ELOISA DA SILVA COSTA
(orientadora)
RESUMO: Esse estudo tem como objetivo analisar a negligência estatal e seus impactos nas condições depreciativas em prisões no Brasil. Quanto a metodologia de pesquisa, trata-se de uma pesquisa bibliográfica. O sistema penitenciário brasileiro apresenta problemas em todas as esferas e notadamente é um sistema em que os direitos humanos e direitos fundamentais são desrespeitados, mediante a estrutura apresentada. O Estado tem falhas quanto a administração prisional, o que tem como consequências rebeliões, fugas, ambiente degradante e não contribui para o processo de ressocialização dos presos e apenados, apresentando clara violação dos direitos humanos. A atenção constante às condições de confinamento no Brasil reflete a percepção de que os maus-tratos a prisioneiros são uma das mais graves e crônicas violações de direitos humanos no país. Assim, o Estado tem sido negligente quanto ao seu papel para a estruturação e organização do atual sistema carcerário e deve buscar melhoria na qualidade dos serviços prestados e investimentos que sejam efetivos, por meio de soluções à crise carcerária instalada no Brasil.
Palavras-chave: Negligência estatal. Sistema prisional. Direitos Humanos.
ABSTRACT: This study aims to analyze state negligence and its impacts on the depreciating conditions in prisons in Brazil. As for the research methodology, it is a bibliographic research. The Brazilian penitentiary system presents problems in all spheres and is notably a system in which human rights and fundamental rights are disrespected, through the structure presented. The State has failures regarding prison administration, which has as consequences rebellions, escapes, degrading environment and does not contribute to the process of re-socialization of prisoners and convicts, presenting clear violation of human rights. The constant attention to the conditions of confinement in Brazil reflects the perception that the mistreatment of prisoners is one of the most serious and chronic human rights violations in the country. Thus, the State has been negligent as to its role in the structuring and organization of the current prison system and should seek improvement in the quality of services provided and investments that are effective, through solutions to the prison crisis installed in Brazil.
Keywords: State negligence. Prison system. Human Rights.
SUMÁRIO: 1 Introdução. 2. Sistema Prisional Do Brasil. 2.1 Superlotação carcerária. 3. A evolução da execução penal no Brasil. 4 A negligência do estado e a precariedade do sistema prisional brasileiro. 5. Considerações Finais. Referências.
1. INTRODUÇÃO
Temas que envolvem a o sistema carcerário no Brasil são constantemente alvo de estudo e objeto de atenção nos recentes debates relacionados à segurança pública, política criminal e direitos humanos, o sistema prisional e o encarceramento no país são alvo de críticas sobre a atual situação estrutural das prisões, assim como o papel do Estado para a efetivação de políticas públicas e a urgência de mudanças que alcancem esse contexto (CARVALHO; SANTOS, 2016).
Os casos de violência e de criminalidade geram ideias divergentes no contexto da sociedade no Brasil. Notadamente, defende-se medidas mais rigorosas relativamente à correção daqueles que praticam atos ilícitos, assim como se luta contra a impunidade existem paralelamente com um sistema prisional ineficiente pois não atinge as metas de ressocialização de apenados e de redução da criminalidade (RODRIGUES, et al. 2020).
O Brasil tem uma democracia jovem e a lei suprema do país, a Constituição Federal declara a prioridade de estabelecer a ordem social democrática, a liberdade econômica e um estado legal e social que garanta os direitos humanos e liberdades universalmente reconhecidos (MACHADO; GUIMARÃES, 2014, p. 570).
O tema constitui algo completo que envolve os arranjos formais e informais que conformam o chamado sistema prisional, na medida em que conflitos emergem dessas relações que são estabelecidas entre os seus atores, influenciando, em última análise, em maior ou menor medida, o delineamento de políticas públicas para o setor (BERNARDO, et al. 2021).
Além disso, no meio desta teia de tensão e conflito, o espaço de discussão sobre a atuação do policial penal na gestão prisional quanto a ressocialização do preso que tem sido construído como um dos mecanismos que tornariam parcialmente viáveis as condições para a ressocialização de um sujeito que tenha cometido um crime.
Em parte da literatura sobre o tema, juntamente com a questão da ressocialização, há uma discussão que investiga a atuação do policial penal como gestor no processo de ressocialização do apenado. Portanto, segue o seguinte questionamento: como a negligência estatal tem impactado as condições depreciativas em prisões no Brasil?
