GUSTAVO ANTÔNIO NELSON BALDAN
(orientador)
RESUMO: O dolo eventual e da culpa consciente são institutos semelhantes, sendo necessário um estudo pontuando a diferença entre eles e analisando a problemática acerca de suas aplicações nos homicídios ocorridos na direção de veículo automotor. As aplicações de tais institutos devem ser esclarecidas, com a finalidade de evitar julgamentos injustos, punindo, de forma errada, o agente que pratica o crime.
Palavras-chave: Dolo Eventual; Culpa Consciente; Homicídio.
ABSTRACT: Eventual intent and conscious guilt are similar institutes, requiring a study punctuating the difference between them and analyzing the problem about their applications in homicides that occurred while driving a motor vehicle. The applications of such institutes must be clarified, in order to avoid unfair judgments, wrongly punishing the agent who practices the crime.
Keywords: Right; Law; Murder.
O presente trabalho tem como objetivo pontuar as diferenças entre o dolo eventual e a culpa consciente e analisar suas aplicações aos casos de homicídios ocorridos na direção de veículo automotor, afinal, com a evolução do mundo, houve a necessidade da criação de meios de transporte, dentre esses meios existem os veículos automotores, que desde a criação o uso aumentou de forma exorbitante. No Brasil, o aumento de veículos nas vias levou a justiça a uma atenção quanto aos riscos que isso poderia causar.
Acidentes começaram a se tornar uma realidade e uma das principais causas de mortes ocorridas no país, insta salientar que o Art. 5º “caput” da Constituição Federal assegura a inviolabilidade do direito à vida, sendo ela o maior bem jurídico tutelado.
Conforme dados divulgados pelo Ministério da Saúde, mesmo com a pandemia do Covid-19, os números oficiais de mortes no trânsito brasileiro em 2020 foram 33.497 pessoas, tal número é aproximadamente 2,5% maior que o registrado em 2019, ou seja, o número de mortes por acidentes continua a crescer.
Mesmo com a busca para colocar em prática medidas para evitar acidentes e aumentar a segurança nas vias, o índice de mortes continua a subir, indicando que os acidentes continuam e restando tais medidas, frustradas.
Diante dessas informações, cabe a reflexão de que, na maioria das vezes, os condutores de veículos automotores, deixam de observar e executar as cautelas necessárias e exigidas para manter a segurança nas vias, e então, dolosamente ou culposamente, acabam tirando a vida de alguém.
Neste sentido, surgem as discussões acerca dos institutos do dolo eventual e da culpa consciente e de suas aplicações nos casos concretos de homicídios ocorridos na direção de veículo automotor, cabendo, então, uma análise jurisprudencial e doutrinária acerca do tema, observando os principais posicionamentos adotados e os entendimentos aplicados aos casos envolvendo ambos os institutos.
2. VIDA: O MAIOR BEM JURÍDICO TUTELADO
A vida é o maior bem jurídico tutelado, ou seja, é o bem mais protegido pelo ordenamento jurídico, sendo resguardada por diversos instrumentos normativos, dentre eles a Constituição da República Federativa do Brasil, o Código Penal e o Código de Trânsito Brasileiro. A Constituição da República Federativa do Brasil, em seu Art. 5, caput, assegura a inviolabilidade do direito à vida.
Expressa o Art. 5º, caput, da CF:
Art. 5º: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes.
Já o Código Penal, em seu artigo 121, tipifica o crime de homicídio como a conduta de matar alguém e o Código de Trânsito Brasileiro em seu Art. 302 prevê o homicídio culposo ocorrido na direção de veículo automotor
Ocorre que, mesmo sendo o maior bem jurídico tutelado e resguardada por diversos instrumentos normativos, algumas vidas ainda são ceifadas, muitas vezes por desrespeito dos indivíduos a vida do próximo, que praticam condutas que colocam em risco a vida alheia.
