ADEMIR GASQUES SANCHES[1]
(orientador)
RESUMO: O tema do trabalho em tela visa analisar os transtornos mentais decorrentes de abusos físicos, psicológicos e sexuais que atingem crianças e adolescentes no âmbito familiar. A discussão se desenvolve acerca do que são transtornos mentais, e como esses se dão a partir dos diferentes tipos de abusos sofridos pelas vítimas, independentemente do sexo ou do nível social, econômico, religioso ou cultural. Ademais, outro objetivo importante do trabalho em questão é justamente destacar os principais mecanismos de tutela à criança e ao adolescente que é vítima de abuso sexual no seu âmbito familiar, assim como elencar e reforçar todos os direitos e garantias pertencentes às vítimas que estão tipificados em nosso ordenamento jurídico, os quais possuem a responsabilidade, juntamente com a sociedade e os agentes do Estado, de garantir a proteção indeclinável da criança e do adolescente. A pesquisa aqui apresentada justifica-se pela importância do assunto tratado, que vem se destacando cada vez mais, além da necessidade de sua discussão tanto dentro quanto fora do meio acadêmico. A metodologia utilizada para o desenvolvimento deste artigo foi a de revisão pautada em pesquisas bibliográficas, com apoio de artigos científicos, doutrinas, artigos e jurisprudências, por meio de um estudo qualitativo e descritivo.
Palavras-chave: Transtornos Mentais. Abuso. Sexual. Crianças. Adolescentes.
ABSTRACT: The theme of the work on screen aims to analyze the mental disorders resulting from physical, psychological and sexual abuse that children and adolescents suffer within the family. The discussion develops about what mental disorders are, and how they originate from the different types of abuse suffered by victims, regardless of gender or social, economic, religious or cultural level. In addition, another important objective of the work in question is precisely to highlight the main systems of protection for children and adolescents who are victims of sexual abuse within their family, as well as to list and reinforce all the rights and guarantees belonging to victims that are typified in our legal system, which have the responsibility, together with society and State agents, to guarantee the integral protection of children and adolescents. The research presented here is justified by the importance of the subject, which has been highlighted more and more, in addition to the need for its discussion both inside and outside the academic environment. The methodology used for the development of this article was a review based on bibliographic research, supported by scientific articles, doctrines, articles and jurisprudence, through a qualitative and descriptive study.
Keywords: Mental Disorders. Mental Disorder. Abuse. Sexual. Children. Adolescents.
1 INTRODUÇÃO
O tema do trabalho em tela visa analisar os transtornos mentais decorrentes de abusos físicos, psicológicos e sexuais que atingem crianças e adolescentes no âmbito familiar. A discussão se desenvolve acerca do que são transtornos mentais, e como esses se dão a partir dos diferentes tipos de abusos sofridos pelas vítimas, independentemente do seu sexo ou do seu nível social, econômico, religioso ou cultural.
Ademais, outro objetivo importante do trabalho em questão é justamente destacar os principais sistemas de proteção à criança e ao adolescente que é vítima de abuso sexual no seu âmbito familiar, assim como elencar e reforçar todos os direitos e garantias pertencentes às vítimas que estão tipificados em nosso ordenamento jurídico, os quais possuem a responsabilidade, juntamente com a sociedade e os agentes do Estado, de garantir a proteção integral da criança e do adolescente.
Para atingir o objetivo geral e desenvolver o referido assunto, observar-se-á o conceito de transtornos mentais e como esses se dão a partir dos abusos físicos, psicológicos e sexuais sofridos pelas crianças e adolescentes no âmbito familiar; a aplicabilidade do direito penal e demais normas jurídicas para a segurança das crianças e adolescentes contra diferentes tipos de abuso nas relações intrafamiliares; e a importância da avaliação psicológica nas vítimas de abusos sexuais.
A pesquisa aqui apresentada justifica-se pela importância do assunto tratado, que vem se destacando cada vez mais, além da necessidade de sua discussão tanto dentro quanto fora do meio acadêmico. No mais, como se sabe, trata-se de um problema cotidiano, complexo e que aflige inúmeras crianças e adolescentes, sendo necessário, portanto, o devido destaque.
Além disso, contribui para o campo acadêmico, pois enriquece ainda mais o acervo científico de pesquisas sobre esse tema e levanta questões que precisam ser discutidas em pesquisas futuras.