Quanto a metodologia da pesquisa, toma-se como ponto de partida para a base teórica da pesquisa bibliográfica construída por autores como Toledo (1994); Marcão, (2019); Mirabete (2017), somando a estudo de outros autores que foram citados e vinculados ao longo do texto, juntamente com análise qualitativa a fim de ajudar a ampliar a reflexão sobre o tema estudado
O objetivo desse estudo é analisar a negligência estatal e seus impactos nas condições depreciativas em prisões no Brasil.
2. SISTEMA PRISIONAL DO BRASIL
No Brasil, a lei penal dispõe que as penas privativas de liberdade devem ser cumpridas em regime de progressão da pena, sendo em regime, aberto, semiaberto e fechado. O sistema penitenciário no Brasil ganhou a reputação de medieval devido à séria superlotação, violência e falta de assistência legal prestada aos prisioneiros.
O sistema penitenciário no Brasil é descrito como um sistema de progressão diferenciado ou “regime disciplinar diferenciado”. Os regimes incluem fechado, semiaberto e aberto. Depois de cumprir um período de tempo prescrito em um regime, os prisioneiros se qualificam para serem transferidos para um regime menos restritivo e, finalmente, libertados inteiramente (PRADO, 2017).
É o juiz que decide em qual regime um preso condenado entrará para cumprir sua sentença. A decisão é baseada principalmente no cumprimento da sentença total. Os presos que cumprem pena de mais de 8 anos começarão a pena em regime fechado. Os presos com sentença entre 4 e 8 anos começarão sua sentença em regime semiaberto. Os presos com sentença inferior a 4 anos começarão a sentença em regime aberto.
O juiz tem uma gama de flexibilidade na designação de prisioneiros para regimes. Normalmente, quando essa flexibilidade é exercida, os presos são designados para um regime mais rigoroso e restritivo.
O Código Penal de 1940 se destacou pelo fato de ter surgido com concepções liberais dentro de um Estado ditatorial. Apresentou boa técnica e simplicidade de manuseio, sofreu aplausos e críticas, e adotou o duplo binário (acumulando pena e medida de segurança). Possui uma grande carga de expressividade, sendo tão destacada a pena privativa de liberdade que causa outros grandes problemas, sobretudo a falta de espaço nos presídios e um excedente de execuções impossíveis de se cumprirem (TOLEDO, 1994).
O ano de 1981 foi praticamente dedicado à realização, em todo o País, de ciclos de conferências e debates sobre a projetada reforma penal. Entrementes, chegavam ao Ministério da Justiça sugestões e críticas sobre os anteprojetos dados à publicação.
No período de 27 a 30 de setembro de 1981, realizou-se, em Brasília, o I Congresso Brasileiro de Política Criminal e Penitenciária, patrocinado pelo Ministério da Justiça, pela Universidade de Brasília e pelo Governo do Distrito Federal, que teve a expressiva participação de cerca de 2.000 congressistas, vindos de todas as regiões do País, dentre os quais as figuras mais proeminentes de nossos meios jurídicos. Nesse Congresso foram intensamente debatidos os anteprojetos anteriormente referidos e colhidas inúmeras sugestões para a elaboração dos textos definitivos (MARCÃO, 2019).
A reforma penal promovida à época do ministro da Justiça Ibrahim Abi-Ackel objetivou um enfoque sistemático, reformado não só a Parte Geral, como também a Especial, o Processo Penal, a Lei de Execução Penal e a Lei das Contravenções Penais. Primeiramente, foram entregues a Parte Geral do Código Penal, o Código de Processo Penal e a Lei de Execução Penal, promulgados somente o primeiro e o último (ROIG, 2018).
O projeto de reforma da Parte Especial do Código Penal tramita até hoje no Congresso Nacional. Doutrina e jurisprudência apontam divergências sobre a natureza jurídica da execução penal.
Julio F. Mirabete afirma que:
… na exposição de motivos do projeto que se transformou na Lei de Execução Penal: ‘Vencida a crença histórica de que o direito regulador da execução é de índole predominantemente administrativa, deve-se reconhecer, em nome de sua própria autonomia, a impossibilidade de sua inteira submissão aos domínios do Direito Penal e do Direito Processual Penal (MIRABETE, 2017, p. 53).
Conforme ensina Marcão (2019, p. 38), a LEP no Brasil não tem somente um foco no sistema prisional, mas também estabelece regras para que se concretize a ressocialização do apensado. A aplicação e interpretação das normas em matéria de execução penal são permanentemente norteadas por princípios contidos na Constituição Federal, Código de Processo Penal, Código Penal, Lei de Execução Penal e nos Tratados e Convenções internacionais em matéria penal e de direitos humanos.
Em uma visão penal-constitucional moderna, tais princípios não mais atuam como elementos meramente informadores ou programáticos, possuindo sim força normativa capaz de concretamente tutelar direitos fundamentais das pessoas condenadas.