Dentre tais condutas, destacam-se os casos de acidentes no trânsito, que tem aumentado e, por vezes, acabam tirando a vida de uma pessoa, tal delito é um grave problema à segurança pública.
Ademais, é papel do Estado assegurar que seja de fato resguardado o direito a vida, seja com leis ou com políticas públicas, mas, além disso, com punições justas ao indivíduo que violar tal direito, afinal, o papel de punir também pertence ao Estado.
3. OS INSTITUTOS DO DOLO EVENTUAL E DA CULPA CONSCIENTE
O dolo consiste na “vontade e consciência dirigidas a realizar a conduta prevista no tipo penal incriminador” (GRECO, 2006, p. 193), existem várias teorias acerca do assunto, porém, o Código Penal Brasileiro adotou a teoria da vontade (dolo direto) e a teoria do consentimento (dolo eventual).
Teoria da vontade: é a vontade do agente de cometer um ato contrário a lei, agindo conscientemente. Segundo André Estefam, “Age dolosamente a pessoa que, tendo consciência do resultado, pratica sua conduta com a intenção de produzi-lo.” (ESTEFAM, 2022, p.572).
Teoria do consentimento: para caracterizar o dolo, a consciência do resultado ou a previsão são suficientes, ainda segundo André Estefam, “consentir na produção do resultado é o mesmo que querê-lo.” (ESTEFAM, 2022, p.572).
Insta salientar o conceito de homicídio doloso, sendo ele aquele que o agente quis o resultado ou assumiu o risco de sua ocorrência, e o dolo eventual é aquele que o agente não quer atingir um resultado, mas assume o risco de produzi-lo.
Já o crime culposo é o crime praticado sem a intenção, ou seja, o indivíduo não quer o resultado. Quanto ao homicídio culposo na direção de veículo automotor, vale ressaltar que ele é praticado devido à imprudência, imperícia ou negligência, quanto a isso, elucida Capez e Rios:
Imprudência é a prática de um fato perigoso, como dirigir em velocidade excessiva, desrespeitar um semáforo desfavorável. Negligência é a ausência de uma precaução, por exemplo, a falta de manutenção nos freios ou de outros mecanismos de segurança do automóvel. Imperícia é a falta de aptidão para a realização de certa conduta. (GONÇALVES, 2015, p.39)
Sobre o crime culposo, existe a culpa inconsciente e a culpa consciente, sendo a última quando o agente prevê o resultado, porém, acredita que poderá evitar que aconteça.
O Dolo Eventual e a Culpa Consciente são institutos semelhantes do Direito Penal, porém, com diferentes resultados práticos. É difícil a diferenciação dos institutos, afinal, ambos se originam na consciência e vontade do autor dos fatos.
Dolo eventual é um conceito jurídico utilizado para descrever a ação de um sujeito que não quer atingir um determinado resultado, no entanto, assume o risco de produzi-lo. Esta forma de dolo se diferencia do dolo direto, pois o agente não tem a intenção de lesar ou prejudicar outro indivíduo, porém, assume o risco de que isso possa acontecer. O dolo eventual é um elemento essencial na determinação da responsabilidade criminal.
Tal espécie de dolo encontra previsão do Artigo 18, inciso I, do Código Penal:
Art. 18 - Diz-se o crime: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984);
I - doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo; (Incluído pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984).
Para que o dolo eventual seja caracterizado, é necessário que o agente tenha a consciência que sua atitude poderá gerar um resultado ilícito e aceite esse risco, assim assumindo a possibilidade de produção do resultado. Além disso, é necessário também, que o agente não se importe com a possibilidade da ocorrência de tal resultado, ou que, mesmo sabendo que ele pode ocorrer, escolha agir da mesma forma. Ou seja, o agente não tem a intenção direta de causar o resultado ilícito, porém, assume o risco e aceita as consequências de sua conduta.
Quando se fala de dolo eventual, há que se mencionar na Teoria do Assentimento (Teoria do Consentimento ou Teoria da Aceitação), a mesma é uma teoria jurídica que se baseia na ideia de que a vontade do agente, nos casos de dolo eventual, poderá ser deduzida a partir de sua conduta e das circunstâncias do caso.