A metodologia utilizada para o desenvolvimento deste artigo foi a de revisão pautada em pesquisas bibliográficas, com apoio de artigos científicos, doutrinas, artigos e jurisprudências, por meio de um estudo qualitativo. Para selecionar os autores citados, foram realizadas buscas em bases de dados como Scielo, Capes e Scholar por artigos, bem como por livros, revistas etc., utilizando o Kindle. Foram considerados materiais em português, inglês e espanhol.
2 TRANSTORNOS MENTAIS
De uma forma axiomática, a vida cotidiana não é fácil para alguém com transtorno mental. Antes de chegarem à massa de tratamentos e diagnósticos que existem hoje, eram pessoas que viviam à margem da sociedade porquanto pensavam que eram demônios e a única cura existente seria o ritual de exorcismo. Passados anos, fora implantada a ideia de que os transtornos psiquiátricos surgem de certas alterações físicas em regiões do cérebro, e assim tratamentos torturantes eram constantemente utilizados em hospitais psiquiátricos (PÉREZ-FUENTES et al., 2013).
Embora ainda hoje existem pessoas que defendem tais tratamentos, com o passar do tempo, essas técnicas radicais para promover a recuperação dos pacientes tornaram-se alvos ultrapassados e, juntamente com muitos estudos, alguns conceitos foram alcançados sobre o tema “doença mental”.
No entanto, a psiquiatria não conseguiu encontrar sua causa, e o que se tem, na verdade, é uma lista enorme de diagnósticos e classificações, e seus possíveis tratamentos ou atrasos na progressão da doença. Os transtornos mentais passaram a ser conceituados como quaisquer desvios ou conflitos que afetam até certo ponto a rotina, fogem dos padrões de normalidade e interferem nas funções mentais superiores de um indivíduo.
Um transtorno mental pode ser conceituado como uma síndrome ou padrão comportamental ou psicológico que ocorre em um indivíduo e que demonstrou estar associado a um aumento significativo do risco de sofrimento atual, morte, dor, incapacidade ou perda de liberdade (PLATT et al. 2018). Esses transtornos combinam linhas mentais comportamentais com angústia e incapacidade de fazer algo devido à influência de certas áreas da psique, não podendo, quem as possui, esperar reações comuns em situações rotineiras.
O diagnóstico de um transtorno mental deve ser feito por um profissional especializado em saúde mental: psiquiatras, psicólogos ou psicanalistas. Dependendo da gravidade do caso analisado, torna-se cabível a internação.
3 VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E INTRAFAMILIAR – CRIMES SEXUAIS CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES, E O PACTO DO SILÊNCIO
O termo violência deriva do latim violentia que, de seu turno, remete ao termo vis e significa que algo possui caráter violento ou bravio, de grande potência ou com emprego de força física exagerada. Logo, violência se trata de um exagero no emprego da força, uma violação aos direitos e garantias fundamentais, bem como a integridade física e mental de alguém, a fim de fazê-lo agir contra sua vontade. (VERONESE; COSTA, 2006)
Nessa toada, a violência doméstica configura-se pelo abuso e pelo envolvimento de violência de um sujeito contra o outro num contexto doméstico. A respeito disso, o abuso doméstico inclui: abuso físico, sexual e psicológico, negligência e abandono (WITTHÖFT et al., 2015; GENNARINI e SATRIUC, 2018).
No que tange ao conceito de violência doméstica, ainda, a Lei nº 11.340/06 (Lei Maria da Penha) disciplina em seu art. 5º que “configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial.”
Em que pese a supracitada definição e embora ainda existam pessoas que usam o conceito de violência doméstica como sinônimo de violência contra a mulher, que são as principais vítimas desse tipo de crime, há de se ressaltar que esse tipo de abuso pode ocorrer de outras maneiras, como, por exemplo, a violência e o abuso sexual contra as crianças e os adolescentes.
Sendo assim, o termo inclui tanto as mulheres quanto outros membros da família, como crianças e os adolescentes, cujos agressores abusam de sua vulnerabilidade e inocência para espancá-los, humilhá-los ou constrangê-los a fazer algo contra sua vontade. No mais, a violência familiar, como já dito, além do abuso físico, pode conter abuso sexual e emocional, bem como danos materiais. Pode acontecer em todas as classes socioeconômicas e geralmente não se restringe a uma determinada área ou profissão. Os agressores podem ser cônjuges, pais, irmãos, filhos ou qualquer outro que esteja presente no âmbito familiar da vítima.
Contemporaneamente, essa problemática vem se destacando cada vez mais, tendo em vista as inúmeras denúncias de abusos sexuais envolvendo menores de 14 anos, ou, como vistos no âmbito legislativo (Lei nº 12.015/09), vulneráveis.
