RESUMO: O presente artigo trata do princípio da insignificância, uma importante ferramenta no Direito Penal que procura limitar a atuação do Estado na punição de condutas consideradas de menor relevância ou de mínimo grau de lesão ao bem jurídico tutelado. Também conhecido como princípio da bagatela, ele se baseia na ideia de que o direito penal deve se ocupar apenas com as condutas mais graves e socialmente reprováveis. No Brasil, o Supremo Tribunal Federal (STF) estabeleceu alguns requisitos para aplicação do referido princípio. São eles: a mínima ofensividade da conduta, ausência de periculosidade social da ação, reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica. Dessa forma, a aplicação do princípio da insignificância tem como objetivo evitar a criminalização de condutas de menor potencial ofensivo e direcionar os esforços do sistema penal para a repressão de crimes mais graves. Sendo assim, a presente pesquisa abordará o conceito de princípio da insignificância, bem como o entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre o tema. Para tanto, utilizou-se da pesquisa bibliográfica para discorrer sobre o tema, e fez-se o uso dos métodos histórico e dedutivo para alcançar o resultado.
Palavras-chave: Insignificância. Requisitos. Princípio. Direito Penal. Bagatela.
1. INTRODUÇÃO
O princípio da insignificância estabelece que condutas de mínima ofensividade, que causem lesão ou ameaça de lesão a bens jurídicos de relevância social insignificante, devem ser consideradas atípicas e, portanto, não devem ser objeto de punição penal.
Esse princípio tem origem na necessidade de proporcionalidade e razoabilidade na aplicação do Direito Penal. Seu objetivo é evitar a criminalização de condutas de baixo impacto social, que não representam perigo relevante para a ordem jurídica ou para a sociedade como um todo.
Para que seja aplicado, o princípio da insignificância exige a análise de alguns critérios, tais como a mínima ofensividade da conduta, ausência de periculosidade social da ação, reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica. Esses critérios visam garantir que a conduta seja verdadeiramente insignificante e não represente uma ameaça relevante ao bem jurídico tutelado.
A aplicação do princípio da insignificância é objeto de debates e controvérsias, pois requer uma análise cuidadosa das circunstâncias de cada caso, considerando fatores como a conduta em si, o contexto, o impacto social e os valores envolvidos. Os tribunais desempenham um papel fundamental na definição dos critérios e na delimitação da aplicação do princípio, mediante a interpretação e aplicação das leis.
Dessa forma, no primeiro capítulo será abordado noções históricas sobre o surgimento do Princípio da Insignificância. Já no segundo capítulo será discorrido sobre a diferença dos crimes de bagatela e de menor potencial ofensivo. Por fim, no terceiro capítulo discorre-se sobre os requisitos para aplicação do princípio da insignificância segundo o STF.
2. aspectos históricos do princípio da insignificância
O princípio da insignificância, também conhecido como princípio da bagatela, possui uma origem histórica que remonta ao Direito Romano. No entanto, no contexto do Direito Penal brasileiro, sua consolidação ocorreu mais recentemente.
De acordo com o professor Cleber Masson:
O princípio da insignificância surgiu no Direito Romano, porém limitado ao direito privado. Invocava-se o brocardo de minimus non curat praetor, ou seja, os juízes e tribunais não devem se ocupar de assuntos irrelevantes. Este princípio foi incorporado ao Direito Penal somente na década de 1970, pelos estudos de Claus Roxin. Também conhecido como criminalidade de bagatela, sustenta ser vedada a atuação penal do Estado quando a conduta não é capaz de lesar ou no mínimo de colocar em perigo o bem jurídico tutelado pela norma penal. (MASSON, 2022, p. 25)
No Brasil, o Supremo Tribunal Federal (STF) foi responsável por consolidar a aplicação desse princípio no âmbito penal. Posteriormente, em diversos outros julgamentos, o STF aperfeiçoou os critérios para aplicação do princípio da insignificância no Direito Penal brasileiro.
Neste sentido, no julgamento do RHC 66.869/PR, foi o primeiro caso em que o princípio se viu reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal, conforme citação abaixo:
O primeiro caso em que o princípio se viu reconhecido pela Suprema Corte é o contido no RHC 66.869/PR, relatado pelo Ministro Aldir Passarinho, em 6.12.1988. Concerne a um acidente de trânsito, que ocasionou lesão corporal consubstanciada em pequena equimose, constatada em laudo de exame. O tribunal de Alçada do Paraná, por maioria de votos, afastou a tese da defesa, de falta de justa causa para a ação penal, em razão da diminuta proporção da lesão, à asserção de que o fato narrado constitui crime em tese e de que a invocação do Princípio da Insignificância somente caberia como matéria de defesa, não sendo apropriada na via estreita do habeas corpus, reclamando realização de prova clara e insofismável. (REBÊLO, 2000, p. 47).