Segundo essa teoria, mesmo que o agente não tenha manifestado sua vontade de produzir o resultado ilícito, o mesmo pode ser considerado culpado pelo dolo eventual se a sua conduta mostrar que ele aceitou o risco de gerar o resultado, sendo assim, a aceitação do risco seria como um consentimento tácito.
Essa teoria tem sido aplicada nos casos de acidentes de trânsito, como, em que o agente assume o risco de produzir um resultado ilícito ao dirigir embriagado ou em alta velocidade, em casos como esses, mesmo que não seja a intenção do indivíduo causar um acidente, sua conduta demonstra que ele assumiu o risco de produzir esse resultado, ou seja, poderá então ser considerado culpado pelo dolo eventual.
Porém, há uma dificuldade de aplicação prática para a teoria do consentimento, e para superar essas dificuldades, foram criadas as “fórmulas de Frank”, a primeira "fórmula de Frank", diz que, caso constatado que o agente, desde o princípio, tinha certeza do resultado, será, então, dolo eventual, tal fórmula será aplicada com o seguinte raciocínio: “Se o agente diz a si mesmo: seja ou aconteça isto ou aquilo, de qualquer modo agirei, há dolo eventual” (TAVARES, 2003, p. 333-334).
Face o exposto, resta demonstrado que a origem do dolo eventual se encontra na consciência do agente, que assume o risco de produzir um resultado criminoso.
Na culpa consciente o agente prevê o resultado, porém, acredita sinceramente que tal resultado não acontecerá, pois supõe que poderá evita-lo com sua habilidade ou experiência. Ela se difere do dolo eventual, pois, no dolo eventual o agente assume o risco de produzir o resultado, sendo indiferente quanto a ele, já na culpa consciente o agente acredita que não causará o resultado.
Na culpa inconsciente, mesmo que o fato não seja imprevisível, o agente não prevê que tal resultado danoso pode ocorrer, já na culpa consciente, como anteriormente mencionado, o agente visualiza o resultado danoso, porém, acredita que ele não ocorrerá, agindo, então, com cuidado para que, de fato, ele não aconteça. Sua determinação não é tão simples ou precisa, afinal, ela ocorre muitas vezes porque as pessoas têm sistemas de crenças que podem justificar ou minimizar tal ação.
Ou seja, em se tratando de culpa consciente, não há o que se falar em ausência de previsão, uma vez que o agente prevê que sua conduta poderá resultar em um ato lesivo, embora acredite que não ocorrerá, pois confia na sua atuação para impedi-lo.
Nesse contexto, a previsibilidade é um elemento essencial para a configuração da culpa consciente, porém, outros fatos também são importantes, como por exemplo as circunstâncias do fato.
Ainda em relação ao conceito de culpa consciente, esclarece Fernando Capez:
"culpa consciente: é aquela em que o agente prevê o resultado, embora não o aceite. Há no agente a representação da possibilidade do resultado, mas ele a afasta, de pronto, por entender que a evitará e que sua habilidade impedirá o evento lesivo previsto;" (CAPEZ, 2022, p.240)
Já em relação a diferença entre culpa consciente e dolo eventual, Capez explica:
"a culpa consciente difere do dolo eventual, porque neste o agente prevê o resultado, mas não se importa que ele ocorra, enquanto naquela, embora prevendo o que possa vir a acontecer, o agente repudia essa possibilidade. O traço distintivo entre ambos, portanto, é que no dolo eventual o agente diz: “não importa”, enquanto na culpa consciente supõe: “é possível, mas não vai acontecer de forma alguma”." (CAPEZ, 2022, p.240)
Dessa forma, resta clara a diferença entre o a culpa consciente e o dolo eventual, já que na culpa consciente o agente, apesar de prever, não admite, não aceita o resultado e não atua com indiferença, acredita que suas habilidades impedirão que tal resultado ocorra.