Há de se ressaltar, no entanto, que, mesmo diante do número crescente de denúncias, o abuso sexual de crianças e adolescentes ainda se trata de uma violência muito silenciosa e dissimulada, muitas das vezes praticada sem a utilização de força física, fator que torna mais dificultoso a constatação, uma vez que não são deixadas marcas externas, apenas lesões internas de certas áreas da psique da vítima.
O abuso infantil, por muito tempo, foi ignorado por causa do silêncio da vítima, principalmente em casos em que o agressor é alguém que faz parte do convívio próximo da criança. Em outras palavras, são abusos praticados por pessoas que possuem algum laço afetivo com a criança, ocasionando, assim, o abuso sexual intrafamiliar.
Nas palavras de Werner (2008, p.493):
O abuso sexual intrafamiliar é aquele praticado contra crianças e adolescentes dentro de casa ou na vizinhança, por familiares ou amigos próximos. É caracterizado por atividades sexuais que crianças ou adolescentes não são capazes de compreender e que são inapropriadas para a idade e para o estágio de desenvolvimento psicossexual.
À vista disso, percebe-se que a violência sexual contra crianças e adolescentes é um tema complexo, que envolve uma gama de fatores: o rompimento do silêncio da vítima; a punição do agressor; os direitos e garantias fundamentais à proteção integral do menor; e a realização de tratamento psicológico com a vítima do abuso sexual.
4 COMO SE DÃO OS TRANSTORNOS MENTAIS A PARTIR DO ABUSO FÍSICO, PSICOLÓGICO E SEXUAL
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), violência contra crianças e adolescentes descreve qualquer forma de violência cometida contra menores de 19 anos, e nos casos de violência sexual, utiliza-se o termo abuso sexual infantil. O Abuso Sexual Infantil (ASI) ocorre quando uma criança/adolescente é exposta de forma forçada/embaraçosa a comportamento indecente, pornografia, exploração sexual, estupro ou qualquer outra forma de interação sexual (PALOMBA, 2017).
A violência ocorre porque o indivíduo é incapaz de compreender plenamente a situação devido à incompatibilidade de desenvolvimento, incapaz de dar consentimento e/ou violar leis/regras sociais. Causa ou pode causar danos à sua saúde, sobrevivência e dignidade. Assim, a violência contra crianças e adolescentes configura-se como um processo local e global. A OMS preceitua que toda criança tem direito a uma vida saudável e livre de violência.
A Lei da Criança e do Adolescente (ECA), de seu turno, enfatiza a condição especial do ser humano em desenvolvimento, onde ainda não foi alcançada a maturidade moral, espiritual, biológica, psicológica e social, necessitando de proteção para promover a integralidade e o risco/vulnerabilidade (NASCIMENTO, 2017).
Garantir o direito de desenvolver a sexualidade de forma segura e protegida é fundamental. Esta vulnerabilidade inerente associada à sua crescente participação na indústria do sexo, como prostituição e pornografia, tráfico de crianças e, cada vez mais, crianças de rua, cria uma maior vulnerabilidade à violência, tortura, abuso, exploração, sequestro e assassinato.
O contexto da relação entre crianças e adultos envolve responsabilidade, confiança ou poder. Essa diferença de autoridade está relacionada à dependência das crianças de apoio, carinho e orientação; além disso, elas são curiosas, buscam atenção, gostam e confiam na autoridade. Destaca-se a existência de um "parceiro silencioso", em que o indivíduo que é a referência da criança fica do lado do agressor contra ele, em vez de confrontá-lo ou tentar resgatá-lo de sua situação. Esses fatores se correlacionam com o uso, pelos autores, de estratégias de medo ou ameaça familiar contra as crianças, deixando-as vulneráveis a abusos repetidos e mantendo o sigilo (BANDEIRA, 2014; RIBEIRO, SÉRGIO SARDINHA, e LEMOS, 2019).
E, como essas experiências são "corriqueiras" ou "instrutivas", muitas vítimas ainda não compreendem completamente a violência que sofreram, gerando uma demora ainda maior na divulgação dos abusos, o que pode geral consequências adversas graves ao longo da vida, se não fatais, com profundas alterações no funcionamento físico, psicológico e social mesmo na ausência de lesões corporais graves, e com força e características variáveis ao longo do tempo.