Vide ementa do julgado em comento:
ACIDENTE DE TRÂNSITO. LESÃO CORPORAL. INEXPRESSIVIDADE DA LESÃO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICANCIA. CRIME NÃO CONFIGURADO. SE A LESÃO CORPORAL (PEQUENA EQUIMOSE) DECORRENTE DE ACIDENTE DE TRÂNSITO E DE ABSOLUTA INSIGNIFICANCIA, COMO RESULTA DOS ELEMENTOS DOS AUTOS - E OUTRA PROVA NÃO SERIA POSSIVEL FAZER-SE TEMPOS DEPOIS - HÁ DE IMPEDIR-SE QUE SE INSTAURE AÇÃO PENAL QUE A NADA CHEGARIA, INUTILMENTE SOBRECARREGANDO-SE AS VARAS CRIMINAIS, GERALMENTE TÃO ONERADAS.
(STF - RHC: 66869 PR, Relator: ALDIR PASSARINHO, Data de Julgamento: 06/12/1988, SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJ XXXXX-04-1989 PP-06295 EMENT VOL-01539-02 PP-00187)
No entanto, é importante destacar que a aplicação do princípio da insignificância ainda pode gerar debates e controvérsias nos tribunais brasileiros, especialmente quando se discute o que deve ser considerado insignificante ou de mínima lesão ao bem jurídico.
3. DIFERENÇA ENTRE CRIMES DE BAGATELA E DE MENOR POTENCIAL OFENSIVO
Os termos "crimes de bagatela" e "crimes de menor potencial ofensivo" são utilizados para se referir a conceitos distintos dentro do Direito Penal, embora possam ter alguma interseção em certos casos.
O Termo ‘’Crimes de Bagatela’’ é associado ao princípio da insignificância, que busca excluir a tipicidade penal de condutas consideradas insignificantes ou de mínima relevância jurídica. O princípio da insignificância estabelece critérios para a aplicação do princípio, como a mínima ofensividade da conduta, a ausência de periculosidade social, a reduzida lesão ao bem jurídico tutelado e a inexpressividade da lesão causada.
Dessa forma, os crimes de bagatela são aqueles que de acordo com a análise desses critérios, não possuem relevância suficiente para justificar uma resposta penal, sendo considerados socialmente toleráveis ou de mínimo grau de lesão. São exemplos comuns de crimes de bagatela casos de furto ou furto simples de objetos de baixo valor, lesões corporais leves, entre outros. Neste caso, a aplicação do princípio da insignificância pode levar à exclusão da tipicidade penal, resultando na não configuração do crime. Nesse sentido, de acordo com o professor Guadanhin:
“O princípio da insignificância, então, pode ser conceituado como uma norma jurídica de direito fundamental, cuja incidência, determinada pelo ínfimo grau de exposição concreta a que foi submetida o bem jurídico constitucional tutelado pelo tipo penal, impedirá a subsunção do fato analisado à norma penal incriminadora e fará surgir, para quem dele for acusado, um direito subjetivo consistente em uma não sujeição ao ius puniendi do Estado.” (GUADANHIN, 2018, p. 53).
Ademais, o professor Cleber Masson, preceitua que:
O princípio da insignificância é causa de exclusão da tipicidade. Sua presença acarreta na atipicidade do fato. Com efeito, a tipicidade penal é constituída pela união da tipicidade formal com a tipicidade material. Na sua incidência, opera-se tão somente a tipicidade formal (juízo de adequação entre o fato praticado na vida real e o modelo de crime descrito na norma penal). Falta a tipicidade material (lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico). Em síntese, exclui-se a tipicidade pela ausência de sua vertente material. (MASSON, 2022, p. 26).
Já o conceito de Crimes de Menor Potencial Ofensivo está relacionado à Lei dos Juizados Especiais Criminais (Lei nº 9.099/95) no Brasil. Os crimes de menor potencial ofensivo são aqueles que possuem menor gravidade e são punidos com penas mais brandas, de acordo com os critérios estabelecidos na referida lei.
Segundo a Lei dos Juizados Especiais Criminais, são considerados crimes de menor potencial ofensivo aqueles em que a pena máxima cominada não ultrapassa dois anos de detenção. Dessa forma, são abarcados nessa categoria diversos delitos de menor gravidade, como lesões corporais leves, ameaças, crimes contra o patrimônio de pequeno valor, entre outros. Vide artigo 61 da Lei nº 9.099/95:
Art. 61. Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa. (Redação dada pela Lei nº 11.313, de 2006)
Sendo assim, a principal diferença entre os conceitos é que é necessário observar a natureza da conduta, a intensidade do resultado, bem como a forma que o bem jurídico tutelado foi atingido.
É importante destacar que nem todos os crimes de bagatela se enquadram como crimes de menor potencial ofensivo e nem todos os crimes de menor potencial ofensivo são considerados crimes de bagatela, pois os critérios para a aplicação de cada conceito podem ser diferentes.