2.1 Superlotação carcerária
Nos últimos vinte anos, os membros da comunidade prisional quadruplicaram 600.000 (seiscentos mil), demonstrando uma necessidade de pelo menos 200.000 (dois cem mil) novas células para superar problemas de espaço.
Além disso, uma taxa de encargos subiu até sete por cento, de acordo com um relatório de 2015 da Human Relatório da Rights Watch, dez vezes mais rápido que o crescimento da população do país. Além de os distúrbios das gangues são importantes, como as condições gerais são praticamente as mesmas em Pedrinhas e em todas as prisões do Brasil, onde há pouco ou nenhum acesso para atender às necessidades básicas, como água potável e saúde ou nutrição segura e procedimentos de saúde.
O artigo 5, LXVI da Constituição Federal estabelece que “ninguém será levado a prisão ou mantidos nela quando a lei permitir a libertação temporária, com ou sem fiança” (BRASIL, 1988). Combinado com os princípios do devido processo e presunção de inocência, o arcabouço legal brasileiro determina, portanto, que a liberdade deve ser a regra e a prisão, apenas a exceção.
Conforme indicado anteriormente, a superlotação das prisões é um dos problemas sérios que devem ser abordadas a fim de melhorar o sistema de justiça criminal no país. Contudo, é necessária cautela ao propor soluções, pois a superlotação nas prisões não é a causa da o colapso do sistema penitenciário atual, é apenas um sintoma, de maneira irracional através do qual o Brasil tem respondido à criminalidade.
Para que o Sistema de Justiça Criminal no Brasil seja eficaz, uma série de medidas que tratam a cultura do encarceramento é necessária. Essas medidas devem atender às necessidades da população, desejam maneiras melhores de responsabilizar os infratores por seus atos e, ao mesmo tempo, ser mais eficiente em aumentar as chances de reabilitação. Eles também devem respeitar a princípios estabelecidos na Constituição e observam as normas de direitos humanos.
Essa realidade faz parte da história do país sistema prisional e está ligado a vários fatores históricos, incluindo um sistema de justiça fraco. Estima-se que quase metade das pessoas na prisão sejam inocentes ou nem sequer deveria estar na prisão devido a audiências de custódia. Alguns tempos mais longos do que o permitido pelo judiciário; ou atingiram uma sentença e não estão cientes disso porque não têm um advogado ou qualquer orientação legal e a maioria das acusações criminais são negras e pobres (Human Rights Watch). Por fim, outras questões permanecem sem solução nas instalações provisórias do Brasil incluindo uso excessivo de força, espancamentos e tortura por policiais.
As questões que mais se destacam quando se trata das condições prisionais no Brasil concentram-se invariavelmente na superlotação e escassez de pessoal. Segundo dados oficiais de junho de 2011, há um déficit de 208.900 vagas, deixando o sistema penitenciário brasileiro operando com 159% da capacidade. Em 2006, apenas 61.000 pessoas estavam empregadas no sistema penitenciário, 75% como guardas (CARVALHO; SANTOS, 2016).
A Human Rights Watch (HRW) criticou o problema de superlotação das prisões do Brasil no seu Relatório Mundial. O relatório do HRW também enfatizou a necessidade de isolar os réus presos sob custódia para aguardar o julgamento dos condenados que cumprem as sentenças de prisão e sugerir a captura de perigos perigosos dos menos agressivos e com base nas suas afiliações de gangues, na tentativa de evitar danos entre grupos rivais como o que acabou em um massacre em Manaus, Amazonas.
A população carcerária em toda a América Latina tem crescido constantemente nas últimas décadas. As rigorosas leis sobre drogas e as políticas anti-gangues levaram a um aumento maciço do número de pessoas encarceradas, levando à superlotação nos sistemas penitenciários subfinanciados e muitas vezes negligenciados. A maioria dos presos ainda não foi julgada e pode esperar anos para ser ouvida. Em alguns países, as gangues continuam a operar e recrutar novos membros de dentro das prisões, e os líderes das gangues ordenam extorsão e homicídios atrás das grades (OLIVEIRA, et al. 2019).
Esse fenômeno pode ser visto claramente no Brasil, que recentemente alcançou a infeliz distinção de ter a quarta maior taxa de encarceramento do mundo. Nos últimos quinze anos, a taxa de encarceramento do país cresceu 7% ao ano, dez vezes mais que o crescimento populacional. Nos últimos 25 anos, a população carcerária do Brasil passou de 90.000 para quase 600.000. Prevê-se um aumento de 1,9 milhão em 2030 se as taxas atuais persistirem (NÚÑEZ NOVO, 2017).