Diversas variáveis aumentam a gravidade das sequelas e estão associadas ao desenvolvimento da psicopatologia, como tipo de abuso, idade do trauma, nível de desenvolvimento cognitivo/emocional da vítima, tipo de relacionamento com o agressor, exposição a múltiplos eventos traumáticos, falta de cuidado da vítima apoio e atribuições negativas associadas ao abuso, como vergonha e culpa, têm maior probabilidade de impactar negativamente a saúde mental das vítimas (BANDEIRA, 2014).
Segundo Furniss (1993), crianças que sofrem abuso prolongado com frequência podem expressar sentimento de culpa. De mais a mais, quanto mais próximo for o relacionamento entre a vítima e o abusador, maior será o sentimento de traição experimentado pelo menor (SANTOS; DELL’AGLIO, 2008, p.3).
5 DOS DEVERES DA SOCIEDADE E DO ESTADO À VÍTIMA – ASPECTOS JURÍDICOS DO ABUSO SEXUAL CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES
Anteriormente ao século XX, as crianças não eram detentoras de direitos e proteção legal, pois estavam submetidos ao poder do chefe de família. Em 1924, foi proposto no Brasil, por José Bonifácio, o primeiro projeto de lei infanto-juvenil, a fim de conceder direitos aos menores que, há época, eram escravizados, contudo, o referido projeto não prosperou, haja vista a promulgação da Constituição Federal daquele mesmo ano.
Em 1927, foi confeccionado o Código de Menores, com intuito de prestar assistência e educação, por meios pedagógicos, aos menores que cometiam infrações penais. Logo depois, o Código Penal de 1940, ainda vigente, trouxe várias mudanças, além de ser o responsável por reunir todas as contravenções penais sobre os crimes no Brasil, sendo assim, é nele que estão dispostas as definições e as punições que deverão ser aplicadas para os atos infracionais no país. No mais, foram estabelecidas novas práticas de crimes, dentre eles os crimes sexuais contra crianças e adolescentes.
Com o advento da Constituição Federal de 1988, fora estabelecida uma gama de garantias e direitos às crianças e aos adolescentes, passando estes a serem tutelados em diversos aspectos. Quanto a sexualidade, a “revolução sexual” no âmbito da sociedade fez com a moralidade e a ética sexual desaparecessem, dando espaço a dignidade sexual das pessoas. De acordo com (BRASIL, 1988) o artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal, a dignidade da pessoa humana é um conceito abstrato, cuja formação é estabelecida por um conjunto de fatores dessemelhantes, logo, tudo que se refere à vida digna necessita ser objeto de proteção. Nesta esteira, a dignidade sexual passou a ser tratada como um fracionamento da dignidade da pessoa humana, tratando-se, portanto, de um princípio constitucional.
Salienta-se que a Carta Magna de 88 foi a primeira legislação que efetivou as crianças e os adolescentes como sujeitos de direitos, transferindo ao poder público e a população o dever com esses menores, a saber:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010) [...] § 4º A lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente. (BRASIL, 1988).
O Estatuto da Criança e do Adolescente, de seu turno, foi criado em 1990, por meio da Lei nº 8.069/90, a fim de efetivar e fortalecer as garantias e direitos das crianças e adolescentes impostos pela CF de 88, especificamente pelo seu art. 227.
Sendo assim, os menores passaram a gozar de todos os direitos fundamentais inerentes a pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral.
Nesse sentido, dispõe o art. 4º do Estatuto da Criança e Adolescente que a efetivação dos direitos referentes a vida, saúde, alimentação, educação, esporte, lazer, profissionalização, cultura, dignidade, respeito, liberdade e a conivência familiar e comunitária, é dever da família, comunidade, sociedade e do poder público.
No mais, disciplina o art. 5º do mesmo diploma legal que nenhuma criança ou adolescente deverá ser objeto de violência, discriminação, negligência, exploração, crueldade e opressão, devendo ser punido, na forma da lei, qualquer atentado.
Vale ressaltar que, como o Direito é uma ciência que busca evoluir junto a sociedade, alguns valores que antes eram primordiais vão se tornando defasados, cabendo ao legislador criar leis que atendam à nova realidade. Como já dito anteriormente, o Código Penal de 1940, embora essencial para o controle de atos da sociedade, precisou sofrer algumas reformas. O advento da Lei nº 12.015, de 07 de agosto de 2009, levou o direito penal à nova realidade social. Isto posto, a alteração do bem jurídico protegido, de costumes para a dignidade sexual, ocorreu não só por conta de inovação legislativa, mas também pela evolução dos costumes sociais e pela promulgação da Constituição Federal de 1988.