4. HOMICÍDIOS OCORRIDOS NA DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR
Com a publicação da Lei 13.546/2017 o Código de Trânsito Brasileiro sofreu alterações no que tange aos crimes cometidos na direção de veículo automotor, foi acrescentada ao Art. 302 (que prevê o homicídio culposo no trânsito) uma previsão que aumenta a pena de quem conduz veículo automotor sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência e se envolver em acidente de trânsito com resultado morte, tal pena será de 5 (cinco) a 8 (oito) anos de reclusão, e suspensão ou proibição do direito de auferir permissão ou habilitação para conduzir veículo automotor.
Nesse sentido elucida Victor Eduardo Rios Gonçalves:
"Em 20 de dezembro de 2017, foi publicada a Lei n. 13.546 criando figura qualificada para o crime de homicídio culposo na direção de veículo automotor para a hipótese em que o agente comete o crime conduzindo o veículo sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência (art. 302, § 3º, do CTB). Em tal hipótese, a pena passou a ser de reclusão, de cinco a oito anos, e suspensão ou proibição do direito de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor." (GONÇALVES, 2023, p.286)
Conforme mencionado, quanto aos homicídios cometidos na direção de veículo automotor, o Código de Trânsito prevê o homicídio culposo em seu artigo 302.
Art. 302. Praticar homicídio culposo na direção de veículo automotor:
Penas - detenção, de dois a quatro anos, e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.
§ 1º No homicídio culposo cometido na direção de veículo automotor, a pena é aumentada de 1/3 (um terço) à metade, se o agente: (Incluído pela Lei nº 12.971, de 2014) (Vigência)
I - não possuir Permissão para Dirigir ou Carteira de Habilitação; (Incluído pela Lei nº 12.971, de 2014) (Vigência)
II - praticá-lo em faixa de pedestres ou na calçada; (Incluído pela Lei nº 12.971, de 2014) (Vigência)
III - deixar de prestar socorro, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à vítima do acidente; (Incluído pela Lei nº 12.971, de 2014) (Vigência)
IV - no exercício de sua profissão ou atividade, estiver conduzindo veículo de transporte de passageiros. (Incluído pela Lei nº 12.971, de 2014) (Vigência)
§ 3º Se o agente conduz veículo automotor sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência: (Incluído pela Lei nº 13.546, de 2017) (Vigência)
Penas - reclusão, de cinco a oito anos, e suspensão ou proibição do direito de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor. (Incluído pela Lei nº 13.546, de 2017) (Vigência)
Insta salientar, que para ser aplicado o artigo 302 do Código de Trânsito Brasileiro, é necessário que o indivíduo esteja na direção de veículo automotor, assim elucida os doutrinadores Fernando Capez e Victor Eduardo Rios Goncalves no livro Aspectos Criminais do Código de Trânsito Brasileiro "as regras deste Código somente são cabíveis a quem esteja no comando dos mecanismos de controle e velocidade de um veículo automotor." (GONÇALVES, 2015, p.37).
O homicídio na direção de veículo automotor pode ser classificado em duas modalidades: culposo e doloso. No homicídio culposo, o condutor não teve a intenção de matar, mas agiu com imprudência, negligência ou imperícia, provocando a morte de outra pessoa. Já no homicídio doloso, o condutor teve a intenção de matar, agindo de forma deliberada para causar o óbito.
Uma grande parte dos acidentes ocorrem pois os condutores de veículos automotores não observam o cuidado necessário e exigido para manter a segurança nas vias públicas, e então, dolosamente ou culposamente, acabam tirando a vida de alguém.