A superlotação afeta principalmente aqueles detectados sob custódia policial, para os quais 12.712 vagas são registradas (o Ministério da Justiça não compara números sobre os níveis de pessoal nas prisões policiais). Além disso, como descobri em minhas visitas iniciais à prisão, as taxas oficiais de capacidade e os níveis de pessoal são reflexos fracos da realidade no terreno (COMPARATO, 2013).
As taxas de capacidade raramente são calculadas com base em uma pessoa por célula. A lei brasileira estipula que os prisioneiros devem ser mantidos em celas individuais com 6m2, mas, com exceção dos presos em confinamento solitário em unidades de segurança máxima no nível estadual ou em uma das cinco prisões federais de supermax, a ocupação única é desconhecida.
3. A EVOLUÇÃO DA EXECUÇÃO PENAL NO BRASIL
A história da execução da pena no Brasil não poderia ser desassociada da própria narrativa do Direito Penal Brasileiro. Assim sendo, no período de descobrimento desta parte do continente americano, no século XVI, colonizadores portugueses encontraram nas terras brasileiras povos indígenas, dos quais ostentavam sua própria cultura e seu próprio modo de conviver (TOLEDO, 1994, p. 55).
A efetiva memória acerca do direito penal brasileiro nasce na idade colonial, quando aqui os colonizadores impuseram as Ordenações Afonsinas trazidas de Portugal. Ocorre que tais normas não dispuseram da devida efetividade em razão da falta de organização por parte do Estado. Em razão disso fora substituída pelas Ordenações Filipinas, que por sua vez, foram as que tiveram maior aplicação, tanto é que mesmo após a Independência (1822) continuaram a viger até 1830 data esta do primeiro Código Penal Brasileiro.
As Ordenações Filipinas tinham caráter muito religioso, não dissociando o direito da religião, que por vezes podia-se notar o uso de palavras e a previsão de crimes para aqueles que fosse de encontro com a Igreja (p.ex. Título XVII: dos que cometem pecado de sodomia). Do que se pode extrair deste regulamento é a presença de uma execução penal cruel, visto que a morte era empregada comumente como punição.
Ademais, o grande exemplo de Tiradentes, que fora executado e esquartejado mostrava como era o tratamento penal daquele período. Para isso, Francisco de Assis Toledo, em sua obra literária descreve:
A severidade desse Código não contrastava, contudo — repita-se com o espírito dos colonizadores da época, pois se as leis eram cruéis os homens não deixavam por menos. Relata o Pe. Vieira, referindo-se ao Maranhão, em carta de 20 de abril de 1657, dirigida ao Rei D. Afonso VI, sucessor de D. João IV, o seguinte: as injustiças e tiranias que se têm executado nos naturais destas terras excedem muito às que se fizeram na África. Em espaço de quarenta anos se mataram e se destruíram, por esta costa e sertões, mais de dois milhões de índios, e mais de quinhentas povoações como grandes cidades; e disto nunca se viu castigo”. (Grifo nosso)
A declaração de Independência do Brasil do Império Português, no dia 7 de setembro de 1822, simboliza o surgimento de novas tendências deste País, corrobora com esta afirmação a vinda da família real para o Brasil pois inicia-se um processo de desenvolvimento forçado. Com as operações da coroa no Rio de Janeiro, necessário se fez a abertura do comércio para as outras nações, reformulando a estrutura administrativa e política. A Constituição de 1824 trouxe um conjunto de dispositivos que não mais concordavam com o direito das Ordenações, surgindo assim à reformulação da legislação penal, contribuindo para a rápida elaboração do Código Criminal do Império do Brasil. Montezuma (2020, p. 28):
As constituições brasileiras sempre inscreveram uma declaração dos direitos do homem brasileiro e estrangeiro residente no país. Observa-se que a primeira constituição, no mundo, a subjetivar e positivar os direitos do homem, dando-lhes concreção jurídica efetiva, foi a do Império do Brasil, de 1824, anterior, portanto, à de Bélgica de 1831, a que se tem dado tal primazia.
Importante frisar que esta não previa nenhuma norma sobre execução penal, contudo, haviam princípios relevantes em seu bojo que reverberavam diretamente no Direito Penal, como p. ex. o juiz natural e a previsão da individualização da pena.
O Código Criminal do Império é aprovado em 1830 trazendo consigo significativas novidades. De início nota-se em seu artigo primeiro que “Não haverá crime, ou delicto (palavras synonimas neste Código) sem uma Lei anterior, que o qualifique” sendo este artigo, em outras palavras, o princípio da anterioridade da lei. Há também expressamente na lei, a possibilidade da privação de liberdade como pena.