4. CRITÉRIOS PARA APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA ESTABELECIDOS PELO STF
O Supremo Tribunal Federal (STF), ao longo de diversos julgamentos, estabeleceu critérios para a aplicação do princípio da insignificância no Direito Penal brasileiro. Esses critérios devem ser observados pelo magistrado ao analisar cada caso concreto. São eles:
(...) Depois de vários julgados, hoje pode-se dizer que o STF, em linhas gerais, acolhe os seguintes vetores: (a) ausência de periculosidade social da ação, (b) a mínima ofensividade da conduta do agente - isto é: mínima idoneidade ofensiva da conduta, (c) a inexpressividade da lesão jurídica causada e (d) a falta de reprovabilidade da conduta (HC 84.412-SP, rel. Min. Celso de Mello). (GOMES, 2009, p. 16).
A ausência de periculosidade social da ação consiste no fato de que a conduta não deve representar um perigo significativo para a sociedade. Não pode haver risco relevante para a coletividade decorrente da ação praticada, de modo a justificar a intervenção do Direito Penal.
Já a mínima ofensividade da conduta no direito penal está relacionada ao nível de dano potencial que uma ação pode causar ao bem jurídico protegido. Esse grau de lesividade potencial pode ser influenciado por circunstâncias ou elementos que tornam a conduta mais grave ou qualificada, bem como pela própria natureza do bem jurídico em questão.
Ademais, a Inexpressividade da lesão causada refere-se à falta de relevância da lesão causada pela conduta. Dessa forma, a lesão produzida não pode ter impacto significativo, devendo ser considerada de baixa intensidade ou irrelevante.
Por fim, a falta de reprovabilidade da conduta está ligada à culpabilidade da ação. Isso significa que é a avaliação da condenação moral do indivíduo pelo que ele fez, levando em conta sua capacidade de tomar decisões por si mesmo e o comportamento que é esperado socialmente.
Esses critérios são utilizados como diretrizes para o julgamento e aplicação do princípio da insignificância. É importante ressaltar que o magistrado deve realizar uma análise casuística, considerando as circunstâncias específicas de cada caso, bem como os requisitos subjetivos, a fim de verificar se os requisitos para aplicação do princípio da insignificância estão presentes.
Vale destacar que a aplicação do princípio da insignificância não implica impunidade, mas sim uma adequação da resposta penal à gravidade do fato e aos princípios da proporcionalidade e da humanidade.
5. CONCLUSÃO
A aplicação do princípio da insignificância no Direito Penal brasileiro desempenha um papel relevante na busca por uma justiça mais proporcional e eficiente. Ao estabelecer critérios para excluir a tipicidade penal de condutas de mínimo potencial ofensivo, o princípio da insignificância visa direcionar os esforços do sistema penal para a repressão de crimes mais graves, evitando a criminalização de comportamentos socialmente toleráveis.
Através da análise da mínima ofensividade da conduta, ausência de periculosidade social da ação, reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica o magistrado pode avaliar se o caso em questão justifica a aplicação do princípio da insignificância.
No entanto, é necessário que a aplicação desse princípio seja realizada de forma criteriosa e em conformidade com os valores e princípios do ordenamento jurídico vigente. Dessa forma, a aplicação do princípio da insignificância no Direito Penal brasileiro contribui para uma abordagem mais justa e equilibrada, evitando a sobrecarga do sistema de justiça criminal com casos de menor potencial ofensivo e direcionando os recursos para a repressão de crimes mais graves. Assim, promove-se a efetividade da justiça, resguardando os princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995. Dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências. Brasília, DF: Diário Oficial da União, 1995. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9099.htm. Acesso em: 05 jul. 2023.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso de Habeas Corpus nº 66.869-1. Recorrente: Vera Maria Nunes Deutscher. Recorrido: Tribunal de Alçada do Estado do Paraná. Relator: Ministro Aldir Passarinho. Paraná, 06 de dezembro de 1988. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/stf/722059. Acesso em: 05 jul. 2023.
GUADANHIN, Gustavo de Carvalho. Princípio da Insignificância: uma análise dogmática e sua aplicação nos delitos contra a administração pública. Curitiba: Juruá, 2018.
GOMES, Luiz Flávio. Princípio da insignificância e outras excludentes de tipicidade. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009.
MASSON, Cleber. Direito Penal: parte geral (arts. 1° a 120). 16° Ed. Rio de Janeiro: Método, 2022.
REBÊLO, José Henrique Guaracy. Princípio da insignificância: interpretação jurisprudencial. Belo Horizonte: Del Rey, 2000.
Policial Militar, Bacharel em Direito, Especialização em Ciências Criminais.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MACHADO, Natali Batista. Princípio da insignificância e sua aplicabilidade no direito penal brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 ago 2023, 04:32. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/62310/princpio-da-insignificncia-e-sua-aplicabilidade-no-direito-penal-brasileiro. Acesso em: 21 nov 2024.
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