Em razão dos acidentes, surgem dúvidas acerca da aplicação dos institutos do dolo eventual e da culpa consciente nos casos que resultam em morte, sendo necessário examinar cada caso concreto, conforme esclarece jurisprudência do STJ:
APELAÇÃO CRIMINAL - RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO - HOMICÍDIO - TRÂNSITO - DOLO EVENTUAL - INOCORRÊNCIA - CULPA CONSCIENTE - MANUTENÇÃO DA SENTENÇA DESCLASSIFICATÓRIA. Para que se conclua se o crime foi praticado com dolo eventual ou culpa consciente é necessário examinar as circunstâncias de cada caso, não sendo possível aplicar fórmulas pré-determinadas. Inexistindo nos autos elementos suficientes para comprovar que o agente, com sua conduta, assumiu o risco de produzir o resultado morte, a desclassificação é medida que se impõe, reconhecendo-se a existência de culpa consciente e não de dolo eventual.
(TJ-MG - APR: 10106100018808001 MG, Relator: Maria Luíza de Marilac, Data de Julgamento: 30/08/2016, Câmaras Criminais / 3ª CÂMARA CRIMINAL, Data de Publicação: 16/09/2016).
5. APLICAÇÕES DO DOLO EVENTUAL
Conforme já abordado, no dolo eventual o indivíduo não quer o resultado, porém assume o risco de produzi-lo, ou seja, ele prevê o resultado, mas não age para evitá-lo.
Nos homicídios decorrentes de acidente de trânsito, a aplicação do dolo eventual não pode ser adotada de forma absoluta, cabendo sempre uma análise do caso concreto, assim decidiu o Tribunal de Justiça de São Paulo:
Recurso em sentido estrito contra decisão que pronunciou o réu pelo crime de homicídio doloso (dolo eventual) na direção de veículo automotor. Recurso da defesa. 1. Quadro probatório que indica a plausibilidade da imputação de homicídio doloso (dolo eventual). 2. O reconhecimento do dolo eventual deve vir baseado nas circunstâncias concretas do fato. 3. Admissível, nos crimes de homicídio na direção do veículo automotor, o reconhecimento do dolo eventual, a depender das circunstâncias concretas da conduta. 4. A desclassificação para a figura do homicídio culposo reclamava prova cristalina a arredar o dolo eventual. 5. Afastamento da qualificadora. A qualificadora referente ao emprego de meio que possa resultar perigo comum (artigo 121, par.2º. III, parte final, do Código Penal)é incompatível com o dolo eventual. 6. Crime conexo. Uma vez admitida a acusação pelo crime doloso contra a vida, fica automaticamente transferida para o Tribunal do Júri a competência para o julgamento do crime conexo, sobre o qual o magistrado, quando da decisão de pronúncia, não deve fazer qualquer juízo. Orientação doutrinária e jurisprudencial. Recurso parcialmente provido. (TJ-SP - RSE: 15021351020208260001 SP 1502135-10.2020.8.26.0001, Relator: Laerte Marrone, Data de Julgamento: 28/06/2022, 14ª Câmara de Direito Criminal, Data de Publicação: 29/06/2022)
Portanto, resta claro que o dolo eventual não pode ser aplicado de forma absoluta em qualquer caso, devendo sua aplicação ser inerente a análise do caso concreto, porém, tem-se admitido a aplicação do dolo eventual em casos de embriaguez em conjunto com outras ações nocivas, conforme os seguintes julgados:
HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO. HOMICÍDIO CONSUMADO E TENTADO. DOLO EVENTUAL. DESCLASSIFICAÇÃO. CRIMES DE TRÂNSITO. IMPOSSIBILIDADE. EMBRIAGUEZ. CONSTATAÇÃO TÉCNICA DO GRAU DE ALCOOLEMIA. OUTRAS CIRCUNSTÂNCIAS QUE REVELAM A OCORRÊNCIA DE DOLO EVENTUAL. COMPETÊNCIA CONSTITUCIONAL DO TRIBUNAL DO JÚRI. DILAÇÃO PROBATÓRIA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. 1. É admissível, em crimes de homicídio na direção de veículo automotor, o reconhecimento do dolo eventual, a depender das circunstâncias concretas da conduta. 2. A questão relativa à incompatibilidade entre o dolo eventual e o crime tentado não foi objeto de análise pelo Tribunal de origem, razão pela qual não pode ser examinada por esta Corte Superior, sob pena de indevida supressão de instância. 3. A embriaguez não foi a única circunstância externa configuradora do dolo eventual. Assim, na espécie, a Corte de origem entendeu, com base nas provas dos autos, que "o recorrente não está sendo processado em razão de uma simples embriaguez ao volante da qual resultou uma morte, mas sim de dirigir em velocidade incompatível com o local, à noite, na contramão de direção em rodovia" (fl. 69). Tais circunstâncias indicam, em tese, terem sido os crimes praticados com dolo eventual. 4. Infirmar a conclusão alcançada pela Corte de origem demandaria dilação probatória, iniciativa inviável no âmbito desta ação constitucional. 5. Habeas Corpus não conhecido. (STJ - HC: 303872 SP 2014/0230430-5, Relator: Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Data de Julgamento: 15/12/2016, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 02/02/2017).