Uma das alterações trazidas pela presente lei foi a alteração do nome do Título VI do Código Penal brasileiro, que antes se chamava “Dos Crimes Contra os Costumes”, para “Dos Crimes Contra a Dignidade Sexual”. Como já exposto, o bem jurídico tutelado, antes sendo a liberdade sexual da mulher e os bons costumes, agora abrange qualquer pessoa, uma vez que a preocupação do legislador está voltada à liberdade sexual de todos os indivíduos. Sendo assim, a nova nomenclatura dada a este título se adequa mais com o preceito fundamental da Constituição Federal de 1988, quer seja, a liberdade sexual.
Outras alterações relevantes trazida pela mencionada Lei foram o art. 217- A, que tipifica o estupro de vulnerável; o art. 218-A, que elenca os crimes de satisfação da lascívia mediante presença de crianças e adolescentes; e art. 218-B, que se trata do crime de favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual, enquadrando todos como crimes hediondos.
Ainda, no que se refere aos deveres do Estado às vítimas de abusos sexuais, necessário destacar a Lei nº 13.413, de quatro de abril de 2017, que estabeleceu o sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência, assim como alterou a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente). Referida lei tornou mais nítido e eficaz, através da criação de Centros de Atendimento Integrado, o papel de cada serviço do sistema de garantia dos direitos do público infanto-juvenil após uma denúncia de exploração ou abuso sexual. Foi por meio desta norma que houve a implementação dos mecanismos de escuta especializada e depoimento especial para toda criança ou adolescente testemunhas ou vítimas de violência, principalmente a sexual. Nesse sentido, o atendimento integrado restou deverás útil no passo-a-passo após o recebimento de uma denúncia de abuso, já que seu objetivo principal é o de evitar, por meio de um único depoimento gravado, um transcurso de revitimização da criança ou do adolescente que acontece quando estas vítimas acabam relatando inúmeras vezes a violência que sofreram. Isto, além de evitar maior sofrimento à vítima, acelera a ajuda, que precisa ser imediata.
Por fim, vale apontar o sancionamento da Lei nº 14.432, de três de agosto de 2022, que institui a campanha Maio Laranja, a fim de promover ações de combater a violência sexual contra crianças e adolescentes, a saber:
Art. 1º Esta Lei institui a campanha Maio Laranja, a ser realizada no mês de maio de cada ano, em todo o território nacional, com a efetivação de ações relacionadas ao combate ao abuso e à exploração sexual de crianças e adolescentes, nos termos de regulamento.
Art. 2º Durante a campanha Maio Laranja serão realizadas atividades para conscientização sobre o combate ao abuso e à exploração sexual de crianças e adolescentes.
Parágrafo único. A critério dos gestores, devem ser desenvolvidas as seguintes atividades durante a campanha Maio Laranja, entre outras:
I - iluminação de prédios públicos com luzes de cor laranja;
II - promoção de palestras, eventos e atividades educativas;
III - veiculação de campanhas de mídia e disponibilização à população de informações em banners, em folders e em outros materiais ilustrativos e exemplificativos sobre a prevenção e o combate ao abuso e à exploração sexual de crianças e adolescentes, que contemplem a generalidade do tema.
Art. 3º A campanha Maio Laranja deve conceber o conjunto de ações e de concepções desenvolvidas no âmbito da campanha nacional de 18 de maio, Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, instituído pela Lei nº 9.970, de 17 de maio de 2000, em memória da menina Araceli Cabrera Sánchez Crespo, respeitado e considerado o histórico de conquistas e avanços dos direitos humanos da infância no território brasileiro [...]. (BRASIL, 2022).
Como se pode observar, a data foi instituída pela Lei nº 9.970/00, em memória de Araceli Crespo, menor vítima de homicídio aos oito anos de idade, em 1973.
6 AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA EM VÍTIMAS DE CRIMES SEXUAIS
A inclusão da psicologia nos processos jurídicos surgiu da necessidade da justiça de atestar, de alguma maneira, a veracidade dos testemunhos, seja por parte das vítimas ou daqueles que praticaram algum ilícito. A avaliação psicológica foi introduzida em causas penais com a finalidade de periciar, porém, também faz relação com outras áreas, como o Direito da Família, Direito Civil, ao Juizado da Infância e Juventude, entre outros.
A existência dos laudos periciais nas decisões judiciais auxilia o juiz na decisão acerca do caso que está sendo julgado. Ademais, a responsabilidade dos laudos é do psicólogo, apesar da última decisão vir do juiz. Cabe ao profissional agir de maneira neutra e imparcial.
