaus – CEULM/ULBRA/Manaus, AM.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FREITAS, José Wilson Cavalcante. Lavagem de dinheiro e os riscos na prestação de serviços por profissionais de advocacia à luz da Lei 9.613/98 e Lei 8.906/94 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 14 jun 2024, 04:18. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/65606/lavagem-de-dinheiro-e-os-riscos-na-prestao-de-servios-por-profissionais-de-advocacia-luz-da-lei-9-613-98-e-lei-8-906-94. Acesso em: 23 nov 2024.
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