O Título II do Código do Império apresenta as penas das quais estão sujeitos aqueles que cometeram algum delito, de plano vê-se que o legislador manteve a pena de morte como meio de repreensão ao delito (art. 38) além do trabalho forçado (art.44) entre outros.
Percebe-se que do aludido Código se fazem presentes diversas qualidades que o fizeram ser considerado revolucionador, visto que este desassocia-se do antigo sistema penal, onde as Ordenações traziam em sua essência um caráter medieval, recheada de injustiças e penas desumanas, porém, não logra êxito em libertar-se totalmente de pensamentos/ instrumentos de repressão já vivenciados.
Em 1890 é criado o Código Penal Republicano, resultado da necessidade de se adequar ao novo cenário, a saber, a abolição da escravidão e da Proclamação da República. Este, trouxe grandes inovações para o cenário brasileiro pois entre novidades, aboliu a pena de prisão perpétua estabelecendo a pena máxima de trinta anos (art. 44).
Logo foi objeto de inúmeras críticas, pela celeridade a qual fora criado, deixando lacunas, e diante deste contexto foram criadas inúmeras leis especiais que regulamentavam sobre direito penal. A quantidade de leis era tamanha que, o Desembargador Vicente Piragibe, com o propósito de fragmentar todo o conteúdo e deixar menos complicada a compreensão, elaborou o “Código Penal Brasileiro, e completado com as leis modificadoras em vigor”. O trabalho realizado pelo Desembargador vigorou até a chegada do Código Penal de 1940 (TOLEDO, 1994)
Da grande rejeição que sofreu o Código Penal Republicano por ter nascido incompleto, numerosas foram as tentativas de reformá-lo, entretanto, somente com o advento do Estado Novo que o Presidente da República Getúlio Vargas encomendou a criação de uma nova legislação penal. O decreto-lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940, se converteu no Código Penal carregando consigo uma boa técnica e simplicidade de leitura, promovendo merecidos elogios (ROIG, 2018).
O Código de 1940 se destacou pelo fato de ter surgido com concepções liberais dentro de um Estado ditatorial. Apresentou boa técnica e simplicidade de manuseio, sofreu aplausos e críticas, e adotou o duplo binário (acumulando pena e medida de segurança). Possui uma grande carga de repressividade, sendo tão destacada a pena privativa de liberdade que causa outros grandes problemas, sobretudo a falta de espaço nos presídios e um excedente de execuções impossíveis de se cumprirem (TOLEDO, 1994).
O Código Penal de 1940 recebeu influência marcante do Código italiano de 1930. Conservou os costumes liberais iniciada com o Código do Império, bastando mencionar que não adotou a pena de morte nem a prisão perpétua, que vigorava no modelo italiano. “Nascido embora sob o regime do Estado Nacional, o código não apresenta peculiaridades que lhe imprimam o cunho de uma lei contrária às nossas tradições liberais” (TOLEDO, 1944, p. 67).
Ainda que o Código de 1940 demonstre avanços em sua matéria é facilmente perceptível a natureza repressiva da pena, como já dito. O Código emerge de um período de intensos conflitos internacionais, as duas grandes guerras mundiais, dentro deste cenário o Brasil adotou a pena com a finalidade meramente intimidante. A exposição de motivos do referido Código (n. 5) aponta claramente o propósito da lei ao declarar que a pena é a “medida repressiva como resposta básica ao delito”.
Constata-se que com a vinda do regulamento penal houve a previsão de leis que no papel eram bem formuladas, porém a sua efetividade não seguia o mesmo traçado. A pena privativa de liberdade era regra, de modo que mesmo as medidas de segurança, tinham características da prisão. Os estabelecimentos penais eram em número escasso, não suportavam a população carcerária e não apresentavam requisitos mínimos para ressocialização do apenado, em outras palavras, a fase da execução penal transformava o penitenciado de maneira que as chances de nova delinquência eram iminentes.
Mais uma vez as circunstâncias levaram a criação de um novo plano que versasse sobre direito penal e que fosse capaz de abranger as necessidades do governo brasileiro.