A perícia na área judicial é uma forma de prova, uma vez que esta é desenvolvida por especialistas. Ainda, se torna altamente relevante, pois possibilita englobar nos autos informações técnicas que antes eram desconhecidas pelo juiz e que é percebida pelo profissional psicólogo forense. Deve-se seguir algumas etapas, quais sejam:
Pré-avaliação- clarificar determinações ambíguas ou excessivamente genéricas, certificar-se de que o periciado foi informado de sua avaliação por seu advogado e avaliar a própria competência para realizar a avaliação. Durante a avaliação clínica- informar o periciado todas as questões legais envolvidas no processo de avaliação e os limites da confidencialidade. Pós-avaliação- a relevância dos dados para a questão jurídica deve orientar o relatório e informar ao periciado se existirem fatores de risco, principalmente no caso de crianças e adolescentes. (MELTON, 1997 APUD ROVINSKI, 2004, p. 55).
Diante dos agravos à saúde provocados pelos crimes sexuais, o Sistema Único de Saúde (SUS) inclui a prevenção, promoção e recuperação em saúde à população, e deve oferecer assistência aos mesmos. Embora seja um direito, esta assistência, na maioria das vezes, não ocorre como deveria.
Habigzang e Caminha (2004) apontam que o trabalho interdisciplinar é um instrumento eficaz para avaliação e intervenção nos casos de crimes sexuais. Os profissionais da área, ao negligenciar os aspectos legais do abuso, contribuem para um aumento dos danos psicológicos sofridos pela vítima, bem como interferir legalmente, sem levar em conta aspectos psicológicos do problema e as necessidades terapêuticas, configura-se num dano psicológico adicional à criança e à família.
7 CONCLUSÃO
Ante o exposto, tem-se que a violência familiar – também conhecida como violência doméstica ou abuso – é o ato de violência ou maus-tratos dentro de uma família. A violência familiar pode incluir abuso físico, sexual e emocional, bem como danos materiais. Os agressores podem ser cônjuges, pais, irmãos ou filhos. A violência pode acontecer a qualquer pessoa de uma família, independentemente da idade ou sexo. O abuso acontece em todas as classes socioeconômicas e geralmente não se restringe a uma determinada área ou profissão.
No mais, o presente trabalho nos permitiu compreender a evolução da infância desde os tempos antigos até os dias atuais, porquanto a criança e o adolescente não eram considerados sujeito de direitos. Foi então, a partir do século XX, que as crianças e adolescentes tiveram seus direitos tutelados pelo ordenamento jurídico brasileiro.
As leis criminais contra o abuso existem para que as pessoas que repetidamente se comportam de forma abusiva possam ser responsabilizadas por suas ações. O direito penal nada mais é do que uma ferramenta de controle social, utilizada para garantir a segurança da família contra esses diferentes tipos de abuso. De qualquer forma, no entanto, para que haja a proteção integral dos menores são necessárias medidas preventivas e repressivas, principalmente na seara da educação, pois as informações acerca da violência e de suas consequências são fundamentais para reprimir os possíveis agressores.
Por fim, com o decorrer dos anos, pode-se perceber que a psicologia tem contribuído para a compreensão dos crimes sexuais, através de estudos sobre a dinâmica familiar, individual, as consequências do trauma para o desenvolvimento e intervenções clínicas, uma vez que estes tipos de maus-tratos trazem às suas vítimas consequências negativas ao longo do seu desenvolvimento cognitivo, comportamental, afetivo e social.
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WORLD HEALTH ORGANIZATION. Declaração Política do Rio sobre Determinantes Sociais da Saúde. Rio de Janeiro: WHO; 2011. Disponível em: http://www.who.int/sdhconference/declaration/Rio_political_declaration_portuguese.pdf. Acesso em 01 jul. 2022.
Graduando em Direito, Centro Universitário de Santa Fé do Sul – SP, UNIFUNEC
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: OLIVETI, Thiago. Transtornos mentais e abuso físico, psicológico e sexual no âmbito familiar: mecanismos de garantia da segurança das crianças e adolescentes vítimas de abuso Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 18 jul 2023, 04:26. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/62023/transtornos-mentais-e-abuso-fsico-psicolgico-e-sexual-no-mbito-familiar-mecanismos-de-garantia-da-segurana-das-crianas-e-adolescentes-vtimas-de-abuso. Acesso em: 23 nov 2024.
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