PENAL E PROCESSO PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. HOMICÍDIO SIMPLES (ART. 121, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL). PEDIDO DE DESCLASSIFICAÇÃO PARA O CRIME DE HOMICÍDIO CULPOSO NA DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR (ART. 305 DO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO). ALEGAÇÃO DE CONDUTA PERPETRADA MEDIANTE CULPA CONSCIENTE. SUPOSTA AUSÊNCIA DE DOLO EVENTUAL. NÃO ACOLHIMENTO. EXISTÊNCIA DE INDÍCIOS DE PROVA SUFICIENTES DA PRÁTICA DE CRIME DOLOSO CONTRA A VIDA. PRÉVIA INGESTÃO DE BEBIDA ALCOÓLICA. CONDUÇÃO DO AUTOMÓVEL SEM CARTEIRA DE HABILITAÇÃO. COLISÃO COM VÍTIMA QUE TRAFEGAVA EM VIA PREFERENCIAL. FASE PROCESSUAL EM QUE VIGORA O PRINCÍPIO IN DUBIO PRO SOCIETATE. COMPETÊNCIA DO CONSELHO DE SENTENÇA PARA ANÁLISE DEFINITIVA ACERCA DA PRESENÇA DO ELEMENTO SUBJETIVO DESCRITO NO ART. 121, CAPUT, DO CP. DECISÃO DE PRONÚNCIA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. (TJ-AL - RSE: 07003037020168020069 AL 0700303-70.2016.8.02.0069, Relator: Des. José Carlos Malta Marques, Data de Julgamento: 17/03/2021, Câmara Criminal, Data de Publicação: 17/03/2021).
6. APLICAÇÕES DA CULPA CONSCIENTE
Como já exposto, na culpa consciente o indivíduo prevê o resultado, porém, acredita que poderá evitá-lo e age supondo que conseguirá impedir que o resultado aconteça. Quando resta demonstrado que o réu, causador de homicídio na direção de veículo automotor, apesar de prever, acreditou que conseguiria evitar o resultado, aplica-se a culpa consciente, conforme o seguinte julgado:
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO MINISTERIAL – TENTATIVA DE HOMICÍDIO – SENTENÇA QUE DESCLASSIFICOU O DELITO – PRETENDIDA PRONÚNCIA DO ACUSADO – DOLO EVENTUAL NÃO RECONHECIDO – CULPA CONSCIENTE – RECURSO IMPROVIDO. Deve ser mantida a desclassificação do delito operada na sentença se o caderno de provas demonstra que está caracterizada a culpa consciente e não o dolo eventual, pois, apesar de ser previsível o resultado morte, o réu agiu supondo que pudesse evitá-lo. (TJ-MS - RSE: 00000970720218120017 MS 0000097-07.2021.8.12.0017, Relator: Des. José Ale Ahmad Netto, Data de Julgamento: 28/04/2021, 2ª Câmara Criminal, Data de Publicação: 30/04/2021).