O Ministro Ibrahim Abi-Ackel iniciou estudos para a reforma penal, que há muito era clamada. Com o desenvolvimento das pesquisas restou claro a necessidade de não apenas reformar o Código Penal, mas sim de compatibilizá-lo com o estatuto processual e com a execução penal. Diante desta perspectiva Francisco de Assis Toledo (1994, p. 102) leciona:
Foi assim que, em dezembro de 1980, após debates realizados no Instituto dos Advogados Brasileiros (julho de 1980) e no Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (julho de 1980), definiu-se o quadro de uma ampla reforma do sistema criminal brasileiro, a ser empreendida em duas etapas, a saber: na primeira, seriam concluídos e devidamente encaminhados os Anteprojetos de Código Penal — Parte Geral, de Código de Processo Penal. Na segunda etapa, cuidar-se-ia do Código Penal — Parte Especial e da Lei das Contravenções Penais.
A Lei n°7.210, de 11-07-1984, conhecida como Lei de Execução Penal, surge como resposta ao desejo da sociedade e do Governo de aquedar-se ao meio ao qual pertenciam, pois, impossível era discordar de quão inócua era a legislação vigente. Conforme Toledo (1994, p. 69) a reforma penal, como em outras vezes, resultou de uma exigência histórica. Transformando-se a sociedade, mudam-se certas regras de comportamento. As perspectivas da sociedade contemporânea não são as mesmas daquela para a qual se editaram as leis penais até aqui vigentes, é coisa que não deixa margem a dúvidas.
A respeito da natureza jurídica da execução penal, doutrina e jurisprudência se divergem. Oliveira (2019, p. 3) ressalta que a execução penal é uma atividade complexa, que se desenvolve paralelamente ao direito penal, e aos sistemas jurisdicional e administrativo, que tem como atores os Poderes Judiciário e Executivo, por meio de órgãos e estabelecimentos penais. A execução penal se materializa em processo judicial contraditório. É inegável sua exuberante natureza jurisdicional.
De acordo com Marcão (2019, p. 41) a Lei de Execução Penal no Brasil abrange não somente as questões relacionadas ao sistema penitenciário, mas sua aplicação estabelece medidas voltadas para a reabilitação do condenado. O próprio artigo 1º da Lei de Execução Penal versa que “a execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado”.
A Lei de Execuções Penais, no plano teórico propicia a ressocialização, haja vista que esta é sua finalidade, possui diversas alternativas de reeducação, por meio de direitos, deveres, trabalho e estudo, evitando que o mesmo fique dentro do estabelecimento penal sem nada produzir.
A aplicação e interpretação das normas em matéria de execução penal são norteadas por princípios contidos na Constituição Federal, Código de Processo Penal, Código Penal, Lei de Execução Penal e nos Tratados e Convenções internacionais em matéria penal e de direitos humanos. Em uma visão penal-constitucional moderna, tais princípios não mais atuam como elementos meramente informadores, possuindo sim força normativa capaz de concretamente tutelar direitos fundamentais das pessoas condenadas.
4. A NEGLIGÊNCIA DO ESTADO E A PRECARIEDADE DO SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO
De acordo com dados do Conselho Nacional de Justiça a nova população carcerária brasileira é de 711.463 presos, levando em conta as 147.937 pessoas em prisão domiciliar. Conforme dados anteriores do CNJ, que não incluíam as prisões domiciliares prisões domiciliares, em maio deste ano a população carcerária era de 563,526 (CNJ, 2020).
O sistema prisional brasileiro, naturalmente, é afetado por tais circunstâncias, pois, à medida que sua população carcerária aumenta, a situação existente de superlotação é consequentemente agravada, ou seja, o país já ocupa o terceiro lugar no ranking de maior número de presídios e população carcerária do mundo (LOPES; ROMAN, 2022).
Conforme Soares, et al. (2022, p. 12) relatam,
as prisões brasileiras são conhecidas por suas persistentes violações de direitos humanos: celas superlotadas, imundas e insalubres; sem garantia de produtos básicos de higiene ou alimentação adequada, falta de água potável e violência constante. E, nesses locais, mulheres, gestantes e minorias sexuais são especialmente afetados.
Essas violações vão desde a falta de recursos e investimentos nas instalações até a falta de dignidade do tratamento que os presos recebem da administração. Em resumo, o sistema prisional brasileiro apresenta um cenário de “estado de coisas inconstitucional”.
A expressão foi usada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) brasileiro para descrever o sistema prisional brasileiro, na A expressão foi utilizada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para descrever o sistema carcerário brasileiro, na Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n. 347, em razão das graves violações de direitos humanos e fundamentais nas prisões brasileiras. direitos humanos e fundamentais nas prisões brasileiras (LOPES; ROMAN, 2022).
Mas há outros aspectos que precisam de atenção quando se trata da proteção dos direitos nas prisões. O problema da prisão no Brasil reflete outros problemas estruturais da sociedade brasileira, como a grande desigualdade social e o racismo sistêmico. Com a insuficiência de medidas de combate à pobreza e à distribuição de renda, as políticas criminais brasileiras acabam promovendo a intervenção penal em vez de políticas assistenciais que garantam em vez de políticas assistenciais que garantam os direitos humanos sociais básicos (RIBEIRO, 2021).