Porém, quando não resta provado que o agente supôs que pudesse evitar o resultado e há elementos que possa configurar o dolo eventual, a desclassificação para culpa consciente será de competência do Tribunal do Júri, assim decidiu o STJ:
PENAL. PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. HOMICÍDIO COMETIDO NA CONDUÇÃO DE VEÍCULO. RECURSO MINISTERIAL PROVIDO PARA RESTABELECER A PRONÚNCIA DO RECORRENTE. EMBRIAGUEZ. DOLO EVENTUAL E CULPA CONSCIENTE. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. Havendo elementos nos autos que, a princípio, podem configurar o dolo eventual, o julgamento acerca da sua ocorrência ou da culpa consciente compete ao Tribunal do Júri, sob pena de usurpação de competência do conselho de sentença. 2. Agravo regimental desprovido. (STJ - AgRg no REsp: 1943072 RS 2021/0179100-5, Relator: Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, Data de Julgamento: 05/10/2021, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 08/10/2021).
Conforme observado, o presente trabalho pontuou os conceitos de dolo eventual e culpa consciente, as diferenças entre tais institutos e suas aplicações. Infere-se, portanto, que há uma tênue diferença entre dolo eventual e culpa consciente, afinal, ambos se originam na consciência e vontade do autor dos fatos.
Restou claro que, a diferença entre ambos está no fato de que no dolo eventual o agente prevê o resultado e apesar de não querer que ele ocorra, não age de modo a evitá-lo, já na culpa consciente, o agente prevê o resultado, não quer que ele ocorra e age supondo que poderá evitá-lo.
Conclui-se, afinal, que a aplicação do dolo eventual e da culpa consciente fica inerente a uma análise das circunstâncias do caso concreto.
CAPEZ, Fernando; GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Aspectos Criminais do Código de Trânsito, 3ª edição. São Paulo: Saraiva, 2015.
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: Parte Geral, 6ª edição, Niterói: Impetus, 2006.
ESTEFAM, André. Direito Penal: Parte Especial, 9ª edição, São Paulo: Saraiva, 2022.
GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Curso de Direito Penal. 7ª edição, São Paulo: Saraiva, 2023.
PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal: parte geral. 7ª edição, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.
TAVARES, Juarez. Teoria do Injusto Penal. 3ª edição, Belo Horizonte: Del Rey, 2003.
ALHO, Filipe Soares. A linha tênue que distingue o dolo eventual da culpa consciente nos homicídios de trânsito. Disponível em: <https://bit.ly/2RTVEO9>. Acesso em 07 de outubro de 2022.
CARVALHO, Rodrigo Cesar Picon de. Diferença entre dolo eventual e culpa consciente. Disponível em: https://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/9076/Diferenca-entre-dolo-eventual-e-culpa-consciente. Acesso em: 18 de maio de 2023.
PORTAL DO TRÂNSITO. Mesmo com a pandemia, número de mortes por acidentes de trânsito cresce no Brasil. Disponível em: https://www.portaldotransito.com.br/noticias/mesmo-com-a-pandemia-numero-de-mortes-por-acidentes-de-transito-cresce-no-brasil/#:~:text=Foram%20divulgados%20pelo%20Minist%C3%A9rio%20da,que%20o%20registrado%20em%202019. Acesso em: 25 de outubro de 2022.
STJ. Resultados previstos, riscos assumidos: o dolo eventual no crime de homicídio. Disponível em: https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/12062022-Resultados-previstos--riscos-assumidos-o-dolo-eventual-no-crime-de-homicidio.aspx. Acesso em: 9 de fevereiro de 2023.
Graduanda em Direito pela Universidade Brasil. Campus Fernandópolis.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTOS, Paula Andreotti dos. O dolo eventual e a culpa consciente nos homicídios ocorridos na direção de veículo automotor Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 21 jul 2023, 04:24. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/62105/o-dolo-eventual-e-a-culpa-consciente-nos-homicdios-ocorridos-na-direo-de-veculo-automotor. Acesso em: 23 nov 2024.
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