O Brasil também é lembrado por ter sido o último país a abolir a escravidão de negros, no final do século XIX, sem dar qualquer apoio ou direitos básicos aos recém-libertos e pessoas livres. Esse atraso na liberdade e na dignidade dos negros ainda desempenha um papel importante na forma como o sistema judiciário funciona e como os negros têm maior probabilidade de não ter acesso a uma boa defesa legal, de serem mal julgados e de irem para a prisão (MACHADO; GUIMARÃES, 2014).
Sendo assim, os pobres e não-brancos (negros e indígenas) são os mais afetados pelo sistema carcerário brasileiro disfuncional, situação justificada principalmente pela guerra às drogas, as políticas criminais do Brasil promovem sistematicamente o encarceramento em massa e a violência urbana, uma vez que o Estado brasileiro não tem sido totalmente bem-sucedido no combate ao crime organizado, composto por muitos grupos de gangues (facções), que ainda lutam entre si pelo controle do mercado ilegal e de drogas.
Conforme Pereira, Peres e Sousa (2022), o papel do Estado é atua na proteção dos direitos humanos nas prisões. Mas antes, à luz dos poderes concedidos pela Constituição, é importante identificar quais órgãos e instituições têm o dever de fiscalizar, prevenir violações ou proteger os direitos humanos garantidos aos detentos.
Dentro da estrutura da Unidade Federativa Brasileira, os poderes Executivo e Legislativo seguem a ordem da União Federal: há um governo (uma administração separada) e uma Casa Legislativa para cada entidade. O Judiciário é uma instituição única, embora tenha jurisdições separadas e vários tipos diferentes de tribunais, com base no local, na matéria ou na parte do caso. Sendo assim, todos eles podem aprovar legislação sobre direito penitenciário, embora a União crie regras gerais e os Estados e o Distrito Federal criem regras que atendam às suas necessidades regionais (MACHADO; GUIMARÃES, 2014).
Nesse contexto, entende-se que o Estado tem o controle sobre a prisão dentro de sua jurisdição. Assim, em linhas gerais, o Brasil possui presídios federais e estaduais (embora os estaduais sejam a maioria), sendo que cada Estado Federado, o Distrito Federal ou a União Federal é responsável pelo financiamento de suas próprias instalações, de acordo com sua jurisdição (BERNARDO, et al. 2021).
Mesmo o Legislativo e o Executivo sendo os poderes que detêm o controle sobre as prisões (e isso inclui a jurisdição financeira e administrativa), o Judiciário também é diretamente responsável pelo que acontece nas prisões. Em outras palavras, todos os poderes são responsáveis pela implementação dos comandos, direitos e liberdades conferidos pela Constituição Federal de 1988 e pelas normas jurídicas internacionais às quais o Brasil está vinculado (PRADO, 2017).
A disputa entre as facções do crime organizado oponentes torna a vida dos detentos especialmente insegura, levando-os a estabelecer vínculos com uma gangue para obter proteção e atender às suas necessidades básicas. Essas facções geralmente oferecem apoio financeiro e suprimentos aos presos, às vezes até para suas famílias, em troca de sua lealdade e respeito (NÚÑEZ NOVO, 2017). De acordo com Soares, et al. (2022), uma vez feita a aliança, é difícil romper o vínculo com uma organização criminosa específica.
No ordenamento jurídico nacional, também em âmbito internacional, há um sólido conjunto de normas que garantem direitos e liberdades aos presos, como a Constituição Federal de 1988; a Lei de Execução Penal (Lei n. 7.210/1984) e outros tratados e convenções de direitos humanos e liberdades.
Mesmo assim, o desempenho da competência típica do Legislativo é, por vezes, insatisfatório e enfrenta desafios internos. Isso ocorre porque o trabalho das Casas Legislativas reflete as divisões que já existem na sociedade, dificultando o consenso em torno de medidas ativas para proteger os direitos e as liberdades dos detentos.
Já Rodrigues, et al. (2020) explicam que os impostos e a distribuição de riqueza no Estado brasileiro são parte importante da manutenção das instalações. Muitos dos Estados Federados (que controlam a maioria das prisões) têm grande dívida pública e não conseguem financiar investimentos básicos em infraestrutura e dependem da ajuda federal para manter suas prisões funcionando.
Além disso, outro fato a ser considerado é a impopularidade de medidas fortes e investimentos em presídios, que dependem do consentimento e da aprovação da respectiva Casa Legislativa, porque é o legislativo que tem a jurisdição sobre o orçamento público e, em termos gerais, planeja como os recursos públicos serão ou não serão gastos (RIBEIRO, 2021).
Nota-se que, embora a Constituição brasileira conceda a divisão de poderes entre os entes federados, em termos práticos, a União tem mais poderes e orçamento do que os Estados Federados e suas decisões têm uma importância especial nas realidades regionais. Em outras palavras, pelo fato de o Governo Federal ter a maior parte dos recursos e os Estados muitas vezes não têm recursos, há uma dependência dos Estados em relação à União Federal (PEREIRA; PERES; SOUSA, 2022).
Para Lopes e Roman (2022), os órgãos brasileiros incorrerão em inconstitucionalidade se permitirem, por ação ou inação, violações de direitos e liberdades nas prisões. e liberdades nas prisões. Assim, essa violência e o conflito entre o Estado, sua polícia e as organizações criminosas contribuem para as violações de direitos humanos nas prisões.
A atuação do Estado, segundo Montezuma (2020), apresenta sinais de ineficiência e ineficácia. O alto custo per capita para a manutenção de presos em tal sistema, soma-se à baixa segurança e dignidade da pessoa humana, devido à má administração realizada pelo Governo, tem como resultado baixa taxa de ressocialização e maior retorno para a criminalidade.
Para Messias e Moraes (2019), a privatização do sistema penitenciário pode revelar-se uma solução para a ineficiência do Estado, pois a iniciativa privada poderia, através do investimento em novas tecnologias, reduzir os custos de pessoal e implementar trabalho e estudo em todos os presídios, para os presos, a remissão da pena através da alfabetização, educação técnica e o exercício do trabalho humano decente, para cumprir, também, um dos fundamentos da ordem econômica brasileira.
É nesse contexto que pode se ver a possibilidade de medidas que levem ao processo de elevação da dignidade humana, que transcende a sua etimologia. Muitos que estão cumprindo pena, não acreditam que possam modificar seu futuro destino, ao contrário, possuem ideia fixa de voltar ao seu grupo social de origem: o da criminalidade.
E devido às violações de direitos humanos nas prisões, e até certo ponto, à falta de controle nas instalações prisionais pela administração da prisão, as prisões brasileiras são, em geral, influenciadas pelo crime organizado e, em alguns contextos, a administração da prisão tem pouco controle sobre as instalações, demonstrando que o Estado em muitos casos (como os ocorridos em rebeliões e mortes dentro dos presídios) tem perdido o controle (CARVALHO; SANTOS, 2016).
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A atual realidade do sistema prisional brasileiro é um tema que envolve diversos aspectos que preocupam tanto a sociedade como o Estado e entes detentores da função de cuidar da população presa e apenada. Com um cenário é de superlotação, doenças, abusos físicos e mentais, rebeliões, fugar e mortes, ficou demonstrando que o Estado tem sido negligente em sua atuação, prejudicando a gestão das prisões, assim como não apresentando soluções viáveis que alterem essa realidade.
Ficou evidente que a atual situação da execução penal se mostra preocupante, haja visto que as finalidades propostas pelas leis penais não vêm sendo integralmente cumpridas. Não é novidade que a superlotação dos presídios está gerando consequências cruéis. Os inúmeros problemas vivenciados geram dois sentimentos, impunidade e injustiça. Impunidade ao passo que há o relaxamento na pena e injustiça para aqueles que sobrevivem em condições mínimas de reabilitação, expostos a todos os tipos de atrocidades.
Destaca-se que o tema é de suma importância, no entanto, são necessários pesquisas mais aprofundadas que contribuam para encontrar soluções no âmbito da estrutura carceraria, preenchendo uma lacuna que ajude à interpretação e aplicação da legislação, com foco nos direitos humanos e direitos fundamentais.
Portanto, quando o Estado não oferece soluções eficazes para os problemas da crise prisional, acabam desempenhando um papel de exclusão social, de violação dos direitos humanos. Mesmo garantindo a custódia do prisioneiro, o sistema carcerário de mostra incapaz e limitado, assim, os presos vivem em uma degradação em um sistema que requer, urgentemente, novas soluções.
REFERÊNCIAS
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Acadêmica do Curso de Graduação em Direito da Faculdade da Universidade Brasil.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GABRIELA DOURADO GONÇALVES, . Negligência estatal e as condições depreciativas em prisões Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 07 jul 2023, 04:50. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/61928/negligncia-estatal-e-as-condies-depreciativas-em-prises. Acesso em: 23 nov 2024.
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